Testemunhos celebram a páscoa definitiva de Frei Carlos Josaphat (1921-2020)

Uma das tradições humanas mais belas e significativas é a de “fazer memória”, recordar, de modo vivo e contagiante, aqueles que nos marcaram e se tornaram eternos pelo amor vivido e compartilhado sobretudo com os mais pobres e excluídos.

  • No primeiro, frei Betto, membro da mesma Ordem dos Pregadores, conhecida simplesmente como Frades dominicanos, recupera a fecunda trajetória histórica e muitos dos feitos memoráveis de Frei Carlos Josaphat;
  • No segundo, irmão Marcelo Barros, monge beneditino, expressa seus sentimentos aos membros enlutados da Ordem dos Pregadores que celebram a páscoa definitiva de Frei Carlos Josaphat;
  • No terceiro, Faustino Teixeira, professor e teólogo leigo do diálogo inter-religioso, faz memória da beleza e simplicidade do grande pensador dominicano;
  • No quarto, dom Pedro Casaldáliga, no marco dos 80 anos de Frei Carlos Josaph, o descreve profeticamente.

Estes depoimentos têm em comum com o homenageado a busca diária de fidelidade ao Reino, de coerência evangélica e de compromisso ético humanista de, como religiosos e cidadãos, assumir as causas dos mais pobres, que com seus movimentos e organizações populares lutam contra a exclusão social. Como frei Carlos Josaphat, eles procuram colocar-se integralmente a serviço alimentando a espiritualidade, a coragem e perseverança nas travessias e lutas em defesa dos direitos humanos, da dignidade dos mais pobres e da Casa comum. Trata-se de expressão criativa do seguimento de Jesus na complexa, injusta e desigual sociedade em que vivemos.

Confira:

Frei Carlos Josaphat Pinto de Oliveira O.P. (1921-2020)

Por Frei Betto

Tivesse eu que indicar um frade dominicano exemplar não relutaria em apontar frei Carlos Josaphat, falecido em Goiânia dia 9/11, cinco dias após comemorar 99 anos. Mineiro de Abaeté (MG), ingressou no seminário de Diamantina (MG) aos 12 anos e estudou filosofia e teologia em Petrópolis (RJ). Ordenado sacerdote em 1945, foi professor no renomado Colégio do Caraça (MG), onde estudaram Juscelino Kubitschek e o economista Roberto Campos. Em seguida, ensinou no seminário de Mariana (MG) e, também, em Fortaleza e Recife. Na capital pernambucana se tornou amigo do educador Paulo Freire.

Em 1953, aos 32 anos, o padre Josaphat deixou os lazaristas e optou por ingressar na Ordem de São Domingos. Remetido à França para completar seus estudos, conviveu com eminentes teólogos católicos, como os dominicanos Congar e Chenu, e o jesuíta Karl Rahner. Foi amigo também de destacados filósofos, como Jacques Maritain, Etienne Gilson e Emmanuel Mounier.

Retornou ao Brasil em 1963, onde assumiu, em São Paulo, a função de regente de estudos dos frades dominicanos, e se aproximou na esquerda católica por meio da JUC (Juventude Universitária Católica) e da organização política Ação Popular (AP).

Homem multitalentoso, autor de “O Evangelho e a revolução social” (1962), conhecia em detalhes a vida e a obra de Santo Tomás de Aquino e, além da teologia, dominava a filosofia, psicologia, ética, economia política e comunicação social. Em março de 1963, reuniu em São Paulo uma equipe de talentosos jornalistas, entre os quais Maria Olympia França, Josimar Melo, Roberto Freire e Ruy do Espírito Santo, e fundou o semanário “Brasil Urgente”, de alcance nacional, cujo lema era “A verdade, custe o que custar; a justiça, doa a quem doer”.  Jornal apartidário, propagava politicamente as encíclicas sociais do papa João XXIII e defendia as reformas de base do governo João Goulart, em especial a reforma agrária.

O jornal foi empastelado e fechado pela ditadura militar em abril de 1964, quando frei Carlos Josaphat, antevendo os rumos do país, já se havia autoexilado na Europa. A manchete da última edição do tabloide, de número 55, prenunciava: “Fascistas preparam golpe contra Jango!”

Nossa igreja no bairro de Perdizes, na capital paulista, onde frei Carlos proferia concorridas homilias e dava cursos de doutrina social da Igreja, teve seus muros pichados: “Fora padre comuna!”

Após um período na França, onde obteve o doutorado, em 1965, com tese sobre ética da comunicação social, instalou-se por quase trinta anos na Suíça, onde foi professor de ética da comunicação no Instituto de Jornalismo e Comunicação Social da Universidade de Friburgo, da qual era professor emérito.

De retorno ao Brasil em 1994, voltou a lecionar na Escola Dominicana de Teologia, em São Paulo, e em várias universidades, além de atender sucessivos convites para proferir conferências. Publicou mais de vinte obras, entre as quais se destacam os estudos pioneiros sobre frei Bartolomeu de las Casas; a ética tomista; e a convergência entre Tomás de Aquino e Paulo Freire.

Frei Carlos era homem de permanente sorriso e visceral otimismo. A simplicidade de sua mineirice evitou que ostentasse sua vasta erudição. Publicou 63 livros e inúmeros artigos. Nesses últimos anos, trocou o convento de São Paulo pelo de Goiânia para merecer os cuidados que a sua avançada idade exigia. Foi sepultado em sua terra natal, Abaeté (MG), como tanto queria.

