Sínodo para a Amazônia – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Wed, 02 Dec 2020 02:08:09 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.3 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 Sínodo para a Amazônia – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 O rito zairense, um exemplo de que o rito amazônico é possível e cada vez mais próximo https://observatoriodaevangelizacao.com/o-rito-zairense-um-exemplo-de-que-o-rito-amazonico-e-possivel-e-cada-vez-mais-proximo/ Wed, 02 Dec 2020 02:08:09 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=36920 [Leia mais...]]]>

As mudanças que permanecem com o tempo não são aquelas que se tornam uma realidade de um dia para o outro, uma afirmação mais significativa quando falamos da Igreja. O papa Francisco gosta de falar de processos, de consenso, de diálogo, de escutar, de prestar atenção às coisas importantes. Em sua visão do mundo e da Igreja ele defende a multiformidade, a inculturação, a interculturalidade, dando valor às diferentes expressões de fé que foram forjadas na vida dos povos e que ajudaram a descobrir o valor do sagrado na vida cotidiana.

O rito zairense do Missal Romano pode ser considerado uma expressão de tudo isso. Diante daqueles que se comprometeram a romanizar a liturgia ao longo das décadas, estamos diante do compromisso decisivo com o que o Concílio Vaticano II propôs, a inculturação da liturgia. Este rito, “o único rito inculturado da Igreja Latina aprovado após o Concílio Vaticano II”, como o próprio papa Francisco afirma no prefácio do livro “O papa Francisco e o ‘Missal Romano para as Dioceses do Zaire'”, pode ser considerado “um rito promissor para outras culturas”, como diz o subtítulo.

Se existe uma região onde esta tentativa de inculturação da liturgia já tomou medidas, é a Amazônia. A celebração do Sínodo para a Amazônia, onde não podemos esquecer a importância decisiva de seu processo de escuta, do qual participaram oficialmente mais de 87 mil pessoas, foi reunindo diferentes sentimentos, nos quais os povos amazônicos expressaram seu desejo de trazer para as celebrações aquilo que fazia parte de sua própria vida, a começar por sua própria língua.

Na diocese de São Gabriel da Cachoeira, durante várias décadas, foram feitas tentativas para tornar esta Igreja inculturada uma realidade, expressões do que o Sínodo para a Amazônia reuniu no que é conhecido como o rito amazônico. Há música em diferentes línguas indígenas, que o povo canta com devoção e alegria, ritos culturais foram introduzidos nas celebrações, o sacramento do batismo também vem assumindo elementos próprios da cultura e até mesmo o rito da missa foi traduzido para a língua Tukano. Pouco a pouco estão sendo traduzidas para outras línguas, assim como a celebração da Palavra, que é o que marca a vida cotidiana das comunidades.

Com o pouco que aprendi dessa língua, pude celebrar em algumas comunidades na língua Tukano, algo que sempre foi recebido com alegria pelos próprios povos indígenas. Isto nos mostra a importância que estas realidades têm na vida dos povos originários e exige a necessidade de continuar avançando no que nos diz o Documento Final do Sínodo, “a elaboração de um rito amazônico, que expresse o patrimônio litúrgico, teológico, disciplinar e espiritual amazônico“.

O papa Francisco, que na Querida Amazônia assume o que foi dito no Documento Final, afirma que “o Concílio Vaticano II solicitara este esforço de inculturação da liturgia nos povos indígenas, mas passaram-se já mais de cinquenta anos e pouco avançamos nesta linha“. Portanto, ele vê como uma possibilidade real, “receber na liturgia muitos elementos próprios da experiência dos indígenas no seu contacto íntimo com a natureza e estimular expressões autóctones em cantos, danças, ritos, gestos e símbolos“. Neste sentido, poderíamos dizer que o Papa reúne na exortação pós-sinodal o que já está sendo vivido em diferentes regiões da Amazônia.

Avançar no que se refere a este rito amazônico é uma das tarefas que a Assembleia Sinodal, como consta em seu Documento Final, confiou ao novo organismo da Igreja na Amazônia, que foi concretizado na Conferência Eclesial da Amazônia – CEAMA, nascida em 29 de junho passado, a primeira deste tipo na história da Igreja. O Documento Final diz queo novo organismo da Igreja na Amazônia deve constituir uma comissão competente para estudar e dialogar, segundo os usos e costumes dos povos ancestrais, a elaboração de um rito amazônico“. Como afirmou o presidente da CEAMA, o Cardeal Claudio Hummes, na primeira assembleia plenária, celebrada nos dias 26 e 27 de outubro de 2020, coincidindo com o primeiro aniversário do encerramento da Assembleia Sinodal, estão sendo dados passos para tornar este rito amazônico uma realidade, algo mais do que possível se levarmos em conta que o rito zairense existe e o que o Papa afirmou na Querida Amazônia.

A celebração deve ser “um verdadeiro lugar de encontro com Jesus”, como o papa Francisco implicou em diferentes ocasiões. Segundo ele, ao falar do rito zairense, ele enfatiza a importância de não celebrar “com palavras emprestadas de outros, mas assumindo toda a especificidade espiritual e sociocultural do povo congolês, com suas transformações”, insistindo que “a liturgia deve tocar o coração dos membros da Igreja local e ser sugestiva”. A Igreja não pode ter medo de expressar sua autêntica catolicidade, elemento muito presente na reflexão do atual pontífice, para assumir rostos novos, nascidos das culturas que acolheram e nas quais o Evangelho se enraizou.

Um elemento que, juntamente com a inculturação da liturgia, está incluído na Querida Amazônia é o da inculturação do ministério, uma necessidade que deve responder ao fato de que “a pastoral da Igreja tem uma presença precária na Amazônia, devido em parte à imensa extensão territorial, com muitos lugares de difícil acesso, grande diversidade cultural, graves problemas sociais e a própria opção de alguns povos se isolarem. Isto não pode deixar-nos indiferentes, exigindo uma resposta específica e corajosa da Igreja”.

Como já dissemos, o papa Francisco assumiu o Documento Final do Sínodo, onde afirma que “propomos estabelecer critérios e disposições por parte da autoridade competente, no âmbito da Lumen Gentium 26, para ordenar sacerdotes a homens idôneos e reconhecidos pela comunidade, que tenham um diaconato permanente fecundo e recebam uma formação adequada para o presbiterato, podendo ter uma família legitimamente constituída e estável, para sustentar a vida da comunidade cristã mediante a pregação da Palavra e a celebração dos Sacramentos nas áreas mais remotas da região amazônica“. Neste sentido, segundo Querida Amazônia, é necessário assegurar que “o ministério se configure de tal maneira que esteja ao serviço duma maior frequência da celebração da Eucaristia, mesmo nas comunidades mais remotas e escondidas”.

O papa Francisco sempre esteve aberto ao diálogo, também sobre assuntos ministeriais, afirmando na exortação pós-sinodal que “o modo de configurar a vida e o exercício do ministério dos sacerdotes não é monolítico, adquirindo matizes diferentes nos vários lugares da terra. Portanto, levando em conta as “circunstâncias específicas da Amazónia, especialmente nas suas florestas e lugares mais remotos, é preciso encontrar um modo para assegurar este ministério sacerdotal”, ele não hesita em afirmar que “é preciso encontrar um modo para assegurar este ministério sacerdotal”, já que “é urgente fazer com que os povos amazônicos não estejam privados do Alimento de vida nova e do sacramento do perdão”. É verdade que seu conselho é promover o trabalho missionário na Amazônia, mas as possibilidades para o futuro estão abertas ao diálogo, uma atitude cada vez mais presente na Igreja da Amazônia, que não podemos esquecer que celebrou seu Sínodo com o objetivo de encontrar novos caminhos.

