Tolerância Ativa – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Sat, 05 May 2018 18:06:12 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.4 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 Tolerância Ativa – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 A cruz e a flor de lótus: O diálogo entre cristianismo e budismo https://observatoriodaevangelizacao.com/a-cruz-e-a-flor-de-lotus-o-dialogo-entre-cristianismo-e-budismo/ Sat, 05 May 2018 18:06:12 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=28016 [Leia mais...]]]> Durante a sua recente visita a Myanmar, o papa Francisco prodigalizou-se em gestos de respeito e atenção para com o budismo e as suas tradições. Dirigiu-se aos monges budistas, extraiu citações da escritura antiga do “Dhammapada” e relacionou os ensinamentos budistas com os cristãos, em particular com os de São Francisco de Assis. Ele desejava que não houvesse qualquer dúvida sobre o fato de a Igreja católica estar pronta para o diálogo com o budismo.

Este entusiasmo tão explícito poderia surpreender alguns observadores ocidentais bem conhecedores das relações muitas vezes difíceis entre o cristianismo e as outras fés do mundo. Não foi há muito tempo que alguns missionários qualificaram Buda como um demônio maligno. Todavia, na sua aproximação ao budismo, o papa Francisco, na verdade, nada mais faz do que voltar a uma antiquíssima tradição cristã – ao tempo em que as duas fés avançavam lado a lado.

Tempos houve em que a flor de lótus e a cruz estavam entrelaçadas. O diálogo inter-religioso é sempre uma questão delicada, porque toda a religião que reclame um acesso exclusivo à verdade encontra dificuldade em colocar as outras fés religiosas dentro do seu próprio esquema cósmico. Grande parte das Igrejas cristãs defende que só Jesus é o Caminho, a Verdade, a Vida, e muitos sentem como obrigação levar essa mensagem aos não crentes em todo o mundo. Mas isso cria um conflito fundamental com os seguidores de famosas figuras espirituais, como Maomé ou Buda, que pregaram mensagens totalmente diferentes. Atendo-se a uma interpretação rígida da Bíblia, alguns cristãos consideraram estas fés como rivais enquanto não simplesmente falsas, mas também como armadilhas deliberadamente preparadas pelas forças do mal.

Nos últimos 40 anos, a Igreja católica romana empreendeu repetidas batalhas sobre a questão da unicidade de Cristo e expressou a sua intolerância para com aqueles pensadores que fizeram esforços audaciosos para se abrirem a outras religiões. Embora o diálogo entre o cristianismo e o islamismo tenha estado sempre em primeiro plano, é o encontro com o hinduísmo e, acima de tudo, com o budismo que suscitou a controvérsia mais dura no interior da Igreja.

Ao longo dos anos, os teólogos Aloysius Pieris e Tissa Balasuriya, originários do Sri Lanka, tiveram muitas discussões com os críticos do Vaticano, e o próprio Vaticano ordenou uma investigação sobre o teólogo norte-americano Peter Phan, que aparentemente considerou o budismo do Vietnã, a sua terra de origem, como um caminho paralelo para a salvação.

A Igreja católica teme há muito a perspetiva do sincretismo, a diluição da verdade cristã numa mistura com outras fés. Uma visão que surge na forte tradição do cristianismo desenvolvida na Europa desde os tempos de Roma. No entanto, há outra tradição antiga que sugere uma direção muito diferente. A europeia não é a única versão da fé cristã, nem é necessariamente a mais antiga descendente da Igreja antiga. Durante mais de mil anos, outros ramos da Igreja fundaram comunidades prósperas na Ásia e, em termos absolutos, o número dessas Igrejas não era comparável ao pouco com que a Europa podia contar nesse tempo.

Estas comunidades encontraram a sua ascendência não em Roma, mas diretamente no movimento originário de Jesus da Palestina antiga. Elas espalharam-se pela Índia, Ásia Central e China, sem hesitar em compartilhar as suas convições com outras grandes religiões orientais e a aprender delas.

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O quanto esses cristãos estavam prontos para ir longe é demonstrado por um símbolo surpreendente que apareceu no início da Idade Média em lápides e incisões de pedra, tanto no sul da Índia quanto ao longo da costa da China. Nele é muito fácil, em primeiro lugar, reconhecer uma cruz, mas depois de um olhar mais atento percebe-se que a base do desenho – a raiz da qual a cruz germina – é a flor de lótus, símbolo budista da iluminação.

