Violência – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Fri, 06 May 2022 22:00:00 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.4 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 Violência – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 Dom Mário Antônio da Silva: O que acontece com os Yanomami é “uma vergonha para nosso país” https://observatoriodaevangelizacao.com/dom-mario-antonio-da-silva-o-que-acontece-com-os-yanomami-e-uma-vergonha-para-nosso-pais/ Fri, 06 May 2022 22:00:00 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=44913 [Leia mais...]]]> Numa Carta ao Povo de Deus e aos Homens e Mulheres de Boa Vontade, , Dom Mário Antônio da Silva, tem denunciado a grave situação que vive o povo Yanomami e sua defesa irrestrita. Acompanhe a matéria de Luis Miguel Modino.

Humanizar é Evangelizar

O bispo de Roraima começa fazendo uma leitura histórica dos primeiros contatos da Igreja católica com os povos indígenas de Roraima, mostrando que pela “defesa da vida, de suas culturas e de suas terras entrou no caminho da Evangelização”. A causa dos povos indígenas foi assumida “como anúncio da dignidade humana e, por vezes, com denúncia daquilo que negava o Evangelho e os direitos humanos”, segundo o Presidente da Caritas Brasileira.

Dom Mário Antônio lembrou das palavras de São Paulo VI: “Passar de condições menos humanas para condições mais humanas é Evangelizar”, algo assumido pelos missionários da Consolata, especialmente na Missão Catrimani, fundada em 1965 e no seu acompanhamento diante das invasões acontecidas desde a década de 1970: construção da perimetral norte, invasão de garimpeiros nas décadas de 80 e 90, que colocou o povo Yanomami à beira do genocídio.

“O dragão da mineração tomou força novamente”

Nessa conjuntura começou a luta pela demarcação da terra indígena, onde participou a Igreja católica, lembrando do massacre de Haximu, “em que vários indígenas foram dizimados num confronto cruel e desigual”. Isso está sendo revivido nos últimos 3 anos, lembrou o bispo, em que “o dragão devorador da mineração tomou força novamente e avança com toda ferocidade e poder das organizações criminosas sobre a Terra Yanomami”.

Isso tem provocado notícias impactantes: a draga que sugou as duas crianças no rio Parima; a violação de meninas e mulheres que são aliciadas em troca de comida pelos donos do garimpo; abusos diários contra os Yanomami. Situações que Dom Mário Antônio define como “uma vergonha para nosso país e fazem o nosso coração sentir o sofrimento e a morte que os Yanomami e a natureza estão vivendo”. Também citou a distribuição de armas e bebidas que provocam conflitos entre eles.

Omissão e irresponsabilidade

Diante disso, a Diocese de Roraima denunciou “a omissão e a irresponsabilidade do Governo Federal, que ao invés de cumprir seu papel constitucional na defesa dos povos indígenas e de suas terras, patrimônio da União, incentiva as invasões e coloca na pauta do Congresso Nacional o projeto de lei, que legaliza a mineração em terras indígenas”, uma proposta que é vista como “uma ilusão enganadora de supostos benefícios”.

A Carta convida a se unir “na defesa e na garantia da vida e do território do povo Yanomami, estabelecidos na Constituição Federal; a promover a Justiça e não compactuar com o projeto de morte que autoriza a mineração nas terras indígenas; a assumir o compromisso de defesa e do cuidado para com a Casa Comum”.

Veja a carta na íntegra CNBB Norte 1

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pe. Luis Miguel Modino
Natural da Espanha, é missionário Fidei Donum na Diocese de São Miguel da Cachoeira, Amazonas. É parceiro do Observatório da Evangelização e articulista em diversos periódicos e revistas virtuais católicas.

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Guerras e armas são satânicas https://observatoriodaevangelizacao.com/guerras-e-armas-sao-satanicas/ https://observatoriodaevangelizacao.com/guerras-e-armas-sao-satanicas/#comments Sun, 27 Mar 2022 21:00:00 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=44584 [Leia mais...]]]> A guerra não é um monstro do passado. O conflito entre Rússia e Ucrânia ocupa as manchetes dos principais veículos de comunicação em todo o mundo. Centenas de inocentes, civis, crianças e idosos já morreram! Cerca de 4 milhões podem deixar suas casas e o país para escapar da morte. O mundo já tem mais de 82 milhões de deslocados (Acnur-Agência das Nações Unidas para refugiados).

