www.croire.com – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Sun, 01 Apr 2018 12:49:44 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.4 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 www.croire.com – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 Para iluminar… a liturgia da Páscoa https://observatoriodaevangelizacao.com/para-iluminar-a-liturgia-da-pascoa/ Sun, 01 Apr 2018 12:49:44 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=27726 [Leia mais...]]]> Cristo vive para sempre

DOMINGO, 1º DE ABRIL DE 2018: PÁSCOA DA RESSURREIÇÃO – ANO B

Neste dia, Aleluias se espalham por toda parte; pois a vida é mais forte do que a morte e o amor, mais forte do que o ódio. Hoje é dia de luz e de alegria, porque mulheres e homens O encontraram Vivo. Cristo ressuscitou! Está vivo, entre nós e para nós.

TEXTOS DESTE DOMINGO

1ª leitura: “Nós que comemos e bebemos com ele, depois que ressuscitou dos mortos” (Atos 10,34.37-43).

Salmo: Sl. 117(118) – R/ Este é o dia que o Senhor fez para nós: alegremo-nos e nele exultemos!

2ª leitura: “Esforçai-vos por alcançar as coisas do alto, onde está Cristo” (Colossenses 3,1-4).
Sequência: Cantai, cristãos, afinal: “Salve, ó vítima Pascal!”

Evangelho: “Será que o Cristo não devia sofrer tudo isso para entrar na sua glória?” (João 20,1-9)

CRER SEM VER

Aqui estamos novamente no centro da nossa fé, diante da sua prova definitiva, do núcleo de onde jorra a única luz capaz de iluminar as trevas que a vida nos dá para atravessar. Deus, fundamento e fonte de tudo o que existe, veio esposar a nossa morte. Ou melhor, veio esposar-nos em nossa morte. Do leito nupcial da Cruz, nasceu uma vida nova. Vida que, primeiro, manifestou-se por uma ausência. Para que tudo se mantivesse em ordem, teria sido preciso que o cadáver de Jesus tivesse permanecido enterrado em seu lugar, num dos túmulos de nossos cemitérios. Mas eis que Maria Madalena, Pedro e João não encontraram senão um túmulo vazio. Vazio e aberto! Como se, daí em diante, a morte se comunicasse com a vida sem mais nenhum obstáculo. A primeira explicação foi de que haviam levado o corpo, para colocá-lo em outro lugar. «Alguém». Mas, quem? Os discípulos, como se mostra em seguida, estavam aterrorizados demais, para terem feito tal proeza (ver João 20,19). Esta remoção haveria de ter sido clandestina. Como, então, na pressa, arrumarem-se meticulosamente as faixas de linho e o pano que lhe envolveu a cabeça? Os detalhes da versão segundo João tendem a colocar-nos em presença de um túmulo que jamais fora usado, como se a Ressurreição tivesse sido contemporânea à morte. De fato, tudo se passara na invisibilidade, num «universo» que escapa à nossa temporalidade. Ninguém viu Jesus levantar-se nem sair do túmulo. Por isso, com exceção deste evangelho que diz ter João «visto e acreditado», os outros textos todos insistem na dificuldade de crer, com referência aos discípulos. E a maior parte de nós segue por este mesmo caminho.

 

A PROVA E A PLENITUDE DA FÉ

O evangelho não diz o que João viu, nem sequer no que acreditou. De fato, ele não viu nada. Viu que ali onde deveria ver um cadáver não havia nada. «Por que procurais entre os mortos aquele que vive?» (Lucas 24,5). Daí em diante, Jesus vai se encontrar onde se encontram os vivos. Sua visibilidade agora se passou para todos os humanos, e nos tornamos a sua morada, quando unidos pela fé. Com efeito, a fé nos faz ver o que os olhos não podem enxergar. E, todavia, é este invisível que faz existir tudo o que se vê, e o que o salva da insignificância, da sua ausência de sentido. Pois, o que pode significar de fato uma vida que acaba por se dissolver no nada? Não podemos imaginar que, dia após dia, estamos caminhando para a morte. A morte não é um termo; é sim uma via, uma passagem. Para a fé e pela fé, seguimos para a vida. A morte tem somente a antepenúltima palavra. Confessemos que a Ressurreição de Cristo e os relatos que a anunciam são uma verdadeira prova para a fé. De fato, é aí que a fé encontra a sua verdade: o que significaria uma fé que não chegasse até à vitória da vida? O que significaria um poder de Deus que fosse posto em cheque pela morte? O que seria este «Amor», se nos deixasse perecer? Recapitulada e fundada na Ressurreição de Cristo, a nossa ressurreição é necessária para que Deus seja Deus. Este é o fundamento da nossa fé, e também a sua comprovação, através deste «mistério» do qual, no entanto, só podemos tomar conhecimento por meio dela.

