Tânia Jordão – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Wed, 02 May 2018 21:53:25 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.4 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 Tânia Jordão – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 Terra, teto e trabalho https://observatoriodaevangelizacao.com/terra-teto-e-trabalho/ Wed, 02 May 2018 21:53:25 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=27944 [Leia mais...]]]> Este encontro responde a um anseio muito concreto, algo que qualquer pai, qualquer mãe quer para os seus filhos; um anseio que deveria estar ao alcance de todos, mas que hoje vemos com tristeza cada vez mais longe da maioria: terra, teto e trabalho. É estranho, mas, se eu falo disso para alguns, significa que o papa é comunista. Não se entende que o amor pelos pobres está no centro do Evangelho. Terra, teto e trabalho – isso pelo qual vocês lutam – são direitos sagrados. Reivindicar isso não é nada raro, é a doutrina social da Igreja. (Papa Francisco)

 

O Dia Internacional do Trabalhador, celebrado ontem, desde suas origens é marcado por lutas pelo reconhecimento da dignidade do ser humano.  Nada mais cristão que essa luta, pois a práxis de Jesus de Nazaré se dá assim: retirando a Lei do centro e colocando em seu lugar a pessoa, sobretudo a marginalizada, a excluída.

É neste contexto que trazemos à baila a luta de pessoas por Terra, Teto e Trabalho em Nova Serrana – MG.

Na última quinta-feira, 26 de abril de 2018,  mais de cem famílias foram arrancadas de suas casas por centenas de policiais militares, que, segundo o relato dos moradores, chegaram em carros, caminhões, retroescavadeiras, helicóptero, fortemente armados, utilizando drones e amedrontando os trabalhadores. Idosos e crianças assustados, mulheres grávidas, todos, sem qualquer alternativa, tiveram seus pertences levados, sem que soubessem para onde. Ouvimos relatos de uma senhora diabética afirmando terem levado inclusive seus medicamentos, o que fez com que ela tivesse complicações sérias… Outra, uma jovem senhora grávida de oito meses, afirmou que o bercinho do bebê foi jogado no caminhão com todas as suas coisas e, agora, não tem nada para acolher o neném que está para chegar.

Por não terem outra alternativa, após o despejo essas famílias acamparam como puderam às portas da fazenda, de onde foram tiradas. Entretanto, novamente foram despejadas. Tiveram que marchar até a beira da rodovia. Novo despejo. O terceiro em dois dias! Covardemente, sem qualquer alternativa digna, as pessoas eram enxotadas como cães sarnentos.

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As famílias em questão integram a Ocupação Nova Jerusalém, comunidade que se constituiu na fazenda Canta Galo, em Nova Serrana/MG. Um casal de moradores nos contou que há cerca de cinco anos, estando desempregados e sem ter como pagar o aluguel, resolveram fazer um barraco perto do local onde esse senhor pescava. Com crianças pequenas, foram ficando por ali em um terreno que nem era cercado. Aos poucos, outras famílias vieram. Atualmente, alguns trabalhavam em Nova Serrana, mas as famílias plantavam diversos tipos de hortaliças, que vendiam na feira da cidade. Trabalhadores sem teto, sem terra e sem trabalho em busca de dignidade foram criminalizados, porque neste país a pobreza é muitas vezes criminalizada.

Sinal disso é o arrombamento sofrido em suas casas, em suas vidas; em oposição à ordem judicial. Os relatos ouvidos vão, pouco a pouco, derramando a história e a dor, a humilhação. Uma senhora bastante idosa nos contou que desde criança trabalha com os pais na lavoura. Agora, quando já nem consegue se levantar muito bem, tem que dormir no frio, no chão, mas o pior de tudo, “o pior, minha filha, é a gente ser xingado de vagabundo!” e quanta dor rola dessas palavras, de uma senhora já velhinha, que nunca, nunca!, pode gozar de férias!

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Toda essa violência, moral e física, ocorreu por decisão liminar de reintegração de posse da juíza da Vara Agrária de MG. Segundo as narrativas ali colhidas, em tempos do governo Anastasia (PSDB), essa área – belíssima, aliás, circundada pelo Rio Pará, afluente do São Francisco, na qual brotam cinco nascentes – foi entregue a um consórcio formado por sete prefeituras para que ali se construísse um aterro sanitário! Área – como vimos! – que deveria ser de preservação permanente, com mata nativa. Acontece que o atual  Governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT), autorizou a liminar em apoio ao Prefeito de Nova Serrana, Euzébio Lago (PMDB) e aos demais prefeitos do centro-oeste mineiro que formam o Consórcio Intermunicipal de Aterro Sanitário.

No primeiro momento, ao serem retiradas as famílias, o cunhado do prefeito de Nova Serrana, conforme os depoimentos, chegou ali com um caminhão de gado bovino, que devastou suas plantações. E o lamento que se ouvia era “boi vale mais que gente”. Depois, quando lhes foi asseverado que na área em que conviviam em harmonia com a natureza, buscando cuidar do meio ambiente e produzir sem agrotóxicos, seria instalado um aterro sanitário, o clamor foi ainda maior: “lixo vale mais do que gente”.

