Uatos Pires Pereira – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Sun, 29 Aug 2021 13:30:31 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.4 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 Uatos Pires Pereira – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 “Pensando a formação presbiteral em tempos líquidos”, com a palavra Edmar Aparecido de Oliveira e Uatos Pires Pereira https://observatoriodaevangelizacao.com/pensando-a-formacao-presbiteral-em-tempos-liquidos-com-a-palavra-edmar-aparecido-de-oliveira-e-uatos-pires-pereira/ Sun, 29 Aug 2021 13:30:31 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=40409 [Leia mais...]]]> O texto a seguir foi elaborado pelos alunos Edmar Aparecido de Oliveira e Uatos Pires Pereira para o seminário promovido pela disciplina Pedagogia Dialógica Participativa, Corresponsabilidade e Ação Pastoral, ministrada pelo prof. dr. Edward Guimarães.

Confira:

Pensando a Formação Presbiteral em tempos líquidos

Loucos são apenas os significados não compartilhados. A loucura não é loucura quando compartilhada.

(Zygmunt Bauman)

INTRODUÇÃO

Os Seminários foram criados no Concilio de Trento (1545-1563), com o objetivo de formar os futuros presbíteros. Foram instituídos os Seminários Menores, que acolhiam os adolescentes que queriam ser padres, e os Seminários Maiores, que dariam uma formação mais específica para o presbiterato, tendo como base a filosofia e a teologia.  Hoje, em 2021, quase quinhentos anos depois da fundação dos Seminários, é necessário contemplar a realidade, constatar os desafios e repensar a estrutura das casas de formação.

Para contemplar a realidade é preciso ter uma perspectiva, por isso escolhemos o sociólogo polonês Zygmunt Bauman para nos ajudar nesta empreitada. Segundo Bauman, vivemos em uma modernidade líquida, que é caracterizada pela ansiedade (cf. BAUMAN, 2000, p. 148). Há uma procura constante por respostas e definições, mas as especulações permanecem no campo da incerteza. As pessoas se mostram muito angustiadas, e suas angústias se estendem por todos os campos da vida: financeiro, estético, religioso, acadêmico etc.

As mudanças são uma constante na contemporaneidade e suas consequências são inevitáveis para os indivíduos. Nesses tempos instáveis, o indivíduo ganha centralidade, pois tudo ao seu redor se liquefaz constantemente, na velocidade de um sinal eletrônico. A instantaneidade é marca registrada da modernidade líquida. A cada instante, um novo produto é lançado no mercado e os indivíduos são levados a se refazerem em função dos novos lançamentos, pois consumir é a lei maior.

De acordo com o autor (BAUMAN, 2011, p. 27), “o contato face a face é substituído pelo contato tela a tela dos monitores; as superfícies é que entram em contato. O que se perde é a intimidade, a profundidade e durabilidade da relação e dos laços humanos”. Como resultado, observamos o enfraquecimento e a decomposição dos laços humanos, das comunidades e das parcerias.Compromissos do tipo ‘até que a morte nos separe’ se transformam em contratos do tipo ‘enquanto durar a satisfação” (BAUMAN, 2001, p. 204-205).

O homem e a mulher da modernidade líquida vivem angustiados, pois convivem diariamente “com o risco da autorreprovação e do autodesprezo… com os olhos postos em seu próprio desempenho” (BAUMAN, 2001, p. 52). Aumenta, pois, o desejo de realização e o cansaço pelas frustações cotidianas. Com isso, a relação com a transcendência torna-se um refúgio para se depositar as problemáticas cotidianas; e a fé, com todo seu entorno, torna-se um objeto de consumo, que é oferecido em diversos modelos pelas mais variadas “igrejas”, para os distintos gostos (NERY; VASCONCELLOS, 2014, p. 128).

O processo de secularização na modernidade líquida não almeja o fim da religião, mas pretende que o ser humano seja o seu centro. Quase sempre, não importam as normas morais e os compromissos éticos da religião, desde que esta possibilite a felicidade imediata. A felicidade eterna ficou no imaginário dos medievais. O contemporâneo quer experimentar agora a felicidade, pois esperar não é algo possível quando se está imerso na liquidez e na compulsão dos tempos atuais. 