 

“NÃO TENHAIS MEDO”

A menção ao medo aparece duas vezes no evangelho da Vigília pascal. E de que é preciso não ter medo? Da morte, com certeza, mas o fim do medo da morte só virá mais tarde. Neste texto, para Maria Madalena e Salomé trata-se do medo da vida, desta vida nova, que fez da morte, um segundo parto. Assim como nós, também elas estão habituadas a ver na morte o contrário da vida; e eis que estes dois «adversários» entram agora em conivência. A morte, dali em diante, está condenada a produzir a vida, uma vida para além da nossa experiência. Conforme João, esta Maria, que a Tradição sempre assimilou a Maria Madalena, já havia testemunhado a ressurreição de seu irmão Lázaro, assim, este sinal a encontrara crente. Mas, mesmo que, no texto, a ressurreição de Lázaro não tenha sido da mesma natureza que a de Cristo, manifestou-se Ele como senhor da vida e vitorioso sobre a morte, mantendo-se então fora e acima do combate a que ambas se entregavam. Agora, no entanto, mostra-se como parte interessada, imerso em seu afrontamento. Eis aí, agora, a revelação de um mundo que não se havia suspeitado. As duas mulheres permanecem mudas. Estamos acostumados de tal forma à proclamação da Ressurreição de Cristo que não nos deixamos abalar por ela. Pois acostumemo-nos antes de tudo a buscar e a experimentar o medo e a estupefação das primeiras testemunhas. Para, só em seguida, buscarmos a fé, fonte de uma alegria que está à prova da perspectiva da morte.

Marcel Domergue, jesuíta (tradução livre de www.croire.com pelos irmãos Lara)

]]>
27726
Para inspirar… a liturgia do 5º Domingo da Quaresma https://observatoriodaevangelizacao.com/para-inspirar-a-liturgia-do-5o-domingo-da-quaresma/ Fri, 16 Mar 2018 18:04:46 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=27601 [Leia mais...]]]> O Deus das alianças

18 DE MARÇO DE 2018: 5º DOMINGO DA QUARESMA – ANO B

De Noé até Jesus, Deus multiplicou as alianças com o seu povo. Alianças da parte de Deus alianças sempre generosas, mas inúmeras vezes ignoradas ou rompidas pelo povo. Então, Deus prometeu a Jeremias a Aliança das alianças: perpétua e impressa no fundo dos corações.

TEXTOS DESTE DOMINGO

1ª leitura: Concluirei nova a liança com a casa de Israel e não mais lembrarei o seu pecado (Jr 31,31-34).

Salmo: Sl. 50(51) – R/ Criai em mim um coração que seja puro.

2ª leitura: “Aprendeu o que significa a obediência e tornou-se causa de salvação eterna” (Hebreus 5,7-9).

Evangelho: “Se o grão de trigo que cai na terra morre, então produz muito fruto” (João 12,20-33).

A GLÓRIA DO NOME

«Pai, glorifica o teu Nome», diz Jesus no evangelho. Assim, mais uma vez, temos palavras que não dizem grande coisa. Glorificar ainda passa: podemos entender tratar-se de reconhecer que «Deus», «o Pai», só mereça elogios, que podemos colocá-Lo acima de tudo o que temos experimentado; que, diante d’Ele, ficamos boquiabertos, sem palavras. As Escrituras, no entanto, insistem numa palavra: no Nome. O nome é algo tão importante que se torna outro, quando a vida assume um novo rumo, como foi o caso de Simão que virou Pedro. Ora, em Filipenses 2-9, Paulo diz que Jesus recebeu «o Nome que está acima de todo nome». Nome, portanto, que não é um nome como outro qualquer: não é um nome que designe um ser entre outros, mas que o situa fora e acima de tudo. Ainda em Êxodo 3,14, Deus se deu um nome que propriamente não era um nome, e que se tornaria impronunciável: «Aquele que é» ou «Eu sou porque sou», ou «Eu sou Aquele que sou». São Justino explica que ninguém é capaz de atribuir um nome a Deus e que a palavra «Deus» não é um nome. São João da Cruz, em um de seus poemas, nomeia-O como «Este eu não sei o quê». Este Deus aí não poderá distinguir-se dos outros exceto pelo que colocarmos sob esta palavra. A Bíblia emprega-a, dizendo que «o Deus de nossos pais» (aquele que é Origem) é como isto ou como aquilo. Jesus finalmente é quem dará um conteúdo verdadeiro ao Nome divino. Ele o «glorificará». Por isso, o Nome de Jesus receberá a mesma glória, conforme diz Filipenses 2,10.

 

A HORA DA GLÓRIA

Diz o evangelho que alguns gregos convertidos ao judaísmo queriam ver Jesus. Ora, em certo sentido, Jesus ainda não estava visível em toda a sua verdade, pois ainda não se revelara tudo o que havia nele: a última palavra sobre o próprio Deus em Si mesmo. Mas eis que, para Jesus, havia «chegado a hora» de «tomar o poder» que até então estivera detido por um soberano perverso: «o príncipe deste mundo». O mundo governado pelo culto a si mesmo e à sua própria glória, pelo gosto do lucro e pela vontade de dominar os outros. Mas o «príncipe deste mundo» vai ser jogado fora. Eis que existe agora no mundo Alguém que, por sua conduta, nega tudo o que representa o pr&iacu te;ncipe deste mundo. Alguém que vai agora até o fim da sua verdade de Filho, imagem e semelhança perfeita do Pai. Alguém que, agora, vai ser a visibilidade do Deus invisível. E esta espécie de publicidade, de levar ao conhecimento de todos o que até ali estivera confuso e imperceptível, é esta a «glorificação». O Nome do Senhor já havia sido, de certo, glorificado pela Criação («Eu o glorifiquei»), e o será ainda mais, pela Páscoa do Filho («E o glorificarei de novo»). Teremos compreendido que vamos receber a revelação da última verdade sobre Deus. O que ainda, no entanto, só percebemos numa imagem confusa, como que num espelho de má qualidade (1 Coríntios 13,12). Ainda não estamos na visão “face a face”. Busquemos compreender por que.