A Ucrânia vive uma tragédia humanitária. Os bombardeios aéreos na Síria e no Iraque provocaram a morte de milhares de civis. Contudo, há milhares de mortos e muito sofrimento em dezenas de conflitos em outras regiões do mundo. Mais de 28 países estão em guerra por territórios, por independência, por questões religiosas, por recursos naturais, etc. (Para ver outros conflitos em meio à guerra na Ucrânia, acesse mixvale.com.br)

Fome, destruição de cidades, miséria, doenças, desemprego. Os prejuízos humanos, econômicos e sociais são incalculáveis. Não há justificativa moral para a guerra. A defesa da paz exige a condenação da guerra. Quem está ganhando com as guerras? A indústria armamentista. Os fabricantes de armas aumentaram suas vendas. As maiores são dos Estados Unidos.

Enquanto líderes mundiais enviam jovens para morte, Francisco quer ouvir suas aflições, frustrações e, principalmente, suas soluções para problemas reais. O Papa acredita que a missão dos jovens é deixar, para as próximas gerações, um mundo melhor do que aquele que encontraram: “que as perguntas que a vida nos faz, que a cultura nos pede, que os problemas humanos nos pedem, sejam recebidos com a mente e com o coração, e que as respostas também sejam inteligentes, cordiais com o coração e pragmáticas com as mãos” disse o papa a estudantes católicos. “Essa é a vocação dos cristãos, construir pontes”!

Sim! Construir Pontes! O diálogo é um dos principais legados dos nove anos de pontificados de Jorge Bergoglio, completados em 13 de março. Quando se tornou o primeiro Papa jesuíta e latino-americano, recebeu uma difícil herança: escândalos de pedofilia no clero, dívidas, corrupção e tráfico de influência, e divisões na Igreja. Aos poucos, Francisco está conseguindo modificar algumas situações. Com seu olhar atento, e o desejo de promover a paz, enfrenta os grandes desafios das diversas realidades promovendo a cultura do encontro: “Somente esta cultura pode levar a uma justiça sustentável e à paz para todos, bem como a um autêntico cuidado por nossa casa comum.”

Argentino filho de imigrante italianos, é carismático e acessível, porém discreto. Mantem hábitos simples, carregando a alegria do Evangelho. Firme defensor da ecologia e da dignidade dos pobres, descartados e discriminados, Papa Francisco não escapa às críticas de conservadores e progressistas. Quer fazer da Igreja uma comunidade participativa através da sinodalidade, onde “todos são protagonistas”. É preciso deixar-se mover pelo Espírito Santo para “descobrir a geografia da salvação divina, abrindo portas e janelas, derrubando muros, rompendo correntes, libertando fronteiras”.

Em Fratelli tutti, Francisco ressalta a importância de se restaurar a fraternidade entre os povos. Para que haja paz e respeito, é fundamental a democracia, a liberdade e a justiça. O documento afirma que “somos todos chamados a estar próximos uns dos outros, superando preconceitos e interesses pessoais. O amor constrói pontes e nós somos feitos para o amor”. “A melhor política” é aquela que se traduz na caridade e no amor social a serviço do bem comum.

A guerra é a pior das políticas. Francisco é promotor incansável da paz. A verdadeira paz “só se pode alcançar quando lutamos pela justiça através do diálogo, buscando a reconciliação e o desenvolvimento mútuo”. Para ele, “a guerra é um fracasso da política e da humanidade, uma rendição vergonhosa, uma derrota perante as forças do mal. Não fiquemos em discussões teóricas, tomemos contato com as feridas, toquemos a carne de quem paga os danos” (Fratelli tutti, 261).

