SNPC – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Wed, 24 Feb 2021 01:57:50 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.4 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 SNPC – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 Bispos da Alemanha elegem pela primeira vez uma mulher para secretária-geral da Conferência Episcopal https://observatoriodaevangelizacao.com/bispos-da-alemanha-elegem-pela-primeira-vez-uma-mulher-para-secretaria-geral-da-conferencia-episcopal/ Wed, 24 Feb 2021 01:57:50 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=38334 [Leia mais...]]]>
Imagem: Beate Gilles | © Schnelle/Deutsche Bischofskonferenz

Beate Gilles vai ser a primeira mulher a ocupar, a partir de 1 de julho, o cargo de secretária-geral da Conferência Episcopal Alemã, na sequência da votação realizada durante a assembleia plenária dos bispos, que começou hoje. Para o presidente do episcopado, a escolha «é um sinal forte de que os bispos estão a manter a promessa de promover as mulheres a posições de liderança».

«É considerada uma teóloga profunda, fortemente inserida nas diversas estruturas da Igreja católica e dotada das melhores capacidades organizativas», declarou o presidente do episcopado durante uma conferência de imprensa.

Para D. Georg Bätzing, a eleição de Gilles, que assume igualmente a direção da Associação das Dioceses da Alemanha, «é um sinal forte de que os bispos estão a manter a promessa de promover as mulheres a posições de liderança».

A nova secretária-geral, que anteriormente dirigiu o departamento para as crianças, jovens e família no ordinariato episcopal de Limburg, e antes em Estugarda, afirmou esperar ter a capacidade de «satisfazer plenamente as exigências» das novas funções.

«Esta é uma fase exigente, mas também entusiasmante para a Igreja católica na Alemanha. Algo de novo começou com o caminho sinodal», sublinhou Beate Gilles, perita em comunicação religiosa televisiva e em questões sociais e laborais.

Nascida em 1970, Beate Gilles recebeu o doutoramento no ano 2000, com uma tese sobre estudos litúrgicos. Colaborou com a estação de televisão nacional alemã ZDF, e na primeira década deste século trabalhou na diocese de Estugarda, passando para a diocese de Limburg em 2010.


Rui Jorge Martins
Fonte: Conferência Episcopal Alemã
Imagem: Beate Gilles | © Schnelle/Deutsche Bischofskonferenz
Publicado em 23.02.2021

Fonte:

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Cardeal José Tolentino mendonça é agraciado em 23/10/2020 com o prêmio Helena Vaz da Silva 2020 https://observatoriodaevangelizacao.com/cardeal-jose-tolentino-mendonca-e-agraciado-em-23-10-2020-com-o-premio-helena-vaz-da-silva-2020/ Fri, 23 Oct 2020 19:03:35 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=36012 [Leia mais...]]]> Reconhecido por ser uma das vozes mais originais da literatura contemporânea, dom José Tolentino de Mendonça foi agraciado com o prêmio Helena Vaz da Silva. Os jurados salientaram igualmente a forte convicção do cardeal de que a Igreja não é apenas uma guardiã de seu longo passado, mas que deve estabelecer um diálogo aberto e construir pontes com o mundo da cultura, da arte e do pensamento contemporâneos.

Confira:

Atribuição do prêmio Helena Vaz da Silva ao cardeal Tolentino

O secretário-geral da ONU, Antônio Guterres, e o presidente da República de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, estarão presentes hoje, através de mensagens em vídeo, na sessão de atribuição do prêmio europeu Helena Vaz da Silva 2020 ao cardeal Tolentino Mendonça. O «reconhecimento presta homenagem à contribuição excepcional de dom José Tolentino Mendonça para a divulgação da cultura e dos valores europeus», lê-se na página do Centro Nacional de Cultura (CNC), que em 2013, em parceria com a Europa Nostra, considerada a principal organização do Velho Continente de defesa do patrimônio, e o Clube Português de Imprensa, instituíram a distinção.

Primeiro diretor do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultural, o cardeal José Tolentino Mendonça é «uma das vozes mais originais da literatura contemporânea», destaca o CNC. «Ficamos impressionados com a capacidade que Tolentino Mendonça demonstra ao divulgar a beleza e a poesia como parte do patrimônio cultural intangível da Europa e do mundo. Queremos homenagear a sua arte de comunicar não apenas através da sua notável poesia, mas também dos seus artigos de opinião publicados na imprensa portuguesa e italiana», referiu o júri do prêmio.

Os jurados, encabeçados pela presidente do CNC, Maria Calado, e onde se incluem Francisco Pinto Balsemão, Guilherme d’Oliveira Martins e membros das entidades parceiras do prêmio, salientaram igualmente a «forte convicção» do cardeal de que «a Igreja não é apenas uma guardiã de seu longo passado, mas que deve estabelecer um diálogo aberto e construir pontes com o mundo da cultura, da arte e do pensamento contemporâneos».

Hoje, quando a Europa e o mundo se confrontam com uma crise sem precedentes, precisamos de ouvir as vozes desafiadoras dos principais intelectuais e artistas europeus, como Tolentino Mendonça. Eles devem orientar e inspirar os nossos esforços coletivos para construir uma sociedade mais justa e mais inclusiva, para a Europa e para todo o planeta», refere a declaração do júri.

«O patrimônio cultural é um motor indiscutível do presente e só com ele podemos pensar que há futuro… Por essa razão, sinto-me muito honrado por esta atribuição, que ainda mais me responsabiliza. Certamente esta distinção será vivida com alegria pela Biblioteca e o Arquivo Apostólico do Vaticano, onde trabalho, e que constituem um extraordinário exemplo do patrimônio cultural que a Europa construiu e constrói».

Cardeal José Tolentino Mendonça

Na sessão de atribuição da distinção, que decorre às 18h00, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, com transmissão online pela internet, estará também presente a ministra da Cultura, Graça Fonseca. Após a apresentação de Antônio Guterres, intervém o cardeal José Tolentino Mendonça, e o encerramento cabe a presidente Marcelo Rebelo de Sousa.

«O patrimônio cultural é um motor indiscutível do presente e só com ele podemos pensar que há futuro… Por essa razão, sinto-me muito honrado por esta atribuição, que ainda mais me responsabiliza. Certamente esta distinção será vivida com alegria pela Biblioteca e o Arquivo Apostólico do Vaticano, onde trabalho, e que constituem um extraordinário exemplo do patrimônio cultural que a Europa construiu e constrói», afirmou dom Tolentino.