Sobre o autor:

Luis Miguel Modino

Luis Miguel Modino – Padre diocesano de Madri, missionário fidei donum na Amazônia, residindo atualmente em Manaus – AM. Faz parte da Equipe de Comunicação da REPAM. Correspondente no Brasil de Religión Digital e colaborador do Observatório da Evangelização e em diferentes sites e revistas.

A seguir, a versão do texto em espanhol, confira:

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Rito zaireño, un ejemplo de que el rito amazónico es posible y está cada vez más próximo

Los cambios que permanecen en el tiempo no son aquellos que se hacen realidad de un día para otro, una afirmación que cobra más sentido cuando hablamos de la Iglesia. Al Papa Francisco le gusta hablar de procesos, de consenso, de diálogo, de escucha, de fijarse en las cosas importantes. En su visión del mundo y de la Iglesia aboga por la multiformidad, por la inculturación, por la interculturalidad, por dar valor a las diferentes expresiones de la fe que se ha ido fraguando en la vida de los pueblos y que han ayudado a descubrir el valor de lo sagrado en la vida del día a día.

El rito zaireño del Misal Romano puede ser considerado como expresión de todo eso. Frente a quienes se han empeñado en romanizar la liturgia a lo largo de décadas, nos deparamos con la apuesta decidida por aquello que el Concilio Vaticano II proponía, inculturar la liturgia. Este rito, “el único rito inculturado de la Iglesia latina aprobado después del Concilio Vaticano II”, como que afirma el propio Papa Francisco en el prefacio del libro “Papa Francisco y ‘el Misal Romano para las Diócesis de Zaire'”, puede ser considerado “un rito prometedor para otras culturas”, como recoge el subtítulo.

Si hay una región donde esta tentativa de inculturación de la liturgia ya ha dado pasos, esa es la Amazonía. La celebración del Sínodo para la Amazonía, donde no podemos olvidar la importancia decisiva de su proceso de escucha, en el que participaron oficialmente más de 87 mil personas, fue recogiendo diferentes sentimientos, en los que los pueblos amazónicos expresaban su deseo de llevar a las celebraciones aquello que formaba parte de su propia vida, comenzando por su propia lengua.

En la diócesis de San Gabriel da Cachoeira, desde hace varias décadas, se han llevado a cabo tentativas para hacer realidad esa Iglesia inculturada, expresiones de aquello que el Sínodo para la Amazonía recogió en lo que es conocido como rito amazónico. Existen músicas en diferentes lenguas indígenas, que la gente canta con devoción y alegría, en las celebraciones han sido introducidos ritos culturales, el sacramento del bautismo ha ido también asumiendo elementos propios de la cultura e inclusive se ha traducido el rito de la misa a la lengua tukano. Poco a poco se van traduciendo a otras lenguas, así como la celebración de la Palabra, que es lo que marca la vida del día a día en las comunidades.

Con lo poco que aprendí de esa lengua, pude celebrar en algunas comunidades en lengua tukano, algo que siempre fue acogido con alegría por los propios indígenas. Eso nos muestra la importancia que esas realidades tienen en la vida de los pueblos originarios y demanda la necesidad de continuar avanzando en aquello que el Documento Final del Sínodo nos dice, “la elaboración de un rito amazónico, que exprese el patrimonio litúrgico, teológico, disciplinario y espiritual amazónico”.

El Papa Francisco, que en Querida Amazonía asume lo dicho en el Documento Final, afirma que “ya el Concilio Vaticano II había pedido este esfuerzo de inculturación de la liturgia en los pueblos indígenas, pero han pasado más de cincuenta años y hemos avanzado poco en esta línea”. Por eso, ve como una posibilidad real, “recoger en la liturgia muchos elementos propios de la experiencia de los indígenas en su íntimo contacto con la naturaleza y estimular expresiones autóctonas en cantos, danzas, ritos, gestos y símbolos”. En ese sentido, podríamos decir que el Papa recoge en la exhortación postsinodal aquello que ya está siendo vivido en diferentes regiones de la Amazonía.

Avanzar en lo referente a ese rito amazónico es una de las tareas que la Asamblea Sinodal, como recoge su Documento Final, le encargó al nuevo organismo de la Iglesia en la Amazonía, que se concretó en la Conferencia Eclesial de la Amazonía – CEAMA, nacida el pasado 29 de junio, la primera de este tipo en la historia de la Iglesia. El Documento Final decía que se “debe constituir una comisión competente para estudiar y dialogar, según usos y costumbres de los pueblos ancestrales, la elaboración de un rito amazónico”. Como afirmaba el presidente de la CEAMA, el cardenal Claudio Hummes, en la primera asamblea plenaria, celebrada el 26 y 27 de octubre, coincidiendo con el primer aniversario de la clausura de la Asamblea Sinodal, se están dando pasos para hacer realidad ese rito amazónico, algo más que posible si tenemos en cuenta que existe el rito zaireño y lo afirmado por el Papa en Querida Amazonía.

La celebración debe ser “un verdadero lugar de encuentro con Jesús”, como ha dado a entender el Papa Francisco en diferentes ocasiones. Según él, al hablar del rito zaireño, destaca la importancia de no celebrar “con palabras prestadas de otros, sino asumiendo toda la especificidad espiritual y sociocultural del pueblo congoleño, con sus transformaciones”, insistiendo en que “la liturgia debe tocar los corazones de los miembros de la Iglesia local y ser sugestiva”. La Iglesia no puede tener miedo de expresar su auténtica catolicidad, un elemento muy presente en la reflexión del actual pontífice, de asumir nuevos rostros, nacidos de las culturas que han acogido y en las que se ha enraizado el Evangelio.

Un elemento que junto con la inculturación de la liturgia es recogido en Querida Amazonía es el de la inculturación de la ministerialidad, una necesidad que debe dar una respuesta ante el hecho de que “la pastoral de la Iglesia tiene en la Amazonia una presencia precaria, debida en parte a la inmensa extensión territorial con muchos lugares de difícil acceso, gran diversidad cultural, serios problemas sociales, y la propia opción de algunos pueblos de recluirse. Esto no puede dejarnos indiferentes y exige de la Iglesia una respuesta específica y valiente”.

Como ya hemos dicho, el Papa Francisco asumió el Documento Final del Sínodo, donde se dice que “proponemos establecer criterios y disposiciones de parte de la autoridad competente, en el marco de la Lumen Gentium 26, de ordenar sacerdotes a hombres idóneos y reconocidos de la comunidad, que tengan un diaconado permanente fecundo y reciban una formación adecuada para el presbiterado, pudiendo tener familia legítimamente constituida y estable, para sostener la vida de la comunidad cristiana mediante la predicación de la Palabra y la celebración de los Sacramentos en las zonas más remotas de la región amazónica”. En ese sentido, Querida Amazonía afirma que “se requiere lograr que la ministerialidad se configure de tal manera que esté al servicio de una mayor frecuencia de la celebración de la Eucaristía, aun en las comunidades más remotas y escondidas”.