Encontramos essas famílias agrupadas ao lado do Rio Pará. Não havia sequer barraca para todos, apesar das doações que vão chegando das pessoas de bom coração e boa vontade. Grávidas dormem em velhos carros, que alguns possuem, para ter um pouco de comodidade. Crianças e idosos tem prioridade nas barracas. Os outros, mesmo doentes, se ajeitam como podem…

A situação de vulnerabilidade social extrema em que essas pessoas se encontram, tão perto de nós, clama aos céus e à terra. E o pior é saber que essa é só uma gota no oceano de injustiças que inunda nossas vidas.

Professora Tânia Jordão.

 

 

Outras informações, inclusive sobre a ação de pistoleiros amedrontando as famílias, pode-se obter no vídeo abaixo, retirado do youtube:

 

 

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Alberto Antoniazzi: vida em doação https://observatoriodaevangelizacao.com/alberto-antoniazzi-vida-em-doacao/ Sun, 24 Dec 2017 02:24:51 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=27160 [Leia mais...]]]>  

 

Ao pensar em padre Alberto, penso imediatamente no sentido da doação. Doação de uma vida inteira à Igreja e doação aos mais pobres. Durante os 40 anos de presença na Arquidiocese de Belo Horizonte, mostrou-se sempre disponível e pronto para colaborar naquilo em que fosse chamado. Padre Alberto jamais me negou qualquer coisa, qualquer de meus pedidos e solicitações. Recentemente descobri que padre Alberto nunca negou nada a ninguém, especialmente aos mais pobres. Tudo que ele ganhava dividia com os pobres. E isso quase ninguém sabia.

Vejo sua partida, no dia de Natal, como um gesto de ternura de Deus. Assim como o Pai presenteou o mundo com seu Filho, no Natal, assim também, padre Alberto, que sempre foi só doação, foi o presente de Natal que o mundo devolveu a Deus.

                                                                Cardeal Dom Serafim Fernandes de Araújo  Arcebispo Emérito de Belo Horizonte

Sabedoria, humildade e caridade são as características que mais se destacavam na personalidade de Alberto Antoniazzi, conforme relata monsenhor Éder Amantéa. Na terceira parte de seu depoimento ao Observatório da Evangelização, este presbítero recorda, com admiração, o amigo que partiu no dia de Natal, em 2004.

Sabedoria é um dom claramente perceptível tanto nos escritos de Antoniazzi quanto foi em sua dinamização pastoral, em que a espiritualidade profunda se abraçou à arguta capacidade de obter consensos. Humildade, mesmo para quem não teve o prazer de conhecê-lo, pode, por exemplo, ser percebida pelo fato de muitos de seus escritos terem sua autoria apagada, já que figuram como documentos eclesiais, seja de nossa arquidiocese, seja da CNBB. Caridade, tanto para atender aos seus superiores, quando quer que necessitassem de seus serviços, quanto pela prontidão em repartir aquilo que recebia por seus trabalhos com os menores dos irmãos.

Assim nos é apresentado padre Alberto, cuja memória celebramos neste Natal do Senhor. Sendo o Natal a festa da VIDA que toca a nossa pequenina vida, torna-se também, nesse homem de Deus, a possibilidade da pequena vida se irradiar VIDA. É que Deus não se deixa vencer em generosidade…

Professora Tânia Jordão.

 

 

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Alberto Antoniazzi: vida em missão https://observatoriodaevangelizacao.com/alberto-antoniazzi-vida-em-missao/ Fri, 22 Dec 2017 02:42:59 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=27154 [Leia mais...]]]>  

Padre Alberto desempenhou um papel fundamental na formação e atualização sacerdotal, tanto na Igreja de Belo Horizonte quanto em nível nacional. Era presença constante nos Encontros Nacionais de Presbíteros. Sempre morou no seminário arquidiocesano e foi braço direito dos reitores. Desde 1990 esteve inteiramente dedicado ao Projeto Pastoral Construir a Esperança. Eu diria, na verdade, que padre Alberto foi a mente e o coração do PPCE.

                                                           Cardeal Dom Serafim Fernandes de Araújo  Arcebispo Emérito de Belo Horizonte

 

Se o próprio Dom Serafim afirma que Alberto Antoniazzi “foi a mente e o coração do PPCE”, monsenhor Éder Amantéa, na segunda parte da entrevista a nós concedida, irá narrar a gênese da I Assembleia do Povo de Deus (I APD), que emerge justamente como consequência do Projeto Pastoral Construir a Esperança (PPCE). Ao ouvir sua narrativa compreende-se porque tantos declaram que padre Alberto Antoniazzi era um homem de Igreja e para a Igreja.

Antoniazzi foi um sacerdote atento aos apelos de renovação eclesial do Concílio Ecumênico Vaticano II. Por isso mesmo, percebia que a presença da Igreja na sociedade precisava se dar a partir de sua missão enquanto Povo de Deus. Isso mudava completamente a eclesiologia piramidal anterior, pois todo o Povo de Deus – não só o clero – experimenta-se, então, com uma mesma missão e dignidade pelo Batismo. Refletia assim sobre o ministério ordenado e sobre o laicado tanto na perspectiva intra-eclesial quanto na importância da atuação cristã para a transformação social.

