Tempo da Quaresma – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Fri, 16 Mar 2018 18:04:46 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.3 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 Tempo da Quaresma – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 Para inspirar… a liturgia do 5º Domingo da Quaresma https://observatoriodaevangelizacao.com/para-inspirar-a-liturgia-do-5o-domingo-da-quaresma/ Fri, 16 Mar 2018 18:04:46 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=27601 [Leia mais...]]]> O Deus das alianças

18 DE MARÇO DE 2018: 5º DOMINGO DA QUARESMA – ANO B

De Noé até Jesus, Deus multiplicou as alianças com o seu povo. Alianças da parte de Deus alianças sempre generosas, mas inúmeras vezes ignoradas ou rompidas pelo povo. Então, Deus prometeu a Jeremias a Aliança das alianças: perpétua e impressa no fundo dos corações.

TEXTOS DESTE DOMINGO

1ª leitura: Concluirei nova a liança com a casa de Israel e não mais lembrarei o seu pecado (Jr 31,31-34).

Salmo: Sl. 50(51) – R/ Criai em mim um coração que seja puro.

2ª leitura: “Aprendeu o que significa a obediência e tornou-se causa de salvação eterna” (Hebreus 5,7-9).

Evangelho: “Se o grão de trigo que cai na terra morre, então produz muito fruto” (João 12,20-33).

A GLÓRIA DO NOME

«Pai, glorifica o teu Nome», diz Jesus no evangelho. Assim, mais uma vez, temos palavras que não dizem grande coisa. Glorificar ainda passa: podemos entender tratar-se de reconhecer que «Deus», «o Pai», só mereça elogios, que podemos colocá-Lo acima de tudo o que temos experimentado; que, diante d’Ele, ficamos boquiabertos, sem palavras. As Escrituras, no entanto, insistem numa palavra: no Nome. O nome é algo tão importante que se torna outro, quando a vida assume um novo rumo, como foi o caso de Simão que virou Pedro. Ora, em Filipenses 2-9, Paulo diz que Jesus recebeu «o Nome que está acima de todo nome». Nome, portanto, que não é um nome como outro qualquer: não é um nome que designe um ser entre outros, mas que o situa fora e acima de tudo. Ainda em Êxodo 3,14, Deus se deu um nome que propriamente não era um nome, e que se tornaria impronunciável: «Aquele que é» ou «Eu sou porque sou», ou «Eu sou Aquele que sou». São Justino explica que ninguém é capaz de atribuir um nome a Deus e que a palavra «Deus» não é um nome. São João da Cruz, em um de seus poemas, nomeia-O como «Este eu não sei o quê». Este Deus aí não poderá distinguir-se dos outros exceto pelo que colocarmos sob esta palavra. A Bíblia emprega-a, dizendo que «o Deus de nossos pais» (aquele que é Origem) é como isto ou como aquilo. Jesus finalmente é quem dará um conteúdo verdadeiro ao Nome divino. Ele o «glorificará». Por isso, o Nome de Jesus receberá a mesma glória, conforme diz Filipenses 2,10.

 

A HORA DA GLÓRIA

Diz o evangelho que alguns gregos convertidos ao judaísmo queriam ver Jesus. Ora, em certo sentido, Jesus ainda não estava visível em toda a sua verdade, pois ainda não se revelara tudo o que havia nele: a última palavra sobre o próprio Deus em Si mesmo. Mas eis que, para Jesus, havia «chegado a hora» de «tomar o poder» que até então estivera detido por um soberano perverso: «o príncipe deste mundo». O mundo governado pelo culto a si mesmo e à sua própria glória, pelo gosto do lucro e pela vontade de dominar os outros. Mas o «príncipe deste mundo» vai ser jogado fora. Eis que existe agora no mundo Alguém que, por sua conduta, nega tudo o que representa o pr&iacu te;ncipe deste mundo. Alguém que vai agora até o fim da sua verdade de Filho, imagem e semelhança perfeita do Pai. Alguém que, agora, vai ser a visibilidade do Deus invisível. E esta espécie de publicidade, de levar ao conhecimento de todos o que até ali estivera confuso e imperceptível, é esta a «glorificação». O Nome do Senhor já havia sido, de certo, glorificado pela Criação («Eu o glorifiquei»), e o será ainda mais, pela Páscoa do Filho («E o glorificarei de novo»). Teremos compreendido que vamos receber a revelação da última verdade sobre Deus. O que ainda, no entanto, só percebemos numa imagem confusa, como que num espelho de má qualidade (1 Coríntios 13,12). Ainda não estamos na visão “face a face”. Busquemos compreender por que.