Em meio a tantas guerras, Papa Francisco levanta sua voz: “Ouça o grito de quem sofre, e se ponha fim aos bombardeios e aos ataques…parem este massacre!” … “Quem faz a guerra esquece a humanidade. Não parte do povo, não olha para a vida concreta das pessoas, mas coloca diante de tudo os interesses de poder. Baseia-se na lógica diabólica e perversa das armas, que é a mais distante da vontade de Deus. E se distancia das pessoas comuns, que desejam a paz; e que em cada conflito – pessoas comuns – são as verdadeiras vítimas, que pagam as loucuras da guerra com a própria pele”.

Desejemos a paz. Lutemos pela paz todos os dias. O diálogo é a única forma racional para a paz. Que o dinheiro usado em armas seja revertido para acabar de vez com a fome no mundo.

“Nunca mais a guerra!”

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pe. Élio Gasda, SJ
É jesuíta, doutor em Teologia, autor, professor e pesquisador na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE). 

Fonte: https://faculdadejesuita.edu.br/fajeonline/palavra-presenca/guerras-e-armas-sao-satanicas-papa-nicolau/

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https://observatoriodaevangelizacao.com/guerras-e-armas-sao-satanicas/feed/ 1 44584
O perdão: a grandeza e a dignidade das vítimas de extrema violência. Artigo de Leonardo Boff https://observatoriodaevangelizacao.com/o-perdao-a-grandeza-e-a-dignidade-das-vitimas-de-extrema-violencia-artigo-de-leonardo-boff/ Tue, 01 Mar 2022 12:00:00 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=43994 [Leia mais...]]]>

O perdão é um tema urgente em nosso tempo! Os horizontes do perdão se configuram em processos de elaboração de traumas causados por crimes, tragédias, exclusões sociais ou por elementos que, simplesmente, fazem parte das dores da vida de toda e qualquer pessoa. É preciso, por isso, atestar que ocorreu uma ferida e entender a sua trajetória, os seus efeitos e impactos sociais, humanitários e pessoais. Podemos apenas pensar em horizontes de perdão, por isso mesmo, quando temos possibilidades hermenêuticas, propiciadas por sociedades democráticas ou grupos de resistência, que não aceitam pagar violência com violência. É possível alcançar um estado de harmonia e de paz, quando buscamos caminhos para a ressignificação. Para tanto, torna-se imprescindível elementos como a tolerância, a justiça e a reconciliação. Como afirma o filósofo francês Paul Ricoeur, o perdão é difícil, mas possível. Perdoar não é uma obrigação, não é casual, mas extraordinário, um transbordamento, um dom, expressão do divino no humano, profundamente humano! Cremos que, participantes de uma tradição cristã, em várias abordagens corre, como um rio de água viva, a possibilidade de um perdão maior. Daquela fonte que de tanto amor, torna-se vítima que perdoa, matando a própria inimizade. A história de Cristo mesmo como antecipação escatológica de um novo reino no qual todos são irmãos. No artigo a seguir, Leonardo Boff faz uma apresentação profunda do tema, tomando como inspiração o livro “Horizontes de Perdão” (Ideias e Letras, 2020) organizado por Dom Vicente Ferreira e pelo professor René Dentz (membro da equipe executiva do Observatório):

Por iniciativa do bispo Dom Vicente Ferreira, pastor da região da tragédia de Brumadinho-MG e do professor e psicanalista René Dentz, foi organizado um livro que recolhe excelentes estudos sobre o perdão: “Horizontes de Perdão” (Editora Ideias & Letras 2020, pp.180). Sua singularidade reside no fato de terem sido escolhidos exemplos de perdão de diferentes países com suas culturas e tradições próprias.

 Queremos comentar esta obra por sua alta qualidade e por abordar um tema de grande atualidade, também largamente abordada pelo Papa Francisco na sua encíclica social Fratelli tutti (2020).

O livro “Horizontes de Perdão” tem como foco pensar o perdão a partir do sofrimento concreto e terrível, suportado por vítimas humanas inocentes ou por todo um povo vitimado durante séculos. Aqui reside sua grande força e também o seu poder de convencimento.

 Um exemplo, descrito e analisado pelo bispo Dom Vicente Ferreira e de René Dentz, também organizador desta obra, vem do Brasil, das tragédias criminosas do rompimento de duas barragens da mineradora Vale, em Mariana-MG no dia 05 de novembro de 2015, matando 19 pessoas e destruindo a bacia do Rio Doce, com 55 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério, e Brumadinho-MG, no dia 25 de janeiro de 2019, com a ruptura da barragem da mesma mineradora Vale, vitimando 272 pessoas, soterradas sob 12,7 milhões de metros cúbicos de lama e detritos.

