O Cemitério dos Escravos, localizado na região dos Fechos em Santa Luzia, próximo a Comunidade Quilombola de Pinhões, é um dos poucos patrimônios históricos, ainda existe, que nos faz lembrar da escravidão negra na cidade. Isto porque apesar de Santa Luzia ser fruto dos vários assentamentos de bandeirantes que usavam a mão de obra escrava para minerar ouro de aluvião nos afluentes do rio das Velhas no final do século XVII, a história da negritude escravizada na cidade está praticamente apagada.
A região dos Fechos, antiga sesmaria das Bicas, é um dos povoados mais antigos da tricentenária Santa Luzia e possui um inestimável valor histórico, cultural e religioso para a cidade. Foi a partir dos negros escravos enviados da sesmaria de Bicas e da sesmaria de Macaúbas que nasceu, ainda nos setecentos, a comunidade quilombola de Pinhões. Os Fechos abrigam também o conhecido córrego do Cachimbeiro – onde outrora escravos buscavam água – e o Cemitério dos Escravos.
O Cemitério dos Escravos possui tombamento municipal e é um reconhecido como patrimônio histórico. Há três décadas é celebrada, no dia 2 de novembro, a missa em memória dos negros escravizados ali enterrados. É um momento místico de encontro com o nosso passado, com as nossas raízes e de reflexão crítica sobre as várias formas de exploração, de agressão à dignidade da pessoa humana e as condições de trabalho. Relembrar o nosso passado escravocrata nos possibilita compreendermos qual o tipo de sociedade nos tornamos desde então e a realidade na qual estamos inseridos no presente.
Há pelo menos 15 anos o Cemitério dos Escravos vem sendo ameaçado pelo projeto do Rodoanel Metropolitano de Belo Horizonte. A ameaça se tornou realidade factual neste ano de 2021 com a assinatura de acordo entre a mineradora Vale e o Governo de Minas para o ressarcimento do Estado pelos impactos causados pelo rompimento da barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho, em 2019. Os recursos financeiros que sempre faltaram ao DENIT para execução da obra do Rodoanel enfim foram adquiridos. A nova rodovia, que terá aproximadamente 500 metros de largura por 100,6 km de extensão, passará ao lado do Cemitério dos Escravos, descaracterizando brutalmente todo o ambiente rural dos Fechos. Além dos impactos causados pelas pistas de tráfego, haverá os danos provocados pela conexão do Rodoanel com a MG 020 (Estrada Real), e os empreendimentos empresariais que este atrairá para a sua faixa de domínio.
É sintomático que os R$37 bilhões do ressarcimento pelo rompimento de uma barragem de rejeitos de minério – que matou o rio Paraopeba e mais de 200 trabalhadoras e trabalhadores – seja usado para construir uma rodovia que, além de servir como infraestrutura de transporte de minério de ferro, devastará, na região dos Fechos, o Cemitério dos Escravos, o córrego do Cachimbeiro e a Comunidade Quilombola de Pinhões.
Tendo em vida a gravidade da situação que se encontra todo o território místico dos Fechos, durante a ação de graças da Missa em memória aos escravos, acontecerá o ato simbólico Abraço Coletivo ao Cemitério dos Escravos. A Missa será celebrada pelo pe. João Lucena, da paróquia São Raimundo Nonato, no dia 2 de novembro de 2021, às 16 horas, dentro do Cemitério dos Escravos. Confirmaram presença e participação a Pastoral Afro, a Comissão Pastoral da Terra de Minas Gerais, a Associação das Mulheres Quilombolas de Pinhões, os movimentos Salve Santa Luzia, SOS Santa Luzia, SOS Vargem das Flores, o Observatório da Evangelização da PUC Minas, o diretório municipal do PT e do PSOL, a comunidade local e comunidades tradicionais de várias cidades.
Glaucon Durães da Silva Santos
Doutorando em Ciências Sociais pela PUC Minas, colaborador jovem do Observatório da Evangelização da PUC Minas, morador de Santa Luzia, membro do movimento das comunidade quilombolas de Santa Luzia e região impactadas pelo Rodoanel e do coletivo Salve Santa Luzia.