Vale – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Tue, 01 Mar 2022 12:00:00 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.4 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 Vale – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 O perdão: a grandeza e a dignidade das vítimas de extrema violência. Artigo de Leonardo Boff https://observatoriodaevangelizacao.com/o-perdao-a-grandeza-e-a-dignidade-das-vitimas-de-extrema-violencia-artigo-de-leonardo-boff/ Tue, 01 Mar 2022 12:00:00 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=43994 [Leia mais...]]]>

O perdão é um tema urgente em nosso tempo! Os horizontes do perdão se configuram em processos de elaboração de traumas causados por crimes, tragédias, exclusões sociais ou por elementos que, simplesmente, fazem parte das dores da vida de toda e qualquer pessoa. É preciso, por isso, atestar que ocorreu uma ferida e entender a sua trajetória, os seus efeitos e impactos sociais, humanitários e pessoais. Podemos apenas pensar em horizontes de perdão, por isso mesmo, quando temos possibilidades hermenêuticas, propiciadas por sociedades democráticas ou grupos de resistência, que não aceitam pagar violência com violência. É possível alcançar um estado de harmonia e de paz, quando buscamos caminhos para a ressignificação. Para tanto, torna-se imprescindível elementos como a tolerância, a justiça e a reconciliação. Como afirma o filósofo francês Paul Ricoeur, o perdão é difícil, mas possível. Perdoar não é uma obrigação, não é casual, mas extraordinário, um transbordamento, um dom, expressão do divino no humano, profundamente humano! Cremos que, participantes de uma tradição cristã, em várias abordagens corre, como um rio de água viva, a possibilidade de um perdão maior. Daquela fonte que de tanto amor, torna-se vítima que perdoa, matando a própria inimizade. A história de Cristo mesmo como antecipação escatológica de um novo reino no qual todos são irmãos. No artigo a seguir, Leonardo Boff faz uma apresentação profunda do tema, tomando como inspiração o livro “Horizontes de Perdão” (Ideias e Letras, 2020) organizado por Dom Vicente Ferreira e pelo professor René Dentz (membro da equipe executiva do Observatório):

Por iniciativa do bispo Dom Vicente Ferreira, pastor da região da tragédia de Brumadinho-MG e do professor e psicanalista René Dentz, foi organizado um livro que recolhe excelentes estudos sobre o perdão: “Horizontes de Perdão” (Editora Ideias & Letras 2020, pp.180). Sua singularidade reside no fato de terem sido escolhidos exemplos de perdão de diferentes países com suas culturas e tradições próprias.

 Queremos comentar esta obra por sua alta qualidade e por abordar um tema de grande atualidade, também largamente abordada pelo Papa Francisco na sua encíclica social Fratelli tutti (2020).

O livro “Horizontes de Perdão” tem como foco pensar o perdão a partir do sofrimento concreto e terrível, suportado por vítimas humanas inocentes ou por todo um povo vitimado durante séculos. Aqui reside sua grande força e também o seu poder de convencimento.

 Um exemplo, descrito e analisado pelo bispo Dom Vicente Ferreira e de René Dentz, também organizador desta obra, vem do Brasil, das tragédias criminosas do rompimento de duas barragens da mineradora Vale, em Mariana-MG no dia 05 de novembro de 2015, matando 19 pessoas e destruindo a bacia do Rio Doce, com 55 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério, e Brumadinho-MG, no dia 25 de janeiro de 2019, com a ruptura da barragem da mesma mineradora Vale, vitimando 272 pessoas, soterradas sob 12,7 milhões de metros cúbicos de lama e detritos.

O livro abre com um minucioso estudo do bispo Dom Vicente Ferreira, pastor, poeta, músico e profeta: “Brumadinho: o perdão a partir das vítimas de crimes socioambientais”. Precede-o uma pertinente análise de conjuntura global, sob a hegemonia do capital, uma máquina de fazer vítimas no mundo inteiro. A mineradora Vale representa a lógica do capital que prefere o lucro à vida, aceitando o risco de dizimar centenas de pessoas e de danificar profundamente a natureza. Mesmo consciente dos danos perpetrados, reluta em compensar com justiça e equidade as famílias e pessoas afetadas.

Dom Vicente procura entender o processo vitimatório da globalização do capital com as categorias do sociólogo português Boaventura de Sousa Santos e a compreensão da violência com a psicanálise de Sigmund Freud que, face à nossa capacidade de superar a violência, se mostra, de certa forma, cético e resignado.