El Papa Francisco siempre ha estado abierto al diálogo, también en temas ministeriales, afirmando en la exhortación postsinodal que “el modo de configurar la vida y el ejercicio del ministerio de los sacerdotes no es monolítico, y adquiere diversos matices en distintos lugares de la tierra”. Por eso, teniendo en cuenta “las circunstancias específicas de la Amazonia, de manera especial en sus selvas y lugares más remotos”, no duda en afirmar que “hay que encontrar un modo de asegurar ese ministerio sacerdotal”, pues “es urgente evitar que los pueblos amazónicos estén privados de ese alimento de vida nueva y del sacramento del perdón”. Es verdad que su consejo es promover la misionariedad en la Amazonía, pero las posibilidades de futuro están abiertas al diálogo, una actitud cada vez más presente en la Iglesia de la Amazonía, que no podemos olvidar que celebró su Sínodo con el objetivo de encontrar nuevos caminos.

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“O Sínodo defende os diretos dos povos da Amazônia e da natureza”, afirma Felício Pontes https://observatoriodaevangelizacao.com/o-sinodo-defende-os-diretos-dos-povos-da-amazonia-e-da-natureza-afirma-felicio-pontes/ Fri, 21 Feb 2020 12:00:00 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=34204 [Leia mais...]]]> Uma das grandes contribuições do Sínodo para a Amazônia tem sido a defesa dos povos da Amazônia e da natureza. Ao longo do processo sinodal, esse é um tema recorrente, que visibiliza o trabalho secular da Igreja católica. Nessa reflexão teve um papel em destaque Felício Pontes, Procurador da  República e auditor na Assembleia Sinodal. Nascido na Amazônia, e bom conhecedor da realidade local, sempre foi um grande defensor dos direitos dos povos da floresta e de um sistema de desenvolvimento sustentável, chamado a superar o atual sistema predatório, escolha de desenvolvimento dos últimos governos brasileiros, especialmente do atual.

As leis brasileiras são claras em referência aos direitos dos povos indígenas. Nas últimas semanas há grupos com a intenção de modificar essas leis, segundo o interesse do governo e de ruralistas, que tem como uma das suas prioridades no ano de 2020, mudanças em relação às Terras Indígenas e os direitos dos povos. De fato, segundo o Procurador da República, “a lei proíbe a mineração em terras indígenas”, mas o Presidente da República, a través de um Projeto de Lei (PL 191/2020), pretende responder aos desejos de seus aliados políticos. Diante desse fato, Felício Pontes lembrava na assembleia do Conselho Indigenista Missionário Norte 1, que o Estatuto dos Povos Indígenas não passou depois de vinte anos por causa da mineração.

Ele não hesita em afirmar a necessidade de “cobrar o governo, ele tem que cumprir as leis”. Para chegar no objetivo, “é preciso uma articulação dos povos indígenas para mostrar no Congresso Nacional as nefastas consequências desse projeto de lei”, segundo o Procurador da República. A situação lembra a estratégia do CIMI nos meses prévios à tramitação da Constituição de 1988, que conseguiu a aprovação do artículo 231. Existe entre os deputados o chamado Frente Parlamentar Indigenista, onde tem um papel em destaque a deputada indígena Joenia Wapichana, que está se posicionando, junto com as organizações indígenas, que eram recebidos na última terça-feira pelo Presidente da Câmara, Rodrigo Maia.

A história dos povos indígenas está recheada de episódios em que eles tem sido vítimas de atividades ilícitas dentro de seus territórios. Um desses episódios foi o masacre de Haximú, onde garimpeiros ilegais assassinaram 16 yanomamis em 1993, um momento nunca esquecido pelo povo que mora na fronteira entre o Brasil e a Venezuela. O papel das ONGs e do CIMI, segundo o procurador, é “a divulgação dessas mazelas, divulga-lo para que a sociedade brasileira saiba o que aconteceu e como isso pode atingir toda a sociedade brasileira”.

Dentro da sociedade brasileira, uma pesquisa de Data Folha, diz que 86% da população brasileira não aprova a mineração em Terra Indígena, 7% é parcialmente a favor, e mais 7% é totalmente a favor. Essa porcentagem que se posiciona contra o projeto de lei ainda é maior entre as mulheres e os jovens. Tudo isso demostra que “o projeto do governo não reflete o pensamento da grande maioria da sociedade brasileira”, insiste o Procurador da República. Nesse sentido, ele afirma que o Ministério Público Federal já lançou uma nota contra o PL 191/2020, pois “o projeto é ilegal se não tiver consulta prévia”.

Em referência à assembleia sinodal, o auditor afirma que “não houve nenhuma instituição no Sínodo mais presente do que o CIMI. Todas as menções aos direitos indígenas foram incluidos e aprovados pela Assembleia Sinodal no Documento Final e eles têm sido revitalizados na exortação “Querida Amazônia”. O Documento Final do Sínodo, segundo Felício Pontes, defende o pluralismo, os povos issolados e consagra os direitos da natureza. Como aparece nos números 16, 55 e 81 do documento, ele é contra o colonialismo, defendendo o direito à autodeterminação, demarcação dos territórios e direito à consulta prévia, livre e informada, como relata o número 47 do Documento Final.

Os povos issolados aparecem nos números 49 e 50, fazendo um chamado de atenção diante da limpeza e desaparecimento étnico. Na Amazônia são 130 os povos que vivem nessa situação, contantemente ameaçados, sendo os mais vulneráveis dentre os vulneráveis, como lembrava o Papa Francisco em Puerto Maldonado. No Brasil, essas ameaças também chegam desde algumas igrejas pentecostais. Em referência aos direitos da natureza, uma das grandes novidades do Sínodo para a Amazônia, dentro da reflexão eclesial, o Documento Final aborda essa questão nos números 74 e 84, destacando o papel fundamental das comunidades amazônicas na proteção e defesa desses direitos.

Aos poucos vão aparecendo novas estrategias. Dentre elas, Felício Pontes destaca a Aliança dos Povos da Floresta, reavivada recentemente pelo cacique Raoni Metuktire depois de 35 anos. Essa união se torna uma atitude decisiva no futuro dos direitos da Amazônia e dos povos tradicionais que a habitam. Nesse sentido, se faz urgente usar espaços para denunciar o que está acontecendo a través dos meios de comunicação e as redes sociais, insiste Felício Pontes.

Luis Miguel Modino – Padre diocesano de Madri, missionário fidei donum na Amazônia, residindo atualmente em Manus – A.M. Faz parte da Equipe de Comunicação da REPAM. Correspondente no Brasil de Religión Digital e colaborador do Observatório da Evangelização e em diferentes sites e revistas.   

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PodCast – Sínodo para Amazônia https://observatoriodaevangelizacao.com/podcast-sinodo-para-amazonia/ Tue, 11 Feb 2020 14:29:08 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=34102 [Leia mais...]]]> Está no ar mais um episódio do PodCast do Observatório da Evangelização, Olhar Pastoral – Reflexões do cotidiano a luz da fé. Nesse episódio continuamos a conversa com o prof. Mauro Passos da UFMG sobre os desdobramentos do Sínodo para Amazônia convocado pelo Papa Francisco.

Assista o primeiro episódio: Sínodo para Amazônia

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Observatório da Evangelização lança PodCast https://observatoriodaevangelizacao.com/observatorio-da-evangelizacao-lanca-podcast/ Tue, 21 Jan 2020 11:57:02 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=33926 [Leia mais...]]]> O Observatório da Evangelização – PUC Minas inicia suas atividades em 2020 com um novo projeto, o PodCast Olhar Pastoral. Um formato dinâmico com conversas e reflexões do cotidiano à luz da fé.