 

«SE ALGUÉM ME QUER SERVIR…»

O conhecimento que podemos ter de Cristo – e, por consequência, de Deus – não pode permanecer puramente intelectual. É verdade que podemos estar convencidos de que ser Deus é dar a própria vida, não colocar o «viver» acima de todas as coisas. Podemos estar persuadidos de que devemos apreciar os outros assim como a nós mesmos. Mas, enquanto nos contentamos somente com isto, a nossa compreensão permanece imperfeita. O que mais é preciso? Seguir o Cristo; passar por onde ele passou. Não estamos todos destinados à cruz, mas temos todos de viver para os outros, até o dia em que também nós conhecermos a morte. A imagem verídica que Deus nos dá de Si mesmo, em Cristo, não nos é imposta. Só podemos apreendê-la se livremente escolhemos e nos pomos a segui-lo, fazendo nossos os s eus comportamentos. Acolher o seu Espírito. Esta mesma liberdade reproduz a de Cristo. Em João 10,18 lemos: «Minha vida, ninguém a tira de mim, mas eu a dou livremente: tenho poder de entregá-la e poder de retomá-la.» Quando Cristo vê que lhe querem tirar alguma coisa, antecipa-se ao rapto e, assim, o anula. Dá o que lhe querem tirar. Quem quiser entrar nesta lógica divina, não irá somente compreender o sentido da Páscoa, mas, ainda mais, tê-la-á sempre atual por toda a vida. Só pode verdadeiramente compreendê-la na medida em que revivê-la. A última luz lhe será dada somente na hora da sua morte. Então, retomará a vida que havia dado e, por sua vez, será «glorificado».

Marcel Domergue, jesuíta (tradução livre de  www.croire.com pelos irmãos Lara)

 

Fonte:

Centro Alceu Amoroso Lima

]]>
27601
Para inspirar… a liturgia do 4º Domingo da Quaresma https://observatoriodaevangelizacao.com/para-inspirar-a-liturgia-do-4o-domingo-da-quaresma/ Fri, 09 Mar 2018 18:19:36 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=27550 [Leia mais...]]]> Graça e misericórdia em superabundância.

Domingo, 11 de Março de 2018: 4º Domingo da Quaresma – Ano B

A história do povo eleito foi antes de tudo uma história de graça e de benção, mas obscurecida muitas vezes pelas infidelidades do povo. Prevaleceu, no entanto, a misericórdia divina e, na cruz vitoriosa de Cristo, a graça para todos.

Textos deste Domingo

1ª leitura: Furor e misericórdia do Senhor manifestos no exílio e na libertação do povo (2 Cr 36,14-16.19-23).

Salmo: R/ Que se prenda a minha língua ao céu da boca se de ti, Jerusalém, eu me esquecer! (Sl. 136(137))

2ª leitura: Estávamos mortos por causa de nossas faltas, e pela graça é que somos salvos (Efésios 2,4-10).

Evangelho: Deus enviou o seu Filho ao mundo para que o mundo seja salvo por ele (João 3,14-21).

A cólera de Deus

A primeira leitura apresenta a ruina de Jerusalém e a deportação dos seus habitantes como uma sanção decidida por Deus, furioso contra as faltas do seu povo. Da minha parte, vejo aí um modo de sublinhar que não estamos sós em nossas aflições e sofrimentos, pois Deus participa deles conosco. Foi preciso esperar o Cristo para se descobrir que esta presença não é punição divina, que Deus não é autor, mas a vítima dos nossos males. Na 2ª leitura, Paulo vai mais longe: para ele, são as nossas faltas que nos matam; elas vão, de fato, em sentido contrário à nossa criação. O caminho que vai do mal cometido ao mal sofrido não passa pela cólera divina: Deus está todo por inteiro do lado da graça (no sentido aqui de agraciar, de perdoar). Acrescentemos que, para as Escrituras, o sofrimento provocado pelo malfeito pode alcançar os inocentes, porque somos todos solidários e vivemos num mundo desregulado pelo uso abusivo que fazemos do mal (do pecado). Confessemos que não é fácil compreender nem admitir o laço por demais estreito entre pecado e sofrimento. Devemos renunciar talvez a uma ideia de causalidade e contentar-nos com dizer que mal moral e mal físico andam juntos, que eles exprimem a nossa fraqueza atual e que devemos voltar-nos ao dinamismo inteligente e amoroso que nos faz ser. Nele podemos encontrar remédio e cura. Ele nos encaminha para a nossa verdade integral, passando, contudo, pelo caminho da nossa liberdade.