O PPCE foi a forma encontrada por padre Alberto para dinamizar a vida da Igreja na arquidiocese de Belo Horizonte. Incentivar e fortalecer o protagonismo laical; criar equipes para fazer da pastoral catequética de BH uma referência nacional; apoiar a reforma litúrgica… “o que aconteceu de pastoral no episcopado de Dom Serafim, foi iniciativa do padre Alberto”, segundo o depoimento de seu grande amigo, monsenhor Éder.

Além desse testemunho entusiasmado, Éder Amantéa contextualiza os fatos narrados e assevera: “O Concílio chegou com toda a força. Toda a Igreja estava esperando a reforma, mas depois de 50 anos de Concílio, muitas reformas não foram implementadas ainda. Há muita coisa pra mudar…” Vale a pena conferir!

Professora Tânia Jordão.

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Preparemo-nos: Ele está para chegar! https://observatoriodaevangelizacao.com/preparemo-nos-ele-esta-para-chegar/ Sat, 09 Dec 2017 12:44:41 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=27084 [Leia mais...]]]> Viver plenamente esse tempo de graça e esperança, que é o Advento, é possível quando alimentamos a espiritualidade, profundamente. A espiritualidade é o que nos dá vida e dinamismo. O que nos anima. O Espírito é o próprio Sopro de Deus!

Há diferentes formas de cultivar a espiritualidade, no entanto, certamente poderemos reconhecer se o Espírito que a move é o de Jesus se a fé se torna ação libertadora, pois assim foi o Peregrino de Nazaré: livre e libertador! A espiritualidade genuinamente centrada em Jesus suscita nosso comprometimento com a transformação de nossa realidade injusta, desumana, desigual, sem ética e sem compaixão em outra que se molda pelos valores evangélicos. Será pautada nos valores do Reino se for libertadora. Entretanto, ao contemplarmos Jesus de Nazaré observamos que antes de Ele agir há muitas pausas para oração a fim de se manter continuamente em sintonia com o Abba. Assim se fortalecia para a jornada.

Nossa realidade demanda que não nos acomodemos. Preparar-nos para o Natal não se trata, certamente, de alimentar o mercado de consumo e descarte; mas suster o espírito. É necessário, sim, nutrir-nos do maior dos alimentos para prosseguir na missão a nos confiada. Um belo instrumento a nos oferecido e que poderá (e muito!) nos auxiliar a viver melhor este tempo de preparação para o Natal de Jesus é o cultivo da  mística e espiritualidade com as canções meditativas de Taizé.

Na sua comunidade, antes de cada encontro celebrativo, é possível criar um ambiente de silêncio e reflexão, de acolhida e oração com refrãos meditativos como aqueles de Taizé.

Ânimo, portanto. Preparemos a casa do coração porque Ele está pra chegar…

Tânia Jordão

 

 

https://www.youtube.com/watch?v=k95tnMUvwVY

 

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Extremismo x Ecumenismo https://observatoriodaevangelizacao.com/extremismo-x-ecumenismo/ Thu, 07 Dec 2017 01:59:37 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=27058 [Leia mais...]]]> Em tempo de tantas polarizações, chama a atenção uma comunidade que foi fundada justamente para romper com qualquer extremismo: Taizé é uma comunidade ecumênica, com representantes tanto católicos quanto de várias igrejas protestantes, das mais diversas nacionalidades, que inclue em suas orações ícones e cânticos da tradição ortodoxa oriental  e que se dedica justamente à reconciliação.

A questão é: por que jovens de todo mundo visitam Taizé, incorporando-se à vida de oração daquela comunidade em encontros que duram uma semana? São milhares de pessoas, sobretudo jovens, em grupos que chegam a seis mil pessoas por semana, peregrinando à Taizé, na França. Algo move essa busca pela meditação, através da harmonia da música e da repetição de frases tão simples… Algo, que a experiência do silêncio faz germinar… Nossa sociedade do excesso, do descarte, da agitação não nutre a busca mais íntima. Nossa realidade de defesas de verdades excludentes não oferece uma resposta satisfatória ao anseio mais profundo!

Enquanto outros grupos ou movimentos eclesiais procuram adeptos, Taizé envia o jovem que vive aquela experiência de volta a sua Igreja local a fim de partilhar com outros sua vivência e realizar o que o fundador da comunidade, Irmão Roger, cunhou como sendo a peregrinação de confiança na terra. Quem se encanta pela experiência quer partilhá-la. É uma paixão que contagia, por sua simplicidade e força evangélica. Tanto o jovem quanto qualquer pessoa que viva isso já não entenderá o ecumenismo da mesma forma.

É bonito perceber, sobretudo, como a experiência da oração fortalece a ação solitária. A verdadeira oração cristã necessariamente nos abre ao outro, porém – enquanto determinadas expressões religiosas são intimistas – o que é possível atestar é que o compromisso social se torna um dos pilares de quem experimenta profundamente que Deus é Amor. Um sinal disso são as postagens do blog Taizé BH, alimentado pelo CEBI.