E para dar início a esse projeto convidamos o prof. Mauro Passos da UFMG para uma conversa sobre o evento que marcou o ano de 2019 na história da Igreja, o Sínodo para Amazônia.

Confira:

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Documento final do Sínodo para a Amazônia – Capítulo 5 Novos caminhos de conversão sinodal e Conclusão https://observatoriodaevangelizacao.com/documento-final-do-sinodo-para-a-amazonia-capitulo-5-novos-caminhos-de-conversao-sinodal-e-conclusao/ Tue, 12 Nov 2019 14:33:44 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=33136 [Leia mais...]]]> A sinodalidade marca um estilo de viver a comunhão e a participação nas igrejas locais que se caracteriza pelo respeito à dignidade e igualdade de todos os batizados e batizadas, pelo complemento dos carismas e ministérios, pela alegria de reunir-se em assembleias para discernir juntos a voz do Espírito. Este Sínodo nos dá a oportunidade de refletir sobre a forma de estruturar as igrejas locais em cada região e país, e de avançar em uma conversão sinodal que aponte caminhos comuns na evangelização… As formas de exercício da sinodalidade são variadas e devem ser descentralizadas em seus diversos níveis (diocesano, regional, nacional, universal), respeitosas e atentas aos processos locais, sem enfraquecer o vínculo com as outras Igrejas irmãs e com a Igreja universal. Elas estabelecem uma sincronia entre a comunhão e a participação, entre a corresponsabilidade e a ministerialidade de todos, dando especial atenção à participação efetiva dos leigos no discernimento e na tomada de decisões, potencializando a participação das mulheres.”

Pela importância para a ação evangelizadora de toda a Igreja, o processo do Sínodo para Amazônia, sua preparação, sua dinâmica fraterna e participativa de realização, sua produção, sua sinodalidade…, precisa ser bem conhecido, pois foi uma experiência inovadora e com muitos elementos originais na vida da Igreja. Ele pode inspirar e fecundar de beleza toda a caminhada da Igreja. 

O Observatório da Evangelização, com esta última, completa a publicação de todo o Documento final do Sínodo para a Amazônia: 

  • Introdução
  • Capítulo 1 – Amazônia: Da escuta à conversão integral
  • Capítulo 2 – Novos caminhos de conversão pastoral
  • Capítulo 3 – Novos caminhos de conversão cultural
  • Capítulo 4 – Novos caminhos de conversão ecológica
  • Capítulo 5 – Novos caminhos de conversão sinodal
  • Conclusão

Publicamos cada uma das partes que compõem o documento aprovado no final do Sínodo e que foi entregue nas mãos do papa Francisco. Agora é esperar pela Exortação Pós- Sinodal que sairá em breve. 

Confira:

CAPITULO V

NOVOS CAMINHOS DE CONVERSÃO SINODAL

“Eu neles e Tu em Mim, sejam assim consumados na unidade” (Jo 17,23)

86. Para caminhar juntos, a Igreja precisa de uma conversão sinodal, sinodalidade do Povo de Deus sob a guia do Espírito na Amazônia. Com este horizonte de comunhão e participação, buscamos novos caminhos eclesiais, especialmente na ministerialidade e na sacramentalidade da Igreja com rosto amazônico. A vida consagrada, os leigos e entre eles as mulheres, são os protagonistas antigos e sempre novos que nos chamam a esta conversão.

A sinodalidade missionária na Igreja amazônica 

a. A sinodalidade missionária de todo o Povo de Deus sob a guia do Espírito Santo 

87. “Sínodo” é uma antiga palavra venerada pela Tradição; indica o caminho que os membros do povo de Deus percorrem juntos; refere-se ao Senhor Jesus, que se apresenta como “o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14, 6), e ao fato de que os cristãos, seus seguidores, foram chamados “os discípulos do caminho” (At 9, 2); ser sinodais é seguir juntos “o caminho do Senhor” (At 18, 25). A sinodalidade é o modo de ser da Igreja primitiva (cf. At 15) e deve ser o nosso. “Todos os membros do corpo, embora sejam muitos, formam um só corpo, assim também acontece com Cristo” (1Cor 12,12). A sinodalidade também caracteriza a Igreja do Vaticano II, entendida como povo de Deus, na igualdade e na dignidade comum diante da diversidade de ministérios, carismas e serviços. Ela indica o modo específico de viver e agir (modus vívendí et operandi) da Igreja do povo de Deus, que manifesta e realiza de maneira concreta seu ser “comunhão”, no caminhar juntos, no reunir-se em assembleia e na participação ativa de todos os seus membros em sua ação evangelizadora” (…), isto é, na “corresponsabilidade e participação de todo o povo de Deus na vida e missão da Igreja” (CTI, Sinodalidade…, n. 6-7). 

88. Para caminhar juntos, a Igreja precisa hoje de uma conversão à experiência sinodal. É necessário fortalecer uma cultura de diálogo, de escuta recíproca, de discernimento espiritual, de consenso e comunhão para encontrar espaços e caminhos de decisão conjunta e responder aos desafios pastorais. Assim, se comentará a corresponsabilidade na vida da Igreja num espírito de serviço. Urge caminhar, propor e assumir as responsabilidades para superar o clericalismo e as imposições arbitrárias. A sinodalidadeé uma dimensão constitutiva da Igreja. Não se pode ser Igreja sem reconhecer um efetivo exercício do sensus fidei de todo o Povo de Deus.

b. Espiritualidade da comunhão sinodal sob a guia do Espírito Santo 

89. A Igreja vive em comunhão com o Corpo de Cristo pelo dom do Espírito Santo. O chamado “Concílio Apostólico de Jerusalém” (cf. At 15; Gal 2, 1-10) é um acontecimento sinodal no qual a Igreja Apostólica, num momento decisivo do seu caminho, vive a sua vocação à luz da presença do Senhor ressuscitado em vista da missão. Este acontecimento tornou-se a figura paradigmática dos Sínodos da Igreja e de sua vocação sinodal. A decisão tomada pelos Apóstolos, com o acompanhamento de toda a comunidade de Jerusalém, foi obra da ação do Espírito Santo que guia o caminho da Igreja, assegurando-lhe a fidelidade ao Evangelho de Jesus: “Nós decidimos, o Espírito Santo e nós” (At 15,28). Toda a assembleia recebeu a decisão e a fez sua (Atos 15, 22); depois a comunidade de Antioquia fez o mesmo (Atos 15, 30-31). Ser verdadeiramente “sinodal” é avançar em harmonia sob o impulso do Espírito vivificador. 