«O prêmio europeu Helena Vaz da Silva para a Divulgação do Patrimônio Cultural recorda a jornalista portuguesa, escritora, ativista cultural e política (1939-2002), e a sua notável contribuição para a divulgação do patrimônio cultural e dos ideais europeus. É atribuído anualmente a um cidadão europeu cuja carreira se tenha distinguido pela difusão, defesa e promoção do patrimônio cultural da Europa, quer através de obras literárias e musicais, quer através de reportagens, artigos, crônicas, fotografias, cartoons, documentários, filmes de ficção e programas de rádio e/ou televisão», explica o CNC.

Na manhã desta sexta-feira, dia 23/20/2020, o cardeal Tolentino participa no programa de encerramento do congresso “O futuro da nossa cidade”, que decorre no teatro José Lúcio da Silva, em Leiria, no qual proferiu a conferência de abertura, com o título: “Ao encontro das cidades futuras”.

Rui Jorge Martins
Fontes: Centro Nacional de CulturaCâmara Municipal de Leiria
Imagem: Card. Tolentio Mendonça | © Expresso
Publicado em 23.10.2020

Fonte:

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Espiritualidade cristã em tempo de isolamento social, pelo card. José Tolentino de Mendonça https://observatoriodaevangelizacao.com/espiritualidade-crista-em-tempo-de-isolamento-pelo-cardeal-tolentino/ Tue, 30 Jun 2020 21:50:06 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=34937 [Leia mais...]]]> Uma espiritualidade em tempos de pandemia, o que é, ou melhor, o que pode ser? Porque, no fundo, estamos no improviso. É interessante que, muitas vezes, na coreografia, na dança, se usa o improviso; não gostamos muito, porque preferimos uma vida conduzida por um guião; um improviso faz-nos viver o aberto; e para começar a falar do que é a espiritualidade em tempos de isolamento provocado pela pandemia, tenho de dizer isto: o futuro chegou de supetão, o futuro chegou achando-nos impreparados. Nenhum de nós sabe como lidar com esta situação. Sentimo-nos, todos, mais vulneráveis, mais precários.

À primeira vista, dizemos: aquilo que nos aconteceu é uma distopia; é uma calamidade; é o contrário da graça. E, contudo, em termos de fé, temos de olhar para este cronos, que parece devorar a nossa força e a nossa esperança, como a possibilidade de um káiros, a possibilidade de uma graça.

Este é um tempo de kénosis, de esvaziamento, um tempo de silêncio, um tempo em que, talvez, sintamos uma incerteza muito grande, um tempo de crise, um tempo em que parece que a vida vem menos. Um tempo precário.

Mas eu lembraria que a mesma raiz etimológica aproxima as duas palavras: precare, rezar, em latim, e precarium, o destino daquilo que é frágil. A espiritualidade não se constrói com a força. Jesus ensinou-nos isso com o mistério da sua Páscoa. Porque tudo tem de passar pelo mistério da cruz. E, por isso, este tempo, que parece só de calamidade, temos de o interpretar de um ponto de vista teológico e espiritual como um tempo de graça.

A pandemia descobriu, revelou, uma doença, que são, no fundo, os nossos estilos de vida, onde já não há alugar para o humano, não há lugar para o encontro, não há lugar para o transcendente, não há lugar para uma vida interior rica, digna desse nome, não há lugar para uma oração.

Como é que este pode ser um tempo de graça? Na oração que o papa organizou, na praça de S. Pedro, sexta-feira [27 de março de 2020], que muito nos impactou, ele escolheu ler o texto do Evangelho da tempestade acalmada. E no meio da tempestade, os discípulos perguntam a Jesus: Senhor, não te importas que morramos? É uma pergunta. E este é o tempo das perguntas, e das perguntas fundamentais. Se eu tivesse de sublinhar um ponto muito positivo desta experiência exigente que estamos a viver, é a qualidade das perguntas que escutamos.
É como se vencêssemos a banalidade, e as perguntas que ouvimos fazer uns aos outros são muito mais intensas, muito mais carregadas de sentido.

É curioso que aqui, em Itália, no início da pandemia, abriram-se gabinetes de apoio psicológico. E muitos idosos telefonavam, dizendo isto: eu não consigo rezar. E, de facto, este começou por ser um tempo em que parece que não era possível uma vida espiritual. Depois, descobrimos o contrário: que este tempo é de uma grande intensidade espiritual. E qual é o termómetro para perceber isso? São as perguntas, a radicalidade, a força das perguntas fundamentais que estamos a fazer.

Pegando no discurso do papa, há que dizer a verdade: não é a pandemia que nos adoeceu; nós já estávamos doentes. A pandemia descobriu, revelou, uma doença, que são, no fundo, os nossos estilos de vida, onde já não há alugar para o humano, não há lugar para o encontro, não há lugar para o transcendente, não há lugar para uma vida interior rica, digna desse nome, não há lugar para uma oração. Tudo é cronometrado, tudo passa pelo taxímetro.

Tenho um casal amigo – e é muito belo ouvir as histórias que se passaram nas famílias, porque, de certa forma, uma das coisas que este isolamento trouxe, é a redescoberta da família. Pelas primeira vez muitos casais, muitas famílias, passaram juntas um tempo de qualidade como não passavam há muitos anos, ou como nunca tinham passado – no qual um menino de cinco anos, à mesa, disse isto: eu acho que percebo o que estamos aqui a fazer; estamos aqui a criar memórias. Por vezes as crianças são antenas que nos ajudam a perceber o que estamos a fazer.

Não podemos olhar para este momento apenas como um parêntesis, como uma suspensão, e depois vamos voltar a viver tudo o que vivíamos – isso não é ajustado à realidade. Temos de encontrar novas linguagens; este tempo é um laboratório. E temos de ouvir o futuro, que já está aqui, porque, como diz Santo Agostinho, há um presente do futuro.

Este é um tempo de graça, é um tempo para a graça, é um tempo de maior gratuidade, e é um tempo para criar. Não é só um tempo para “descriar”; não é só a passividade, não é só o não fazer; é um tempo propício, oportuno. Por isso, há aqui um chamamento a modelar o tempo do ponto de vista da fé.

Um dos princípios que o papa Francisco repete muitas vezes é: o tempo é superior ao espaço. Parece uma sentença muito filosófica, e que não tem uma leitura fácil, imediata. Contudo, neste tempo de isolamento social, percebemos isso: o tempo é superior ao espaço. Aconteceu uma espécie de recuo.