Dom Vicente supera esta resignação com a contribuição da mensagem cristã bem no espírito da Fratelli tutti do Papa Francisco. Esta testemunha o sacrifício da vítima inocente, do Crucificado que rompeu o círculo da vingança e do ressentimento com o perdão a seus algozes. Esta visão foi bem desenvolvida pelo pensador René Girard, referido no estudo. Este pensador francês emerge como um dos que melhor estudou a dinâmica da violência que se origina pelo desejo mimético excludente (alguém quer só para si um objeto excluindo a terceiros), mas que a proposta cristã mostrou que este desejo mimético pode ser transformado em includente (desejamos juntos e compartilhamos o mesmo objeto) pelo perdão incondicional.

 Mas esse perdão coloca a exigência de justiça a ser praticada por aqueles que provocaram o desastre criminoso, no caso os responsáveis da mineradora Vale. Essa luta, o bispo a leva com determinação e ternura, com canto, poesia e oração junto com a comunidade dos sofredores que ele incansavelmente, com uma generosa equipe, acompanha. Cabe citar novamente o que diz a Fratelli tutti: “Não se trata de propor um perdão renunciando aos próprios direitos perante um poderoso corrupto… Quem sofre injustiça tem de defender vigorosamente os seus direitos e os da sua família, precisamente porque deve guardar a dignidade que lhes foi dada, uma dignidade que Deus ama” (n. 241).

Para entender melhor a dinâmica da violência e do perdão, alguns autores foram seminais: o filósofo francês Paul Ricoeur com seu livro “La mémoire, l’histoire, l’oubli” (Paris, Seuil 2000) e Franz Fanon, “Os condenados da Terra” (Rio de Janeiro, Civilização Brasileira 1968).

A reconciliação e o perdão não terminam em si mesmos. Novamente a Fratelli tutti é inspiradora:

 “Como ensinaram os bispos da África do Sul, a verdadeira reconciliação alcança-se de maneira proativa, ‘formando uma nova sociedade baseada no serviço aos outros, e não no desejo de dominar; uma sociedade baseada na partilha do que se possui com os outros, e não na luta egoísta de cada um pela maior riqueza possível; uma sociedade na qual o valor de estar juntos como seres humanos é, em última análise, mais importante do que qualquer grupo menor, seja ele a família, a nação, a etnia ou a cultura’ (n. 213). E os bispos da Coreia do Sul destacaram que uma verdadeira paz ‘só se pode alcançar quando lutamos pela justiça através do diálogo, buscando a reconciliação e o desenvolvimento mútuo'” (n. 229).

Releva enfatizar: cada povo e cada grupo encontraram caminhos próprios para chegar ao perdão. Assim, por exemplo, para os afrodescendentes brasileiros é imprescindível para um perdão real que os brancos que os vitimizaram pela escravidão reconheçam a desumanidade que cometeram, reforcem a identidade africana e os restaurem na sua dignidade ofendida. Bem se disse: “o perdão é mais que uma justa justiça, antes é da ordem da doação – doação aos outros”.

 No Congo Brazzaville, país marcado por sangrentas guerras civis, o conceito chave foi “palaver”, recorrente nos países do sul do Saara.

 “Palaver” implica buscar a verdade pelo diálogo, pela liberdade de todos falarem, independentemente de seu lugar social e de gênero, até se elaborar um consenso em função da paz social; todos se perdoam mutuamente, sem penalizar ninguém, mas todos se propõem corrigir os erros. O texto mostra como esse pacto pela ganância do poder de grupos e pela vasta corrupção que assola o país não conseguiu prevalecer e ter sua sustentabilidade garantida. Mas vale a tentativa.

Na África do Sul, o conceito-chave no processo de reconciliação e de perdão, conduzido pelo arcebispo anglicano Desmond Tutu, foi a categoria “Ubuntu”. Ela fundamentalmente expressa essa profunda verdade antropológica: “eu só sou eu através de você”. Todos se sentem interligados. A estratégia era: o vitimador confessa seu crime com toda sinceridade; a vítima escuta atentamente e narra a sua dor; restaura-se a justiça reparadora e restaurativa, eventualmente aceita-se uma punição curativa, exceto para os crimes mais hediondos de lesa-humanidade, que são encaminhados ao tribunal competente.