A serpente de bronze

A serpente da dúvida que corrói interiormente o povo, no caminho da pátria definitiva, ganhou forma exterior na figura de um animal. Mordidos por serpentes venenosas, os Hebreus estavam morrendo. Impossível não pensar na serpente de Gênesis 3, a primeira representação da desconfiança fundamental que leva o homem a não confiar em Deus, a não confiar na vida. Esta desconfiança é muitas vezes inconsciente. Moisés foi convocado a levantar da terra este mal mortal sob a forma da serpente de bronze. E ei-la afixada numa haste. Todos os que aceitaram contemplá-la foram curados (Números 21,8-9). Segundo João, também o Cristo, por sua vez, se fez serpente. Levantado da terra na Cruz, como a serpente de bronze, assumiu o rosto do nosso mal. Ei-lo entre os malfeitores, eliminado do mundo dos vivos. Contemplando-o, podemos ver a uma só vez a nossa culpabilidade assassina e a nossa desgraça. Notemos, no entanto, que, onde o livro dos Números diz: «Todos os que contemplarem esta serpente viverão», João escreve: «Todos os que nele crerem terão a vida eterna». O verbo crer aparece quatro vezes no início deste evangelho. É que a fé é o contrário da desconfiança destrutiva. Não basta ver, nem mesmo «contemplar» (livro dos Números); mais ainda, é preciso confiar, uma confiança que transforma toda a vida. Confiança difícil esta, pois que deve nascer à vista deste homem torturado até à morte, em virtude de uma injustiça flagrante. Lembremos a 2ª leitura do domingo passado: «escândalo para os judeus e insensatez para os pagãos».

O julgamento

Este é um tema terrível! Não sei se alguns cristãos ainda se lembram dos catecismos antigos, com o «juízo particular», no dia da nossa morte, e o «juízo universal», no final dos tempos. As Escrituras, por certo, falam em julgamento, mas não podemos esquecer tratar-se de uma metáfora emprestada das nossas práticas sociais. Alguns textos falam do julgamento como um destino inevitável; outros, que Deus não julga, mas perdoa. Neste evangelho, lemos que Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para julgar o mundo, «mas para que o mundo seja salvo por ele». Temos de levar a sério a seguinte frase: «Quem nele crê não é condenado, mas quem não crê já está condenado». Olhando de perto, o texto todo nos diz que não é Deus quem julga, mas nós mesmos. De fato, julgar é se pronunciar, é escolher. Eis, pois, que a luz veio ao mundo. Luz que é o Filho de Deus, verdade de Deus e verdade do homem. Diante desta irrupção da luz, irrupção que é contemporânea ao começo do mundo, os homens devem se pronunciar, devem se declarar, a favor ou contra. Este é o julgamento: alguns vão preferir as trevas. Esta imagem, de acolhida ou de recusa da luz, traduz-se no crer em Cristo ou em recusá-lo. Deus não se impõe a nós; Ele se propõe. Se o acolhemos, as nossas «obras» são ao mesmo tempo suas obras. Ou, se quisermos; Deus, para agir, passa através de nós (ver a última frase do evangelho de hoje).

Marcel Domergue, jesuíta (tradução livre de www.croire.com pelos irmãos Lara)

Fonte:

Centro Alceu Amoroso Lima

]]>
27550
Para inspirar… a liturgia do 3º Domingo da Quaresma https://observatoriodaevangelizacao.com/para-inspirar-a-liturgia-do-3o-domingo-da-quaresma/ Fri, 02 Mar 2018 18:25:36 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=27484 [Leia mais...]]]> AS EXIGÊNCIAS DO DEUS DA ALIANÇA

DOMINGO, 4 DE MARÇO DE 2018: 3º DOMINGO DA QUARESMA – ANO B

Os «Dez Mandamentos» estão inseridos num discurso divino muito mais amplo. Deus, que libertou Israel da escravidão, quer que seu povo goze de uma vida à altura da liberdade que Ele mesmo proporcionou, e que respeite as exigências da sua Aliança.

TEXTOS DESTE DOMINGO

  • 1ª leitura: A Lei pronunciada por Deus, a Moisés (Êxodo 20,1-17 ou 1-3.7-8.12-17).

 

  • Salmo: Sl. 118(119) – R/ Senhor, tens palavras de vida eterna.

 

  • 2ª leitura: Nós, porém, pregamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus e insensatez para os pagãos, … Mas, para os que são chamados, esse Cristo é poder de Deus e sabedoria de Deus (1 Coríntios 1,22-25).

 

  • Evangelho: “Destruí este templo, e em três dias eu o levantarei” (João 2,13-25).

 

O SIMBOLISMO DO TEMPLO DE JERUSALÉM

O Templo de Jerusalém é o sinal de que é vontade de Deus habitar a humanidade. O Templo é a “morada” de Deus entre nós; é Deus que mora conosco. No Sermão da Montanha, Jesus já havia denunciado o uso da oração, da esmola e do jejum para finalidades estranhas ao seu autêntico destino. Todas as realidades religiosas podem ser desviadas. Aqui se mostra que a morada de Deus tornou-se um instrumento de lucro. Mas, como acabamos de dizer, o Templo é mais do que o Templo e o amor de Deus pelos homens, enfim, é o que é explorado. Este desvio é o mesmo de quando um pregador se delicia com sua própria eloquência; ou de quando, através dos seus escritos, um escritor busca especialmente a sua glória. O gesto de Cristo expulsando os mercadores do templo é, portanto, altamente significativo. É de fato profético, porque anuncia um “culto” sem compromisso. Que culto? O que consiste em dar a própria vida para que neste dom se manifeste o Deus que é Amor. Conforme explica Paulo, em 1 Coríntios 13,3, se o amor não é o que comanda este dom, ele não serve para nada. Sendo assim, a humanidade e Deus se fazem somente um, pois unidos num só e no mesmo Amor. Para chegarmos até aí, Jesus purifica o Templo de seus usos mercantis, mas vai mais longe: o próprio Templo é que vai mudar de natureza.