A mística judaica fala numa espécie de “tzimtzum”, parece uma coisa brincada. O “tzimtzum” é uma coisa inventada a partir das leituras da Cabala, segundo a qual Deus, para poder criar, teve de dar um passo atrás, teve de se despojar de si mesmo para poder criar. Esta ideia foi retomada por autores tão importantes na segunda guerra mundial como Simone Weil, que disseram, precisamente: o tempo da catástrofe parece um tempo em que Deus recua, dá um passo atrás; contudo, é um tempo para descobrirmos o Deus da ternura, o Deus da misericórdia, o Deus próximo, o Deus comprometido com a pessoa humana, o Deus que está ao lado da vítima, ao lado do que sofre; porque o próprio Deus vive este recuo.

É uma ideia curiosa, que nos deixa a mística judaica, e que nos ajuda a pensar o que está a acontecer com o espaço; está a acontecer o nosso “tzimtzum”, damos um passo atrás para, também, ter uma visão crítica em relação ao modo como habitamos o espaço. Porque, muitas vezes, é pura ocupação de espaço, pura marcação de território, puro automatismo. É uma espécie de colonização do território da comunidade, ou do território público. É sonambulismo existencial.

O “tzimtzum” permite olhar para o tempo, não tanto para o espaço, e ouvir os múltiplos tempos que existem dentro de nós. Santo Agostinho, nas Confissões, fala de três presentes: o presente das coisas passadas, o presente das coisas presentes, e o presente das coisas futuras. O tempo é superior ao espaço.

Uma última dimensão que queria sublinhar é que este tempo de isolamento é muito intenso de relação. E é um tempo de intensificação da relação. Porque é muito viciante, e é um jogo viciado, acharmos que só existe uma forma de presença, ou que a ausência tem sempre o mesmo sentido; que a distância e a proximidade se leem de uma forma unívoca. Não.

Este é um tempo de grande escuta espiritual. Este é o momento para percebermos que a vida não se esgota no momento, no instante, na arquitetura do quotidiano, mas que a vida tem uma respiração muito maior. E nós temos de ouvir os passos do futuro, e dialogar com o futuro de outra forma.

Não tenho dúvidas de que entramos numa nova época da história. A pandemia vai passar. Mas nós já estaremos outra época. Culturalmente noutra época. Civilizacionalmente noutra época. Mas também espiritualmente noutra época da história. É importante que em termos da espiritualidade também nos preparemos para entrar nesse tempo novo, que já é o tempo que estamos a viver. Por isso, não podemos olhar para este momento apenas como um parêntesis, como uma suspensão, e depois vamos voltar a viver tudo o que vivíamos – isso não é ajustado à realidade. Temos de encontrar novas linguagens; este tempo é um laboratório. E temos de ouvir o futuro, que já está aqui, porque, como diz Santo Agostinho, há um presente do futuro.

Uma última dimensão que queria sublinhar é que este tempo de isolamento é muito intenso de relação. E é um tempo de intensificação da relação. Porque é muito viciante, e é um jogo viciado, acharmos que só existe uma forma de presença, ou que a ausência tem sempre o mesmo sentido; que a distância e a proximidade se leem de uma forma unívoca. Não. Muitas vezes estamos próximos e estamos completamente ausentes; muitas vezes encontramo-nos e só esbarramos uns nos outros; muitas vezes estamos em comunidade e somos ilhas, não arquipélagos. E este é um tempo para redescobrir e retrabalhar as histórias de amor. E eu não tenho dúvida de que este tempo faz-nos descobrir tanto, tantas possibilidades.

Na história da cultura do século passado, vemos que grandes obras da literatura, da filosofia, da música, da pintura, da espiritualidade, aconteceram em contextos dramáticos, como o que estamos a viver. Franz Rosenzweig, o grande filósofo, escreveu a sua Estrela da redenção nas trincheiras da primeira guerra mundial; Messiaen escreveu a sua obra mais famosa, o Quarteto para o fim dos tempos, num campo de concentração. A Guernica, um dos símbolos da arte do século XX, foi escrita no impacto da guerra civil espanhola.

Este não é um tempo para a pura sobrevivência, este é um tempo para sonhos grandes, para projetos maiores do que nós, é um tempo para dar passos novos, para ensaiar novos caminhos, para sair da caixa, para reinventar o formato, para descobrir novas linguagens. É um tempo para sentir coisas que, possivelmente, até aqui não sentimos.

Uma das grandes místicas do século XX é, sem dúvida, Etty Hillesum, esta jovem holandesa judia, muito próxima do cristianismo, laica e crente ao mesmo tempo, que, podendo escapar do campo de concentração, se oferece como voluntária para nele trabalhar, e nele acaba como prisioneira. E Etty Hillesum diz esta coisa espantosa: este tempo em que parece que a nossa alma soçobra, este é o tempo para olhar os lírios do campo.

Há um desafio enorme neste tempo. E vemos a quantidade de histórias de amor, pequenas histórias, os médicos, os enfermeiros, o pessoal técnico, as pessoas dos laboratórios, tantos sacerdotes, tantas comunidades; mas não só: tantos gestos de amor: as pessoas que dizem, nos seus prédios, aos mais idosos, que vão fazer as compras; aqueles que não querem deixar ninguém para trás; todos esses gestos de amor são alguma coisa que está a transformar este tempo numa catedral.

Como é que eu vejo a espiritualidade neste tempo de pandemia? É um tempo de kénosis, mas também de graça; é um tempo de grande precariedade, mas é um tempo para descobrir o precare, a força da oração; é um tempo para voltar às grandes perguntas; é um tempo para criar memórias, para ouvir o futuro, para perceber que o tempo é superior ao espaço.

Podemos pensar: este é um ano para esquecer; este é um ano de vida adiada. Há um grande poeta de língua portuguesa, António Ramos Rosa, que tem um verso maravilhoso: «Não posso adiar o coração para outro século». Este não é um tempo para a pura sobrevivência, este é um tempo para sonhos grandes, para projetos maiores do que nós, é um tempo para dar passos novos, para ensaiar novos caminhos, para sair da caixa, para reinventar o formato, para descobrir novas linguagens. É um tempo para sentir coisas que, possivelmente, até aqui não sentimos.

Eu dou um exemplo da porta ao lado. O papa gosta de falar da santidade da porta ao lado. Na praça onde está a casa onde vivo, estão algumas pessoas sem-abrigo. E, claro, eu procuro ser cuidadoso, ser humano e ser próximo. Mas a verdade é que quando nós temos uma casa, e estamos a falar com uma pessoa sem-abrigo, há uma diferença: nós não estamos completamente naquela situação. Para mim, uma das coisas extraordinárias foi, no primeiro mês após a pandemia, sair de casa e perguntar «como está?» à senhora que dorme na rua, e ela perguntar-me: «E você, como está?». E a pergunta era igual. Porque estávamos no mesmo barco, debaixo da mesma tempestade. Penso que esta aprendizagem é de uma riqueza espiritual que nos pode ajudar muito.