 Outra contribuição trabalha estudos avançados de mereologia (como as partes se relacionam com outras partes, como elas se situam no todo e como dentro dele se movem). Os dois autores articulam os dados numa certa harmonia, base para o perdão, assim definido por eles:

 “A superação do afeto negativo e do julgamento em relação ao ofensor, não negando a nós mesmos o direito a tal afeto e julgamento, mas se esforçar em ver o ofensor com compaixão, benevolência e amor”.

 O pressuposto antropológico é que por mais criminoso que alguém seja, nunca é só criminoso, jamais deixa de ser humano com muitas outras virtualidades também positivas. Da mesma forma, por mais que a população trazida violentamente da África para ser escrava no Brasil, nunca os senhores de escravos conseguiram matar-lhes a liberdade. Eles resistiram e procuraram sempre conservar sua identidade cultural e religiosa. O quilombolismo é disso uma prova ainda hoje visível nas centenas de quilombos existentes, onde se vive uma vida mais comunitária, igualitária, na linha do “Ubuntu”.

 Entretanto, enquanto não se parar de dar um download do ressentimento e do espírito de vendetta, nunca se rasgará o caminho para um verdadeiro perdão. Não se trata de esquecimento, mas de não deixar de ser refém de um interminável ciclo de amargura e de mágoa.

 Nesse ponto do perdão generoso, o cristianismo mostrou seu capital humanístico. Como o texto de Dom Vicente o mostra e especialmente o da Colômbia que assim o expressa: perdoar o imperdoável não é só uma amostra como o espírito humano pode revelar a sua transcendência, a sua capacidade de estar para além de qualquer situação por mais desumana que se apresente, mas é acima de tudo o dom da graça divina. Perdoamos porque fomos perdoados por Deus e por Cristo cuja misericórdia não sofre nenhuma limitação.

A justiça é irrenunciável. Mas não é ela que escreve a última página da história humana. Excelentemente respondeu o filósofo Roger Icar a Wiesenthal, aquele que buscava no mundo todo criminosos nazistas: “O perdão sem justiça revela fraqueza, mas uma justiça sem perdão representa uma força desumana”.

 Estes textos revelam a excelência das reflexões sobre o perdão, dos melhores publicados nos últimos tempos. A parte desumana no ser humano pode, pelo perdão e pela reconciliação, ser resgatada e transformada. Essa é a grande lição que esta notável obra “Horizontes de Perdão” nos quer transmitir, tão bem organizada pelo bispo-pastor Dom Vicente de Brumadinho e pelo erudito psicanalista René Dentz.

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Leonardo Boff
Teólogo, filósofo, escritor, professor e membro da Iniciativa Internacional da Carta da Terra.

Fonte: https://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/609602-o-perdao-a-grandeza-e-a-dignidade-das-vitimas-de-extrema-violencia-artigo-de-leonardo-boff

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FAMA: denúncias e anúncios https://observatoriodaevangelizacao.com/fama-denuncias-e-anuncios/ Tue, 27 Mar 2018 03:58:37 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=27681 [Leia mais...]]]> Profeta é aquele que fala em nome de Deus! É característico da ação profética denúncias das injustiças e anúncios em prol da vida. Nesse sentido, o Fórum Alternativo Mundial das Águas (FAMA), na esteira do que Francisco publicou na encíclica Laudato si‘, sobre o cuidado da Casa Comum, nos recorda: “A nossa produção é para garantir a vida e sua diversidade. Estamos aqui criando unidade e força popular para refletir e lutar juntos e juntas pela água e pela vida nas suas variadas dimensões. O que nos faz comum na relação com a natureza é garantir a vida.” E, incisivamente, denuncia “a 8º edição do Fórum Mundial da Água (FMA), o Fórum das Corporações, evento organizado pelo chamado Conselho Mundial da Água, como um espaço de captura e roubo das nossas águas.” Afirma que “o Fórum e o Conselho são vinculados às grandes corporações transnacionais e buscam atender exclusivamente a seus interesses, em detrimento dos povos e da natureza.” Mas essas palavras não são denúncias vazias. Na declaração final do Fórum, ocorrida na última semana, são apontadas e nomeadas as empresas que buscam transformar a fonte de toda a vida em mercadoria.

