O papa Francisco tem se mostrando um especialista em impulsionar processos. A nossa cidadania cristã, no mundo, não pode ser só a de ocupar espaços. Esta redução seria uma postura que se mostra obsoleta, ultrapassada e anacrônica. No entanto, infelizmente, é o que percebemos em muitas situações de realidades humanas, nas quais quem está à frente, não guia; mas, sim, é carregado nas costas de quem deveria ser liderado.
Quando só procuramos ocupar espaços, somos carregados pelos indivíduos e pelas instituições das quais fazemos parte. Vivemos em função e por causa do que os outros construíram. Não desenvolvemos, nem fazemos história; mas somos arrastados pelos ventos, assim como penas lançadas ao vento.
O que fazer para construirmos um protagonismo diferenciado, se temos consciência de viver hoje nestes tempos difíceis? Somos interpelados a buscar e a testemunhar um outro protagonismo possível e necessário. Quem toma a iniciativa de dinamizar os processos de transformação eclesial para sermos mais fieis a Deus precisa dar atenção à escuta e ao discernimento, à oração e ao estudo; discernir os sinais dos tempos e acolhê-los com coragem profética; quem perceber, entender e acolher o novo que estamos a viver precisa dialogar e envolver para “caminhar juntos”; cultivar a dimensão espiritual e, de certa forma, se reinventar diante do novo… Assim teremos mais condições de fazer a diferença neste momento complexo da história da Humanidade.
Na vida eclesial essa exigência de sinodalidade – fraternidade, unidade e comunhão – é fundamental e estruturante. Precisa ser melhor cuidada, intensificada e potencializada. Temos que assumir, com a força do Espírito Santo, essa responsabilidade de batizados, nas comunidades que fazemos parte. Somente assim seremos o corpo de Cristo, sacramento do Reino na história.
Mas atenção, aqui não podemos esquecer que nossa estrutura mental tende a nos colocar numa situação de comodidade e conforto. Olha como aconteceu e continua a acontecer em nossa caminhada eclesial: muitas vezes nos contentamos com uma evangelização sacramentalista. Celebramos os sacramentos e acreditamos que tudo já está pronto. Passamos a viver um cristianismo de exigências mínimas. Vivendo uma vida cristã apequenada e sem acolher e enfrentar os grandes desafios da vida atual. Muitos de nós, ainda que a reflexão teológica e pastoral tenham avançado, ainda agimos, diante dos sacramentos, como se fossem os canais da graça de Deus. Há ministros, infelizmente, que coisificam os “sinais sacramentais”, com fins econômicos e espírito mundano.
No entanto, enquanto houver fé sobre a terra e abertura do coração a Deus, poderemos nos converter ao projeto salvífico de Deus. Poderemos aproveitar as oportunidades – como a do Sínodo sobre a Sinodalidade, a Assembleia Eclesial Latino-americana e caribenha, dentre outras – para intensificar a nossa abertura de coração para Deus e de escuta e diálogo fraterno entre nós.
A pandemia tem nos provocado a fazer uma séria revisão de vida. Não podemos continuar a viver do mesmo modo e a cultivar atitudes pueris. A desestruturação sanitária gerou muitas outras decomposições: na economia, na política, na vida religiosa, na familiar e nas subjetividades. É neste sentido que a ideia do Papa sobre a importância da “iniciação de processos” de transformação precisa encontrar “eco” nas mentes e nos corações de todos nós, especialmente, de quem está à frente do serviço da liderança com suas responsabilidades específicas.
Enfim, esta é uma preocupação que tenho em meu íntimo e quero compartilhar com vocês e, quem sabe, torná-la comum entre nós cristãos batizados. Não podemos “cansar no exercício de pensar”. A Igreja nos trouxe um integral e consistente ensinamento conciliar sobre o protagonismo de todos os fiéis batizados. Na relação entre ministros ordenados e demais membros do povo de Deus, a relação e a dinâmica deste protagonismo são diferenciadas. É importante que os fiéis todos tenham clareza sobre esse aspecto do modo de ser e agir da Igreja em sua catolicidade. Estamos a nos preparar para a realização da Assembleia Eclesial Latino-americana e caribenha e o Sínodo sobre a sinodalidade. O papa Francisco sabe que está iniciando processos. Sabe que não é alguém que só ocupa lugar, mas alguém preocupado com a Igreja como um todo. No momento, é quem tem sido uma mediação criativa do Espírito Santo, no seio da Igreja e no Mundo. Assim o seja!
Sobre o autor:
Pe. Matias Soares é pároco da Paróquia de Santo Afonso Maria de Ligório, em Mirassol, Natal e é colaborador do Observatório da Evangelização PUC Minas.