90. A Igreja na Amazônia está chamada a caminhar no exercício do discernimento, que é o centro dos processos e eventos sinodais. Trata-se de determinar e percorrer como Igreja, através da interpretação teologal dos sinais dos tempos, sob a guia do Espírito Santo, o caminho a seguir no serviço do plano de Deus. O discernimento comunitário permite descobrir um chamado que Deus faz ouvir em cada situação histórica particular. Esta Assembleia é um momento de graça para exercitar a escuta recíproca, o diálogo sincero e o discernimento comunitário para o bem comum do povo de Deus na Região Amazônica, e depois, na etapa de implementação das decisões, continuar caminhando sob o impulso do Espírito Santo nas pequenas comunidades, paróquias, dioceses, vicariatos, prelazias e em toda a região. 

c. Rumo a um estilo sinodal de viver e trabalhar na região amazônica 

91. Com ousadia evangélica, queremos implementar novos caminhos para a vida da Igreja e seu serviço a uma ecologia integral na Amazônia. A sinodalidade marca um estilo de viver a comunhão e a participação nas igrejas locais que se caracteriza pelo respeito à dignidade e igualdade de todos os batizados e batizadas, pelo complemento dos carismas e ministérios, pela alegria de reunir-se em assembleias para discernir juntos a voz do Espírito. Este Sínodo nos dá a oportunidade de refletir sobre a forma de estruturar as igrejas locais em cada região e país, e de avançar em uma conversão sinodal que aponte caminhos comuns na evangelização. A lógica da encarnação ensina que Deus, em Cristo, se vincula aos seres humanos que vivem nas “culturas próprias dos povos” (AG 9) e que a Igreja, povo de Deus inserido entre os povos, tem a beleza de um rosto pluriforme porque enraizado em muitas culturas diferentes (EG 116). Isso se realiza na vida e na missão das igrejas locais presentes em cada “grande território sócio-cultural” (AG 22).

92. Uma Igreja com rosto amazônico precisa que suas comunidades estejam impregnadas de um espírito sinodal, sustentadas por estruturas organizativas segundo esta dinâmica, como autênticos organismos de “comunhão”. As formas de exercício da sinodalidade são variadas e devem ser descentralizadas em seus diversos níveis (diocesano, regional, nacional, universal), respeitosas e atentas aos processos locais, sem enfraquecer o vínculo com as outras Igrejas irmãs e com a Igreja universal. Elas estabelecem uma sincronia entre a comunhão e a participação, entre a corresponsabilidade e a ministerialidade de todos, dando especial atenção à participação efetiva dos leigos no discernimento e na tomada de decisões, potencializando a participação das mulheres.

Novos caminhos para a ministerialidade eclesial 

a. Igreja ministerial e novos ministérios 

93. A renovação do Concílio Vaticano II situa os leigos no seio do povo de Deus, em uma Igreja toda ela ministerial, que tem no sacramento do batismo o fundamento da identidade e da missão de todo cristão. “Os leigos são fiéis que, pelo batismo, foram incorporados a Cristo, constituídos no povo de Deus e, a seu modo, tornados participantes do múnus sacerdotal, profético e régio de Cristo, exercendo assim o seu papel na missão de todo o povo cristão na Igreja e no mundo” (LG 31). Desta tríplice relação, com Cristo, com a Igreja e com o mundo, nasce a vocação e a missão do laicato. A Igreja na Amazônia, em vista de uma sociedade justa e solidária no cuidado da “Casa comum”, quer fazer dos leigos e leigas atores privilegiados. Sua atuação tem sido e é vital, tanto na coordenação das comunidades eclesiais, no exercício dos ministérios, como em seu compromisso profético em um mundo inclusivo para todos, que tem em seus mártires um testemunho que nos interpela. 

94. Como expressão da corresponsabilidade de todos os balizados na Igreja e do exercício do sensus fidei de todo o Povo de Deus, surgiram as assembleias e os conselhos pastorais em todos os âmbitos eclesiais, assim como as equipes de coordenação dos diversos serviços pastorais e os ministérios confiados aos leigos. Reconhecemos a necessidade de fortalecer e ampliar os espaços de participação do laicato, tanto na consulta como na tomada de decisões, na vida e na missão da Igreja. 

95. Embora a missão no mundo seja tarefa de todo batizado, o Concílio Vaticano II sublinhou a missão dos leigos: “a esperança de uma Nova Terra, longe de atenuar, antes deve impulsionar a solicitude pelo aperfeiçoamento desta terra” (GS 39). É urgente que a Igreja na Amazônia promova e confira ministérios para homens e mulheres de maneira equitativa. O tecido da Igreja local, também na Amazônia, é garantido pelas pequenas comunidades eclesiais missionárias que cultivam a fé, escutam a Palavra e celebram juntas a vida do povo. É a Igreja de homens e mulheres batizados que devemos consolidar, promovendo a ministerialidade e, sobretudo, a consciência da dignidade batismal. 

96. Além disso, o Bispo pode confiar, por um mandato por tempo determinado, diante da ausência de presbíteros nas comunidades, o exercício da sua solicitude pastoral a uma pessoa não revestida de carácter sacerdotal, membro da comunidade. Os personalismos devem ser evitados e, portanto, será um serviço rotativo. O Bispo poderá constituir este ministério em nome da comunidade cristã com um mandato oficial através de um ato ritual para que a pessoa responsável pela comunidade seja também reconhecida a nível civil e local. Fica sempre o presbítero com o poder e faculdade de pároco, como responsável da comunidade. 

b. Vida consagrada 

97. O texto evangélico – “O Espírito do Senhor está sobre mim, pois Ele me ungiu para anunciar o Evangelho aos pobres” (-Lc 4,18) – expressa uma convicção que anima a missão da vida consagrada na Amazônia, enviada a proclamar a Boa Nova no acompanhamento junto aos povos indígenas, aos mais vulneráveis e aos mais distantes, a partir de um diálogo e anúncio que possibilitem um conhecimento profundo da espiritualidade. Uma vida consagrada com experiências intercongregacionais e interinstitucionais pode permanecer em comunidades onde ninguém quer estar e com quem ninguém quer estar, aprendendo e respeitando a cultura e as línguas indígenas para chegar ao coração dos povos.

98. A missão, ao mesmo tempo que contribui para edificar e consolidar a Igreja, fortalece e renova a vida consagrada e a chama mais fortemente a assumir a mais pura de sua inspiração original. Deste modo, o seu testemunho será profético e fonte de novas vocações religiosas. Propomos apostar numa vida consagrada com identidade amazônica, fortalecendo as vocações autóctones. Apoiamos a inserção e a itinerância dos consagrados e consagradas, junto aos mais empobrecidos e excluídos. Os processos formativos devem incluir o enfoque da interculturalidade, da inculturação e dos diálogos entre espiritualidades e cosmovisões amazônicas.

c. Presença e a vez da mulher 

99. A Igreja na Amazônia quer “alargar os espaços para uma presença feminina mais incisiva na Igreja” (EG 103). “Não reduzamos o compromisso das mulheres na Igreja, mas promovamos sua participação ativa na comunidade eclesial. Se a Igreja perde as mulheres em sua dimensão global e real, ela corre o risco da esterilidade” (Papa Francisco, Encontro com o Episcopado Brasileiro, Rio de Janeiro, 27 de julho de 2013). 

100. O Magistério da Igreja desde o Concílio Vaticano II destacou o lugar central que a mulher ocupa dentro dela: “É chegada a hora, a hora em que a vocação da mulher se realiza em plenitude, a hora em que a mulher adquire no mundo uma influência, um peso, um poder nunca alcançado até agora. Portanto, neste momento em que a humanidade atravessa uma mutação tão profunda, as mulheres cheias do espírito do Evangelho podem ajudar muito para que a humanidade não decaia” (Paulo VI, 1965; AAS 58, 1966, 13-14). 