Com argúcia, identificam “que o objetivo das corporações é exercer o controle privado da água através da privatização, mercantilização e de sua titularização, tornando-a fonte de acumulação em escala mundial, gerando lucros para as transnacionais e ao sistema financeiro”. E constatam ter sido este objetivo uma das causas da “mais dura medida orçamentária do mundo” ter sido implantada no Brasil, “onde o orçamento público está congelado por 20 anos, garantindo a drenagem de recursos públicos para o sistema financeiro e criando as bases para uma onda privatizante, incluindo aí a infraestrutura de armazenamento, distribuição e saneamento da água.”

Urge que nos deixemos interpelar por esse grito pela vida! Em plena Semana Santa, há que se refletir sobre as causas que geram as mortes dos inocentes, hoje. Pesada cruz carregam os povos. Crer no Deus da Vida implica posicionamento… Jesus no-lo ensinou.

FAMA 1
Marcha do FAMA. Foto: Guilherme Cavalli/Cimi

 

DECLARAÇÃO FINAL DO FÓRUM ALTERNATIVO MUNDIAL DAS ÁGUAS

Quem somos

Nós, construtores e construtoras do Fórum Alternativo Mundial da Água (FAMA), reunidos de 17 a 22 de março de 2018, em Brasília, declaramos para toda a sociedade o que acumulamos após muitos debates, intercâmbios, sessões culturais e depoimentos ao longo de vários meses de preparação e nestes últimos dias aqui reunidos. Somos mais de 7 mil trabalhadores e trabalhadoras da cidade e do campo, das águas e das florestas, representantes de povos originários e comunidades tradicionais, articulados em 450 organizações nacionais e internacionais de todos os continentes. Somos movimentos populares, tradições religiosas e espiritualidades, organizações não governamentais, universidades, pesquisadores, ambientalistas, organizados em grupos, coletivos, redes, frentes, comitês, fóruns, institutos, articulações, sindicatos e conselhos.

Na grandeza dos povos, trocamos experiências de conhecimento, resistência e de luta. E estamos conscientes que a nossa produção é para garantir a vida e sua diversidade. Estamos aqui criando unidade e força popular para refletir e lutar juntos e juntas pela água e pela vida nas suas variadas dimensões. O que nos faz comum na relação com a natureza é garantir a vida. A nossa luta é a garantia da vida. É isso que nos diferencia dos projetos e das relações do capital expressos no Fórum das Corporações – Fórum Mundial da Água.

Também estamos aqui para denunciar a 8º edição do Fórum Mundial da Água (FMA), o Fórum das Corporações, evento organizado pelo chamado Conselho Mundial da Água, como um espaço de captura e roubo das nossas águas. O Fórum e o Conselho são vinculados às grandes corporações transnacionais e buscam atender exclusivamente a seus interesses, em detrimento dos povos e da natureza.

Nossas constatações sobre o momento histórico

O modo de produção capitalista, historicamente, concentra e centraliza riqueza e poder, a partir da ampliação de suas formas de acumulação, intensificação de seus mecanismos de exploração do trabalho e aprofundamento de seu domínio sobre a natureza, gerando a destruição dos modos de vida. Vivemos em um período de crise do capitalismo e de seu modelo político representado pela ideologia neoliberal, na qual se busca intensificar a transformação dos bens comuns em mercadoria, através de processos de privatização, precificação e financerização.

A persistência desse modelo tem aprofundado as desigualdades e a destruição da natureza, através dos planos de salvamento do capital nos momentos de aprofundamento da crise. Nesse cenário, as ações do capital são orientadas pela manutenção a qualquer custo das suas taxas de juros, lucro e renda.

Esse modelo impõe à América Latina e ao Caribe o papel de produtores de artigos primários e fornecedores de matéria prima, atividades econômicas intensivas em bens naturais e força de trabalho.  Subordina a economia desses países a um papel dependente na economia mundial, sendo alvos prioritários dessa estratégia de ampliação da exploração a qualquer custo.

O Brasil, que sedia esta edição do FAMA, é exemplar nesse sentido. O golpe aplicado recentemente expõe a ação coordenada de corporações com setores do parlamento, da mídia e do judiciário para romper a ordem democrática e submeter o governo nacional a uma agenda que atenda seus interesses rapidamente. A mais dura medida orçamentária do mundo foi implantada em nosso país, onde o orçamento público está congelado por 20 anos, garantindo a drenagem de recursos públicos para o sistema financeiro e criando as bases para uma onda privatizante, incluindo aí a infraestrutura de armazenamento, distribuição e saneamento da água.