O livro abre com um minucioso estudo do bispo Dom Vicente Ferreira, pastor, poeta, músico e profeta: “Brumadinho: o perdão a partir das vítimas de crimes socioambientais”. Precede-o uma pertinente análise de conjuntura global, sob a hegemonia do capital, uma máquina de fazer vítimas no mundo inteiro. A mineradora Vale representa a lógica do capital que prefere o lucro à vida, aceitando o risco de dizimar centenas de pessoas e de danificar profundamente a natureza. Mesmo consciente dos danos perpetrados, reluta em compensar com justiça e equidade as famílias e pessoas afetadas.

Dom Vicente procura entender o processo vitimatório da globalização do capital com as categorias do sociólogo português Boaventura de Sousa Santos e a compreensão da violência com a psicanálise de Sigmund Freud que, face à nossa capacidade de superar a violência, se mostra, de certa forma, cético e resignado.

Dom Vicente supera esta resignação com a contribuição da mensagem cristã bem no espírito da Fratelli tutti do Papa Francisco. Esta testemunha o sacrifício da vítima inocente, do Crucificado que rompeu o círculo da vingança e do ressentimento com o perdão a seus algozes. Esta visão foi bem desenvolvida pelo pensador René Girard, referido no estudo. Este pensador francês emerge como um dos que melhor estudou a dinâmica da violência que se origina pelo desejo mimético excludente (alguém quer só para si um objeto excluindo a terceiros), mas que a proposta cristã mostrou que este desejo mimético pode ser transformado em includente (desejamos juntos e compartilhamos o mesmo objeto) pelo perdão incondicional.

 Mas esse perdão coloca a exigência de justiça a ser praticada por aqueles que provocaram o desastre criminoso, no caso os responsáveis da mineradora Vale. Essa luta, o bispo a leva com determinação e ternura, com canto, poesia e oração junto com a comunidade dos sofredores que ele incansavelmente, com uma generosa equipe, acompanha. Cabe citar novamente o que diz a Fratelli tutti: “Não se trata de propor um perdão renunciando aos próprios direitos perante um poderoso corrupto… Quem sofre injustiça tem de defender vigorosamente os seus direitos e os da sua família, precisamente porque deve guardar a dignidade que lhes foi dada, uma dignidade que Deus ama” (n. 241).

Para entender melhor a dinâmica da violência e do perdão, alguns autores foram seminais: o filósofo francês Paul Ricoeur com seu livro “La mémoire, l’histoire, l’oubli” (Paris, Seuil 2000) e Franz Fanon, “Os condenados da Terra” (Rio de Janeiro, Civilização Brasileira 1968).

A reconciliação e o perdão não terminam em si mesmos. Novamente a Fratelli tutti é inspiradora:

 “Como ensinaram os bispos da África do Sul, a verdadeira reconciliação alcança-se de maneira proativa, ‘formando uma nova sociedade baseada no serviço aos outros, e não no desejo de dominar; uma sociedade baseada na partilha do que se possui com os outros, e não na luta egoísta de cada um pela maior riqueza possível; uma sociedade na qual o valor de estar juntos como seres humanos é, em última análise, mais importante do que qualquer grupo menor, seja ele a família, a nação, a etnia ou a cultura’ (n. 213). E os bispos da Coreia do Sul destacaram que uma verdadeira paz ‘só se pode alcançar quando lutamos pela justiça através do diálogo, buscando a reconciliação e o desenvolvimento mútuo'” (n. 229).

Releva enfatizar: cada povo e cada grupo encontraram caminhos próprios para chegar ao perdão. Assim, por exemplo, para os afrodescendentes brasileiros é imprescindível para um perdão real que os brancos que os vitimizaram pela escravidão reconheçam a desumanidade que cometeram, reforcem a identidade africana e os restaurem na sua dignidade ofendida. Bem se disse: “o perdão é mais que uma justa justiça, antes é da ordem da doação – doação aos outros”.

