“Teologia e diversidade afetivo-sexual: gênero, decolonialidade e humanismo”, com a palavra o prof. Élio Gasda, SJ

Diversidade é característica ou estado do que é diverso, que não é igual. Somos diversos! A diversidade cultural, étnica, religiosa, sexual e ideológica é uma realidade. As temáticas de gênero e da sexualidade são incontornáveis e inadiáveis para a reflexão teológica e para a pastoral. Reconhecer e alegrar-se com a diversidade é uma característica de todo humanista.

O humanismo se refere à humanidade de modo concreto, ao corpo real, sua essência e suas peculiaridades como gênero, orientação sexual, etnia, religião, cultura. Diversos grupos de seres humanos ainda precisam lutar pelo reconhecimento pleno de sua humanidade. Há um elo entre as lutas históricas dos indígenas, das mulheres e dos negros por direitos e as lutas contemporâneas das comunidades LGBT. A ampliação dos direitos humanos o consequente reconhecimento de direitos iguais é gradativo. Mas não se trata apenas de definir direitos, mas também sua titularidade. Ou seja, quem tem direito a ter direitos? Tod@s!

Acolher o outro é reconhecer a dignidade inerente a todos os membros do gênero humano. A extensão dos mesmos direitos aplicados a todos sem exceção apoia-se no princípio da igualdade e da não discriminação. O Art.1º da Declaração Universal dos Direitos dos Humanos é claro: “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”. Não se admitem exceções. O Conselho de Direitos Humanos da ONU aprovou em 2011 a Resolução 17/19 expressando apreensão com a violência e a discriminação contra indivíduos em razão de sua orientação sexual e identidade de gênero.

O direito à diversidade e à igualdade fundamental são indissociáveis. A partir da noção de igualdade se definem os “direitos iguais”. Os direitos humanos requerem três critérios: naturais (inerentes aos seres humanos), iguais (os mesmos para todo o mundo) e universais (aplicáveis em toda a parte). Não são os direitos de humanos num estado de natureza: são os direitos de humanos em sociedade. Portanto, cabe ao Estado reconhecer direitos a grupos específicos. Todo Estado democrático deveria priorizar a questão de gênero no desenvolvimento de suas políticas.

Fazemos gênero o tempo inteiro. Temos que usar uma teoria se ela nos serve para alguma coisa. Não é mais possível invisibilizar as questões que envolvem gênero e sexualidade. A “cegueira de gênero” (gender blindness) precisa desaparecer da sociedade e das instituições públicas. Como garantir igualdade sem falar das formas de desigualdades as quais são submetidas mulheres e pessoas LGBT? As diferenças não podem ser transformadas em desigualdade, numa divisão entre um superior e um subalterno. As estruturas sociais naturalizam as assimetrias de poder para excluir as mulheres, os LGBT, os negros e pobres. Essa desigualdade de gênero é uma afronta aos Direitos Humanos.

Ninguém pode ser inferiorizado só pelo fato de ser “diferente”. O conceito “humano” abarca todos membros do gênero humano. Por que razão alguns se acham mais humanos do que outros? Porque razão alguns se acham mais filhos de Deus do que outros? Como condenar alguém que está buscando garantir seus direitos? Nenhum grupo ou indivíduo tem autoridade para decidir quem é menos ou mais humano.

A nenhuma religião foi dada a autoridade divina para decidir quem é filho de Deus, muito menos se uns são mais amados por Ele que outros. Todos os esforços em favor do reconhecimento da dignidade humana são um sinal do Reino de Deus. O amor cristão também se concretiza no compromisso em defesa da justiça e do direito em prol dos não reconhecidos em sua dignidade. “O que é justo não é originariamente determinado pela lei, mas pela identidade profunda da pessoa humana” (João Paulo II, Sollicitudo rei socialis, n. 40). Todos têm uma mesma identidade fundamental: ser criatura e, pela graça, filho de Deus, herdeiro da vida eterna.

Em tempos sombrios a academia deve fazer ecoar a voz de um humanismo concreto. O futuro do país está em jogo. A covardia, a omissão e a preguiça cobram um preço muito alto. Neste sentido, a Faje acolhe, no próximo dia 23, o evento Rodas de conversa – Teologia & Diversidade Afetivo-sexual: Gênero, decolonialidade e humanismo. Conversa que gira em torno da articulação entre humanismo, gênero e diversidade no campo da educação, do cristianismo e da política. Uma iniciativa necessária e urgente!

Uma questão extremamente atual não poderia estar ausente das academias. Nesta direção, reproduzimos aqui, extrato do Manifesto em defesa dos Estudos de Gênero e Religião, da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Teologia e Ciências da Religião (Anptecre): “A categoria de gênero como instrumental de análise das relações e estruturas sociais tornou-se uma ferramenta importante para os Estudos Feministas ainda na década de 1980. Com trajetórias e usos diversos, essa categoria também foi incorporada nas pesquisas e estudos no âmbito da Teologia e das Ciências da Religião, constituindo um campo próprio de discussão acadêmica sustentado em referenciais teóricos e metodológicos que foram se desenvolvendo e se articulando com diversas outras questões, em transversalidades relacionais e analíticas. Manifestamos nosso compromisso ético e político com esse campo científico de pesquisa e repudiamos os ataques que o mesmo e quem nele atua vêm sofrendo de forma desrespeitosa, ideologicamente arquitetada, anticonstitucional em relação à liberdade de expressão e desconhecedora do próprio campo de estudos em questão”.

Fonte:

www.domtotal.org.br