 

DE UM TEMPLO AO OUTRO

Destruí este Templo, e em três dias eu o levantarei“. O evangelista nota que Jesus falava então do Templo do seu corpo. Não se trata de simples jogo de palavras. Jesus quer com isto significar que o local em que daí em diante se poderá encontrar Deus é o seu próprio corpo. A palavra Templo muda, pois, de sentido. Este corpo, este Templo, os homens o destruirão, mas ele ressurgirá depois de três dias. É evidente a profecia do acontecimento pascal, mas que só poderá ser compreendida à luz da ressurreição. A primeira linha do evangelho, aliás, e os seus últimos versículos sublinham este contexto pascal e formam uma inclusão que enquadra todo o episódio, fornecendo-lhe sentido. Notemos que, ao falar da destruição e da ressurreição de seu corpo, Jesus está respondendo à pergunta das testemunhas da expulsão dos cambistas: “Que sinal nos mostras para agir assim?“. A resposta de Jesus nos faz lembrar Mateus 12,38-40. Ali também se pede um sinal a Jesus. E ele responde falando do sinal dado por Jonas, profeta que ficou três dias no ventre do monstro marinho, no coração do abismo da morte. Três dias no ventre da terra: sinal que mais é um desaparecimento, ou a ausência de qualquer sinal. Ora, vivemos sob este regime. Somos assim remetidos à 2ª leitura: também aí se põe em questão a exigência de um sinal e de uma manifestação de sabedoria. E a resposta de Deus será o escândalo e a loucura da Cruz.

 

ALI ONDE ESTÁ O CORPO, ESTÁ O TEMPLO

O Corpo do Cristo ressuscitado preenche todo o universo. Não se pode dizer: ele está aqui, ou: ele está ali. Ele está em toda parte. Adoramos a Deus “nem nesta montanha, nem em Jerusalém“, mas “em Espírito e Verdade” (João 4,21 e 23). Isto significa que não há lugar privilegiado, porque todos os lugares se tornaram “privilegiados”. O quarto de dormir, a rua, a igreja, o metrô… Cristo está aí, no meio de nós, desde que nos abramos para os outros. Devemos compreender que o Corpo ressuscitado, em se tratando do autêntico corpo humano de Jesus, não é menos plural: está de qualquer forma integrado em todos os seres humanos. Por isso, no Novo Testamento, este tema do Templo se enriquece com sentidos os mais inesperados. O Corpo que, na Ressurreição, o Espírito deu ao Cristo, ganhou o nome de Igreja, não só no sentido da hierarquia, mas, sobretudo, no de assembleia, de comunhão. Tendo nos tornado todos juntos no corpo de Cristo, somos o Templo de Deus. “Nele, bem articulado, todo o edifício se ergue como santuário santo, no Senhor, e vós, também, nele sois co-edificados para serdes habitação de Deus, no Espírito” (Efésios 2,21). Jesus é a pedra fundamental sobre a qual tudo está construído, mas dele somos, nós mesmos, as suas pedras vivas (ver 1 Pedro 2,4…). Assim, até mesmo em nosso corpo, formamos o Templo do Espírito (1 Coríntios 6,19).

 

SOBRE OS MERCADORES DO TEMPLO

Não vamos crer que, ao expulsar os mercadores do Templo, Jesus estava condenando o comércio e os comerciantes. O que ele condenou foi o uso de Deus, e de sua Morada, para se obter outra coisa que não Ele: neste caso, o lucro. A “casa de Deus” tornara-se assim, de fato, uma “casa de tráfico”. Deus havia sido expulso de qualquer forma da sua casa, para que em seu lugar se instalasse o dinheiro. Temos aí um comportamento idolátrico: algo produzido pelo homem que é posto acima de Deus e que se torna um objeto de culto. E o que não se tem feito ao longo da história, em nome de Deus e do Cristo, submetendo-os ao nosso próprio culto! A Liturgia teve, portanto, ótima inspiração, ao nos propor o Decálogo como 1ª leitura. Pois, de fato, as condutas proibidas pelo Decálogo caem todas elas na idolatria: idolatria do lucro, do prestígio e do sexo. Muita gente está sempre pronta a sacrificar não importa o que a estas “potestades e dominações”. Uma vez mais, devemos constatar que os relatos evangélicos não se limitam a nos contar histórias pitorescas, mas eles nos falam de como é Deus e de quem somos nós, dos nossos equívocos e dos nossos possíveis desvios. Quem busca colocar qualquer coisa que seja no lugar de Deus vê-se expulso do domínio de Deus. De fato, não é expulso: tendo evacuado Deus da sua vida, é ele mesmo quem sai da sua morada. Não há necessidade de nenhum chicote para isso.

