“Três oposições, em nível antropológico ou cultural, entre o rural e o urbano” que provocam reflexões para a atual pastoral urbana. Com a palavra Alberto Antoniazzi

Algumas percepções e intuições pastorais do pe. Alberto Antoniazzi, diante do impacto do crescente processo de urbanização, em sua busca de pensar a presença da Igreja na cidade. Confira:

Três oposições, em nível antropológico ou cultural, entre rural e urbano que estimulam a reflexão pastoral no contexto urbano

Alberto Antoniazzi

1. Sobre a cultura urbana

A sociedade rural era regida pela tradição, pela experiência acumulada no passado. A sociedade urbana é voltada, preferencialmente, para a inovação. A experiência deixa de ser o saber acumulado para tornar-se “experimento”, risco, busca do novo.

As pessoas deixam de ser profundamente integradas nas pequenas comunidades rurais e se acham expostas à “multidão solitária” da cidade. Buscam individualmente a realização subjetiva.

No campo religioso, pautam a própria conduta pela emoção, pelo gosto, pela busca de respostas imediatas às novas angústias e aos anseios pessoais. A religião é escolhida ou abandonada não sob a pressão da sociedade ou da tradição, mas a partir das experiência vivida.

Esses traços questionam em profundidade a concepção “tridentina” da ação pastoral, cuja ênfase recaía sobre a apresentação objetiva da “reta doutrina” e da “disciplina legítima”.

A pastoral do meio urbano, de hoje e de amanhã, deve partir da subjetividade, da valorização da pessoa, logo, do reconhecimento do pluralismo, da participação.

2. Sobre o tempo na cultura urbana

No mundo rural, a população vive a maior parte do tempo dispersa nos campos, em contato com a natureza… O encontro com outras pessoas é o momento da “humanização”, da socialização, do sentir-se gente.

A Igreja, promovendo a prática religiosa dominical, consagra também a necessidade natural de as pessoas humanas se encontrarem e se reconhecerem como membros de uma sociedade… é um momento social e religioso ao mesmo tempo.

Inversamente, no mundo urbano, a população vive uma multiplicidade de contatos e de relações durante seus dias úteis, submetido a um ritmo “estressante”. No “fim de semana” não procura mais o encontro, a comunidade, a massa; prefere a intimidade, o refúgio tranquilo, o afastamento dos outros, dos estranhos.

Tudo isso questiona profundamente o domingo e a organização temporal da pastoral católica. E os questionará ainda mais no futuro.

Na sociedade rural, a igreja é centro de convergência. Na sociedade urbana, a igreja é um dos muitos “serviços” que a cidade oferece. Não pode ocupar o centro, porque não há mais “centro” nas áreas urbanas modernas ou periféricas. Na sociedade rural, há uma forte relação entre os ciclos da natureza e as celebrações litúrgicas. […]

Resta, contudo, uma contradição: continuamos rezando como se estivéssemos num mundo rural, em contato com a natureza, quando as luzes da cidade nos impedem de ver as estrelas, quando o relógio estabeleceu outras regras para o tempo, quando a luz elétrica nos desligou da luz do sol… Não estaria na hora de uma reforma pastoral litúrgica “inculturada” no mundo urbano?

3. Sobre os símbolos no mundo urbano

A questão do simbolismo não se limita à relação com o tempo e o espaço, embora fundamentais. Tais objetos e gestos dos ritos litúrgicos foram tirados, em grande parte, de um mundo rural ou de um mundo urbano antigo, que pouco tem a ver com a cidade de hoje, com o moderno fenômeno da urbanização generalizada, que penetra até no campo.

Talvez os objetos e gestos da liturgia não nos pareçam estranhos, porque foram muito reduzidos e perderam sua força. Desde o início dos tempos modernos, muito antes da revolução industrial, a religião cristã – sejam na Igreja Católica, seja ainda mais nas Igrejas protestantes – assumiu um caráter didático, tornou-se explicação de doutrina, deu ênfase à palavra. Assim o rito do mergulho, no batismo, foi substituído por poucas gotas d’água. A unção com azeite se reduz a uma invisível camada na ponta do dedo do ministro. O grande pão a ser partido na Eucaristia virou uma frágil hóstia sem sabor.

O mundo atual é ainda sensível aos símbolos? Creio que sim. Mas parece que os símbolos atuais não devem ser procurados em objetos (embora muitos gostem da natureza), nem na tentativa de ressuscitar símbolos antigos (embora não faltem fundamentalistas e saudosistas). Os grandes símbolos atuais são humanos: são os gestos, as músicas, as criações que evocam a alegria, a liberdade, a fraternidade, a oração, a busca de Deus, a procura da justiça, a luta contra o pecado. A linguagem dos símbolos e dos ritos pode e deve ser redescoberta na “sociedade da comunicação”, onde o excesso de informações paradoxalmente torna mais difícil a comunicação interpessoal que o símbolo expressa de forma densa e aberta.

Fonte:

ANTONIAZZI, Alberto. Princípios teológico-pastorais para uma nova presença da Igreja na cidade. In: ANTONIAZZI, Alberto & CALIMAN, Cleto. A presença da Igreja na cidade. Petrópolis: Vozes, 1994, p. 82-85.