101. A sabedoria dos povos ancestrais afirma que a mãe terra tem um rosto feminino. No mundo indígena e ocidental, as mulheres são aquelas que trabalham em múltiplas facetas, na instrução dos filhos, na transmissão da fé e do Evangelho, são testemunhas e presença responsável na promoção humana, por isso se pede que a voz das mulheres seja ouvida, que elas sejam consultadas e participem das decisões e, assim, possam contribuir com sua sensibilidade para a sinodalidade eclesial. Valorizamos a função da mulher, reconhecendo seu papel fundamental na formação e continuidade das culturas, na espiritualidade, nas comunidades e nas famílias. É necessário que a mulher assuma com maior força sua liderança no seio da Igreja e que a Igreja a reconheça e promova, fortalecendo sua participação nos conselhos pastorais das paróquias e dioceses, inclusive nas instâncias de governo.

102. Diante da realidade sofrida pelas mulheres vítimas de violência física, moral e religiosa, incluindo o feminicídio, a Igreja se posiciona em defesa de seus direitos e as reconhece como protagonistas e guardiãs da criação e da “Casa comum”. Reconhecemos a ministerialidade que Jesus reservou para as mulheres. É necessário promover a formação da mulher em teologia bíblica, teologia sistemática, direito canônico, valorizando sua presença em organizações e sua liderança dentro e fora do âmbito eclesial. Queremos fortalecer os laços familiares, especialmente para as mulheres migrantes. Asseguramos o seu lugar em espaços de liderança e formação. Pedimos revisar o Motu Proprio de São Paulo VI Ministeria quaedam, para que também mulheres adequadamente formadas e preparadas possam receber os ministérios do Leitorado e do Acolitado, entre outros a serem desenvolvidos. Nos novos contextos da evangelização e pastoral na Amazônia, onde a maioria das comunidades católicas é liderada por mulheres, pedimos que seja criado o ministério instituído da “mulher dirigente da comunidade” e que este seja reconhecido a serviço das novas exigências da evangelização e do cuidado das comunidades.

103. Nas muitas consultas realizadas na Amazônia, o papel fundamental da mulher religiosa e leiga na Igreja da Amazônia e em suas comunidades foi reconhecido e enfatizado, devido aos múltiplos serviços prestados. Num grande número destas consultas, foi solicitado o diaconato permanente para as mulheres. Por isso, o tema também esteve muito presente no Sínodo. Já em 2016, o papa Francisco havia criado uma “Comissão de estudo sobre o Diaconato da Mulher” que, como Comissão, chegou a um resultado parcial sobre como era a realidade do diaconato da mulher nos primeiros séculos da Igreja e suas implicações hoje. Gostaríamos, pois, de partilhar as nossas experiências e reflexões com a Comissão e aguardar os seus resultados.

d. Diaconato Permanente 

104. Para a Igreja Amazônica é urgente a promoção, formação e apoio aos diáconos permanentes, por causa da importância deste ministério na comunidade. De modo particular, por causa do serviço eclesial que muitas comunidades procuram, especialmente os povos indígenas. As necessidades pastorais específicas das comunidades cristãs amazônicas nos levam a uma compreensão mais ampla do diaconato, serviço que existe desde o início da Igreja e que foi restaurado como grau autônomo e permanente pelo Concílio Vaticano II (LG 29, AG 16, OE 17). O diaconato de hoje deve também dar atenção à ecologia integral, ao desenvolvimento humano, à pastoral social, ao serviço dos que se encontram em situação de vulnerabilidade e pobreza, configurando-o ao Cristo Servo, tornando-se uma Igreja misericordiosa, samaritana, solidária e diaconal. 

105. Os presbíteros devem ter presente que o diácono está ao serviço da comunidade por nomeação e sob a autoridade do bispo, e que têm a obrigação de apoiar os diáconos permanentes e de agir em comunhão com eles. A manutenção dos diáconos permanentes deve ser levada em conta. Isto inclui o processo vocacional de acordo com os critérios de admissão. As motivações do candidato devem indicar o serviço e a missão do diaconato permanente na Igreja e no mundo de hoje. O projeto formativo se articula entre o estudo acadêmico e a prática pastoral, acompanhado de uma equipe formativa e da comunidade paroquial, com conteúdos e itinerários adaptados a cada realidade local. É desejável que a esposa e os filhos participem do processo de formação.

106. O currículo para a formação do diaconato permanente, além das disciplinas obrigatórias, deve incluir temas que promovam o diálogo ecumênico, inter-religioso e intercultural, a história da Igreja na Amazônia, o afeto e a sexualidade, a cosmovisão indígena, a ecologia integral e outros temas transversais típicos do ministério diaconal. A equipe de formadores consistirá de ministros ordenados competentes e leigos que estejam de acordo com o diretório do diaconato permanente aprovado em cada país. Queremos encorajar, apoiar e acompanhar pessoalmente o processo vocacional e a formação dos futuros diáconos permanentes nas comunidades ribeirinhas e indígenas, com a participação de párocos, religiosos e religiosas. Finalmente, que haja um programa de acompanhamento da formação permanente (espiritualidade, formação teológica, pastoral, atualização dos documentos da Igreja, etc.), sob a orientação do bispo.

e. Itinerários de formação inculturada 

107. “Dar-vos-ei pastores segundo o meu coração” (Jr 3,15). Essa promessa, sendo divina, é válida para todos os tempos e contextos; portanto, é válida também para a Amazônia. Destinada a configurar o presbítero a Cristo, a formação para o ministério ordenado deve ser uma escola comunitária de fraternidade, experiencial, espiritual, pastoral e doutrinal, em contato com a realidade das pessoas, em harmonia com a cultura e a religiosidade locais, próxima aos pobres. Precisamos preparar bons pastores que vivam a Boa Nova do Reino, conheçam as leis canônicas, sejam compassivos, tão semelhantes a Jesus quanto possível, cuja prática é fazer a vontade do Pai, alimentados pela Eucaristia e pela Sagrada Escritura. Ou seja, uma formação mais bíblica no sentido de uma assimilação a Jesus, como o demonstram os Evangelhos: próximo das pessoas, capaz de escutar, de curar, de consolar, pacientemente, não procurando pedir, mas manifestar a ternura do coração do Pai. 

108. Para oferecer aos futuros presbíteros das Igrejas da Amazônia uma formação de rosto amazônico, inserida e adaptada à realidade, contextualizada e capaz de responder aos numerosos desafios pastorais e missionários, propomos um plano de formação que responda aos desafios das Igrejas locais e a realidade amazônica. Deve-se incluir nos conteúdos acadêmicos disciplinas que abordam a ecologia integral, a ecoteologia, a teologia da criação, as teologias indígenas, a espiritualidade ecológica, a história da Igreja na Amazônia, antropologia cultural amazônica, e assim por diante. Os centros de formação para a vida presbiteral e consagrada devem ser inseridos, preferencialmente, na realidade amazônica, com vistas a favorecer o contato do jovem amazônico em formação com sua realidade, enquanto se prepara para sua futura missão, garantindo assim que o processo de formação não se afaste do contexto vital das pessoas e de sua cultura, além de oferecer a outros jovens não amazônicos a oportunidade de participar de sua formação na Amazônia, fomentando assim vocações missionárias.

f. Eucaristia: fonte e ápice da comunhão sinodal 

109. Segundo o Concílio Vaticano II, a participação na Eucaristia é a fonte e o cume de toda a vida cristã; é o símbolo da unidade do Corpo Místico; é o centro e o cume de toda a vida da comunidade cristã. A Eucaristia contém todo o bem espiritual da Igreja; é fonte e culminação de toda a evangelização. Façamos eco da frase de São João Paulo II: “A Igreja vive da Eucaristia” (Ecclesia de Eucharistia, 1). A Instrução da Congregação para o Culto Divino Redemptoris sacramentum (2004) insiste em que os fiéis gozem do direito de ter a celebração Eucarística tal como estabelecido nos livros e normas litúrgicas. Mas parece estranho falar do direito de celebrar uma Eucaristia segundo o que é prescrito, para não mencionar o direito mais fundamental de acesso à Eucaristia para todos: “Na Eucaristia já está realizada a plenitude, sendo o centro vital do universo, centro transbordante de amor e de vida sem fim. Unido ao Filho encarnado, presente na Eucaristia, todo o cosmos dá graças a Deus. Com efeito, a Eucaristia é, por si mesma, um ato de amor cósmico” (LS 236). 