Marcel Domergue, jesuíta (tradução livre de www.croire.com pelos irmãos Lara)

Fonte:

Centro Alceu Amoroso Lima

]]>
27484
Para inspirar… a liturgia do 2º Domingo da Quaresma https://observatoriodaevangelizacao.com/para-inspirar-a-liturgia-do-2o-domingo-da-quaresma/ Sat, 24 Feb 2018 09:25:45 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=27420 [Leia mais...]]]> A GRANDE PROVA

DOMINGO, 25 DE FEVEREIRO DE 2018: 2º DOMINGO DA QUARESMA – ANO B

Em resposta ao chamado do Senhor, Abraão deixou tudo. Admirou-se e alegrou-se com as promessas divinas. Mas teve a sua fé rudemente posta à prova, quando Deus lhe pediu um gesto que mais parecia anular o que lhe havia sido prometido. Foi grande a prova, mas maior ainda a fé do patriarca.

TEXTOS DESTE DOMINGO

1ª leitura: O sacrifício de nosso pai Abraão (Gênesis 22,1-2.9-13.15-18).

Salmo: Sl. 115(116B) – R/ Andarei na presença de Deus, junto a ele na terra dos vivos.

2ª leitura: “Deus não poupou seu próprio Filho” (Romanos 8,31-34).

Evangelho: “Este é o meu Filho amado” (Marcos 9,2-10).

 

O ROSTO DA GLÓRIA

De repente, aquele Jesus de todos os dias, cujos traços eram mais do que conhecidos de seus discípulos, mostrou-se resplandecente de luz. Notemos que este relato -espécie de experiência mística de Pedro, Tiago e João- encontra-se inserido nos anúncios da Paixão. Compreende-se que os discípulos tivessem necessidade de ser fortalecidos, pois iriam ressentir-se com a perspectiva da crucifixão de Jesus, tomando-a como uma derrota. O mesmo se dá conosco, aliás, por via da certeza de nossa morte. Jesus já lhes teria falado por certo sobre a sua ressurreição. Eles, contudo, conforme sublinhado na última frase do evangelho, não compreendiam o que queria dizer «ressuscitar dos mortos». Nós também não, devemos confessar. A visão do Cristo radiante de luz podia fazê-los tomar consciência de que haveria uma saída positiva, feliz, para o drama que iria se produzir. Não tenhamos medo de transpor isto para os dias de hoje. Da mesma forma que todo o conjunto dos evangelhos, também este relato não fala somente de acontecimentos passados, mas refere-se ao que acontece hoje em nossas vidas. Nós também temos necessidade de ganhar altura em relação ao que a vida nos dá por viver e aos acontecimentos que afetam a humanidade atualmente. «Não tenhais medo», por detrás de tudo isso, mantém-se radiante esta luz de glória. Luz que secretamente está sempre em trabalho, no interior de tudo o que temos de atravessar. Hora virá em que ela se manifestará com todo o seu brilho, em plena luz do dia. Nada pode reduzir ao silêncio a Palavra que nos faz ser. Para sempre.

 

A RELIGIÃO DA LUZ

Há momentos em nossas vidas que são de «transfiguração»: momentos nos quais vemos claro. Então, a alegria nos visita e podemos compreender, ou entrever, a verdade última de nossas existências. Mas, depois, uma névoa nos recobre e vemos apenas Jesus que está só, este Jesus de todos os dias que acreditamos conhecer e que não nos surpreende mais. É neste claro-escuro que temos de caminhar: o pão de cada dia da nossa vida cristã não é a visão, mas a fé. Importante tomar consciência de tudo isso, porque temos dificuldade em reconhecer que a mensagem evangélica é uma “boa notícia” (é este o sentido da palavra «evangelho»). Muitos de nós fabricamos uma religião masoquista, feita de prescrições exigentes, de pesadas proibições. Tristeza e abstinência generalizada… Pois invertamos a perspectiva e entreguemo-nos à alegria que nasce da certeza de sermos «salvos». Salvos de quê? Salvos da morte, bem entendido. Temos de nos persuadir de que nada de grave, de verdadeiramente grave, pode nos acontecer. O que quer que aconteça, estamos indo para a luz. Tudo o que vivemos será transfigurado, «até mesmo os nossos pecados», como escreve Santo Agostinho. Mas, sobre tal formulação, melhor será meditar após passada, e não no momento mesmo (um mau momento), da «tentação». Isto tudo nos ajuda a compreender que a última palavra da fé é a que chamamos de «ação de graças», ou seja, o reconhecimento. No vocabulário religioso, fala-se muito em «sacrifício». Não esqueçamos que o último sacrifício, aquele em sua forma perfeita, é o «sacrifício de ação de graças».

 

PARA ALÉM DE MOISÉS E DE ELIAS

Moisés costumava frequentar as montanhas: foi na solidão do Sinai que recebeu a Lei. Também Elias, figura simbólica de todo o profetismo, era familiarizado com o monte Horeb. Por isso os evangelistas situam a Transfiguração «sobre uma alta montanha». Jesus vai substituir, vai realizar e cumprir, completar perfeitamente uma superação: «a lei e os profetas», expressão que recapitula toda a primeira Aliança. Pedro, Tiago e João, ali representantes da nova Aliança que irá se concluir na Páscoa, são tomados de terror, ainda que Pedro tenha dito: «É bom ficarmos aqui.» A sua proposta, de erguer três tendas, não é inocente. Quer não só manter-se instalado na manifestação da glória, mas põe no mesmo plano Jesus, Moisés e Elias. Ora, justamente quando chegou o momento em que a Lei foi superada e em que as profecias se cumpriram. A questão não é inventar uma religião que, ao lado da fé no Cristo, conserve o culto da Lei, fundando-se na expectativa da realização das profecias. Com Cristo, tudo já foi dado. Trata-se agora de acolher este dom e de fazê-lo nosso. A este acolhimento chamamos de fé. Vai ser preciso descer da montanha e pôr-se a caminho de Jerusalém. Assim como Moisés, antigamente, havia conduzido o seu povo na travessia do mar, do deserto e do Jordão, Jesus vai atravessar a morte para fazer-nos atravessá-la.