«Penso que, desde a minha juventude, nunca perdi a intuição de que uma vida em comunidade pode ser um sinal de que Deus é amor; só amor. Pouco a pouco crescia em mim a convicção de que era essencial criar uma comunidade de homens decididos a dar toda a sua vida, e que procurassem sempre compreender-se mutuamente e reconciliar-se: uma comunidade onde a bondade do coração e a simplicidade estivessem no centro de tudo.»

(Irmão Roger)

A quem deseja conhecer a Oração de Taizé, o site da comunidade oferece vários subsídios, além de informações variadas. Inclusive poderá pesquisar acerca das comunidades dos irmãos de Taizé no Brasil. Em BH, quem quiser alimentar a espiritualidade nesse estilo, poderá participar, por exemplo, da oração na Paróquia Nossa Senhora da Consolação e Correia, na última sexta de cada mês, a partir das 20 horas.

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Observar essa experiência contribui para, ternamente, favorecer nossa abertura dialogal. E então perceberemos que o Outro, o Diferente, nem é tão diverso assim… é por isso que podemos alegremente nos chamar de irmãs e irmãos. E comprometidos com a construção de um outro mundo – que sabemos possível! – cantar: Vem, Senhor Jesus!

Professora Tânia Jordão

]]> 27058 Por que um Dia Mundial dos Pobres? https://observatoriodaevangelizacao.com/por-que-um-dia-mundial-dos-pobres/ Sat, 18 Nov 2017 03:00:45 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=26922 [Leia mais...]]]>

Dentro e fora da Igreja percebe-se um desconforto com este “Dia Mundial dos Pobres”. Por um lado, incomodam-se pessoas engajadíssimas em lutas sociais e que admiram profundamente as palavras e ações do atual Bispo de Roma, das quais se ouve expressões de estranhamento em relação à criação de “um dia” destinado àqueles que devem ser foco de nossas atenções cotidianas. Por outro, exasperam-se aquelas que querem distância de tudo o que lembra o excluído, que não desejam refletir sobre a realidade circundante, e, menos ainda, que o Papa provoque, novamente, reflexões de cunho sócio-político-econômico sobre o papel do cristão.

Desde o início de seu pontificado, Francisco tem buscado se aproximar de todo tipo de excluído.

Há cerca de um ano, em Roma, no Festival da Alegria, novamente Francisco se encontrou com os pobres e percebeu que havia necessidade de momentos específicos para esse “estar com” que faz bem aos dois lados. Tocar de perto a fragilidade dos irmãos nos humaniza, percebeu o Papa, que questiona o fato de haver mais quem queira ser a voz dos que não têm voz do quê pessoas que, de fato, os escute e lhes conceda o lugar que têm direito a ter: “protagonistas dos seus próprios projetos de vida”. Há que se contribuir para combater “a indiferença em relação àqueles a quem chamam descartáveis da sociedade atual” e promover a “cultura do encontro”.

No encerramento do Jubileu da Misericórdia, pois, Francisco instituiu O Dia Mundial dos Pobres, com o desejo que a Igreja fomente encontros verdadeiros em cada realidade entre os diferentes tipos de pessoa e, a partir de então, as pessoas possam forjar a mudança do estilo de vida comum aos nossos tempos: de famílias fechadas, pessoas individualistas, passemos a nos abrir ao encontro com o diferente, à partilha, “prova da autenticidade evangélica”.

Há outra data mundial, criada pelas Nações Unidas, que proporciona a ponderação acerca das causas da pobreza, suas consequências e modos de erradicá-la. Trata-se do Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, 17 de outubro.  Estar com os pobres, como pede o Papa aos cristãos não-pobres, propicia a criação de uma nova consciência pela possibilidade da mudança de lugar; do colocar-se “no lugar” do outro, ao se familiarizar com ele. As datas se somam. A uma Igreja em saída o que se pede é não só refletir sobre a pobreza. Estar com os pobres é olhar nos olhos do outro e deixar-se tocar, internamente, pela realidade do outro. Mas isso não significa absolutamente assistencialismo cômodo.

Francisco nos ensina pelo exemplo: ele próprio busca estar com os empobrecidos, ouvi-los, senti-los, mas também denuncia em alto e bom tom as causas da injustiça social, como fez, por exemplo, na Bolívia*, quando bradou contra “a imposição de medidas de austeridade que sempre apertam o cinto dos trabalhadores e dos pobres” e, ainda, contra “o colonialismo, novo e velho, que reduz os países pobres a meros fornecedores de matéria prima e mão de obra barata, engendra violência, miséria, migrações forçadas”. Contundentemente, fez-se ouvir:

Quando o capital se converte em ídolo e dirige as opções dos seres humanos, quando a avidez pelo dinheiro tutela todo o sistema socioeconômico, arruína a sociedade, condena o homem, transforma-o em escravo, destrói a fraternidade inter-humana, coloca povo contra povo e, como vemos, até põe em risco esta nossa casa comum.