Quais são as estratégias das corporações para a água?

Identificamos que o objetivo das corporações é exercer o controle privado da água através da privatização, mercantilização e de sua titularização, tornando-a fonte de acumulação em escala mundial, gerando lucros para as transnacionais e ao sistema financeiro. Para isso, estão em curso diversas estratégias que vão desde o uso da violência direta até formas de captura corporativa de governos, parlamentos, judiciários, agências reguladoras e demais estruturas jurídico-institucionais para atuação em favor dos interesses do capital. Há também uma ofensiva ideológica articulada junto aos meios de comunicação, educação e propaganda que buscam criar hegemonia na sociedade contrária aos bens comuns e a favor de sua transformação em mercadoria.

O resultado desejado pelas corporações é a invasão, apropriação e o controle político e econômico dos territórios, das nascentes, rios e reservatórios, para atender os interesses do agronegócio, hidronegócio, indústria extrativa, mineração, especulação imobiliária e geração de energia hidroelétrica. O mercado de bebida e outros setores querem o controle dos aquíferos. As corporações querem também o controle de toda a indústria de abastecimento de água e esgotamento sanitário para impor seu modelo de mercado e gerar lucros ao sistema financeiro, transformando direito historicamente conquistado pelo povo em mercadoria. Querem ainda se apropriar de todos os mananciais do Brasil, América Latina e dos demais continentes para gerar valor e transferir riquezas de nossos territórios ao sistema financeiro, viabilizando o mercado mundial da água

Denunciamos as transnacionais Nestlé, Coca-Cola, Ambev, Suez, Veolia, Brookfield (BRK Ambiental), Dow AgroSciences, Monsanto, Bayer, Yara, os organismos financeiros multilaterais, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, e ONGs ambientalistas de mercado, como The Nature Conservancy e Conservation International, entre outras que expressam o caráter do “Fórum das Corporações”. Denunciamos o crime cometido pela Samarco, Vale e BHP Billiton, que contaminou com sua lama tóxica o Rio Doce, assassinando uma bacia hidrográfica inteira, matando inúmeras pessoas, e até hoje seu crime segue impune. Denunciamos o recente crime praticado pela norueguesa Hydro Alunorte que despejou milhares de toneladas de resíduos da mineração através de canais clandestinos no coração da Amazônia e o assassinato do líder comunitário Sergio Almeida Nascimento que denunciava seus crimes. Exemplos como esses têm se reproduzido por todo o mundo.

Os povos têm sido as vítimas desse avanço do projeto das corporações. As mulheres, povos originários, povos e comunidades tradicionais, populações negras, migrantes e refugiados, agricultores familiares e camponeses e as comunidades periféricas urbanas têm sofrido diretamente os ataques do capital e as consequências sociais, ambientais e culturais de sua ação.

Nos territórios e locais onde houve e/ou existem planos de privatização, aprofundam-se as desigualdades, o racismo, a violência sexual e sobrecarga de trabalho para as mulheres, a criminalização, assassinatos, ameaças e perseguição a lideranças, demissões em massa, precarização do trabalho, retirada e violação de direitos, redução salarial, aumento da exploração, brutal restrição do acesso à água e serviços públicos, redução na qualidade dos serviços prestados à população, ausência de controle social, aumentos abusivos nas tarifas, corrupção, desmatamento, contaminação e envenenamento das águas, destruição das nascentes e rios e ataques violentos aos povos e seus territórios, em especial às populações que resistem às regras impostas pelo capital.

A dinâmica de acumulação capitalista se entrelaça com o sistema hetero-patriarcal, racista e colonial, controlando o trabalho das mulheres e ocultando intencionalmente seu papel nas esferas de reprodução e produção. Nesse momento de ofensiva conservadora, há o aprofundamento da divisão sexual do trabalho e do racismo, causando o aumento da pobreza e da precarização da vida das mulheres.

A violência contra as mulheres é uma ferramenta de controle sobre nossos corpos, nosso trabalho e nossa autonomia. Essa violência se intensifica com o avanço do capital, refletindo-se no aumento de assassinato de mulheres, da prostituição e da violência sexual. Tudo isso impossibilita as mulheres de viver com dignidade e prazer.

Para as diversas religiões e espiritualidades, todas essas injustiças em relação às águas e seus territórios, caracterizam uma dessacralização da água recebida como um dom vital, e dificultam as relações com o Transcendente como horizonte maior das nossas existências.