DESENVOLVIMENTO

Depois de caracterizar traços fortes da realidade contemporânea, somos chamados a pensar como fica a formação presbiteral na contemporaneidade. Para isso, vamos fazer uso do artigo “Formação Presbiteral: Os desafios morais de uma empreitada” escrito pelo Pe. Eliseu Wisniewski, mestre em Teologia pela Pontifícia Universidade do Paraná (PUCPR) e professor na Faculdade Vicentina (FAVI). No artigo, Pe. Eliseu faz uma analise das “Diretrizes para a formação dos presbitérios no Brasil” (CNBB) e do livro “Formação: desafios morais” (TRASFERETTI; MILLEN; ZACHARIAS, 2018).

Para Wisniewski, a primeira preocupação que se deve ter na formação presbiteral é qual o modelo de presbítero que se quer formar. Olhando as exigências e a complexidade da modernidade líquida, tendo como base a visão eclesiológica do papa Francisco, ele fala de nove pontos para se trabalhar na formação de um presbítero para uma Igreja em saída.

  • 1.  A formação da identidade do presbítero. Aqui a figura do formador é muito importante, pois o formando irá se inspirar nele. Por isso, o formador deve estar aberto ao processo formativo, pois se ele achar que já está pronto formará padres prontos e fechados. Isso tem grandes chances de levar a imaturidade.
  • 2. Estilo profético de vida. Um padre que não se compromete com a realidade onde está inserido não pode ser chamado de pastor. O papa Francisco diz que “os pastores devem ter o cheiro das ovelhas”.
  • 3. Confidencialidade e transparência. Deve-se evitar tudo que leve a infantilização dos formandos, mas para isso os formadores precisam ser maduros. A pedagogia do diálogo sincero é o caminho propício para gerar o amadurecimento dos formandos.
  • 4. Acompanhamento e discernimento espiritual. O padre deve ter consciência de que ele não é dono da espiritualidade, mas que precisa da dimensão espiritual. Sendo que essa dimensão é essencialmente comunitária, mesmo que seja preciso momentos pessoais.
  • 5. Formação intelectual. É preciso superar a “douta ignorância”, para isso os estudos filosóficos e teológicos devem favorecer o desenvolvimento humano do formando. Não é saudável formar um padre com a cabeça grande e com o coração pequeno. Outro risco é deixar os formandos a mercê dos “gurus” da internet.
  • 6. Ecumenismo e diálogo inter-religioso. Em um mundo de tantos muros é necessário que o padre seja um construtor de pontes. Por está razão, a formação deve suscitar no coração dos candidatos ao presbiterato o cultivo do dialogo. Deixar a postura apologética e adotar uma prática fraterna e samaritana, passando a ver o diferente como oportunidade de conhecimento e não mais como uma ameaça.
  • 7. Integração da sexualidade. O padre precisa estar integrado para ajudar a comunidade eclesial no seu amadurecimento. Por isso, o processo formativo deve desmitificar os tabus e tratar a sexualidade com maturidade. Os formandos não são anjos, tem sentimentos e desejos, precisam integrar-se para conseguirem fazer uma doação total ao Reino de Deus.
  • 8. Orientação afetivo-sexual e formação de subculturas hétero e homossexuais. A orientação sexual de cada formando deve ser conversada de forma pessoal, respeitando o candidato. Não é maduro fazer brincadeiras de mal gosto na comunidade, pois isso favorece o desenvolvimento do preconceito. A formação deve ajudar o formando a ver se tem condições de abraçar com fidelidade a vida presbiteral.
  • 9. Exposição nas redes sociais. O mau uso das redes sociais pode ser muito prejudicial. Um formando que passa mais tempo nas redes sociais do que na comunidade precisa ser acompanhado de perto. O exibicionismo, a demonstração de poder e vaidade e o carreirismo são maus que podem ser potencializados nas redes sociais.

PARA REFLETIR…

  • Como formar padres que sejam referenciais em meio à liquidez contemporânea?
  • Qual seria o ponto mais crítico do processo formativo que precisa ser revisado com urgência?    

CONCLUSÃO  

Não podemos negar que a modernidade trouxe consigo muitos avanços e com isso muitas facilidades, no entanto paralelamente trouxe muitos desafios. E como tudo acontece de forma acelerada pode inclusive passar desapercebido. A “mudança de paradigmas” favorece certa relativização ou busca de ressignificação de valores e princípios morais, sociais e religiosos. E a Igreja não está alheia a tudo isso ou quem sabe é a que mais se vê questionada neste sentido.

