Um desafio para a Igreja: que formação oferecer aos futuros padres?

Quais os maiores desafios e urgências para a atual formação para ser padre?

Pessoas implicadas e diretamente envolvidas na temática em questão, respondem. Vale a pena ler e deixar-se provocar. Muito se tem escrito sobre a necessidade de profundas transformações na formação oferecida ao clero. E você, o que pensa sobre isso?

A equipe do OE PUC Minas publica reflexões sobre os desafios de ser padre na contemporaneidade. Essa segunda reportagem também nos vem do contexto europeu e diz respeito à formação oferecida nos seminários. Acompanhe-nos e contribua com sua reflexão crítica sobre esta importante questão diretamente envolvida na ação evangelizadora da Igreja.

Reflexões sobre a formação proposta nos seminários

 

Domingo, 25 de junho, o semanal diocesano de Vicenza (La Você dei Berici) e de Pádua (La Difesa del Popolo) chegavam às bancas com um mesmo artigo intitulado “Padres: qual a formação ideal?“. Uma pluralidade de vozes respondia a esta pergunta através de artigos, depoimentos e entrevistas.

O ponto de partida é uma constatação. Em 31 de dezembro de 2014, havia na Itália 2.439 seminaristas. Dez anos antes (2004), eram 3.145. Em dez anos, o declínio foi de 12%. As Igrejas do Triveneto contam 284 seminaristas. Há um alarme no sentido numérico quanto aos sacerdotes, mas há também uma profunda reformulação sobre a formação que recebem nos seminários para lidar com um mundo em rápida mudança.

O debate nos dois semanários foi iniciado por um artigo do jesuíta Hans Zollner, presidente do Instituto de Psicologia da Universidade Gregoriana. Padre Zollner recorda que a formação dos futuros sacerdotes está ocorrendo enquanto testemunhamos a grandes mudanças na sociedade e na cultura. Basta olhar como hoje se estrutura a família italiana

“unidades cada vez menores, cada vez mais instáveis e com relações patchwork (de composições variadas)”.

E basta pensar da revolução da informática

“os seminaristas de hoje também são em sua maioria nativos digitais, ou seja, cresceram e se acostumaram a estar constantemente conectados com seus seguidores ou amigos nas várias plataformas das redes sociais”.

Será necessário educar o seminarista “para o silêncio e para ficar ‘conectado’ com a realidade divina”.

Além disso, aqueles que entram no seminário são, às vezes, desconhecedores dos fundamentos da prática religiosa: catequese, liturgia, Escritura, história e tradições da Igreja etc. Portanto, é imprescindível “uma fase preliminar de introdução para os ritos, os temas fundamentais e a prática de uma vida cristã”.

Entre os aspectos positivos encontrados naqueles que entram para o seminário, pode se destacar – de acordo com o padre Zollner – certa sensibilidade espiritual, uma boa motivação vocacional e muitas vezes (devido ao ingresso para o seminário em idade relativamente adulta) também uma rica experiência humana. Por outro lado, há uma tendência a “uma vida fragmentada” (uma vez cumprido meu dever como padre, faço o que eu quero da minha vida), uma não clara identidade sexual e uma hesitação em assumir laços duradouros e comprometidos.

O sacerdócio – conclui o padre Zollner – é uma bela vocação, e quando é vivida “com autenticidade e proximidade com as pessoas, é muito admirada e procurada”. Mas “apenas se forem suficientemente maduros em termos de vida humana, espiritual e acadêmica, os seminaristas poderão ser eficazes pastoralmente”.

Homens de Deus e homens de relação

O objetivo do seminário?

“Formar um padre que seja um homem de Deus e um homem de relações”. Evangelho, oração e recolhimento visam cultivar o primeiro aspecto. Vida comunitária, experiência pastoral e diálogo educacional têm como alvo o segundo.

Assim respondeu dom Giampaolo Dianin, há oito anos reitor do seminário de Pádua e responsável pela Comissão dos seminários da Conferência Episcopal do Triveneto.  Para atingir esses objetivos,

O seminário precisa colocar “uma atenção realista para o amadurecimento humano”, deve fornecer a “capacidade para discernir dentro das imensas mudanças sociais e pastorais” e deve formar “personalidades flexíveis, porque tudo muda em velocidades muito rápidas”.

A comunidade e a família não são mais um “recurso educacional”, como eram antigamente, os percursos de formação “estão cada vez mais personalizados nos tempos e nas etapas” e os tempos das escolhas definitivas “alongaram-se”. Mas – segundo dom Dianin – não é possível “fazer concessões.” Alguns “pontos-chave” devem ser obrigatoriamente salvaguardados.