Essa voz profética não é a de quem engendra um “Dia Mundial dos Pobres” para apaziguar consciências, mas a de quem, humilde e corajosamente, assume um pontificado com resistências inimagináveis dentro da própria Igreja por buscar, radicalmente, ser fiel ao Evangelho de Jesus Cristo. E por isso pode-se posicionar dizendo: “Peço humildemente perdão, não só pelas ofensas da própria Igreja, mas também pelos crimes contra os povos originários durante a chamada conquista da América”. É profética a voz que pede “terra, teto e trabalho” para todos: “São direitos sagrados. É preciso lutar por eles. Que o clamor dos excluídos seja ouvido na América Latina e em toda a Terra”.

Além da profética denúncia, também anuncia que um novo mundo é, sim, possível. E anima à multidão que ouve sua voz e reconhece nela a de seu amado Pastor:

Que posso fazer eu, recolhedor de papelão, catador de lixo, limpador, reciclador, frente a tantos problemas, se mal ganho para comer? Que posso fazer eu, artesão, vendedor ambulante, carregador, trabalhador irregular, se não tenho sequer direitos trabalhistas? Que posso fazer eu, camponesa, indígena, pescador que dificilmente consigo resistir à propagação das grandes corporações? Que posso fazer eu, a partir da minha comunidade, do meu barraco, da minha povoação, da minha favela, quando sou diariamente discriminado e marginalizado?

Que pode fazer aquele estudante, aquele jovem, aquele militante, aquele missionário que atravessa as favelas e os paradeiros com o coração cheio de sonhos, mas quase sem nenhuma solução para os meus problemas?

Muito! Podem fazer muito. Vocês, os mais humildes, os explorados, os pobres e excluídos, podem e fazem muito. Atrevo-me a dizer que o futuro da humanidade está, em grande medida, nas suas mãos, na sua capacidade de se organizar e promover alternativas criativas na busca diária dos “3 T” (trabalho, teto, terra), e também na sua participação como protagonistas nos grandes processos de mudança nacionais, regionais e mundiais. Não se acanhem.

Por que um “Dia Mundial dos Pobres”? Porque “necessitamos de uma mudança positiva, uma mudança que nos faça bem, uma mudança redentora.” E convivendo com os pobres, sentindo seu corpo, seu cheiro, sua voz, talvez possamos nos dar conta que o Peregrino de Nazaré, de fato, escolheu vir como um pobre e é no mais pequenino que Ele se faz presente. Diz ainda o nosso Papa: “Necessitamos de uma mudança real. Esse sistema já não se sustenta. E os mais humildes, os explorados, podem fazer muito. O futuro da humanidade está em suas mãos”.

Professora Tânia Jordão.
 *Papa Francisco – Discurso no II Encontro Mundial dos Movimentos Populares, Bolívia, 2015.
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Reconstruindo a catolicidade em ambiente digital https://observatoriodaevangelizacao.com/reconstruindo-a-catolicidade-em-ambiente-digital/ Tue, 03 Oct 2017 18:28:00 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=25217 [Leia mais...]]]> Moisés Sbardelotto, em palestra na PUC Minas na última sexta-feira (29/09), compara a reforma digital àquela realizada por Lutero, 500 anos atrás, por perceber que essa revolução sociocultural está desencadeando uma revolução religiosa. Ele percorre a história recente para demonstrar que um Papa assinar um twitter altera por completo sua forma de presença no mundo. O twitter está em um ambiente não-religioso; não-protegido; em um contexto plural. O Papa, ao utilizá-lo, coloca-se no meio da praça pública, acessível a todos.

Pope Benedict XVI posts his first tweet using an iPad tablet after his Wednesday general audience in Paul VI's Hall at the Vatican

Essas reflexões aparecem na obra: “E o Verbo se fez rede”, fruto de seu doutoramento em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Para realizar sua pesquisa, Sbardelotto transitou pelos corredores do Vaticano, entrevistou membros do Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais, teve acesso a diversos setores da Santa Sé. Tendo já se debruçado sobre a forma como a religiosidade católica aparece nos portais, aqui, o autor busca compreender o percurso de inclusão digital dos pontífices Bento XVI e Francisco.

Foi em 2011, quando a imagem da Igreja aparecia arrasada na grande mídia, devido às muitas denúncias de pedofilia do clero, que Bento XVI, na tentativa de melhorar a imagem do Vaticano, envia o primeiro tweet. Com dificuldade diante dos meios eletrônicos, o Papa não sabe o que fazer, onde clicar, e tudo isso é documentado, comprovando um imenso choque de mentalidades e culturas. Ao abrir o portal news.va o papa é protagonista de toda uma liturgia que se repetirá em 2012 quando, ao assinar de próprio punho o twitter, tentará mostrar que a tradição busca se aproximar de novas linguagens.

Três meses antes de sua renúncia, na qual explicita que a igreja precisa de um novo pontífice que dialogue com um mundo sujeito a rápidas mudanças, Bento XVI aponta para uma transição para novas linguagens e novas formas de tradução da tradição.