Card. José Tolentino Mendonça
Arquivista e bibliotecário da Santa Igreja Romana
Intervenção no ciclo “Tecendo redes – Diálogos online de Teologia Pastoral”, 22/06/2020

Transcrição: Rui Jorge Martins
Imagem: Bill Viola | D.R.
Publicado em 24/06/2020

https://youtu.be/8oQYr43YNlg

Fonte: 

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«Black lives matter»: Para que a Eucaristia seja consequente e o cristianismo não seja letra morta https://observatoriodaevangelizacao.com/black-lives-matter-para-que-a-eucaristia-seja-consequente-e-o-cristianismo-nao-seja-letra-morta/ Fri, 05 Jun 2020 18:58:01 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=34817 [Leia mais...]]]> Julgo que, às vezes, podemos cair na armadilha de pensar que o cristianismo é uma religião de letra morta. Que é sobre coisas que aconteceram há muito tempo ou sobre palavras numa página. Mas todos os dias, na missa, quando me ajoelho diante de Jesus na Eucaristia, sou lembrado de que Ele está vivo e presente. Que o cristianismo é um evento que está a acontecer agora mesmo. O drama da salvação é algo que ocorre todos os dias. E todos temos um papel a desempenhar.

Ensinei liturgia no seminário. Na boa liturgia, a nossa fé é trazida à vida. Penso que o que temos visto acontecer nos últimos dias pelas ruas dos EUA talvez seja um pouco como a liturgia.

Noutro dia, vi um vídeo de uma jovem branca, num protesto perto da Casa Branca, que colocou o seu corpo à frente de um jovem adolescente negro ajoelhado quando os policiais, envergando equipamento contra tumultos, se aproximaram. Como Jesus disse: «Ninguém tem mais amor que isto, dar a vida pelos amigos».

É uma cena de solidariedade e doação que aconteceu em todo o país [EUA] tantas vezes na última semana. Em El Paso, Texas, houve dois jovens policiais que se ajoelharam com os participantes numa manifestação, e isso ajudou a aliviar alguma tensão.

Há algo profundamente eucarístico nestes momentos, e eu sou muito inspirado pelos nossos jovens. Estão a ensinar-nos algo.

Quando a religião se torna estagnada, podemos esquecer que a Palavra chega sempre até nós crucificada e impotente. Na América, a Palavra vem torturada, negra e linchada. Hoje, encontramos Jesus naqueles que apanharam com gás lacrimogênio, foram atingidos por “armas de choque elétrico”, cheios de tarefas, estrangulados e abafados. É esta a razão pela qual a Igreja ensina uma opção preferencial pelos pobres. E é por isso pela qual Igreja defende a vida onde e quando é desvalorizada e ameaçada.

Dizer, como todos os que comem da mesa da Eucaristia devem ser capazes de dizer, que a vida dos negros importa [“black lives matter”] é apenas outra maneira de repetir algo que nós, nos EUA, parecemos tantas vezes esquecer, que Deus tem um amor especial pelos esquecidos e oprimidos.

Muitos estão compreensivelmente perturbados com a destruição e os saques. É verdade, nenhum de nós deve ansiar pela excitação da violência ou da vingança. É errado. Também precisamos de reconhecer que estamos a ver os efeitos manifestos de séculos de pecado, violência e direitos negados. E, francamente, os direitos civis não são suficientes. É o mínimo, e, claramente, ainda não chegámos lá. Também precisamos de construir uma sociedade com habitação, educação, assistência médica e salários justos para todos, bem como o direito de migrar. E então podemos começar a curar.

O meu irmão bispo em Chicago, cardeal Blase Cupich, sugeriu que deveríamos ser menos rápidos a julgar a proporcionalidade da resposta “deles” e começar a falar sobre a proporcionalidade da “nossa”. Também precisamos de lembrar o que o Dr. Martin Luther King Jr. disse: «Uma revolta é a linguagem dos que não são escutados».

Penso que os líderes da Igreja, hoje, e, na verdade, os líderes em todo o lado, talvez devessem dizer agora um pouco menos. Em vez disso, devíamos ficar, e dar o microfone, e ouvir aqueles que há demasiado tempo não são escutados. Aqueles que sofreram a nossa vergonhosa história de discriminação, “perfilamento” racial e brutalidade policial. Aqueles que estão a pôr os seus corpos em risco em protesto e em defesa de outros.

Olhemos para a graça em tudo isto. Olhar para o testemunho daqueles que estão corajosamente a assumir a sua parte no drama da salvação que está a desenrolar-se à nossa frente. Se olharmos além da estática, eles estão a apontar o caminho para a transformação redentora. Eles estão a mostrar-nos a que se assemelha o Reino de Deus, e como o nosso país pode parecer quando todos tivermos um lugar à mesa. Vamos encorajá-los. E rezar com eles. E agradecer-lhes.

Com graça, eles estão a juntar-se às fileiras vivas de uma longa tradição de fé de operários por maior justiça, como Moisés, Jesus de Nazaré, Joana d’Arc, Harriet Beecher Stowe, James Earl Chaney, Oscar Romero, Thea Bowman e muitos outros. Graças a Deus. Graças a Deus.


D. Mark J. Seitz, bispo de El Paso, EUA
In National Catholic Reporter Trad.: Rui Jorge Martins
Imagem: D. Mark Seitz | El Paso’s Memorial Park | 01.06.2020 | CNS/El Paso Diocese/Fernie Ceniceros
Publicado em 05/ 06/ 2020

Fonte:

www.snpcultura.org

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As lágrimas das mulheres dos Evangelhos nos falam da sede de Jesus… José Tolentino https://observatoriodaevangelizacao.com/as-lagrimas-das-mulheres-dos-evangelhos-nos-falam-da-sede-de-jesus-jose-tolentino/ Sat, 24 Mar 2018 18:22:41 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=27670 [Leia mais...]]]>

Jesus recolhe todas as lágrimas do mundo

(Síntese da 6.ª meditação de José Tolentino)

 

Na manhã de quarta-feira, 21/02/2018, quarto dia dos exercícios espirituais da Quaresma do papa Francisco e da Cúria Romana, a sexta meditação do P. Tolentino Mendonça centrou-se nas lágrimas das mulheres dos Evangelhos, que evocam a sede de Jesus.

Recorrendo a citações extraídas da Bíblia e de vários autores, sublinhou que as lágrimas manifestam sede de vida e de relação.

Muitas são as mulheres presentes nos Evangelhos, diferentes nas suas condições existenciais, etárias, econômicas. Aquilo que as une é seu estilo, em benefício da evangelização, caracterizado pelo serviço, mas sobretudo são as lágrimas, expressão de emoções, conflitos, alegrias e feridas.