 

«SE ALGUÉM ME QUER SERVIR…»

O conhecimento que podemos ter de Cristo – e, por consequência, de Deus – não pode permanecer puramente intelectual. É verdade que podemos estar convencidos de que ser Deus é dar a própria vida, não colocar o «viver» acima de todas as coisas. Podemos estar persuadidos de que devemos apreciar os outros assim como a nós mesmos. Mas, enquanto nos contentamos somente com isto, a nossa compreensão permanece imperfeita. O que mais é preciso? Seguir o Cristo; passar por onde ele passou. Não estamos todos destinados à cruz, mas temos todos de viver para os outros, até o dia em que também nós conhecermos a morte. A imagem verídica que Deus nos dá de Si mesmo, em Cristo, não nos é imposta. Só podemos apreendê-la se livremente escolhemos e nos pomos a segui-lo, fazendo nossos os s eus comportamentos. Acolher o seu Espírito. Esta mesma liberdade reproduz a de Cristo. Em João 10,18 lemos: «Minha vida, ninguém a tira de mim, mas eu a dou livremente: tenho poder de entregá-la e poder de retomá-la.» Quando Cristo vê que lhe querem tirar alguma coisa, antecipa-se ao rapto e, assim, o anula. Dá o que lhe querem tirar. Quem quiser entrar nesta lógica divina, não irá somente compreender o sentido da Páscoa, mas, ainda mais, tê-la-á sempre atual por toda a vida. Só pode verdadeiramente compreendê-la na medida em que revivê-la. A última luz lhe será dada somente na hora da sua morte. Então, retomará a vida que havia dado e, por sua vez, será «glorificado».

Marcel Domergue, jesuíta (tradução livre de  www.croire.com pelos irmãos Lara)

 

Fonte:

Centro Alceu Amoroso Lima

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Para inspirar… a liturgia do 4º Domingo da Quaresma https://observatoriodaevangelizacao.com/para-inspirar-a-liturgia-do-4o-domingo-da-quaresma/ Fri, 09 Mar 2018 18:19:36 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=27550 [Leia mais...]]]> Graça e misericórdia em superabundância.

Domingo, 11 de Março de 2018: 4º Domingo da Quaresma – Ano B

A história do povo eleito foi antes de tudo uma história de graça e de benção, mas obscurecida muitas vezes pelas infidelidades do povo. Prevaleceu, no entanto, a misericórdia divina e, na cruz vitoriosa de Cristo, a graça para todos.

Textos deste Domingo

1ª leitura: Furor e misericórdia do Senhor manifestos no exílio e na libertação do povo (2 Cr 36,14-16.19-23).

Salmo: R/ Que se prenda a minha língua ao céu da boca se de ti, Jerusalém, eu me esquecer! (Sl. 136(137))

2ª leitura: Estávamos mortos por causa de nossas faltas, e pela graça é que somos salvos (Efésios 2,4-10).

Evangelho: Deus enviou o seu Filho ao mundo para que o mundo seja salvo por ele (João 3,14-21).