Muitas Igrejas tradicionais dos tempos modernos condenariam essa mistura como uma traição à fé cristã, um exemplo de multiculturalismo sem controle. No entanto, as preocupações do sincretismo não incomodavam os primeiros cristãos da Ásia, que se chamavam a si próprios “nasraye”, nazarenos, como os primeiros seguidores de Jesus.

Eles socializavam tranquilamente com as outras grandes religiões monásticas e místicas da época e, além disso, acreditavam que tanto o lótus quanto a cruz eram portadores da mesma mensagem de busca de luz e salvação.

Se esses nazarenos puderam encontrar sentido na cruz-lótus, por que não deveriam os católicos de hoje ou os outros herdeiros da fé inspirada por Jesus?

Muitos cristãos, ao reconhecerem que hoje em dia a sua fé está a tornar-se uma religião global, procuram maneiras de repensar muitas das suas aquisições fundamentais. Mesmo os líderes da Igreja moderna que reconhecem a rapidez com que a Igreja se está a expandir no sul do planeta tendem a considerar os valores e tradições europeus como a norma irrenunciável em matéria de liturgia e teologia, assim como de música e arquitetura.

No entanto, o cristianismo, desde os primeiros tempos, foi uma fé intercontinental, firmemente enraizada na Ásia e na África, assim como na própria Europa. Ampliando a nossa visão para examinar a fé que se espalhou da Irlanda à Coreia desde o século XIX, podemos ver as muitas maneiras diferentes pelas quais os cristãos interagiram com outros crentes através de um encontro que reformulou ambos os lados.

No melhor dos casos, esses contatos permitiram às tradições não apenas uma troca de ideias, mas também um entrelaçamento produtivo e enriquecedor, num formidável capítulo da história cristã que as Igrejas ocidentais não esqueceram. Para compreender esse fato é necessário reconfigurar os nossos mapas mentais.

(Philip Jenkins; In L’Osservatore Romano; Trad.: SNPC; Imagem: D.R.; Publicado em 26.04.2018)
Fonte:
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Tolerância ativa: em busca da superação da violência https://observatoriodaevangelizacao.com/tolerancia-ativa-em-busca-da-superacao-da-violencia/ Wed, 15 Jun 2016 12:43:49 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=7718 [Leia mais...]]]> No contexto de tantas manifestações de violência, o Observatório da Evangelização compartilha a seguir a reflexão do professor Leandro Karnal. Ela oferece elementos para compreendermos as raízes da violência em sociedade, bem como pistas para comprometermos com a sua superação cotidiana.

O inferno são os outros?

“O que proponho de novo neste texto? É bárbaro todo aquele que propõe, na sua teoria, a exclusão do outro. É civilizado, seja um índio ianomâmi, ou um alemão, todo aquele que propõe a aceitação da existência do outro… A não aceitação das diferenças faz do mundo um lugar horrível”

Prof. Leandro Karnal

Nem todo preconceito gera uma discriminação. Mas toda discriminação parte de um preconceito. É necessário que estudemos os nossos preconceitos a fim de que eles não se transformem em discriminação. Pois, tudo o que o inferno significa está contido na palavra “discriminação” porque dela flui: a xenofobia, homofobia e todas as outras palavras usadas para conceituar o comportamento do indivíduo que não aceita as diferenças. Não aceita ao ponto de odiar aqueles a quem ele julga “diferentes”.

A discriminação quando não autocriticada pode desencadear fobias. Segundo o pesquisador Paul Errara, a palavra fobia é derivada da palavra grega para terror ou estrangulamento. Phobos era um deus grego que causava pânico e medo entre os inimigos daqueles que o adoravam.

Nos últimos dias assistimos a notícia de um massacre numa boate gay em Orlando. O atirador homofóbico matou 50 pessoas e 53 ficaram feridas. Se ainda não sabemos lidar com as diferenças integrais, como saberemos lidar a ‘polissexualidade’?

O professor Leandro Karnal faz uma relevante proposta de reflexão acerca deste assunto. Fizemos a transcrição de um trecho de sua palestra: Tolerância ativa

Existe uma proposta de um professor chamado Francis Wolff, num livro chamado Civilização e Barbárie, em que ele faz a seguinte pergunta: “Quem é o bárbaro atual?”. O livro organizado pelo professor Adauto Novaes, chama-se Civilização e Barbárie, e um dos primeiro artigos pergunta “Quem é o bárbaro?”. A tendência grega tradicional era dizer “Quem é bárbaro é quem não fala grego, quem está fora da minha cultura. O latino: É bárbaro quem está fora da cultura romana”. Para o chinês é bárbaro todo mundo que não seja chinês. Bem, o bárbaro era visto como não civilizado. A proposta deste texto é pensar que a barbárie pode florescer em qualquer lugar. Ela floresceu até mesmo no país mais culto da Europa a Alemanha. Não podemos esquecer a tragédia do Nazismo. O país de Kant, Bach e Beethoven. O país que produziu tanta cultura formal incendiou uma das crenças mais bárbaras do século XX e um modelo de barbárie. Não podemos esquecer a lição do Nazismo.