Frei Betto é frade dominicano e escritor. (freibetto.org)

Aos membros da Província Bartolomeu de las Casas e toda família dominicana do Brasil

Por Ir. Marcelo Barros

Querido irmão frei José Fernandes
e queridos irmãos da Província Bartolomeu de las Casas
e toda a família dominicana no Brasil,

Como irmão e me lembro de que vocês sempre dizem que sou benedicano (beneditino e dominicano ao mesmo tempo), me sinto muito tocado pela partida do frei Carlos Josaphat.

Poucas vezes tive a graça de conviver com ele por tempo maior, mas essas poucas vezes sempre me deixaram a impressão de um homem tomado pela Palavra de Deus e cheio de um espírito de abertura profética que o fazia sempre jovial e cheio da alegria de Deus.

Uma vez ou duas nos anos 90, fizemos lançamento de livros juntos. Em Belo Horizonte com frei Betto e penso que uma vez em São Paulo. Ele que era mestre de todos nós se comportava como alguém sempre disposto a aprender.

Com sua partida, nós que, conforme o evangelho lido hoje, carregamos como servidores ordinários (não inúteis) a tarefa de continuar a expressar e aprofundar as Teologias da Libertação para os nossos dias, nos sentimos mais pobres, mas sabemos que do céu, ele vai continuar a nos acompanhar nesta tarefa e vai pedir a Deus que, principalmente nos faça viver com coerência este tesouro que o Espírito (a Divina Ruah) nos confiou para pregar (somos todos frades pregadores) pela nossa vida.

Em nome do grupo ecumênico que faz comigo o curso Teologias da Libertação para os nossos dias, recebam nossos sentimentos de comunhão e nosso compromisso de continuar o caminho partilhado juntos.

Deus abençoe a cada um e cada uma de vocês.
Abraço carinhoso e saudoso

do irmão Marcelo Barros

Sobre Frei Carlos Josaphat

Por Faustino Teixeira

Ontem, dia 09/11/2020, fez sua passagem o grande pensador dominicano Frei Carlos Josaphat. Talvez tenha sido de nossos mais brilhantes pensadores no Brasil.

No período que precedeu o golpe militar, em 1964, teve uma atuação crítica e profética. Foi o fundador do jornal Brasil Urgente. Era dos mais contundentes pregadores na ocasião, e suas missas eram objeto de grande atração da juventude de esquerda. Teve que se exilar na Suiça e ali fez carreira inovadora na Universidade de Friburgo no campo da Moral.

Depois retornou ao Brasil em tempos de mais calmaria e continuou o seu impressionante trabalho de atuação pública e produção acadêmica. Era um dos maiores especialistas em Tomas de Aquino e Bartolomeu de las Casas. Escreveu também um livro precioso sobre o diálogo inter-religioso.

Era um amigo querido e esteve diversas vezes em Juiz de Fora a meu convite. O que mais encantava nele era o sorriso aberto e um otimismo que se irradiava e iluminava a todos. Sempre tinha uma palavra de animação e de esperança.

Ele nasceu em Abaeté, Minas Gerais, em novembro de 1921, e tinha acabado de completar 99 anos no dia 04 de novembro. Hoje é motivo de alegria e não de tristeza, pois sabemos que ele foi uma presença iluminadora entre nós.

Viva o frei Carlos!

Ao profeta Josapht

Por dom Pedro Casaldáliga, pelos 80 anos de Frei Carlos Josapht

Querido e venerável e garotão Frei Carlos Josaphat,

filho da senhora dona Emília,

companheiro que sustenta a companheirada,

conversador saboroso como um prato típico de Minas Gerais,

exilado e cosmopolita,

cidadão crítico e eclesiástico livre,

intelectual orgânico do Reino,

mestre espiritual,

publicista profético,

doutor em comunicação até para o Primeiro Mundo.

Teólogo de cátedra e de chão, para suíços e para sertanejos.

Passando pelas mãos de Vicente de Paula às mãos de Domingos de Gusmão,

sabes conjugar a misericórdia aberta e jovial com a teologia sólida e avançada,

pregoando o Evangelho,

forjando ontem e hoje o “Brasil urgente”,

excomungando “o Sistema desgraçadamente bem feito”

e desmascarando a ideologia desumanas.

Na contemplação e na libertação,

baralhando serenamente a Moral, o Amor e o Humor,

conjugando as três virtudes e as Três Pessoas,

a Comunhão divina e a Solidariedade humana,

trazendo de volta, para nossa hora,

o Patriarca profeta São Bartolomé de Las Casas

Querido Frei Josaphat,

bíblico de nome e de caminhada,

cabra branca de sabedoria

e coração vermelho de revolução,

fornido “cachorro” dominicano com a tocha da verdade e da liberdade

na boca e na vida:

Benditos sejam teus oitenta anos,

floridos e granosos de qualidade humana e de Reino de Deus!

Pedro Casaldáliga, no livro Utopia Urgente

2 Comentários

  1. Queridos Hermanos OP de Brasil: hace unos dias le envie una tarjeta de cumpleaños a Fr. Carlos Josafat y ahora me entero de su Pascua. Goce de su alegria cuandovcompartimos en el Pedro de Cordoba, como Consejo Consultivo y luego en San Pablo. ¡Que vida rica en entrega permanente! Ahora lo tenemos de intercesor.en la Gloria.

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