«As lágrimas dizem que Deus encarna-se nas nossas vidas, nos nossos fracassos, nos nossos encontros. Nos Evangelhos inclusive Cristo chora. Jesus encarrega-se da nossa condição, faz-se um de nós, e por isso as nossas lágrimas são englobadas nas suas. Ele leva-as verdadeiramente consigo. Quando chora, recolhe e assume solidariamente todas as lágrimas do mundo».

O desejo de vida

São precisamente as mulheres dos Evangelhos que concedem cidadania às lágrimas, mostrando a importância deste sinal, afirmou José Tolentino, fazendo referência à psicanalista Julis Kristeva.

Esta não crente dizia que quando um paciente deprimido chegava ao ponto de chorar no divã, acontecia uma coisa muito importante: estava a começar a afastar-se da tentação do suicídio, porque as lágrimas não narram o desejo de morrer mas «a nossa sede de vida».

Deus conhece a dor do pranto

Desde criança o pranto indica sede de relação. Muitos santos, como Inácio de Loyola, choravam copiosamente. E o filósofo Emil Cioran (1911-1995) afirmava que no juízo final serão pesadas apenas as lágrimas, que dão um sentido de eternidade ao nosso devir, e que o dom da religião é precisamente o de nos ensinar a chorar: as lágrimas são o que nos pode tornar santos depois de se ser humanos.

«A nossa biografia pode ser contada também através das lágrimas: de alegria, de festa, de comoção luminosa; e de noite escura, de laceração, de abandono, de arrependimento e de contrição… Pensemos nas nossas lágrimas derramadas e naquelas que permaneceram um nó na garganta e cuja falta nos é pesada ou ainda nos pesa. A dor daquelas lágrimas que não foram choradas. Deus conhece-as todas e acolhe-as como uma oração. Portanto tenhamos confiança. Não as ocultemos dele».

Procura de relação

Para Gregório de Nazianzo as lágrimas são, em certo sentido, um quinto batismo. E Nelson Mandela, na prisão, teve os olhos tão atacados que perdeu a capacidade de derramar lágrimas, mas ainda assim não se extinguiu a sua sede de justiça.

Quando se chora, ainda que haja um esforço para não mostrar ao outro que se chora, a verdade é que choramos sempre para que o outro veja. «É a sede do outro que nos faz chorar».

A concluir, o José Tolentino mencionou a mulher que chora e lava os pés de Jesus com as suas lágrimas. Muitas vezes toma-se uma distância crítica face à religiosidade popular, que se exprime com abundância de lágrimas. E por vezes é difícil, para os pastores, perceber a religião dos simples baseada não em ideias mas em gestos.

É precisamente a impressionante qualidade do que a mulher dá a Jesus que permite constatar que Simão, o chefe da casa, não disse nada. «É esta inédita hospitalidade que Jesus pretende exaltar», «esta sede, de que as lágrimas são sinal e que nos toca aprender».

Debora Donnini
In Vatican News
Imagem: sanchairat/Bigstock.com
Publicado em 23.02.2018

Fonte:

“As lágrimas que revelam uma sede que devemos aprender”

José Tolentino Mendonça continuou a série de pregações ao Papa e seus colaboradores. “As lágrimas podem nos tornar santos, depois de humanos“, afirmou.

Cidade do Vaticano

Na manhã desta quarta-feira (21/02/2018), o pregador, Pe. Tolentino Mendonça, propôs uma meditação intitulada “As lágrimas que falam de uma sede”, inspirada na presença feminina no Evangelho.

 

As mulheres nos abrem o Evangelho

José Tolentino ressaltou que as mulheres, na narração evangélica, se expressam quase sempre com gestos. Dedicam-se ao serviço, não competem pela liderança; estão ‘com’ Jesus e fazem de seu destino o próprio. ‘Servem’, que na gramática de Jesus, é o verbo mais nobre.

“Com esta linguagem, evangelizam com o modo dos periféricos, dos simples, dos últimos ”

 

Uma espécie de sede

Curiosamente, no Evangelho de Lucas, um dos elementos que une as personagens femininas são as lágrimas: todas choram, expressando emoções, conflitos, alegrias, solidão ou feridas. Nos Evangelhos, Cristo também chora, assumindo a nossa condição e todas as lágrimas do mundo. Elas explicam a nossa sede de vida, desejo de relação. São a linha divisória que distingue os seres que sabem tudo dos seres que não sabem nada. São aquilo que pode nos tornar santos depois de humanos.

As lágrimas da mulher sem nome

O Evangelho de Lucas apresenta uma mulher que chora e ensina a chorar: uma intrusa, discípula anônima que segue o Mestre confiante que Ele a protegerá. Aparece sem ser convidada, unge e chora aos pés de Jesus. Não teve medo, mas suas lágrimas ‘contavam sua história’, como afirma o escritor Roland Barthes.

Nosso choro não revela apenas a intensidade da nossa dor, mas a natureza de nossa sensibilidade pois chorando, nos dirigimos sempre a alguém. É a sede do próximo que nos leva a chorar. 

“As lágrimas suplicam a presença de um amigo capaz de acolher nossa intimidade sem palavras e abraçar a nossa vida, sem julgar ”

 

Vê esta mulher?

Prosseguindo a meditação, Pe. Tolentino afirmou que o pranto da mulher intrusa era um ‘dilúvio’: ela banhou os pés de Jesus, os enxugou com os cabelos, os beijou e perfumou”. Em uma palavra, ‘tocou’ Jesus.

“Como sacerdotes, muitas vezes tomamos distância da religiosidade popular que se expressa com lágrimas e afetividade, considerando-a uma forma de devoção ‘primitiva’; ou às vezes nem a notamos.”

É difícil perceber a religião dos simples, baseada em gestos e não em ideias. A religião dos pastores pode ser perfeita em termos formais, teologicamente impecável, mas é ascética, impessoal, atuada com eficiência… mas não comove, não chega às lágrimas… vai com o ‘piloto automático”.

“Repete-se conosco – concluiu o pregador – o que aconteceu com o fariseu: convidamos Jesus a entrar em nossa casa, mas não somos disponíveis a celebrar com Ele aquela forma radical de hospitalidade que é o amor”.