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O Papa Francisco se confronta com essa realidade ao assumir dar continuidade a isso. Não só utiliza o twitter, como há um aplicativo com suas mensagens e está no Instagram. Lança todos os meses um “vídeo do Papa” e, com esse formato de interação vai construindo nova teia social de sentidos sobre a fé católica, no mundo midiático. Esse trabalho de reconstrução do catolicismo utilizando-se de símbolos vinculados a outros símbolos, recriações discursivas do encontro, por exemplo, entre o protocolo do Papa com o protocolo do twitter, gera contratos de leitura próprios. O Papa, autoridade máxima, traduzir o catolicismo para a mídia digital provoca uma suprainstitucionalidade católica, presente numa rede social.

A partir de então, grupos católicos diversos ganham legitimidade para se posicionar na mídia, o que provoca crescimento do embate entre grupos opostos, negando construções de sentido contrárias à própria. Assim o dado “religioso” explode em múltiplas racionalidades locais e a existência social do catolicismo vai se tornando cada vez mais o resultado da interação comunicacional enquanto reconstruído, ressignificado, pois não pode ser possuído, apropriado pela Igreja. É construído como im-próprio pelas comunidades eclesiais digitais. Assim se dá o sensus fidelis digitalis, a voz viva do Povo de Deus em rede.

Professora Tânia Jordão

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Você receberia um migrante em sua casa? https://observatoriodaevangelizacao.com/voce-receberia-um-migrante-em-sua-casa/ Mon, 18 Sep 2017 22:38:33 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=24660 [Leia mais...]]]> Religião, migração e mobilidade humana: por que tanta dor?

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O estrangeiro tem um lugar especial garantido na Bíblia: o Povo de Deus deve cuidar bem dele porque também foi forasteiro no Egito e sabe o que é ter sido explorado em razão de sua origem. Do Pentateuco aos Livros Proféticos, passando pelos Históricos e Sapienciais, todo o Antigo (ou Primeiro) Testamento traz advertências sobre a importância de zelarmos sobre essas pessoas que vivem fragilizadas em razão da situação de itinerância e que, por isso, exigem tanta atenção e cuidado. Na escritura sagrada judaico-cristã essa categoria, “estrangeiro”, é, normalmente, encontrada ao lado de “órfãos e viúvas”, ou seja, pessoas que não tem quem lhes defenda os direitos. “Maldito aquele que perverter o direito do estrangeiro, do órfão e da viúva” (Dt 27, 19) é a advertência reiteradamente retomada, em enfoques vários, nos livros bíblicos do Primeiro Testamento. Tal admoestação também aparece sob diversos prismas nos Evangelhos, culminando com a fortíssima imagem do Pastor que separa as ovelhas dos cabritos e utiliza, como critério de discernimento para classificar umas e outros, o cuidado dos “menores” do Reino (Mt 25, 40). Dentre estes, figura o estrangeiro. E aquele que não o recebe em casa é chamado “maldito” (Mt 25, 42). Ou seja, acolher o menor dos irmãos é inclui-lo na casa-país, casa-terra, casa-vida.

A fronteira, o limiar, a porta da casa traz em si a ambivalência de sentido: pode manter fora, excluir, mas pode também proteger, abrigar…

Atento às exigências éticas e à necessidade de crescimento do compromisso de cada cristão, neste momento de tanta opressão sobre o migrante, o Papa Francisco, desde que calçou “as sandálias do Pescador”, tem alertado a comunidade internacional, questionado as autoridades dos Estados, interpelado as pessoas de boa vontade e, crianca-de-tres-anos-e-encontrada-morta-no-litoral-turcoprincipalmente, exortado os cristãos acerca da urgência de nos voltarmos sobre a questão das migrações e suas causas, atuando para minimizar a dor desses nossos irmãos e irmãs, alguns ainda tão pequeninos e já em fuga.

Ninguém foge do que é bom. Lutar pela vida, pela dignidade, tem sido, sempre, uma ânsia da humanidade que migra desde que apareceu sobre a face da Terra. Todos descendemos de migrantes, nômades. Entretanto, o planeta pertence a todos, mas só alguns usufruem de seus benefícios. Eram milhares; hoje são milhões, talvez bilhões os que já nasçam condenados… Por que tanta dor?

Para alimentar reflexões, trocar informações e buscar soluções sobre essa crise humanitária sem precedentes, estudiosos das áreas de Teologia e Ciências da Religião de todo Brasil, e mesmo de outros países, encontraram-se dos dias 13 a 15 últimos em Goiânia: ali aconteceu o VI Congresso da ANPTECRE, com o objetivo de “discutir o impacto da religião nos processos de migração e mobilidade humana no Brasil e no mundo.” Passando por um percurso de itinerâncias dialogais, os congressistas debateram questões que iam dos fundamentalismos e intolerâncias às facetas dos processos migratórios; das transformações das religiões dos sujeitos religiosos em diáspora às violências sofridas por indivíduos em fuga; da necessidade do enfrentamento político da situação migratória às ações construtoras do outro pelo olhar solidário e compassivo; dos estudos de textos que tratam das mobilidades humanas à importância de se fortalecer parcerias e projetos nacionais e internacionais que visem à proteção do migrante e de sua cultura, e outros tantos desafios…