Destacamos que para os Povos Originários e Comunidades Tradicionais há uma relação interdependente com as águas, e tudo que as atinge, e que todos os ataques criminosos que sofre, repercutem diretamente na existência desses povos em seus corpos e mentes. Esses povos se afirmam como água, pois existe uma profunda unidade entre eles e os rios, os lagos, lagoas, nascentes, mananciais, aquíferos, poços, veredas, lençóis freáticos, igarapés, estuários, mares e oceanos como entidade única. Declaramos que as águas são seres sagrados. Todas as águas são uma só água em permanente movimento e transformação. A água é entidade viva, e merece ser respeitada.

Por fim, constatamos que a entrega de nossas riquezas e bens comuns conduz a destruição da soberania e a autodeterminação dos povos, assim como a perda dos seus territórios e modos de vida.

Mas nós afirmamos: resistimos e venceremos!

Nossa resistência e luta é legítima. Somos os guardiões e guardiãs das águas e defensores da vida. Somos um povo que resiste e nossa luta vencerá todas as estruturas que dominam, oprimem e exploram nossos povos, corpos e territórios. Somos como água, alegres, transparentes e em movimento. Somos povos da água e a água dos povos.

Nestes dias de convívio coletivo, identificamos uma extraordinária diversidade de práticas sociais, com enorme riqueza de culturas, conhecimento e formas de resistência e de luta pela vida. Ninguém se renderá. Os povos das águas, das florestas e do campo resistem e não se renderão ao capital. Assim também tem sido a luta dos povos, dos operários e de todos os trabalhadores e trabalhadoras das cidades que demonstram cada vez maior força. Temos a convicção que só a luta conjunta dos povos poderá derrotar todas as estruturas injustas desta sociedade.

Identificamos que a resistência e a luta têm se realizado em todos os locais e territórios do Brasil e do mundo e estamos convencidos que nossa força deve caminhar e unir-se a grandes lutas nacionais e internacionais. A luta dos povos em defesa das águas é mundial.

Água é vida, é saúde, é alimento, é território, é direito humano, é um bem comum sagrado.

O que propomos

Reafirmamos que as diversas lutas em defesas das águas dizem em alto e bom som que água não é e nem pode ser mercadoria. Não é recurso a ser apropriado, explorado e destruído para bom rendimento dos negócios. Água é um bem comum e deve ser preservada e gerida pelos povos para as necessidades da vida, garantindo sua reprodução e perpetuação. Por isso, nosso projeto para as águas tem na democracia um pilar fundamental. É só por meio de processos verdadeiramente democráticos, que superem a manipulação da mídia e do dinheiro, que os povos podem construir o poder popular, o controle social e o cuidado sobre as águas, afirmando seus saberes, tradições e culturas em oposição ao projeto autoritário, egoísta e destrutivo do capital.

Somos radicalmente contrários às diversas estratégias presentes e futuras de apropriação privada sobre a água, e defendemos o caráter público, comunitário e popular dos sistemas urbanos de gestão e cuidado da água e do saneamento. Por isso saudamos e estimulamos os processos de reestatização de companhias de água e esgoto e outras formas de gestão. Seguiremos denunciando as tentativas de privatização e abertura de Capital, a exemplo do que ocorre no Brasil, onde 18 estados manifestaram interesse na privatização de suas companhias.

Defendemos o trabalho decente, assentado em relações de trabalho democráticas, protegidas e livre de toda forma de precarização. Também é fundamental a garantia do acesso democrático e sustentável à água junto à implementação da reforma agrária e defesa dos territórios, com garantia de produção de alimentos em bases agroecológicas, respeitando as práticas tradicionais e buscando atender a soberania alimentar dos trabalhadores e trabalhadoras urbanos e do campo, florestas e águas.

Estamos comprometidos com a superação do patriarcado e da divisão sexual do trabalho, pelo reconhecimento de que o trabalho doméstico e de cuidados está na base da sustentabilidade da vida. O combate ao racismo também nos une na luta pelo reconhecimento, titulação e demarcação dos territórios dos povos originários e comunidades tradicionais e na reparação ao povo negro e indígena que vive marginalizado nas periferias dos centros urbanos.

Nosso projeto é orientado pela justiça e pela solidariedade, não pelo lucro. Nele ninguém passará sede ou fome, e todos e todas terão acesso à água de qualidade, regular e suficiente bem como aos serviços públicos de saneamento.