Marcel Domergue, jesuíta (tradução livre de www.croire.com pelos irmãos Lara)

Fonte:

Centro Alceu Amoroso Lima

]]>
27420
Para inspirar… a liturgia do 1º Domingo da Quaresma https://observatoriodaevangelizacao.com/para-inspirar-a-liturgia-do-1o-domingo-da-quaresma/ Sat, 17 Feb 2018 11:18:08 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=27367 [Leia mais...]]]> PRIMEIRA ALIANÇA: CRIAÇÃO E HUMANIDADE

DOMINGO, 18 DE FEVEREIRO DE 2018: 1º DOMINGO DA QUARESMA – ANO B

A palavra «aliança» («berît» em hebraico) aparece na Bíblia pela primeira vez. E, de modo explícito ou em surdina, este tema da Aliança se faz presente nos cinco domingos da Quaresma.  Deus quer que a humanidade seja parceira de seus dois grandes projetos: a Criação e a Salvação.

 

TEXTOS DESTE DOMINGO

1ª leitura: Aliança de Deus com Noé, após ter ele se salvado do dilúvio (Gênesis 9,8-15)

Salmo: Sl. 24(25) – R/ Verdade e amor são os caminhos do Senhor.

2ª leitura: “À arca corresponde o batismo, que hoje é a vossa Salvação” (1 Pedro 3,18-22)

Evangelho: “Jesus foi tentado por Satanás… e os anjos o serviam” (Marcos 1,12-15)

NO INÍCIO DE SUA MISSÃO

Jesus acabara de ouvir a voz “vinda dos céus” que lhe dizia: “Tu és o meu filho amado; tens todo o meu amor”. O Espírito acabara de “descer sobre ele”. E este mesmo Espírito imediatamente o leva para o deserto, onde deverá superar as tentações. Busquemos compreender. Desde o batismo, quando inaugura a sua “vida pública”, é dada uma resposta à questão que percorre todo o Evangelho: “Quem é este homem?” Questão que será posta ainda no espetáculo da sua crucifixão (ver Marcos 14,62; 15,22-32). Mesmo se seu batismo prefigurasse já sua Paixão, não está dito, contudo, em seu relato, em que consiste viver humanamente a condição de Filho de Deus: o que isto exige e o que acarreta. No deserto, Jesus terá de superar a imagem de Deus que espontaneamente fazemos: a de um soberano que tudo dirige; a de um senhor absoluto que produz tudo o que acontece. Cultivamos facilmente certa ideia preconcebida a respeito da “onipotência”. Conforme lemos em Mateus 4 e em Lucas 4, Jesus, desde o início, tem de superar esta ilusão herdada ao mesmo tempo da sua humanidade e do que já está em Gênesis 2, quando o homem quer se fazer “como Deus“. Mas um deus conforme a imagem que lhe é oferecida pela serpente. O homem só pode ser imagem de Deus – único modo de existir de verdade – sendo livre como Ele é. E, com Cristo, ficamos sabendo que esta liberdade Deus somente a usa para dar e para servir. Esta será a revelação que vamos receber de quem, a uma só vez, é Filho de Deus e Filho do homem. No limiar da sua vida pública, Jesus revive a tentação de Adão e, em superposição aos quarenta dias, os quarenta anos do Êxodo, da travessia do deserto, para se passar da servidão à liberdade. O deserto: fome, sede, tentação (Salmo 95,8-11).

 

RENASCER SEMPRE

Como podemos ver, a narrativa das tentações de Jesus recapitula o conjunto da aventura bíblica que não é senão a aventura de toda a humanidade. Encontramos em todo o livro o mesmo percurso, das formas as mais variadas e em circunstâncias as mais diversas. Com Cristo, estamos, pois, aqui, “sem nada mais a ser dito”, tendo chegado ao final do Livro. Por isso diz ele que “o tempo já se completou”. A Terra Prometida, o Reino de Deus, o Paraíso a que o homem não tinha mais acesso, tudo isso, daí em diante, nele e por ele, está agora presente e accessível. Ao longo de toda a sua pregação e dos seus atos, o Reino ganha forma, rosto e existência. No entanto, mesmo se do lado de Deus o tempo tenha se completado, ainda será preciso certo tempo até que os homens se “convertam”; ou seja, até que mudem a sua visão do mundo, da verdade e do sentido a dar à própria vida. Este completar-se dos tempos vai durar a vida toda de Jesus. Em João, lemos que, justamente antes de morrer, Jesus diz: “Tudo está consumado”. Temos assim a vida pública de Jesus enquadrada entre o relato das tentações e o relato da Páscoa. E ambos nos situam diante da mesma realidade. Em Getsêmani, Jesus deve de qualquer forma refazer a sua escolha inicial. Vai, então, atravessar o deserto da morte e os seus discípulos irão “desertar”: na partida, como na chegada. No fundo, no fundo, ninguém poderia estar ao lado dele (mesmo se João apresente as coisas de modo diferente), porque todos, homens e mulheres, estão nele. Por fim, tudo isso vai desembocar na luz pascal do Reino. Devemos compreender que o itinerário de Jesus abre à nossa frente a imagem do itinerário que, de um modo ou outro, temos todos de percorrer. Não tardemos, pois, em demasia: os tempos já se completaram.