 

Fonte:

Vantican News

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A sede de Jesus… José Tolentino https://observatoriodaevangelizacao.com/a-sede-de-jesus-jose-tolentino/ Mon, 19 Mar 2018 10:12:26 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=27614 [Leia mais...]]]>

A sede de Jesus é romper as cadeias do nosso egoísmo

(Síntese da 5.ª meditação de José Tolentino Mendonça no retiro do Papa)

 

«A sede de Jesus”, sinal da sede existencial do ser humano, esteve no centro da quinta meditação dos exercícios espirituais do papa Francisco e da Cúria Romana pelo P. José Tolentino Mendonça. O poeta e teólogo português referiu-se à sede de Jesus na hora em que foi crucificado, «prova da sua incarnação» e «sinal do realismo da sua morte», e à sede simbólica e espiritual, constituem a «chave vital de acesso» para colher o sentido profundo da sua vida e morte.

Tolentino recorda que o evangelista João menciona três vezes a expressão «ter sede», além daquela assinalada no Calvário:

  1. Quando Jesus encontra a samaritana, diz-lhe: «Quem bebe desta água terá de novo sede; mas quem beber da água que Eu lhe der, nunca mais terá sede»;
  2. Depois, no discurso do pão da vida, Jesus declara: «Quem vem a mim não terá fome e quem crê em mim não terá sede, nunca!»;
  3. Por fim, durante a festa das Tendas, Jesus anuncia: «Se alguém tem sede, venha a mim, e beba quem crê em mim».

 

A sede da samaritana

«No encontro com a samaritana há uma troca de papéis que não pode passar desapercebido», apontou o pregador: Jesus pede de beber, mas é Ele quem dará a beber. A samaritana não entende logo as palavras de Jesus, interpretando-as como referidas a uma sede física. Mas, desde o início, Jesus jogava com um sentido espiritual.

O desejo de Jesus aponta sempre para uma outra sede, como explicou à mulher: «Se tu conhecesses o dom de Deus e quem é aquele que te diz “dá-me de beber”, tu ter-lhe-ias pedido a Ele e Ele te teria dado água viva”».

 

A sede no Calvário

No Calvário Jesus manifesta o seu desejo de beber, mas não é compreendido e em vez de água recebe vinagre; depois de o ter recebido, diz «está cumprido» e, inclinada a cabeça, restitui o espírito.

«A sede é assim o selo do cumprimento da sua obra e, ao mesmo tempo, do desejo ardente de fazer dom do Espírito, verdadeira água viva capaz de dessedentar radicalmente a sede do coração humano», observou o vice-reitor da Universidade Católica».

 

Ter sede é crer em Cristo

Ainda na festa das Tendas, explicita-se que ter sede «é crer em Jesus» e que beber é ir a Cristo.

Assim, para José Tolentino:

«Na verdade, a sede de que Jesus fala é uma sede existencial, que se aplaca fazendo convergir a nossa vida com a sua. Ter sede é ter sede dele. Somos assim chamados a viver de uma centralidade em Cristo: sair de nós próprios e procurar nele essa água que extingue a nossa sede, vencendo a tentação de auto-referencialidade que tanto nos adoece e tiraniza».

 

A carência de sentido e o desejo de salvação

A sede de Jesus permite, portanto, «compreender a sede que habita o coração humano e dispor-nos a servi-la», respondendo «à sede de Deus, à carência de sentido e de verdade, ao desejo que subiste em cada ser humano de ser salvo, ainda que seja um desejo oculto ou esteja sepultado sob os detritos existenciais».

 

Romper as cadeias e libertar as energias para dar esperança

Como ensina Madre Teresa de Calcutá, as palavras de Jesus «tenho sede», presentes em todas as capelas das Missionárias da Caridade, por ela fundada, «não dizem respeito apenas ao passado, mas estão vivas hoje».

A sede de Jesus «é romper as cadeias que se fecham na culpabilidade e no egoísmo, impedindo-nos de avançar e de crescer na liberdade interior», acentuou Tolentino.

«A sua sede é libertar as energias mais profundas ocultas em nós, para que possamos tornar-nos homens e mulheres de compaixão, artesãos da paz como Ele, sem fugir ao sofrimento e aos conflitos do nosso mundo fragmentado, mas tomando o nosso lugar e criando comunidades e espaços de amor, de modo a levar uma esperança a esta terra», declarou.

Roberta Gisotti
In Vatican News  Trad. / edição: SNPC
Imagem: “Jesus e a mulher samaritana” | Paolo Veronese | C. 1585 | Kunsthistorisches Museum, Viena, Áustria
Publicado em 23.02.2018

Fonte:

Quinta meditação: “A sede de Jesus”

A sede de Jesus é a sede de dar água viva, a sede de conceder à Igreja o dom da água viva.

Cidade do Vaticano

“A sede de Jesus” foi o tema proposto na quinta meditação pelo pregador do retiro, Pe. José Tolentino de Mendonça, na tarde desta terça-feira (20/02/2018). Ele iniciou a meditação com um trecho do Evangelho de João em que Jesus, após ter sido pregado na cruz, diz: “Tenho sede.”

Os Padres da Igreja interpretaram essa sede de Jesus sobretudo como “sede corporal”, não dando muito valor ao sentido  metafórico contido nessa declaração.

“A sede física documentava de forma convincente que Jesus era de carne e osso como toda pessoa”, mas tinha sede “da salvação dos homens”.

 

A sede da samaritana e a sede de Jesus

No encontro com a samaritana, Jesus pede água, mas é ele quem dá de beber e promete-lhe a “água viva”. A samaritana não entende imediatamente as palavras de Jesus, “as interpreta como sede física, mas desde o início Jesus dava um sentido espiritual”.  

“O seu desejo sempre visava outra sede”, conforme explicou à samaritana: «Se você conhecesse o dom de Deus, e quem lhe está pedindo de beber, você é que lhe pediria. E ele daria a você água viva.»

Segundo Pe. Tolentino, “a sede Jesus parece se extinguir somente quando ele se proclama fonte de água viva e abre à promessa do dom do Espírito”.

“A sede é o selo do cumprimento de sua obra e, ao mesmo tempo, do forte desejo de doar o Espírito, verdadeira água viva capaz de saciar radicalmente a sede do coração humano.”

O pregador do retiro explicou que a sede da qual Jesus fala é uma sede existencial que se extingue, quando a nossa vida se converge em direção ao Senhor.

“Ter sede, é ter sede Dele. Somos chamados a viver de uma centralidade cristológica: sair de nós mesmos para buscar em Cristo aquela água que sacia a nossa sede, vencendo a tentação da autorreferencialidade que nos deixa doentes e tiraniza”.

“A sede de Jesus é a sede de dar água viva, a sede de conceder à Igreja o dom da água viva. Para os fiéis, a sede de água viva é a sede de aprofundamento da fé, sede de penetrar no mistério de Jesus, sede do Espírito. Para Jesus, a sede é o desejo de comunicar todos esses dons.”