A cólera de Deus

A primeira leitura apresenta a ruina de Jerusalém e a deportação dos seus habitantes como uma sanção decidida por Deus, furioso contra as faltas do seu povo. Da minha parte, vejo aí um modo de sublinhar que não estamos sós em nossas aflições e sofrimentos, pois Deus participa deles conosco. Foi preciso esperar o Cristo para se descobrir que esta presença não é punição divina, que Deus não é autor, mas a vítima dos nossos males. Na 2ª leitura, Paulo vai mais longe: para ele, são as nossas faltas que nos matam; elas vão, de fato, em sentido contrário à nossa criação. O caminho que vai do mal cometido ao mal sofrido não passa pela cólera divina: Deus está todo por inteiro do lado da graça (no sentido aqui de agraciar, de perdoar). Acrescentemos que, para as Escrituras, o sofrimento provocado pelo malfeito pode alcançar os inocentes, porque somos todos solidários e vivemos num mundo desregulado pelo uso abusivo que fazemos do mal (do pecado). Confessemos que não é fácil compreender nem admitir o laço por demais estreito entre pecado e sofrimento. Devemos renunciar talvez a uma ideia de causalidade e contentar-nos com dizer que mal moral e mal físico andam juntos, que eles exprimem a nossa fraqueza atual e que devemos voltar-nos ao dinamismo inteligente e amoroso que nos faz ser. Nele podemos encontrar remédio e cura. Ele nos encaminha para a nossa verdade integral, passando, contudo, pelo caminho da nossa liberdade.

A serpente de bronze

A serpente da dúvida que corrói interiormente o povo, no caminho da pátria definitiva, ganhou forma exterior na figura de um animal. Mordidos por serpentes venenosas, os Hebreus estavam morrendo. Impossível não pensar na serpente de Gênesis 3, a primeira representação da desconfiança fundamental que leva o homem a não confiar em Deus, a não confiar na vida. Esta desconfiança é muitas vezes inconsciente. Moisés foi convocado a levantar da terra este mal mortal sob a forma da serpente de bronze. E ei-la afixada numa haste. Todos os que aceitaram contemplá-la foram curados (Números 21,8-9). Segundo João, também o Cristo, por sua vez, se fez serpente. Levantado da terra na Cruz, como a serpente de bronze, assumiu o rosto do nosso mal. Ei-lo entre os malfeitores, eliminado do mundo dos vivos. Contemplando-o, podemos ver a uma só vez a nossa culpabilidade assassina e a nossa desgraça. Notemos, no entanto, que, onde o livro dos Números diz: «Todos os que contemplarem esta serpente viverão», João escreve: «Todos os que nele crerem terão a vida eterna». O verbo crer aparece quatro vezes no início deste evangelho. É que a fé é o contrário da desconfiança destrutiva. Não basta ver, nem mesmo «contemplar» (livro dos Números); mais ainda, é preciso confiar, uma confiança que transforma toda a vida. Confiança difícil esta, pois que deve nascer à vista deste homem torturado até à morte, em virtude de uma injustiça flagrante. Lembremos a 2ª leitura do domingo passado: «escândalo para os judeus e insensatez para os pagãos».

O julgamento

Este é um tema terrível! Não sei se alguns cristãos ainda se lembram dos catecismos antigos, com o «juízo particular», no dia da nossa morte, e o «juízo universal», no final dos tempos. As Escrituras, por certo, falam em julgamento, mas não podemos esquecer tratar-se de uma metáfora emprestada das nossas práticas sociais. Alguns textos falam do julgamento como um destino inevitável; outros, que Deus não julga, mas perdoa. Neste evangelho, lemos que Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para julgar o mundo, «mas para que o mundo seja salvo por ele». Temos de levar a sério a seguinte frase: «Quem nele crê não é condenado, mas quem não crê já está condenado». Olhando de perto, o texto todo nos diz que não é Deus quem julga, mas nós mesmos. De fato, julgar é se pronunciar, é escolher. Eis, pois, que a luz veio ao mundo. Luz que é o Filho de Deus, verdade de Deus e verdade do homem. Diante desta irrupção da luz, irrupção que é contemporânea ao começo do mundo, os homens devem se pronunciar, devem se declarar, a favor ou contra. Este é o julgamento: alguns vão preferir as trevas. Esta imagem, de acolhida ou de recusa da luz, traduz-se no crer em Cristo ou em recusá-lo. Deus não se impõe a nós; Ele se propõe. Se o acolhemos, as nossas «obras» são ao mesmo tempo suas obras. Ou, se quisermos; Deus, para agir, passa através de nós (ver a última frase do evangelho de hoje).