Ao entrar na temática dos seminários vemos tudo isso aí refletido com muita força. Todo ser humano é enraizado em seu tempo. Hoje se recebem seminaristas cada vez “menos preparados”. Estes são afetados diretamente pelas mudanças culturais e já não conseguem receber simplesmente regras, normas, dogmas, entre outros aspectos formativos/eclesiais sem levantar questionamentos. O que, de certa forma, é bom, uma vez que ao questionar são obrigados a buscar respostas e caminhos de reflexão.

Devemos levantar, com toda sinceridade, a questão: em que medida os Seminários se preparam ou estão preparados para acolher esta nova realidade antropológica e se aqueles que assumem o papel de ser formadores estão cientes, compreendem e se preparam para lidar com a situação social e eclesial na contemporaneidade.

É inegável que hoje somos uma sociedade marcadamente caracterizada pelo uso das novas tecnologias digitais, o que aponta para o desenvolvimento. Mas, devemos nos perguntar, quais os limites e como não nos tornarmos “reféns” das mesmas? E como ajudar, no que aqui nos interessa, aos seminaristas a conquistarem um equilíbrio no uso dessas tecnologias especialmente o universo das redes sociais?

Outro aspecto, mais a nível social, são os seminaristas que chegam aos seminários sem uma boa estrutura familiar e/ou com esta abalada, sem referenciais de fé. Pais separados, criados às vezes sem a presença do pai ou da mãe, situações de pobreza extrema, entre outros aspectos sociais que interferem claramente nas opções e na forma de caminhar dentro de itinerário formativo.

Há muitos outros aspectos que poderíamos aqui elencar, no entanto, vamos nos ater a estes dois uma vez que a partir deles surgem muitos pontos, tais como a falta de maturidade emocional, dificuldade para estabelecer vínculos mais profundos, dificuldades com autoridade, entre outros.

Constatado alguns desafios é preciso ter em mente que por mais complexos que estes sejam, eles nos oferecem uma oportunidade para darmos passos cada vez mais firmes e concretos. Faz-se necessário um olhar cada vez mais atual, dinâmico e personalizado sobre cada seminarista, já não se pode seguir um itinerário padrão uma vez que cada um traz consigo sua história, seus desafios e suas potencialidades.

O maior dos desafios talvez seja justamente o de compreender e acolher que os Seminários são necessariamente uma extensão do mundo e não pode ser alheio a ele. E, desse modo, os formadores devem estar atentos e preparados para lidar com os desafios que emergem da realidade em que vivemos e da de cada formando em particular.

Com a certeza da graça de um Deus que é estradeiro conosco, somente trilhando um caminho de escuta, de partilha, de busca continua e de reflexão conjunta se poderá alcançar equilíbrio e sabedoria para lidar com tudo isso. Condição necessária para dar maior sentido ao caminho formativo nos Seminários.

Não se pode esquecer que as ciências humanas podem e devem ser valorizadas dentro dos processos formativos. São nossas grandes aliadas, especialmente a psicologia. Buscando e trabalhando com o autoconhecimento e uma compreensão mais ampla e profunda do interior de cada indivíduo. Formadores “bem formados e equilibrados” são fundamentais para orientar e assim termos formandos no mesmo caminho. São muitos os desafios e muitas também são as possibilidades. Sigamos confiantes.

REFERÊNCIAS

BAUMAN, Zygmunt. 44 Cartas do Mundo Líquido Moderno. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2011.

BAUMAN, Zygmunt. Em busca da política. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000.

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.

NERY, Alberto Domeniconi; VASCONCELLOS, Esdras Guerreio. Individualização e fragmentação: efeitos da pós-modernidade no cristianismo contemporâneo. In: Revista Ciências da Religião – história e sociedade. São Paulo, v.12, n.2, p. 118-132, dez. 2014. Disponível em: <www.editorarevistas.mackenzie.br/index.php/cr/article/view/6100/5218>. Acesso em: 22 jun. 2017.

TRASFERETTI, J. A.; MILLEN, M. I. C.; ZACHARIAS, R. (Org.). Formação: desafios morais. São Paulo: Paulus, 2018.

WISNIEWSKI, Eliseu. Formação Presbiteral: Os desafios morais de uma empreitada. Revista Vida Pastoral, edição de julho-agosto de 2019 – ano 60 – número 328, p. 3-12.

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