Não é apenas uma “forte vigilância sobre o mundo afetivo”, é preciso cultivar outras virtudes essenciais, tais como “a docilidade e a disponibilidade, a capacidade relacional e de colaboração, um estilo de vida evangélico”. Também é preciso evitar que o seminarista se resuma a tratar as pequenas coisas da vida, esquecendo os problemas do mundo e os desafios diários.

Para a pergunta “que tipo de padres forma, hoje, o seminário?”, dom Dianin respondeu:

“Gostaríamos de conseguir formar personalidades sólidas, com fortes raízes em Deus e com disponibilidade à doação de si mesmo. Homens capazes de estar no mundo sem ser do mundo. Crentes capazes de discernir, de pensar e de planejar”.

O atual tipo de seminário precisa ser alterado

Também para dom André Peruffo, padre de Vicenza, diplomado em psicologia, consultor de psico-diagnóstico no seminário de Vicenza, foram dirigidas algumas perguntas. Ao entrevistador que o questionava sobre as diferenças entre padres jovens e idosos, dom André ressaltou a sua base comum,

“o desejo de se envolver com as pessoas, o entusiasmo para viver seu ministério”. A diferença está na carga de trabalho. As paróquias atualmente estão organizadas em “unidades pastorais cada vez maiores. E isso é uma fonte de preocupação para muitos sacerdotes jovens.

O ponto nodal continua sendo a formação:

entre a formação recebida no seminário e aquela (permanente) que deve acompanhar o sacerdote por toda a sua vida, deve haver “uma relação muito estreita”. “A vida – declara dom Peruffo – deve ser vivida numa perspectiva de ‘formação’ em que nos permitimos mudar, sermos transformados pela própria vida”.

Que características um sacerdote precisa ter, hoje, para enfrentar uma realidade em constante movimento?

“No passado – responde dom André – procurava-se homens capazes de suportar a solidão. Hoje, no entanto, precisamos de pessoas capazes de desenvolver competências sociais para processos colaborativos, como pedir ajuda, gerenciar conflitos, valorizar os indivíduos, trabalhar em grupos etc.”

O seminário prepara para essas competências? A resposta de dom Peruffo é seca:

“Na forma atual, não”. A instituição seminário pode ainda ser mantida, “mas é preciso mudar a formação para o ministério”.

Da mesma opinião, e com sua franqueza habitual, a teóloga Stella Morra afirma:

“Os padres de hoje ainda são aqueles do modelo tridentino a quem cabe gerenciar a fase pós-conciliar e pós-moderna”. Deve ser radicalmente repensada a figura do sacerdote, porque “se não for repensada esta, também não serão repensados os seminários”.

 

Sacerdotes e leigos

Que tipo de relação entre sacerdotes e leigos importa nos tempos de hoje?

Nós escolhemos duas vozes, um homem e uma mulher, para responder a esta pergunta.

A) Interessante o que afirma Marco Tuggia, pedagogo e docente no seminário de Vicenza.

Em sua opinião, o processo de formação dos novos padres deveria incluir três áreas.

1. O sacerdote precisa aprender a “deslocar-se do centro do palco”, porque é fundamental que ele “aprenda a construir em conjunto com os outros as decisões a serem tomadas”. O povo de Deus, de fato, não é desprovido de experiência e de saberes. O padre é chamado a “facilitar os processos de colaboração e co-projeto”.

2.  Competências necessárias para trabalhar concretamente em grupo: O sacerdote deve “saber se posicionar dentro de uma dimensão compartilhada”, tanto com outros sacerdotes como com os leigos.

3. Capacidade de ouvir as pessoas: “O sacerdote deveria saber ouvir realmente, por estar livre da preocupação de ter que dar soluções”. Mas isso vai exigir uma profunda transformação, porque ele “não seria mais obrigado a estar um passo à frente das pessoas da sua comunidade, mas, finalmente, ao seu lado”.

B) Da mesma opinião é Gina Zordan, vice-presidente do setor de adultos da Ação Católica de Vicenza:

“Os sacerdotes deveriam ser capazes de ouvir a vida dos leigos que estão em contato direto com a realidade”, preenchendo assim aquela lacuna que às vezes é criada entre as noções adquiridas e a vida real.

Pelo que ouvimos, pode-se deduzir que o seminário é hoje um problema sério e que a formação que proporciona é um campo em reestruturação. Desses seminários saem os sacerdotes que orientarão as comunidades cristãs do amanhã. Abertos à modernidade, mas ancorados a determinados, irrenunciáveis “pontos fixos”.

(A reportagem é de Bruno Scapin,  publicado por Settimana News, 17-08-2017. A tradução é de Luisa Rabolini. Os grifos são nossos.)

Fonte

IHU

1 Comentário

  1. Adorei este texto questionando este temas tão atuais e ainda em determinados locais são tratados com arquétipos valores.

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