Marcel Domergue, jesuíta (tradução livre de www.croire.com pelos irmãos Lara)

Fonte:

Centro Alceu Amoroso Lima

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Quaresma para Francisco: um compromisso de acolher a graça de Deus para transformar o mundo num reino de justiça, paz e fraternidade. https://observatoriodaevangelizacao.com/quaresma-para-o-papa-francisco-um-compromisso-alegre-e-serio-para-nos-despojarmos-do-nosso-egoismo-acolher-sempre-mais-a-graca-de-deus-que-quer-transformar-o-mundo-num-reino-de-justica-de-paz/ Mon, 19 Feb 2018 10:00:42 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=27381 [Leia mais...]]]> Quaresma: Penitência sim, tristeza não

Neste primeiro domingo da Quaresma, o Evangelho recorda os temas da tentação, da conversão e da Boa Notícia. Escreve o evangelista Marcos: «O Espírito impeliu Jesus para o deserto e no deserto permaneceu 40 dias, tentado por Satanás» (1, 12-13).

Jesus vai para o deserto para se preparar para a sua missão no mundo. Ele não precisa de conversão mas, enquanto homem, tem de passar através desta provação, seja por si próprio, para obedecer à vontade do Pai, seja por nós, para nos dar a graça de vencer as tentações. Esta preparação consiste no combate contra o espírito do mal, isto é, contra o diabo.

Também para nós a Quaresma é um tempo de “competição” espiritual, de luta espiritual: somos chamados a enfrentar o maligno com a oração para sermos capazes, com a ajuda de Deus, de o vencer na nossa vida diária. Sabemo-lo, o mal atua, infelizmente, na nossa existência e à nossa volta, onde se manifestam violências, recusa do outro, fechamentos, guerras, injustiças. Todas estas são obras do maligno, do mal.

Logo depois das tentações no deserto, Jesus começa a pregar o Evangelho, isto é, a Boa Notícia, a segunda palavra. A primeira era «tentação»; a segunda, «Boa Notícia». E esta Boa Notícia exige do homem conversão – terceira palavra – e fé.

Anuncia Ele: «O tempo cumpriu-se e o reino de Deus está próximo»; depois exorta: «Convertei-vos e acreditai no Evangelho» (v. 15), ou seja, acreditai nesta Boa Notícia de que o reino de Deus está próximo.

Somos exortados a iniciar com empenho o caminho para a Páscoa, para acolher sempre mais a graça de Deus, que quer transformar o mundo num reino de justiça, de paz, de fraternidade

Na nossa vida temos sempre necessidade de conversão – todos os dias! –, e a Igreja faz-nos rezar por isso. Com efeito, nunca estamos suficientemente orientados para Deus e temos de dirigir continuamente a nossa mente e o nosso coração para Ele.

Para fazer isto, é preciso ter a coragem de rejeitar tudo o que nos põe fora do caminho, os falsos valores que nos enganam atraindo de forma subtil o nosso egoísmo. Em vez disso, devemos confiar no Senhor, na sua bondade e no seu projeto de amor por cada um de nós.

A Quaresma é um tempo de penitência, sim, mas não é um tempo triste! É um tempo de penitência, mas não é um tempo triste, de luto. É um compromisso alegre e sério para nos despojarmos do nosso egoísmo, do nosso homem velho, e renovarmo-nos segundo a graça do nosso Batismo.