Nosso plano de ações e lutas

A profundidade de nossas debates e elaborações coletivas, o sucesso da nossa mobilização, a diversidade do nosso povo e a amplitude dos desafios que precisam ser combatidos nos impulsionam a continuar o enfrentamento ao sistema capitalista, patriarcal, racista e colonial, tendo como referência a construção da aliança e da unidade entre toda a diversidade presente no FAMA 2018.

Trabalharemos, através de nossas formas de luta e organização para ampliar a força dos povos no combate à apropriação e destruição das águas. A intensificação e qualificação do trabalho de base junto ao povo, a ação e a formação política para construir uma concepção crítica da realidade serão nossos instrumentos. O povo deve assumir o comando da luta. Apostamos no protagonismo e na criação heroica dos povos.

Vamos praticar nosso apoio e solidariedade internacional a todos os processos de lutas dos povos em defesa da água denunciam a arquitetura da impunidade, que, por meio dos regimes de livre-comércio e investimentos, concede privilégios às corporações transnacionais e facilitam seus crimes corporativos.

Multiplicaremos as experiências compartilhadas no Tribunal Popular das Mulheres, para a promoção da justiça popular, visibilizando as denúncias dos crimes contra a nossa soberania, os corpos, os bens comuns e a vida das mulheres do campo, das florestas, águas e cidades.

A água é dom que a humanidade recebeu gratuitamente, é direito de todas as criaturas e bem comum. Por isso, nos comprometemos a unir mística e política, fé e profecia em suas práticas religiosas, lutando contra os projetos de privatização, mercantilização e contaminação das águas que ferem a sua dimensão sagrada.

O Fórum Alternativo Mundial da Água (FAMA) apoia, se solidariza e estimulará todos os processos de articulação e de lutas dos povos no Brasil e no mundo, tais como a construção do “Congresso do Povo”, do “Acampamento Terra Livre”, da “Assembleia Internacional dos Movimentos e Organizações dos Povos”, da “Jornada Continental pela Democracia e Contra o Neoliberalismo”; da campanha internacional para desmantelar o poder corporativo e pelo “tratado vinculante” como ferramenta para exigir justiça, verdade e reparação frente aos crimes das transnacionais.

Convocamos todos os povos a lutar juntos para defender a água. A água não é mercadoria. A água é do povo e pelos povos deve ser controlada.

É tempo de esperança e de luta. Só a luta nos fará vencer. Triunfaremos!

Assinam a declaração:

Articulação dos Povos Indígenas do Brasil

Articulação Semiárido Brasileiro

Associação Brasileira de Saúde Coletiva

Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento

Cáritas Brasil

Central de Movimentos Populares

Conselho Nacional das Populações Extrativistas

Confederação Nacional dos Urbanitários

Confederação Nacional das Associações de Moradores

Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas

Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura

Comissão Pastoral da Terra

Central Sindical das Américas

Central Única dos Trabalhadores

Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional

Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento

Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal

Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros

Frente Nacional pelo Saneamento Ambiental

Federação Nacional dos Urbanitários

Federação Única dos Petroleiros

Fórum de Mudanças Climáticas e Justiça Social

Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental

Internacional de Serviços Públicos

Marcha Mundial das Mulheres

Movimento dos Atingidos por Barragens

Movimento dos Pequenos Agricultores

Movimento Artesanal de Pescadores e Pescadores do Brasil

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

Movimento dos Trabalhadores Sem Teto

ONG Proscience

Rede Mulher e Mídia

Serviço Interfranciscano de Justiça Paz e Ecologia

Sociedade Internacional de Epidemiologia Ambiental

Vigência

 

FONTE: CIMI

Outras publicações sobre o mesmo assunto:

Águas de março – lutas e resistências dos povos indígenas

FAMA aponta resistência internacional contra o avanço do capital sobre a água

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BHP BILLINTON, VALE E SAMARCO agem para impedir a reparação justa dos danos do desastre criminoso da Bacia do Rio Doce. https://observatoriodaevangelizacao.com/bhp-billinton-vale-e-samarco-agem-para-impedir-a-reparacao-justa-dos-danos-causados-pelo-desastre-criminoso-do-rio-doce-brasil/ Tue, 04 Apr 2017 12:25:37 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=15662 [Leia mais...]]]> Pela construção de processos reparadores às vítimas sem qualquer interferência das empresas rés do desastre criminoso na Bacia do Rio Doce, Brasil!