 No Congo Brazzaville, país marcado por sangrentas guerras civis, o conceito chave foi “palaver”, recorrente nos países do sul do Saara.

 “Palaver” implica buscar a verdade pelo diálogo, pela liberdade de todos falarem, independentemente de seu lugar social e de gênero, até se elaborar um consenso em função da paz social; todos se perdoam mutuamente, sem penalizar ninguém, mas todos se propõem corrigir os erros. O texto mostra como esse pacto pela ganância do poder de grupos e pela vasta corrupção que assola o país não conseguiu prevalecer e ter sua sustentabilidade garantida. Mas vale a tentativa.

Na África do Sul, o conceito-chave no processo de reconciliação e de perdão, conduzido pelo arcebispo anglicano Desmond Tutu, foi a categoria “Ubuntu”. Ela fundamentalmente expressa essa profunda verdade antropológica: “eu só sou eu através de você”. Todos se sentem interligados. A estratégia era: o vitimador confessa seu crime com toda sinceridade; a vítima escuta atentamente e narra a sua dor; restaura-se a justiça reparadora e restaurativa, eventualmente aceita-se uma punição curativa, exceto para os crimes mais hediondos de lesa-humanidade, que são encaminhados ao tribunal competente.

 Outra contribuição trabalha estudos avançados de mereologia (como as partes se relacionam com outras partes, como elas se situam no todo e como dentro dele se movem). Os dois autores articulam os dados numa certa harmonia, base para o perdão, assim definido por eles:

 “A superação do afeto negativo e do julgamento em relação ao ofensor, não negando a nós mesmos o direito a tal afeto e julgamento, mas se esforçar em ver o ofensor com compaixão, benevolência e amor”.

 O pressuposto antropológico é que por mais criminoso que alguém seja, nunca é só criminoso, jamais deixa de ser humano com muitas outras virtualidades também positivas. Da mesma forma, por mais que a população trazida violentamente da África para ser escrava no Brasil, nunca os senhores de escravos conseguiram matar-lhes a liberdade. Eles resistiram e procuraram sempre conservar sua identidade cultural e religiosa. O quilombolismo é disso uma prova ainda hoje visível nas centenas de quilombos existentes, onde se vive uma vida mais comunitária, igualitária, na linha do “Ubuntu”.

 Entretanto, enquanto não se parar de dar um download do ressentimento e do espírito de vendetta, nunca se rasgará o caminho para um verdadeiro perdão. Não se trata de esquecimento, mas de não deixar de ser refém de um interminável ciclo de amargura e de mágoa.

 Nesse ponto do perdão generoso, o cristianismo mostrou seu capital humanístico. Como o texto de Dom Vicente o mostra e especialmente o da Colômbia que assim o expressa: perdoar o imperdoável não é só uma amostra como o espírito humano pode revelar a sua transcendência, a sua capacidade de estar para além de qualquer situação por mais desumana que se apresente, mas é acima de tudo o dom da graça divina. Perdoamos porque fomos perdoados por Deus e por Cristo cuja misericórdia não sofre nenhuma limitação.

A justiça é irrenunciável. Mas não é ela que escreve a última página da história humana. Excelentemente respondeu o filósofo Roger Icar a Wiesenthal, aquele que buscava no mundo todo criminosos nazistas: “O perdão sem justiça revela fraqueza, mas uma justiça sem perdão representa uma força desumana”.

 Estes textos revelam a excelência das reflexões sobre o perdão, dos melhores publicados nos últimos tempos. A parte desumana no ser humano pode, pelo perdão e pela reconciliação, ser resgatada e transformada. Essa é a grande lição que esta notável obra “Horizontes de Perdão” nos quer transmitir, tão bem organizada pelo bispo-pastor Dom Vicente de Brumadinho e pelo erudito psicanalista René Dentz.

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Leonardo Boff
Teólogo, filósofo, escritor, professor e membro da Iniciativa Internacional da Carta da Terra.