Só Deus nos pode dar a verdadeira felicidade: é inútil perdermos o nosso tempo a procurá-la noutros lugares, nas riquezas, nos prazeres, no poder, na carreira… O reino de Deus é a realização de todas as nossas aspirações porque é, ao mesmo tempo, salvação do homem e glória de Deus.

Neste primeiro domingo da Quaresma somos convidados a escutar com atenção e recolher este apelo de Jesus a convertermo-nos e a acreditar no Evangelho. Somos exortados a iniciar com empenho o caminho para a Páscoa, para acolher sempre mais a graça de Deus, que quer transformar o mundo num reino de justiça, de paz, de fraternidade.

Maria Santíssima nos ajude a viver esta Quaresma com fidelidade à Palavra de Deus e com uma oração incessante, com fez Jesus no deserto. Não é impossível! Trata-se de viver os dias com o desejo de acolher o amor que vem de Deus e que quer transformar a nossa vida e o mundo inteiro.

Papa Francisco
Vaticano, Angelus, 18.2.2018
Fonte: Sala de Imprensa da Santa Sé
Trad.: SNPC
Imagem: Lucy Brown – loca4motion/Bigstock.com
Publicado em 18.02.2018

Fonte:

www.snpcultura.org

 

 

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Jejum, esmola e oração ainda têm sentido? https://observatoriodaevangelizacao.com/jejum-esmola-e-oracao-ainda-tem-sentido/ Tue, 11 Apr 2017 15:54:42 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=16220 [Leia mais...]]]> “A razão de ser de todo esse exercício ascético nos será revelada em uma vida mais livre, em um coração mais aberto e disponível para acompanhar Jesus que, à frente de seus discípulos, caminha para Jerusalém, tendo diante dos olhos apenas a vontade do Pai e o desejo de realizá-la.”

Subindo a Jerusalém

Por Maria Clara Bingemer

A Quaresma segue avançada. Desde domingo, 9, teve início a Semana Santa, que culmina com a celebração da Paixão e da Páscoa. Todavia, ainda é tempo quaresmal e, durante este tempo, a Igreja convida os fiéis à penitência e à conversão, enquanto acompanham Jesus de Nazaré em sua subida a Jerusalém, em seu caminho para a Paixão.

Não se trata de uma prática antiquada e sem sentido para os dias de hoje. Trata-se de um tempo especial de purificação, que prepara para viver o grande mistério da morte e ressurreição do Senhor. E neste processo, a ascese é de fundamental importância, embora a palavra esteja em desuso e possa provocar repulsa ou estranhamento.

Vivemos em uma cultura movediça e cambiante, onde os sentidos são acossados diariamente com estímulos constantes, para nos levar ao consumo desenfreado, à tirania do prazer, à avidez do ter e do possuir, aos quais é muito difícil resistir. Há profissionais talentosos regiamente pagos para descobrir nossas fragilidades, estimulá-las e atingi-las.

Esta cultura transtorna nossa interioridade, pois trabalha fundamentalmente em nossos sentidos, provocando sensações às vezes tão intensas, refinadas e contínuas, que podem entrar em nós sem tornar-se percepções conscientes, e muito menos elaboradas com um pensamento próprio. Há, portanto, para cada um de nós, cidadãos da pós-modernidade, um risco constante de viver permanentemente no fluxo contínuo das sensações que chegam aos nossos sentidos e seduzem nossa imaginação.

Essas sensações começam a circular dentro de nós, nos atraem e passam a formar parte de nosso universo interior. São direcionadas a nossas fomes e sedes naturais, e excitam as fomes e sedes artificiais e fictícias provocadas pelo mercado. Sutilmente ou mesmo grosseiramente, vão se apropriando de nossos sentimentos e de nossas decisões. Esta maneira de viver, submetidos a adicções criadas e mantidas artificialmente, começa a impedir-nos de enfrentar a realidade e seus desafios. Vai gerando em nós alienação, e condutas viciadas e compulsivas.