Com fortíssimas interpelações, inclusive a partir de testemunhos sobre o tráfico internacional de pessoas e o tráfico de órgãos humanos, inclusive de bebês, o Congresso provocou a todos/as a dar passos em direção a romper as cercas farpadas e, coerentemente com o chamado humano, saber que só se humaniza aquele que vê e trata o outro, o diferente, como igual; em harmonia com o chamado divino, experimentar que o sentido brota na busca respeitosa de acolher o que é o Sentido para o outro também. E, assim, ser mais. Ser! Mais…

Tânia Jordão

 

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DECISÃO HISTÓRICA: Papa lança as prévias para a seleção de seu Vigário https://observatoriodaevangelizacao.com/decisao-historica-papa-lanca-as-previas-para-a-selecao-de-seu-vigario/ Tue, 04 Apr 2017 02:11:30 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=15637 [Leia mais...]]]> Com pouco destaque na mídia internacional e praticamente não repercutida no Brasil, uma decisão histórica do Papa Francisco poderá impactar profundamente a hierarquia católica.

O Observatório da Evangelização traduz, com exclusividade, o texto de Alberto Bobbio, publicado pela Revista Família Cristã, italiana, em 11 de março, sobre uma ousada iniciativa de Bergoglio acerca da eleição do seu Vigário. Um vigário é aquele que atua em nome de outro religioso, na paróquia, por exemplo, tem o poder de representar o padre; na diocese de Roma substitui o bispo de Roma, no caso, o Papa. Isso pode sinalizar uma tentativa do Papa de implementar uma nova estratégia para as escolhas de bispos em todo o mundo.

A proposta de Francisco para a sucessão do vigário da sua diocese é fazer uma consulta antes de anunciar o sucessor do cardeal Agostino Vallini, atual vigário. Essa consulta será feita não somente ao clero mas incluirá também os leigos.

É verdade que consultas para a indicação de bispos incluindo leigos já ocorreram pontualmente, como destaca a reportagem da revista. Porém, o fato atual torna-se altamente simbólico por se tratar da diocese da qual o Papa é o titular. Esse novo processo sinaliza, portanto, a intenção do Pontífice de “democratizar” a escolha dos bispos, considerados os sucessores dos apóstolos e os titulares (responsáveis diretos) de milhares de dioceses pelo mundo afora. O Papa colegiadamente com os bispos governa a Igreja, tendo como seus auxiliares ordenados os presbíteros e diáconos.

Tradicionalmente, a escolha dos bispos se reveste de especial cuidado e é tratada como um segredo de estado por Roma. Os processos de escolha envolvem consultas sigilosas feitas ao episcopado e a alguns poucos presbíteros escolhidos, mas gerenciadas pelas Nunciaturas Apostólicas (espécie de embaixada do Vaticano nos países). As Nunciaturas selecionam os possíveis candidatos e indicam os seus nomes à Congregação dos Bispos (espécie de ministério que auxilia o Papa nessa tarefa) que, por sua vez, repassa uma lista tríplice ao Pontífice, responsável final pela nomeação do episcopado.

O fato de as Nunciaturas Apostólicas terem o primado na escolha dos candidatos ao episcopado acaba por diminuir sobremaneira o poder das conferências episcopais de cada país. É notório, por exemplo, o fato de a maioria dos candidatos aprovados ao episcopado, normalmente, ter estudado por algum período em Roma.

Nesse sentido, a escolha dos bispos tende a se alinhar mais ao perfil de cada Pontífice. Isso explica a tendência mais conservadora do episcopado mundial na atualidade, reflexo do longo papado de João Paulo II e seu sucessor, Bento XVI.

Portanto, a iniciativa do Papa Francisco vem ao encontro da chamada reforma da hierarquia católica, à medida que caso esse empreendimento se institucionalize, as igrejas locais passarão a ter mais peso na indicação dos candidatos ao episcopado, diminuindo a incidência das Nunciaturas e, por extensão, de Roma, na escolha dos bispos.

A reportagem que reproduzimos abaixo, traduzida por Tânia Jordão, da equipe executiva do Observatório, lembra que certamente essa nova ação de Francisco despertará a ira dos setores conservadores, principalmente da Cúria Romana, que advogam por uma Igreja mais centralizada e hierárquica.

(Robson Sávio, da equipe executiva do Observatório)

Veja, abaixo, o texto:

Papa lança as prévias para a seleção de seu Vigário

Em uma decisão que, se espera, repercutirá bastante, Bergoglio convoca de surpresa párocos da diocese de Roma e inicia uma consulta abrangendo os fiéis que também poderão indicar nomes para o sucessor do cardeal Agostino Vallini:

 O Papa Francisco traz-nos outra frente nova à rotina eclesial ao lançar as prévias para encontrar o sucessor de seu vigário na diocese de Roma, que substituirá o cardeal Agostino Vallini. Na sexta-feira, 10 março, à tarde, Bergoglio convocou inesperadamente 36 párocos da diocese de Roma, da qual o Papa é bispo, e pediu-lhes para indicar, por escrito, os problemas e as necessidades da diocese e qual deveria ser o perfil do novo vigário. Mas a novidade não pára por aí. Ele pediu, ainda, sugestões de nomes àqueles que desejassem apresentá-las e solicitou que tal consulta se estenda também aos fiéis leigos.

