Teologia pública: o desafio de refletir a fé e a sua vivência junto ao grande público

Teologia pública. Teólogos/as enfrentam desafios para chegar ao grande público

(A reportagem é de Heidi Schlumpf, publicada por National Catholic Reporter, 29/09/2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.)

 

Como a maioria dos professores de teologia, Holly Taylor Coolman dedicou parte de suas férias para se concentrar em leituras, trabalhando em sua própria escrita e se preparando para as aulas da primavera. Mas o calendário dela também está tomado de eventos de aparição pública, entrevistas e encontros com seus eleitores, como parte de sua campanha para representante de estado na Casa de Representantes de Rhode Island.

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Holly Taylor Coolman, professora assistente do Providence College.

Se ela conseguir se eleger, a professora assistente do Providence College estará colocando a ideia de “teologia pública” em prática muito mais do que dar cursos em paróquias e escrever para publicações católicas não-acadêmicas.

Numa era de Trump e dos sérios problemas que o país e o mundo enfrentam, os teólogos veem a urgência de praticar a teologia pública, termo inventado pelo teólogo luterano Martin Marty, nos anos 1970.

Mas levando em consideração a esfera política polarizada, especialmente nas mídias sociais, mais as controvérsias igualmente desestabilizantes dentro da Igreja (para não mencionar a falta de apoio dentro da academia), eles estão enfrentando desafios ao tentarem levar seus conhecimentos acadêmicos para o público geral.

Coolman teve algumas reações negativas por parte de pessoas que questionam se é apropriado que uma teóloga entre em campanha política, talvez porque alguns eleitores estejam inquietos em relação ao papel da religião na política contemporânea. Outros acreditam que, se ela é religiosa, ela é conservadora. “Os teólogos não têm muita credibilidade com as ruas na esfera pública”, disse ela ao NCR.

Mas, para Coolman, seu plano de fundo teológico — com uma especialização sistemática em cristologia, eclesiologia e relações judaico-cristãs — complementou sua candidatura, e sua candidatura, por sua vez, influenciou sua teologia, disse ela.

Por exemplo, suas prioridades políticas e posicionamentos vêm dos ensinamentos sociais católicos, especialmente o comprometimento com o bem comum e a dignidade de todas as vidas humanas, disse ela. O último é mais como uma ponte para coisas como direitos trabalhistas, justiça para os imigrantes e oposição ao aborto. Mas competir na esfera política confusa de hoje em dia também desafia seu comprometimento com a não-violência, à medida em que ela tenta evitar sujar seu nome ao longo da campanha, e isso a fez reexaminar as conexões entre os indivíduos e suas comunidades — tópicos que ela poderá estudar futuramente em sua pesquisa acadêmica.

Teologia pública significa mover adiante as fronteiras da Igreja, se envolvendo com pessoas que não defendem as mesmas crenças fundamentais com o intuito de buscar o bem comum… O trabalho de uma teologia pública é menos defender sem piedade a fé cristã, quanto lidar, com honestidade e boa-fé, com pessoas que vêm de um conjunto muito diferente de crenças”.

Holly Taylor Coolman, professora assistente do Providence College.

 

Um público polarizado

Atualmente, o “público” da teologia pública é diverso e cada vez mais secular, e pode até ser antagônico ao catolicismo:

A teologia pública nos dias de hoje é especialmente difícil… É um público extremamente polarizado. E, especialmente para os católicos, estamos tratando da teologia pública com uma tradição de fé moralmente comprometida — ou melhor, a carreira institucional dessa tradição está moralmente comprometida, especialmente com os escândalos de abuso sexual do clero”.

Pe. Bryan Massingale, professor de ética teológica e social na Universidade Fordham de Nova York

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Pe. Bryan Massingale, professor de ética teológica e social na Universidade Fordham de Nova York

Massingale nota que quando ele escrever para audiências secular maiores, os comentários online de pessoas que discordam dele geralmente mencionam os abusos sexuais do clero. “Usam isso como argumento para descredibilizar qualquer coisa que eu tenha dito, mesmo que não tenha nada a ver com sexualidade”, disse ele.

A solução para reconquistar essa credibilidade perdida, disse ele, “é ser mostrado como uma força de renovação e mudança na Igreja”.

As mídias sociais têm sido tanto uma bênção para os teólogos públicos como, de alguma forma, uma maldição. Por um lado, elas oferecem aos teólogos uma plataforma mais abrangente para se comunicar uns com os outros e com audiências maiores — especialmente com aqueles que foram marginalizados por espaços mais acadêmicos mais tradicionais. Por outro, a maldade dos católicos no Twitter e em outras mídias sociais podem deixar os teólogos expostos a ataques e seus trabalhos podem ser levados para fora de contexto.

O ditado de que toda a publicidade é uma coisa boa não se aplica aos docentes não-titulares”, disse Meghan Clark, professora associada de teologia e estudos religiosos na Universidade de St. John de Nova York, que notou que ultimamente os comentaristas estão mais encorajados de usar uma linguagem racista e misógina em ataques pessoais nas redes sociais.

Mesmo assim, Clark mantém uma forte presença nas redes sociais, precisamente porque vê a importância da teologia pública. Ela tenta usar de sua posição de privilégio para amplificar as vozes das comunidades que enfrentam injustiça e opressão, como ir ao Aeroporto Internacional John F. Kennedy para protestar contra o banimento de imigrantes vindos de países muçulmanos — embora a falta de um colarinho clerical faça com que ela seja menos visível como teóloga em eventos como esse.

Especialmente para um teólogo moral, praticar a reflexão ética dentro da torre de marfim é inútil no momento, pois se não estivermos nos conectando e nos envolvendo com essas comunidades, estamos falhando profundamente com nossa vocação com a Igreja e com o mundo.