Na contramão dessa cultura do consumo e do bem-estar, a Igreja propõe a ascese. A palavra grega ascese (ἄσκησις) quer dizer exercício. Trata-se de exercitar-se para recuperar o domínio de si e não ser joguete dócil da propaganda e da cultura de sensações. Exercitar o corpo e o espírito, a fim de não se submeter a todas as adicções que a sociedade apresenta incessantemente.

Sob esta luz, portanto, o jejum tem pleno sentido. Assim também os exercícios físicos na justa medida. Abster-se de comida, de álcool, de fumo e também do uso imoderado da internet e da televisão, do jogo, da droga, do alucinógeno, não apenas permite ao corpo e ao espírito estarem mais disponíveis para a oração e o serviço. O corpo em jejum e adestrado, o espírito vigilante e diligente são terra árida para as compulsões do consumo. Fazem-nos mais livres e dispostos para aquilo que é realmente importante, deixando de lado o que aliena e anestesia.

Tem também sentido a oração, caminho de gratuidade que não controlamos nem manipulamos, onde um Outro absoluto conduz e tem as rédeas de uma experiência que não podemos produzir, mas apenas esperar, dispor-nos, acolher agradecidamente. Em uma cultura onde tudo está ao alcance de um “clic” e se consegue em segundos, entrar mais a fundo nos tempos de Deus, que se move em ritmo de eternidade, é um excelente e sadio exercício.

Assim também o despojamento pessoal expresso na esmola dada ao pobre, na ajuda ao necessitado, em todas as obras de misericórdia: visitar os doentes, vestir os nus, alimentar os famintos e dar de beber aos sedentos, fazer-se presente nos cárceres vários de cada dia, cuidar das crianças, atender os idosos. Tudo isso nos tira de nós mesmos e nos volta para os outros, na contramão de uma cultura que nos ensina que há que guardar, acumular, entesourar, investir, multiplicar os próprios bens.

A razão de ser de todo esse exercício ascético nos será revelada em uma vida mais livre, em um coração mais aberto e disponível para acompanhar Jesus que, à frente de seus discípulos, caminha para Jerusalém, tendo diante dos olhos apenas a vontade do Pai e o desejo de realizá-la. Para segui-lo em uma cultura como a nossa é imprescindível exercitar-se. A Quaresma pretende ser uma ocasião propícia para isso. E mesmo já avançada, sempre é tempo de vivê-la.


Maria Clara Bingemer é teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio. É autora de diversos livros, entre eles, ¿Un rostro para Dios?, de 2008.
FONTE: DOM TOTAL
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Quaresma, tempo de esperança https://observatoriodaevangelizacao.com/quaresma-tempo-de-esperanca/ Thu, 09 Mar 2017 10:00:00 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=13847 [Leia mais...]]]> Para inspirar nossos passos nesta primeira semana do período quaresmal, deixemo-nos iluminar pela reflexão do papa Francisco:

Estamos no tempo litúrgico da Quaresma. E dado que estamos a desenvolver o ciclo de catequeses sobre a esperança cristã, hoje gostaria de vos apresentar a Quaresma como caminho de esperança. Com efeito, esta perspetiva é logo evidente se pensarmos que a Quaresma foi instituída na Igreja como tempo de preparação para a Páscoa, e portanto todo o sentido deste período de quarenta dias recebe a luz do mistério pascal para o qual se orienta. Podemos imaginar o Senhor ressuscitado que nos chama a sair das nossas trevas, e nós colocamo-nos a caminho para Ele, que é a Luz.

A Quaresma é um caminho para Jesus ressuscitado, um período de penitência, bem como de mortificação, mas não é um fim em si própria.

Dirigida a fazer-nos ressurgir com Cristo, a renovar a nossa identidade batismal, isto é, a renascer novamente «do alto», do amor de Deus. Eis porque a Quaresma é, pela sua natureza, tempo de esperança.