A Sala de Imprensa da Santa Sé, que anunciara a reunião algumas horas antes enquanto o papa estava retornando de um retiro em Ariccia, havia sublinhado que a reunião foi considerada “prática normal da vida da Igreja”. Mas, na realidade, é uma novidade sensacional, porque nunca antes na diocese do Papa se realizou uma consulta deste tipo. O Papa deverá receber as cartas no dia 12 de abril, quarta-feira santa. Assim, ele inicia outro processo que, certamente, despertará descontentamento entre conservadores e reabrirá o dossiê sobre as consultas para a nomeação dos bispos, algo que tem sido sempre um tema na agenda da Congregação dos Bispos. Geralmente, uma consulta dessas é iniciada pelo núncio apostólico, que, em seguida, envia um relatório ao Vaticano. Recentemente, foi anunciada, pelos meios de comunicação, a consulta para a sucessão do cardeal Angelo Scola, de Milão. A lista a ser consultada ainda não foi anunciada, mas nós sabemos que serão consultados também os leigos. Mesmo o C9, o Conselho de cardeais do Papa Francisco, que está reformando a cúria romana, se ocupou desse debate.

Em setembro, o Conselho analisou o projeto de um questionário pelo qual deverá considerar a adequação dos candidatos e dirigir a nomeação de um bispo em um nível mais pastoral e espiritual. Em suma, o Papa não quer decidir por si mesmo. No entanto, o problema já havia sido colocado no Sínodo de 2001 dedicado à figura do bispo. Então, o cardeal Carlo Maria Martini havia perguntado em seu discurso, “como fazer para garantir que a Igreja local também pode ser reconhecida pela maneira de ser de seu bispo, desde os procedimentos utilizados para buscar candidatos adequados.” Que haja não somente a consulta dos sacerdotes, mas, ainda, a do povo de Deus.

Um precedente holandês nos anos sessenta

Durante o Concílio de Trento, houve um longo e vivo confronto para reintroduzir o antigo costume da presença ativa das pessoas na nomeação dos bispos. Mas tal debate não levou a uma decisão. A questão da subtração de nomes por pressão do poder temporal foi decisiva. E o Código de Direito Canônico de 1917 insiste, precisamente, sobre o aspecto da liberdade. Mas hoje a história mudou completamente em relação há séculos atrás. Depois do Concílio Ecumênico Vaticano II, houve tentativas de algumas igrejas mais “progressistas” de eleger bispos. É o que aconteceu na Holanda, nos anos sessenta. Para a eleição do bispo de Den Bosch, em 1966, o Colégio dos bispos convidou a todos, mesmo os não-católicos, a se posicionar sobre as prerrogativas necessárias à função e acerca de nomes de possíveis candidatos. Participaram da consulta cerca de dez mil pessoas e Paulo VI nomeou bispo o nome que saiu daquela consulta. A mesma coisa aconteceu com o bispo de Breda um ano mais tarde, em que o nome veio de todo o Conselho Pastoral, também composto por trinta leigos.

E o mesmo procedimento foi seguido em algumas dioceses alemãs e suíças. Na Suíça, em três dioceses, por um antigo privilégio, a nomeação cabe à assembleia da catedral. O papa deve apenas ratificar. Este é o caso das dioceses de Basileia, São Galo e Coira, de acordo com um sistema confirmado por Pio XI em 1926 e assimilado pela Concordata suíça de 1928. Mas, em 1990, houve problemas para a nomeação do bispo de Coira, o que despertou controvérsias. O bispo, monsenhor Wolfgang Haas, que não era um dos candidatos propostos pela assembleia da catedral, foi nomeado por Roma. Protestos eclodiram e, no final, a Santa Sé teve de proceder ao desmembramento da diocese de Coira em duas partes, com a criação da diocese de Vaduz, em Liechtenstein, para onde ele foi transferido, promovido a arcebispo. Ao longo dos anos tem havido muitas iniciativas de associações de leigos e sacerdotes para reabrir o debate acerca das eleições dos bispos.

Na Itália, a Associação “Nós somos Igreja”, em 2002, propôs um projeto complexo para buscar o sucessor de Carlo Maria Martini e a mesma coisa foi feita para a sucessão do Cardeal Dionigi Tettamanzi. Em Treviso, em 2009, oito sacerdotes pediram em uma carta aberta a possibilidade de consultar outros sacerdotes e demais pessoas, inclusive leigos para escolher o sucessor do Monsenhor Andrea Mazzocato. Mas esses oito foram criticados por outros sacerdotes, que temiam o risco de uma “campanha”. Bergoglio, agora, é que com o espetacular êxito de Roma, abre novamente um processo antigo.

TEXTO ORIGINAL: famigliacristiana

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