110. Há um direito da comunidade à celebração, que deriva da essência da Eucaristia e do seu lugar na economia da salvação. A vida sacramental é a integração das várias dimensões da vida humana no mistério pascal, que nos fortalece. É por isso que as comunidades vivas clamam verdadeiramente pela celebração da Eucaristia. É, sem dúvida, o ponto de chegada (culminação e consumação) da comunidade; mas é, ao mesmo tempo, o ponto de partida: do encontro, da reconciliação, da aprendizagem e da catequese, do crescimento comunitário. 

111. Muitas comunidades eclesiais do território amazônico têm enormes dificuldades de acesso à Eucaristia. Às vezes, passam não apenas meses, mas vários anos para que um sacerdote possa regressar a uma comunidade para celebrar a Eucaristia, oferecer o sacramento da reconciliação ou ungir os doentes na comunidade. Apreciamos o celibato como dom de Deus (Sacerdotalis Caelibatus, 1) porque este dom permite ao discípulo missionário, ordenado ao presbiterado, dedicar-se plenamente ao serviço do povo santo de Deus. Estimula a caridade pastoral e rezamos para que haja muitas vocações que vivam o sacerdócio celibatário. Sabemos que essa disciplina “não é exigida pela própria natureza do sacerdócio… embora tenha muitas razões de conveniência” (PO 16). Na sua encíclica sobre o celibato sacerdotal, São Paulo VI manteve esta lei e expôs as motivações teológicas, espirituais e pastorais que a sustentam. Em 1992, a exortação pós-sinodal de São João Paulo II sobre a formação sacerdotal confirmou esta tradição na Igreja latina (PDV 29). Considerando que a legítima diversidade não prejudica a comunhão e a unidade da Igreja, mas a manifesta e serve (LG 13; OE 6) o que atesta a pluralidade dos ritos e disciplinas existentes, propomos estabelecer critérios e disposições por parte da autoridade competente, no âmbito da Lumen gentium 26, para ordenar sacerdotes a homens idóneos e reconhecidos pela comunidade, que tenham um diaconato permanente fecundo e recebam uma formação adequada para o presbiterado, podendo ter uma família legitimamente constituída e estável, para sustentar a vida da comunidade cristã através da pregação da Palavra e da celebração dos Sacramentos nas zonas mais remotas da região amazônica. A este respeito, alguns manifestaram-se a favor de uma abordagem universal da questão. 

Novos caminhos para a sinodalidade eclesial 

a. Estruturas sinodais regionais na Igreja Amazônica 

112. A maioria das dioceses, prelazias e vicariatos da Amazônia tem extensos territórios, poucos ministros ordenados e escassos recursos financeiros, experimentando dificuldades para sustentar a missão. O “custo amazônico” repercute seriamente na evangelização. Diante desta realidade, é necessário repensar a organização das igrejas locais, repensar as estruturas de comunhão nos níveis provinciais, regionais e nacionais, e também a partir da Panamazônia. Portanto, é necessário articular espaços sinodais e gerar redes de apoio solidário. É urgente superar as fronteiras que a geografia impõe e construir pontes que unam. O documento de Aparecida já insistia que as igrejas locais gerem formas de associação interdiocesana em cada nação ou entre países de uma região e que fomentam maior cooperação entre Igrejas irmãs (cf.DAp 182). Em vista de uma Igreja presente, solidária e samaritana, propomos: redimensionar as extensas áreas geográficas das dioceses, vicariatos e prelazias; criar um fundo amazônico de apoio à evangelização; sensibilizar e encorajar as agências de cooperação católica internacional para apoiar as atividades de evangelização além dos projetos sociais. 

113. Em 2015, ao comemorar o 50′ aniversário da instituição do Sínodo dos Bispos por São Paulo VI, o papa Francisco nos convidou a renovar a comunhão sinodal nos vários níveis de vida da Igreja: local, regional e universal. A Igreja está desenvolvendo uma compreensão renovada da sinodalidade em escala regional. Apoiada pela tradição, a Comissão Teológica Internacional expressa: “O nível regional no exercício da sinodalidade é aquele que ocorre nos reagrupamentos de Igrejas particulares presentes na mesma região: uma província – como aconteceu especialmente nos primeiros séculos da Igreja – ou um país, um continente ou parte dele” (Documento “Sinodalidade na vida e missão da Igreja”, Vaticano, 2018, 85). O exercício da sinodalidade neste nível reforça os laços espirituais e institucionais, favorece o intercâmbio de dons e ajuda a projetar critérios pastorais comuns. A pastoral social conjunta das dioceses situadas nas fronteiras dos países deve ser reforçada para enfrentar problemas comuns que ultrapassam o âmbito local, como a exploração de pessoas e territórios, o tráfico de drogas, a corrupção, o tráfico de pessoas etc. O problema da migração deve ser abordado de forma coordenada pelas igrejas fronteiriças. 

b. Universidades e novas estruturas sinodais amazônicas 

114. Propomos a criação de uma Universidade Católica Amazônica que tenha como base pesquisas interdisciplinares (incluindo estudos de campo), inculturação e diálogo intercultural; que a teologia inculturada inclua formação conjunta para ministérios laicais e formação de sacerdotes, baseada principalmente na Sagrada Escritura. As atividades de pesquisa, educação e extensão devem incluir programas de estudos ambientais (conhecimento teórico baseado na sabedoria dos povos que vivem na região amazônica) e estudos étnicos (descrição das diferentes línguas etc.). A formação de professores, o ensino e a produção de materiais didáticos inculturados devem respeitar os costumes e as tradições dos povos indígenas, e realizando atividades de extensão em diferentes países e regiões. Pedimos às universidades católicas da América Latina que ajudem na criação da Universidade Católica Amazônica e acompanhem seu desenvolvimento. 

c. Organismo eclesial regional pós-sinodal para a região amazônica 

115. Propomos criar um organismo episcopal que promova a sinodalidade entre as igrejas da região, que ajude a construir o rosto amazônico desta Igreja e que continue a tarefa de encontrar novos caminhos para a missão evangelizadora, incorporando especialmente a proposta da ecologia integral, fortalecendo assim a fisionomia da Igreja Amazônica. Trata-se de um organismo episcopal permanente e representativo que promova a sinodalidade na região amazônica, articulado com o CELAM, com estrutura própria, em uma organização simples e também articulada com a REPAM. Deste modo, pode ser o canal eficaz para assumir, a partir do território da Igreja latino-americana e caribenha, muitas das propostas que surgiram neste Sínodo. Seria o nexo que articula redes e iniciativas eclesiais e socioambientais em nível continental e internacional. 

d. Rito para os povos originários 

116. O Concílio Vaticano II abriu espaços ao pluralismo litúrgico para variações e legítimas adaptações a diversos grupos e povos (cf. SC 38). Neste sentido, a liturgia deve responder à cultura para que seja fonte e ápice da vida cristã (cf. SC 10) e para que se sinta ligada aos sofrimentos e às alegrias do povo. Devemos dar uma resposta autenticamente católica ao pedido das comunidades amazônicas de adaptar a liturgia, valorizando a cosmovisão, as tradições, os símbolos e os ritos originais que incluam dimensões transcendentes, comunitárias e ecológicas. 