Para compreender melhor o que isto significa, devemos referirmo-nos à experiência fundamental do êxodo dos israelitas do Egito, narrada pela Bíblia no livro que tem esse nome: Êxodo. O ponto de partida é a condição de escravidão do Egito, a opressão, os trabalhos forçados. Mas o Senhor não esqueceu o seu povo e a sua promessa: chama Moisés e, com braço poderoso, faz sair os israelitas do Egito e guia-os através do deserto em direção à Terra da liberdade.

Durante este caminho da escravidão à liberdade, o Senhor dá aos israelitas a lei, para o educar a amá-lo, único Senhor, e a amarem-se entre eles como irmãos. A Escritura mostra que o êxodo é longo e tormentoso: simbolicamente dura 40 anos, isto é, o tempo de vida de uma geração. Uma geração que, perante as provações do caminho, é sempre tentada a recordar com saudade o Egito e a ele regressar; também todos nós conhecemos a tentação de voltar atrás, todos. Mas o Senhor permanece fiel e aquela pobre gente, guiada por Moisés, chega à Terra prometida.

Todo este caminho é realizado na esperança: a esperança de alcançar a Terra, e precisamente neste sentido é um “êxodo”, uma saída da escravidão à liberdade. E estes 40 dias são também para nós uma saída do pecado e um caminho para o Senhor.

Cada passo, cada esforço, cada prova, cada queda e cada retomada, tudo tem sentido apenas no interior do desígnio de salvação de Deus, que quer para o seu povo a vida e não a morte, a alegria e não a dor.

A Páscoa de Jesus é o seu êxodo, com o qual Ele nos abriu o caminho para chegar à vida plena, eterna e feliz. Para abrir este caminho, esta passagem, Jesus deve de despojar-se da sua glória, humilhar-se, fazer-se obediente até à morte e à morte de cruz. Abrir-nos a estrada para a vida eterna custou todo o seu sangue, e graças a Ele nós fomos salvos da escravidão do pecado.

Mas isto não quer dizer que Ele fez tudo e nós não temos de fazer nada, que Ele passou através da cruz e nós “vamos para o paraíso de carruagem”. Não quer dizer isto. Não é assim. A nossa salvação é certamente dom seu, dado que é uma história de amor, requer amor, requer o nosso “sim” e a nossa participação, como nos demonstra a nossa Mãe Maria e depois dela todos os santos.

A Quaresma vive desta dinâmica: Cristo precede-nos com o seu êxodo, e nós atravessamos o deserto graças a Ele e atrás dele. Ele foi tentado por nós e venceu o Tentador por nós, mas também nós temos com Ele de enfrentar as tentações e superá-las. Ele dá-nos a água viva do seu Espírito, e a nós cabe extrair da sua fonte e beber, nos sacramentos, na oração. Ele é a luz que vence as trevas, e a nós é pedido alimentar a pequena chama que nos foi confiada no dia do nosso Batismo.

Neste sentido, a Quaresma é «sinal sacramental da nossa conversão», quem faz a estrada da Quaresma está sempre na estrada da conversão, do nosso caminho da escravidão à liberdade, sempre a renovar. Um caminho certamente exigente, como é justo que seja, pois o amor é exigente, mas um caminho repleto de esperança. Aliás, direi mais: o êxodo quaresmal é o caminho em que a própria esperança se forma.

O esforço de atravessar o deserto – todas as provações, as tentações, as ilusões, as miragens -, tudo isto serve para forjar uma esperança forte, sólida, sobre o modelo daquela da Virgem Maria, que no meio das trevas da paixão e da morte do seu Filho continuou a acreditar e a esperar na sua ressurreição, na vitória do amor de Deus.

Com o coração aberto a este horizonte, vivenciemos o tempo da Quaresma. Sentindo-nos parte do povo santo de Deus, trilhemos com alegria este caminho de esperança.

Papa Francisco
Vaticano, audiência geral, 1.3.2017
Fonte:
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