 

FILHOS BEM AMADOS DE DEUS

Eis-nos aqui no limiar destes quarenta dias de preparação para a celebração da Páscoa de Cristo. O que vamos fazer de particular, já que tantos de nós encontram-se já cansados, escravos que são de agendas sobrecarregadas? Retomemos os nossos espíritos: mais que uma carga suplementar, a Quaresma, ao contrário, pode ser assumida como um tempo de libertação. Como um espaço para se respirar, para se recolocar o acessório em seu devido lugar e voltarmo-nos ao que é essencial em nossas vidas. Trata-se de retomar a consciência das verdadeiras questões e do sentido das nossas existências. Ganhar um pouco de altitude. Revisitemos os nossos hábitos: alguns verdadeiramente não foram escolhidos, resultando muito mais da servidão do que da liberdade. Exemplos? Para uns, é a escravidão da TV ou do computador etc. Há famílias em que não se tem mais tempo para se falar. Portanto, retornemos ao essencial, ao fundamental. A Quaresma não pode ser «religiosa» se, primeiro, não for humana. Tomemos para nós as palavras que Jesus acabara de ouvir, palavras vindas de Deus: «Tu és meu Filho amado, tens todo o meu amor.» O que significa esta revelação? Quais comportamentos ela exige? Imediatamente depois de tê-la recebido, Jesus retira-se para o deserto. É um mistério, este retiro. Os especialistas dizem com facilidade tratar-se duma espécie de experiência espiritual. Sem dúvida, Jesus quer tomar consciência do que significa ser Filho amado de Deus.

 

QUARENTA DIAS…

O número quarenta tem toda uma história. O dilúvio durou quarenta dias; Moisés isolou-se por quarenta dias no Sinai, para receber a Lei; o povo errou por quarenta anos no deserto, o tempo de tornar-se apto a entrar na Terra Prometida, superando as tentações que lhe proibiam o acesso. Como temos dito, quarenta anos representam a duração de uma geração humana, o tempo de ser substituído por um filho recém-chegado à idade adulta. É o tempo de maturação para se ter acesso a uma plenitude. Tendo chegado a este termo, «o tempo se completou», como diz Jesus no evangelho. Marcos não diz nada sobre o conteúdo das tentações. Elas descrevem, em termos simbólicos, as características de um falso messianismo. São tentações da riqueza, do poder e da invulnerabilidade. Fique bem entendido: estas tentações não são diferentes das que temos em nossas vidas. Veremos que, de diversas formas, elas ressurgirão ao longo dos evangelhos. Por exemplo, quando Tiago e João sugerem que Jesus fizesse cair o fogo do céu sobre os Samaritanos que se recusaram a recebê-los (Lucas 9,54). Ou quando as pessoas queriam buscá-lo para fazê-lo rei (João 6,15). Cabe-nos traduzir: para além das imagens hiperbólicas que chegam até nós, vindas da noite dos tempos, podemos identificar mentalidades e ideologias bem postas em nossas sociedades, no mundo político, em nossas famílias. Temos aqui, diante de nós, quarenta dias para descobrirmos em que medida somos atingidos por isso. Não nos é pedido, aliás, que nos julguemos ou nos desencorajemos, mas que nos abramos simplesmente à «Boa Nova».

 

EM CAMINHO PARA A VIDA

Sim, é bem «Nova» esta Palavra. Sempre nova. Ganha vida e forma através de tudo o que vivemos, suportamos e realizamos. E sempre nos diz que, do pior, Deus pode fazer sair o melhor, que tudo é usado, inclusive a morte, para fazer surgir mais vida. A prisão do Batista provoca a manifestação pública de Jesus, abertamente, em liberdade, com a liberdade que, um dia, alcançará o precursor, mesmo estando este a caminho da morte. Afinal, os quarenta dias das tentações são uma imagem de toda a vida humana, do nascimento (o «Tu és meu Filho» do Batismo) à ressurreição, passando pela morte («os tempos se completaram»). A última tentação de Jesus irá coincidir com a sua oração em Getsêmani, para evitar a morte. Quando diz «afasta de mim este cálice» (Marcos 14,36), está se juntando ao protesto de Pedro em Mateus 16,22: «Não, isto não te acontecerá». É uma verdadeira tentação, tanto que Jesus havia então tratado o discípulo como Satanás e como obstáculo. É precioso constatar que o próprio Cristo teve de superar as solicitações exteriores, e até mesmo interiores, que imediatamente não se encontravam no mesmo sentido da vontade do Pai. Temos dificuldade em reconhecer que o Verbo entrou completamente em nossa condição humana. Não vamos, pois, ter medo em demasia do que se passa em nós, do que é negativo e estranho à fé, mas voltemo-nos para aquele que nos ensinou a superá-lo. Com vistas à nossa última Páscoa.

Marcel Domergue, jesuíta (tradução livre de www.croire.com  pelos irmãos Lara)

Fonte:

Centro Alceu Amoroso Lima

]]>
27367