Fonte: https://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/609602-o-perdao-a-grandeza-e-a-dignidade-das-vitimas-de-extrema-violencia-artigo-de-leonardo-boff

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O que é mais cruel: a violência que mata o corpo ou a que, covardemente, tenta destruir o nome e o legado da vítima? https://observatoriodaevangelizacao.com/o-que-e-mais-cruel-a-violencia-que-mata-o-corpo-ou-a-que-covardemente-tenta-destruir-o-nome-e-o-legado-da-vitima/ Tue, 20 Mar 2018 12:16:28 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=27625 [Leia mais...]]]> Ficamos impactados eticamente ante o esforço cruel e desumano de tantos, pelas redes sociais, dedicados à covarde e imoral tarefa de destruir o nome e o legado da vereadora Marielle Franco, vítima da barbárie de nossa sociedade.

A reflexão do teólogo César Kuzma, “A segunda morte de Marielle, lança um facho de luz nas trevas desses tempos sombrios que insistem em ameaçar e violentar a dignidade da vida.

Evangelizar é, em primeiro lugar, acolher, de tal modo e profundamente, a boa nova do amor de Deus anunciada e testemunhada com fidelidade até o extremo por Jesus de Nazaré, que nos transformamos e nos comprometemos com a defesa incondicional da vida.

 

A segunda morte de Marielle

 

Há um sistema que mata! Mas há um fundamentalismo e conservadorismo (político e religioso) que insistem em matar ainda mais, mesmo depois, tem que sangrar. Incrível!

Há limite para o ódio? Chega a ser assustador.

Interessante como alguns rótulos colocados tentam definir e marcar as pessoas. Não se vê mais nada além, são respostas impostas de fora, taxativas e preconceituosas. Triste! Absurdo!

Enquanto alguns choram a morte de Marielle, sendo ela simbólica pela forma como aconteceu e por ser ela a pessoa que era (pela história, vida e opções que a precederam), outros, sem compaixão, ou com um pseudo-autoritarismo, até cristão, dizem: mulher, negra, pobre, de esquerda, feminista, defensora dos Direitos Humanos, lésbica…. Ofensas que matam! De novo! E outra vez!

Estes jargões atirados são na verdade causas de luta e protesto contra uma sociedade que “mata” mulheres, negando e abusando de seus direitos, ainda mais se forem negras e pobres, quanto mais vindas de comunidades carentes que denunciam qualquer “bom costume” perante a violência e injustiça que são submetidas diariamente. Para ter e ser voz tem que lutar, tem que sair sem abandonar a casa e a causa, sem negar a si mesma, na sua condição de mulher. Negra mulher, preta na cor.

Triste pecado de ser mulher, negra, pobre, de esquerda, feminista e homoafetiva! “Pecado” que gera indignação em alguns, escândalo em outros, silêncio de instituições, mas força em todos aqueles e aquelas que acreditam, que vivem e tem esperança. Sim, pode ser diferente!

É, nossas opções custam caro, paga-se com a vida! Esta atitude deveria pautar o sentimento cristão, e não jargões pré-concebidos, retirados de uma guerra fria requentada. Obriga-se a um olhar mais atento e um calçar os sapatos do outro, da outra, para seguir o caminho trilhado e entender, mesmo que de longe, as opções tomadas e a luta buscada.

Diante da morte temos duas atitudes: reverência e clamor. Reverência pelo mistério, e justiça pelo sangue das vítimas que pulsa em nós e que espera a ressurreição.

Esta deveria ser a mensagem cristã para a Páscoa, frente aos novos crucificados e crucificadas de hoje, mortos pelos tiranos da história, na esperança de um novo dia, onde reine a justiça, o amor e a paz, para todos, e todas!

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Cesar Kuzma é doutor em Teologia pela PUC-Rio, onde é professor e pesquisador, e presidente da SOTER (Sociedade de Teologia e Ciências da Religião). Assessor da Comissão do Laicato da CNBB e do Departamento de Vocações e Ministérios do Conselho Episcopal da América Latina (CELAM). Autor, entre outros, de O futuro de Deus na missão da esperança: uma aproximação escatológica (2014), um estudo sobre a obra do “teólogo da esperança”, o protestante Jürgen Moltmann, e Leigos e Leigas – força e esperança da Igreja no mundo (2009).

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