 

A sede de Jesus revela a sede humana

Segundo Pe. Tolentino, “a sede de Jesus ilumina e responde à sede de Deus à falta de sentido e verdade, ao desejo de todo ser humano de ser salvo, mesmo que seja um desejo oculto ou enterrado debaixo dos detritos existenciais”.

O “Tenho sede”, proclamado por Jesus, envolve a Igreja de todos os tempos, em particular a nossa.

A esse propósito, o sacerdote português citou como exemplo Madre Teresa de Calcutá, que em 10 de setembro de 1946, a bordo de um trem que ligava Siliguri a Darjeeling, na Índia, viveu uma forte experiência espiritual: “de forma quase física sentiu a sede de Jesus que a chamava a dar a vida a serviço da sede dos pobres e rejeitados, dos últimos dos últimos. O coração e a alma das Missionárias da Caridade é somente este: a sede do coração de Jesus escondido no pobre.”

 

Acolher o Espírito, dom da sede

O Espírito continua nos fazendo ouvir a voz de Jesus que nos diz: “Tenho sede!”

“Ele é o dinamismo do Ressuscitado em nós. O Espírito é a continuação dessa história, uma continuação que não é repetida, não é sempre a mesma. É a fantasia do Espírito, a sua criatividade que difunde em nós dons diferentes, carismas diferentes, competências complementares a fim de construirmos o Reino de Deus onde quer que estejamos.”

O Espírito “é a força motriz da vida da Igreja e da vida de todo cristão. Por isso, precisamos do Espírito Santo e devemos redescobrir a fé em seu poder. Muitas vezes o Espírito Santo permanece completamente esquecido. Devemos redescobrir o Espírito Santo, porque sem Ele a Igreja é somente memória, o que fazemos é somente uma recordação do que foi. É o Espírito que diz: o cristianismo é também presente e futuro”, disse Pe. Tolentino.

“Somos chamados a viver na esperança toda situação da vida. Às vezes, somos uma Igreja em que falta a vivacidade do Espírito, a juventude do Espírito. É o Espírito que nos dá o sentido de plenitude, o sentido da missão e que nos torna uma Igreja em saída.”

Fonte:

Vatican News

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Quando renunciamos à sede, começamos a morrer… José Tolentino https://observatoriodaevangelizacao.com/quando-renunciamos-a-sede-comecamos-a-morrer-jose-tolentino/ Wed, 14 Mar 2018 19:48:23 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=27592 [Leia mais...]]]>

Contra a depressão é preciso mais que comprimidos

(Síntese da 4ª meditação do P. José Tolentino Mendonça no retiro do papa)

A acédia, estado de apatia, desânimo, fraqueza, tristeza e melancolia, é o contrário da sede e do desejo de vida: foi este o tema que esteve no centro da meditação proposta na manhã desta quarta-feira, 22/02/2018, pelo P. José Tolentino Mendonça durante os exercícios espirituais da Quaresma que o papa Francisco e membros da Cúria Romana estão a realizar em Ariccia, a 30 km do Vaticano.

«Quando renunciamos à sede, então começamos a morrer. Quando desistimos de desejar, de encontrar gosto nos encontros, nas conversa, nos intercâmbios, na saída de nós mesmos, nos projetos, nos trabalhos, na própria oração».

Este desânimo que atinge a relação com Deus tem outros sintomas: «Quando diminui a nossa curiosidade pelo outro, a nossa abertura ao inédito, e tudo nos soa como um requentado “déjà vu” que consideramos como um peso inútil, incongruente e absurdo, que nos esmaga».

Parece que a vida que «eu vivo» é a de outra pessoa, recordava Kierkegaard (séc. XIX), enquanto que Evágrio Pôntico (séc. IV) falava do «demónio da acédia» e S. João Cassiano (sécs. IV-V) recordava as consequências na vida dos monges: uma insatisfação profunda que leva à perda do entusiasmo.

A própria exortação apostólica “Evangelii Gaudium”, sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual, do papa Francisco, adverte para os efeitos nefastos da «psicologia do túmulo», «que pouco a pouco transforma os cristãos em múmias de museu» e pode conduzir «a uma tristeza melosa, sem esperança, que se apodera do coração como o mais precioso elixir do demônio».

Os estados depressivos não se curam só com comprimidos

A contemporaneidade «medicalizou a acédia, enfrentando-a como uma patologia que deve ser tratada do ponto de vista psiquiátrico». «Mesmo dentro de um quadro clínico, é evidente que a acédia ou os estados depressivos» não se podem curar só com «pastilhas», mas «devem envolver na cura a pessoa inteira».

«Há muitos sofrimentos ocultos cuja origem devemos descobrir que se radica no mistério da solidão humana», e nesse contexto pertencem também ao domínio do itinerário espiritual, defendeu o vice-reitor da Universidade Católica.

O “burnout”: um esgotamento emocional

Há também outro problema que «se amplia cada vez mais», o “burnout”, que literalmente significa “queimar-se”, um esgotamento emocional que pode atingir inclusivamente os sacerdotes.

Em geral, quando uma pessoa se sente abandonada, permanece apenas um vazio, que se enche com angústia ou com falsos paliativos, como a mundanidade, o álcool, as redes sociais, o consumismo ou a hiperatividade. Há quem traga as feridas de lutas ou fracassos, do abandono ou abusos quando eram crianças, da pobreza econômica, da guerra.

Jonas, Jacó e o jovem rico

São três as figuras que podem fazer compreender esta dinâmica. Na história de Jonas vê-se como o diálogo entre surdos é muitas vezes o que caracteriza a nossa relação com Deus, na qual não se ouve porque se está «relutante ao conteúdo da vontade de Deus», à lógica da sua misericórdia.

Jacó, ao contrário, lutou com Deus até ao amanhecer: há nele um desejo de vida, enquanto que Jonas é «caprichoso», colide com o desejo de vida de Deus, que quer introduzir todos os seres humanos numa relação existencial nova.

A tristeza ligada à acédia recorda também a do jovem rico, que obedecia a todos os mandamentos mas na hora decisiva prefere os seus bens, em vez da aventura aberta de viver na confiança. «Não é raro que a nossa tristeza provenha desta incapacidade», afirmou o P. Tolentino Mendonça.

Urge fazer um exame sobre a desvitalização do desejo: nem sempre o problema é o excesso de atividade, mas o não ter as motivações adequadas.

Amar como Jesus

A resposta à acédia está em Jesus. O laço com Ele passa necessariamente pela configuração na paixão. Na palavra da esposa do Apocalipse, «vem», revela-se a necessidade profunda que a Igreja experimenta em relação à vinda do Espírito, como destacava também Simone Weil.