O que proponho de novo neste texto? É bárbaro todo aquele que propõe, na sua teoria, a exclusão do outro. É civilizado, seja um índio ianomâmi, ou um alemão, todo aquele que propõe a aceitação da existência do outro. Então ele foge ao termo Civilização e Barbárie tradicional, oferece uma saída para esse caminho e vai nos dizer exatamente isso. Acho que o fundamentalista que prega a eliminação do outro deve ser tratado como racista, ou seja, como alguém patológico. Alguém que deve ser ‘educado’ e, não sendo possível a educação, deve ser encarcerado. Por quê? Porque não é possível conviver com pessoas que quer lhe excluir da humanidade. Não é possível.

A não aceitação das diferenças é problema tanto patológico como baixa inteligência e falta de caráter. Ou uma combinação das três coisas. O fundamentalismo não precisa ser ‘falta de caráter’. Eu ainda acho que se pode educar para a Tolerância Ativa, princípio que eu defendi quando elaborei os cinco volumes para o ensino religioso em São Paulo, que é o ensino leigo, não baseado em religião. Nós propusemos nesses volumes o chamado ‘tolerância ativa’. O que é tolerância ativa? Não é que eu tolero que você seja presbiteriano  e eu, católico? Não é que eu tolero. Eu acho fundamental que exista essa diversidade. E não existiria mundo e o mundo seria um lugar terrível se você não fosse presbiteriano e eu católico. Isso é tolerância ativa. Não é que eu diga assim: “Até que eu tolero um gay, desde que não chegue perto”. É fundamental que existam gays. É fundamental pessoas de diversas etnias, é fundamental que existam diversas opiniões, inclusive contrárias à minha.

Essas divergências tornam o mundo um lugar horrível. Quem aceita isso é civilizado. Quem não aceita isso é bárbaro. Pode falar dez línguas, continuará sendo um bárbaro. Ou seja, eu compartilho dessa ideia de que o fundamentalista é violento, tal como o racista, tal como o pedófilo. Tenho que ser reeducado, talvez com uma educação formal, eletrochoque, prisão, alguma coisa que funcione e, não funcionando, ele ter de ser isolado da sociedade. Só os violentos. Ou talvez se pudesse escolher uma ilha para onde mandassem todos esses tipos de pessoas que querem excluir os outros.  Porque se não for a violência, se apenas disser: na minha concepção você vai para o inferno, isso não me afeta. Isso não me afeta… isso é apenas um problema de debate.

Na verdade, o limite da liberdade é o limite de eu poder me expressar e a questão da dignidade do corpo, em particular. Agora, se alguém acha que eu vou pro inferno por algum motivo, eu também reconheço o direto dessa pessoa também me mandar para o inferno. Como se atribui a Voltaire, mas também não é dele, curiosamente, “Eu não concordo com uma palavra do que me dizes, mas defenderei ate à morte o direito de dizeres”. Não é dele, mas é uma frase que ilustra bem o pensamento de Voltaire: tolerância. É fácil ser tolerante com a ideia parecida com a minha. O difícil é ser tolerante com a ideia oposta à minha. É o choque entre pólos que não conseguem entender que o outro possa estar correto. E aí as próprias religiões dão a solução: o primeiro princípio é uma regra áurea, comum a quase todas as religiões, não fazer ao outro o que não quer que seja feito a si. Essa regra áurea que para Norman Rockwell, que fez um pôster que está na ONU, é a norma básica: colocar-se no lugar do outro e, segundo os budistas e cristãos, é compaixão. O que significa isso? Compassione em latim: eu sinto junto. E sentindo junto eu penso o que perturba o outro. Esse é um exercício fascinante. A compaixão a todo o momento.

Porque como lembrou Sartre – e de alguma o Papa Paulo VI, que era uma pessoa hamletiana, melancólica – como lembrou Sartre: “o inferno são os outros” e, nós somos o inferno dos outros. Só quem vive feliz é Robinson Crusoé até que Sexta Feira chegue à sua ilha. Viver em sociedade é uma negociação permanente e essa negociação é dura. É árdua em vários sentidos”.

(os grifos são nossos)

Fonte:

Portal Raízes

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