“Vida longa ao SUS”, com a palavra Élio Gasda, SJ

“A saúde é um direito universal! […] A saúde é uma benção divina! […] Saúde é sinal do Reino de Deus presente no mundo! […] O profissional de saúde é um dom de Deus! […] Salvar o SUS da mão dos poderosos, gananciosos e corruptos é ser discípulo de Jesus, é ser um bom samaritano! […] Cuidar da saúde das pessoas é viver a fé no Deus da vida. E cuidar dos doentes é cuidar do próprio Cristo. […] Vida longa ao SUS!

Confira a reflexão do prof. Élio Gasda, SJ:

Em defesa do SUS e do direito social constitucional à saúde pública, mulheres do MST, como gesto de profunda gratidão, entregam cestas de alimentos a 165 profissionais de Saúde do Hospital Cruz Vermelha, de Castro (PR), em 8 de março de 2021 (Foto: Valmir Fernandes)

A saúde é um direito universal!

Sim, a saúde é um direito universal. Quem nunca precisou de um curativo, uma consulta médica, um exame laboratorial, um tratamento preventivo, um medicamento, uma vacina? Todos já passamos por um atendimento à saúde, mas nem todos temos dinheiro para pagar. Muitas vezes, como na parábola do Bom Samaritano, o pobre é abandonado. Menos pelo SUS.  É o maior sistema de saúde pública do mundo! 

No Brasil, depois de duas décadas de pressão dos movimentos sociais por direito de todos à saúde nasceu o Sistema Único de Saúde (SUS). A Constituição de 1988, em seu artigo 196, prevê que a saúde é um direito de todos e dever do Estado. O acesso universal e gratuito foi regulamentando em 1990.

“Nos tornamos o único país com mais de 100 milhões de habitantes que ousou oferecer saúde para todos”.

Drauzio Varella

Dados do IBGE indicam que 71,5% da população, ou seja 7 em cada dez brasileiros, dependem do SUS (levantamento realizado antes da pandemia).

Usamos o SUS o tempo todo!

Sim, usamos o SUS o tempo todo. O SUS é um avanço, apesar das tentativas de desmantelamento promovido pelo descaso com hospitais, unidades de saúde e desvalorização dos profissionais. Reconhecer constitucionalmente a saúde como direito de todos exige investimento do Estado em políticas públicas em favor da vida.

Infelizmente, os dois últimos governos estão na contramão da Constituição.

  • Em 2017, a emenda constitucional 95 congelou por 20 anos as despesas com gastos em políticas públicas de saúde. O setor já perdeu mais de R$20 bilhões desde a vigência da emenda;
  • Em 2020, Bolsonaro, por meio de decreto, tentou dar início a privatização do SUS, mas não obteve sucesso. Também suspendeu o Censo Demográfico realizado a cada dez anos pelo IBGE;
  • Para este ano, o corte de 97% no orçamento inviabiliza a execução da pesquisa e coloca em risco todas as políticas públicas.

Esse mesmo governo ‘assentou’, por quase um ano, em cima de um ‘cheque’ de R$ 20 bilhões que deveria ser destinado a compra de vacinas. Necropolítica!

O SUS não pertence a governos ou partidos, é política de Estado!

É isso mesmo, o SUS não pertence a governos ou partidos, é uma política de Estado! A pandemia trouxe duas realidades sobre o SUS. Por um lado, mostrou o alto nível de eficácia no enfrentamento à crise sanitária, apesar do boicote bolsonarista. Também o quanto os profissionais de saúde são comprometidos com seu trabalho a favor da vida. Por outro, revelou o quanto o direito à saúde dos pobres é violado. Equipamentos sucateados, falta de medicamentos, de oxigênio, de kits de intubação, de vagas em UTI e de vacina.

A morte não pode ser naturalizada, pois como afirma, em nome de Deus, o profeta Oséias “desejo misericórdia e não sacrifícios; conhecimento de Deus e não holocausto” (Os 6, 6). No nosso país, já são mais de 470 mil mortos pela COVID-19.

Saúde é sinal do Reino de Deus presente no mundo. O termo vem do latim, salus que significa salvação, conservação da vida. A saúde é uma benção divina. A natureza oferece elementos para a cura: “O senhor fez a terra produzir medicamentos: o homem sensato não os despreza” (Eclo 38, 4). O profissional de saúde é um dom de Deus: “Honra o médico por causa da necessidade, pois foi o altíssimo quem o criou” (Eclo 38, 1).

É preciso denunciar o sistema que mata os pobres!

Os interesses do poderosos desprezam até o plano de Deus “para que todos tenham vida” (Jo 10, 10). É preciso denunciar o sistema que mata os pobres. “Que direito tendes de esmagar o meu povo e moer a face dos pobres?” (Is 3, 15). A doença não é castigo de Deus. Jesus denunciava os poderosos e promovia a saúde integral: “Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas os doentes. Eu não vim chamar os justos, mas os pecadores” (Lc 2, 17). Jesus contestou a tese da doença como resultado do pecado: “…Rabi quem pecou, …para que nascesse cego? …Nem ele nem seus pais” (Jo 9, 2-3). Jesus curou cegos, aleijados, leprosos, paralíticos, hemorragias. Jesus foi tão profundamente humano que sempre se pôs do lado da vida, vencendo as forças da morte. Evangelho para um enfermo é o restabelecimento da saúde.

A necessidade básica primeira é a vida. Salvar o SUS da mão dos poderosos, gananciosos e corruptos é ser discípulo de Jesus, é ser um bom samaritano: “Quem é o meu próximo?” (Lc 10, 29). Cuidar da saúde das pessoas é viver a fé no Deus da vida. E cuidar dos doentes é cuidar do próprio Cristo: “Estive doente e cuidaste de Mim” (Mt 25, 36). Sem o SUS, a maioria dos brasileiros não teria acesso a um sistema de saúde. Curar enfermidades, aliviar sofrimentos. Vida longa ao SUS!

Sobre o autor:

Prof. dr. Élio Gásda, SJ

Élio Gasda é jesuíta, doutor em Teologia, professor e pesquisador na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia – Faje. Sua reflexão teológica sobre os desafios e urgências da contemporaneidade, à luz da Fé, da Ética e dos princípios estruturantes da Doutrina Social da Igreja, vem contribuindo significativamente na caminhada do movimentos populares, as pastorais sociais, grupos diversos e lideranças comprometidas com a transformação das estruturas injustas da sociedade e a cultura da paz fundada na justiça e na fraternidade. Além de inúmeros artigos, dentre seus livros destacamos: Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja (Paulinas, 2001); Cristianismo e economia (Paulinas, 2016). O Observatório da Evangelização tem publicado aqui alguns de seus artigos.