«Nesta palavra está a marca de tudo aquilo de que temos necessidade, a razão do nosso grito, a razão da nossa esperança e, muitas vezes, a razão da nossa desesperança, do nosso fracasso, do nosso cansaço, e a necessidade de superar tudo isto em Deus.»

Aquele a quem dizemos “vem!” é o mesmo que nos diz: «Vinde a mim, vós todos que estais cansados e oprimidos, e eu vos darei alívio. Tomai o meu jugo sobre vós e aprendei de mim”», assinalou o P. Tolentino Mendonça.

Debora Donnini
In Vatican News  Trad. / edição: SNPC
Imagem: sanchairat/Bigstock.com
Publicado em 23.02.2018

Fonte:

Esta sede de nada que nos faz adoecer

(4ª meditação)

Na terça-feira (20/02/2018), o pregador dos exercícios espirituais, Pe. José Tolentino Mendonça, refletiu sobre o contrário da sede: a preguiça – a ‘atonia’ da alma – e seus efeitos.

Cidade do Vaticano

O contrário da sede é a preguiça. Quando perdemos a curiosidade e nos fechamos ao inédito ficamos apáticos e começamos a ver a vida com indiferença. Por sua vez, a sede nos ensina a arte de procurar, de aprender, colaborar, a paixão de servir.

“Quando renunciamos à sede, começamos a morrer ”

Existem muitos sofrimentos escondidos cujas origens devemos descobrir e que se escondem no mistério da solidão humana.

 

Quando nos sentimos em ‘burnout’

Um dos problemas mais comuns hoje é o chamado ‘burnout’: sentir-se em curto-circuito, esvaziado de energias físicas e mentais. Este esgotamento emocional é definido por alguns como ‘síndrome do bom samaritano desiludido’ e atinge muitas pessoas que fazem da ajuda e da cura do próximo sua ocupação principal.

Pe. Tolentino mencionou uma pesquisa realizada entre o clero da Diocese de Pádua (Itália), que apontou que os presbiteros com maior risco de burnout são os jovens (25-29 anos) e os mais idosos, com mais de 70 anos. Dentre as causas deste mal-estar, estão o peso excessivo das expectativas (pessoais e dos outros), a ausência de uma vida espiritual, o temor do juízo, a exposição demasiada a situações humanas difíceis, pouca solidariedade entre os presbíteros, incapacidade de se comunicar…

Quando nos sentimos amados como pessoas, amparados com afeto e acompanhamento, sabendo que nosso trabalho interessa, envolve e apaixona, temos a certeza de existir. Mas quando nos sentimos abandonados, incompreendidos e com o coração ferido por dores que não sabemos curar, temos a impressão de não contar nada para ninguém. 

“Fica só um vazio, uma ‘cratera’ existencial a ser preenchida com angústias e mundanidades: álcool, redes sociais, consumismo ou hiperatividade ”

A este respeito, lembrou que somos todos diferentes, cada um com sua beleza e fragilidades. A beleza humana é aceitar-se como somos; não viver nos sonhos ou ilusões, na raiva e na tristeza. Ter o direito de ser o que somos… e seremos amados por Deus e preciosos a seus olhos.

 

Jonas ou a necessária terapia do desejo

Recorrer à terapia do humor para satisfazer o desejo: o livro bíblico de Jonas nos faz sorrir salutarmente de nós mesmos, ao invés de dramatizar. Ele nos diz que a sabedoria está nos anunciadores de esperança e não nos apocalíticos pregadores de tragédias.

 

A anatomia da tristeza

Um dos sinônimos da preguiça, a ‘atonia’ da alma, é a tristeza’.

“Nem sempre o problema é o excesso de atividade, mas atividades mal vividas, sem motivação adequada, sem a espiritualidade que a torna desejável”

Em relação à pastoral, a preguiça pode ter diferentes origens: insistir em projetos irrealizáveis; não aceitar a evolução dos processos; perder o contato real com as pessoas, não saber esperar, querer dominar o ritmo da vida… A ansiedade de obter resultados imediatos… a sensação de fracasso, de ser criticado, de cruz.

 

Aprendam de mim: ‘vem’

Pe. Tolentino concluiu sua meditação relacionando a nossa sede ‘de água’ com a palavra que revela a necessidade profunda, íntima e dolorosa ‘vem’, que a Igreja experimenta com a chegada no Espírito. Nesta palavra está o sinal de tudo o que precisamos, a razão de nossa esperança e ao mesmo tempo, a razão de nosso fracasso, cansaço… e a necessidade de superar tudo isso em Deus.

Fonte:

Vatican News

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A arte dos pequenos passos https://observatoriodaevangelizacao.com/a-arte-dos-pequenos-passos/ Tue, 06 Mar 2018 18:56:01 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=27506 [Leia mais...]]]>

«Não te peço milagres ou visões, mas a força para enfrentar o quotidiano. Preserva-me do temor de poder perder alguma coisa da vida. Não me dês o que desejo, mas o que preciso. Ensina-me a arte dos pequenos passos.»

Antoine de Saint-Exupéry

 

Esta é uma oração aparente mínima, quase sussurrada por um escritor conhecido sobretudo pelo sucesso constante de um seu romance, “O principezinho”.

Antoine de Saint-Exupéry, que era também aviador e que morreu em voo em 1914, aos 44 anos, pede a Deus um dom raramente evocado, o da simplicidade e da fidelidade pacata e serena nas pequenas opções de cada dia.

É a mesma atitude orante do salmista na deliciosa cena materno-filial do Salmo 131:

«Não vou à procura de coisas grandes, superiores às minhas forças. Estou tranquilo e sereno como criança desmamada, nos braços da sua mãe».

Estamos nos antípodas do estilo do nosso tempo que prefere o excesso, o grito, a exasperação. Uma atitude que se infiltra também na espiritualidade, com a procura de visões e milagres, com a predileção pelas expressões exteriores e o abandono da paciente e constante formação interior.

O desejo vai muito além das necessidades reais e, portanto, queremos ter sempre cada vez mais, tanto no bem-estar quanto no sucesso, e também na religião. Eis, então, a sugestiva expressão do escritor francês: «a arte dos pequenos passos».

Em vez de fazer saltos clamorosos e, muitas vezes, ruinosos, é preciso optar por um caminho lento e progressivo. Um passo após outro em direção ao objetivo é muito mais eficaz do que uma corrida desenfreada e extenuante que, no fim, nos deixa à beira do caminho.

(os grifos são nossos)

P. (Card.) Gianfranco Ravasi
In Avvenire
Trad.: SNPC
Imagem: Di Studio/Bigstock.com
Fonte:
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