Meghan Clark, professora associada de teologia e estudos religiosos na Universidade de St. John de Nova York

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Meghan Clark, professora associada de teologia e estudos religiosos na Universidade de St. John de Nova York

Tal conexão com as comunidades faz com que a prática da teologia seja diferente de uma aplicação pastoral simples ou uma audiência maior do trabalho acadêmico de alguém, e isso sempre foi parte das teologias contextuais — como as teologias negras ou latinas. Eles a chamam apenas “teologia”.

Por exemplo, para os latinos nos Estados Unidos, a praça representa o espaço entre a Igreja e o hall da cidade, onde a teologia e a vida pastoral se juntam: teología y pastoral de y en conjunto, disse Neomi De Anda, professora associada da Universidade de Dayton em Ohio.

Teologia e vida pastoral trabalham juntas uma da outra, são praticadas em comunidades, pertencem às comunidades, e são ganhos para a Igreja como um todo e para a sociedade”.

Neomi De Anda, professora associada da Universidade de Dayton em Ohio.

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Neomi De Anda, professora associada da Universidade de Dayton em Ohio

Seu trabalho público aumentou no ano passado, com pedidos para falar, se envolver com o ativismo e conectar umas pessoas com as outras para trabalhar pela mudança. “Pessoas de fora da academia estão na busca por pensadores”, disse ela. “É interessante, porque vivemos num país que não valoriza os pensadores, mesmo que eu acredite que cada vez mais as pessoas estão valorizando isso”.

 

Barricadas acadêmicas

Às vezes, a academia pode colocar barricadas em seu próprio caminho para a prática da teologia pública. O elitismo e as atitudes insulares, bem como as estruturas sistêmicas, mantêm distantes as vozes que precisam fazer parte das discussões públicas, dizem os teólogos.

Neomi De Anda gostaria de ver cada vez mais teólogos com cores ou orientações sexuais diferentes, bem como classes socioeconômicas ou perspectivas internacionais diversificadas na academia. Massingale afirma que a maioria das faculdades e universidades católicas nos Estados Unidos — que fornecem grande parte dos candidatos para a graduação em estudos teológicos — são, majoritariamente, brancas.

Outro problema é que muito do que a teologia pública aparenta ser hoje passa por nichos católicos ou pelas páginas editoriais do The New York Times, muito mais do que nas bases, onde a maioria dos católicos estão, dizem alguns teólogos.

A teologia pública está mais importante do que nunca, mas não pode consistir apenas em pessoas de um nicho discutindo sobre coisas do nicho… Há um potencial para muito mais do que isso”.

Susan Reynolds, professora assistente de estudos católicos na Emory University Candler School of Theology de Atlanta.

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Susan Reynolds, professora assistente de estudos católicos na Emory University Candler School of Theology de Atlanta.

Susan Reynolds recentemente organizou uma nota pedindo a demissão em massa de todos os bispos americanos envolvidos na denúncia do grande júri da Pensilvânia sobre abusos sexuais clericais e encobrimento. A nota foi criticada por ter sido aberta para a assinatura de católicos comuns, não só grandes nomes da academia.

Mas uma eclesiologia que enfatiza a ordenação, a hierarquia ou mesmo celebridades católicas bem conhecidas não resulta numa teologia pública autêntica, disse Reynolds. Tal trabalho autêntico está sendo feito “mais profeticamente” por mulheres e por minorias hoje em dia, disse ela.

Massingal disse que está sendo encorajado por teólogos jovens que estão aderindo à teologia pública, usando blogs, podcasts e outras mídias. “Creio que eles enxergam isso como uma parte essencial de sua identidade profissional”, disse ele. “Mas há uma tensão aí, pois seus treinamentos acadêmicos não os preparam para isso”.

A maioria dos programas de doutorado em teologia não requerem estágio ou componente prático, disse Massingale, embora o programa de ética da Universidade de Fordham tenha estudantes que trabalham como consultores sem fins lucrativos enquanto fazem um curso de leituras dirigidas.

Ainda, mesmo que estejam mudando, muitas faculdades e universidades — especialmente as escolas de pesquisa de ponta, não “contam” o trabalho popular como trabalho acadêmico, principalmente quando se trata de cargos e promoções:

Se eu trabalhasse em um artigo que apenas vinte pessoas do meu campo conseguem ler e entender, isso é considerado uma contribuição genuína para o conhecimento… No entanto, se eu escrever um artigo ao NCR que possuísse uma influência transformativa na vida de católicos negros, ou católicos gays ou lésbicas, isso seria visto como um trabalho para a comunidade, mas não seria legitimado como um trabalho acadêmico”.

Pe. Bryan Massingale, professor de ética teológica e social na Universidade Fordham de Nova York

Algumas instituições são mais abertas para a teologia pública, e para a inclusão metodológica da etnografia ou da pesquisa sociológica que geralmente acompanha um trabalho público. De fato, Reynolds pensa que a teologia pública está “tendo um momento”:

Particularmente, enquanto as portas da academia abrem mais, muito lentamente, está ficando cada vez mais aparente que os modelos antigos não correspondem aos questionamentos vividos por muitas comunidades e pessoas, principalmente as marginalizadas… Estamos reconhecendo que a teologia tem de ser pública para ser adequada”.

Susan Reynolds, professora assistente de estudos católicos na Emory University Candler School of Theology de Atlanta.

Praticar a teologia pública também pode fortalecer o ensinamento e outras pesquisas e a academia.

Você tem que convencer o público no geral de que algo realmente importa… Isso tem me ajudado a encontrar minha voz e melhorar o meu trabalho acadêmico, tornando-o mais relevante”.

Meghan Clark, professora associada de teologia e estudos religiosos na Universidade de St. John de Nova York.

Fonte:

IHU