O controle das rés sobre o processo de reparações coloca o Estado brasileiro em Xeque

No dia 05/11/2015, a barragem de Fundão de propriedade da mineradora Samarco (Vale e BHP Billinton) se rompeu despejando sobre o Rio Doce cerca de 50 milhões de metros cúbicos de resíduos minerários, provocando um dos maiores desastres ambientais da mineração em todo o mundo. Passados quase 17 meses, a tragédia é agravada pela postura violadora das empresas que boicotam a construção de instrumentos participativos para a reparação dos danos causados pelo desastre.

Em 18/01/2017, um acordo prévio (Termo de Ajustamento Preliminar) entre Ministério Público e as empresas responsáveis foi parcialmente homologado em juízo, selando as tratativas para a realização de um diagnóstico socioambiental sobre os efeitos do desastre. Contudo, não houve acordo sobre as organizações que fariam esse diagnóstico, assim como a assistência aos atingidos. Entidades e movimentos sociais contestaram a nomeação da INTEGRATIO Mediação Social e Sustentabilidade para tais importantes ações junto às comunidades. A empresa presta consultorias regulares às companhias causadoras do desastre, sendo economicamente vinculada às mesmas. Visando à construção de diagnósticos participativos, pautados pela autonomia e independência do corpo técnico com relação às empresas, o Ministério Público conduziu um amplo processo de consultas a experts independentes – pesquisadores de universidades públicas internacionalmente reconhecidos e com ampla trajetória nas áreas socioambiental e de direitos humanos, representantes de movimentos e organizações sociais -, formando um Grupo de Trabalho que colaborou na elaboração de um termo de referência para a realização de audiências públicas e avaliação dos danos socioeconômicos.

As empresas Samarco, Vale e BHP contestam tal iniciativa e a validade do Grupo de Trabalho, assim como os esforços de instauração de um processo transparente e verdadeiramente participativo sobre as decisões relativas à avaliação dos danos. Por meio de ofício emitido em 31/03/2017, as empresas destacam que “a participação de entidades do terceiro setor e do GT […] deve ser meramente orientativa”, procurando, assim, desempoderar e deslegitimar esse instrumento criado pelo MP, portanto, o próprio órgão. Ademais, as empresas rés compreendem a exigência de autonomia, confiança e credibilidade dos peritos junto às vítimas como um “claro preconceito econômico”, porque impede a contratação de consultorias a elas vinculadas.

Samarco, Vale e BHP atuam, desta forma, de modo a cercear não só a participação dos atingidos na construção das decisões que têm por objeto suas próprias vidas, mas defendem uma condução supostamente “técnica” de todo o processo sob seu domínio, contestando o controle social realizado pelas próprias vítimas e pela sociedade civil. Trata-se da mais absurda inversão de papéis em que as rés ditam as regras, buscando a redução máxima dos custos das reparações e a forma pela qual desejam ser tratadas pelo Estado brasileiro! Repudiamos veementemente essa postura cerceadora das empresas e denunciamos sua tentativa de monopolizar as condições de definição das reparações e as condições de avaliação dos danos e de definição. Faz-se evidente a indisposição das rés quanto ao reconhecimento dos direitos fundamentais das pessoas atingidas, dentre eles, o direito de informação e de participação nos processos decisórios, colocando em xeque a reparação integral, plena e justa às vítimas. É inadmissível que o Estado brasileiro se coloque como refém das empresas rés, pactuando, assim, com a continuidade das graves violações de direitos humanos e da Constituição Brasileira em Mariana e toda a extensão da Bacia do Rio Doce e da Constituição Brasileira.

Pela construção de processos reparadores às vítimas sem qualquer interferência das empresas rés do desastre criminoso na Bacia do Rio Doce, Brasil!

02 de abril de 2017

Assinam esta nota:

Grupo de Estudos e Pesquisas Socioambientais – GEPSA/UFOP

Grupo de Pesquisa em Temáticas Ambientais – GESTA/UFMG

Grupo de Pesquisa Política Economia Mineração Ambiente e Sociedade – PoEMAS

HOMA – Centro de Direitos Humanos e Empresas

Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB

Organon – Núcleo de Estudo, Pesquisa e Extensão em Mobilizações Sociais – UFES

Grupo de Estudos Multidisciplinar Mineração e Correlatos – PUC  Minas

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