117. Na Igreja Católica existe 23 ritos diferentes, sinal claro de uma tradição que desde os primeiros séculos procurou inculturar os conteúdos da fé e a sua celebração através de uma linguagem tão coerente quanto possível com o mistério que deve ser expresso. Todas essas tradições têm a sua origem em função da missão da Igreja: “As Igrejas do mesmo âmbito geográfico e cultural vieram para celebrar o mistério de Cristo com expressões particulares, caracterizadas culturalmente: na tradição do “depósito da fé”, no simbolismo litúrgico, na organização da comunhão fraterna, na compreensão teológica dos mistérios e nas várias formas de santidade” (CIC’ 1202; cf. também CIC 1200-1206). 

118. É necessário que a Igreja, na sua incansável obra evangelizadora, trabalhe para que o processo de inculturação da fé se exprima nas formas mais coerentes, para que seja também celebrado e vivido segundo as línguas próprias dos povos amazônicos. É urgente formar comissões para a tradução e redação de textos bíblicos e litúrgicos nas línguas dos diversos lugares, com os recursos necessários, preservando a matéria dos sacramentos e adaptando-os à forma, sem perder de vista o essencial. Neste sentido, é necessário estimular a música e o canto, tudo isto aceito e permitido pela liturgia. 

119. O novo organismo da Igreja na Amazônia deve constituir uma comissão competente para estudar e dialogar, segundo os usos e costumes dos povos ancestrais, a elaboração de um rito amazônico que exprima o patrimônio litúrgico, teológico, disciplinar e espiritual da Amazônia, com especial referência ao que a Lumen gentium afirma para as Igrejas Orientais (cf. LG 23). Isto acrescentaria aos ritos já presentes na Igreja, enriquecendo a obra de evangelização, a capacidade de exprimir a fé numa cultura própria e o sentido de descentralização e colegialidade que pode manifestar a catolicidade da Igreja; poderia também estudar e propor como enriquecer os ritos eclesiais com o modo como estes povos cuidam do seu território e se relacionam com as suas águas. 

CONCLUSÃO

120. Concluímos sob a proteção de Maria, Mãe da Amazônia, venerada com vários títulos em toda a região. Por sua intercessão, pedimos que este Sínodo seja expressão concreta da sinodalidade, para que a vida plena que Jesus veio trazer ao mundo (cf. Jo 10,10) chegue a todos, especialmente aos pobres, e contribua para o cuidado da “Casa comum”. Maria, Mãe da Amazônia, acompanhe nosso caminhar; a São José, fiel guardião de Maria e de seu Filho Jesus, consagramos nossa presença eclesial na Amazônia, uma Igreja de rosto amazônico e em saída missionária.

(Atenção: os grifos são nossos)

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Documento final do Sínodo para a Amazônia – Capítulo 4 Novos caminhos de conversão ecológica https://observatoriodaevangelizacao.com/documento-final-do-sinodo-para-a-amazonia-capitulo-4-novos-caminhos-de-conversao-ecologica/ Mon, 11 Nov 2019 14:03:36 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=33105 [Leia mais...]]]> Diante da situação premente do planeta e da Amazônia, a ecologia integral não é só mais um caminho que a Igreja pode escolher para o futuro neste território, é o único caminho possível, pois não há outro caminho viável para salvar a região... A defesa da vida da Amazônia e de seus povos requer uma profunda conversão pessoal, social e estrutural. A Igreja está incluída neste apelo a desaprender, aprender e reaprender, a fim de superar qualquer tendência a modelos colonizadores que tem causado danos no passado... Criar um observatório sócio-ambiental pastoral, fortalecendo a luta em defesa da vida. Realizar um diagnóstico do território e de seus conflitos socioambientais em cada Igreja local e regional, para poder assumir uma posição, tomar decisões e defender os direitos dos mais vulneráveis… Pedimos também que no Dicastério para o Serviço Integral e Desenvolvimento Humano seja criado um escritório amazônico que esteja em relação com este Observatório e as demais instituições amazônicas locais.

Pela importância para a ação evangelizadora de toda a Igreja, o processo do Sínodo para Amazônia, sua preparação, sua dinâmica fraterna e participativa de realização, sua produção, sua sinodalidade…, precisa ser bem conhecido, pois foi uma experiência inovadora e com muitos elementos originais na vida da Igreja. Ele pode inspirar e fecundar de beleza toda a caminhada da Igreja. 

O Observatório da Evangelização, já publicou a Introdução, o Capítulo 1 Amazônia: Da escuta à conversão integral, o Capítulo 2 – Novos caminhos de conversão pastoral, o Capítulo 3 – Novos caminhos de conversão cultural e, logo abaixo, o Capítulo 4 – Novos caminhos de conversão ecológica. Continuaremos a publicar cada uma das partes que compõem o documento aprovado no final do Sínodo e que foi entregue nas mãos do papa Francisco e que certamente servirá de base para a Exortação Pós- Sinodal que sairá em breve. 

Confira:

CAPITULO IV

NOVOS CAMINHOS DE CONVERSÃO ECOLÓGICA

“Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10, 10

65. Nosso planeta é um dom de Deus, porém sabemos da urgência de agir diante de uma crise socioambiental sem precedentes. Necessitamos uma conversão ecológica para responder adequadamente. Portanto, como Igreja Amazônica, diante da agressão cada vez maior contra nosso bioma ameaçado de desaparecer, com tremendas consequências para nosso planeta, nos colocamos a caminho, inspirados pela proposta da ecologia integral. Reconhecemos as feridas causadas pelo ser humano em nosso território, queremos aprender de nossos irmãos e irmãs dos povos originários, num diálogo de saberes, o desafio de dar novas respostas buscando, modelos de desenvolvimento justo e solidário. Queremos cuidar de nossa “casa comum” na Amazônia e, para tal, propomos novos caminhos.

Rumo a uma ecologia integral a partir da encíclica Laudato si‘ 

a. Ameaças contra o bioma Amazônia e seus povos 

66. Deus nos deu a terra como um dom e como tarefa, para cuidá-la e responder por ela; nós não somos seus donos. ecologia integral tem seu fundamento no fato de que “tudo está intimamente relacionado” (LS 16). Por isso, a ecologia e a justiça social estão intrinsecamente unidas (cf. LS 137). Com a ecologia integral surge um novo paradigma de justiça, uma vez que “uma verdadeira abordagem ecológica se torna sempre uma abordagem social, que deve integrar a justiça nas discussões sobre o ambiente, para escutar tanto o grito da terra como o grito dos pobres” (LS 49). A ecologia integral, assim, conecta o exercício do cuidado da natureza com o da justiça pelos mais empobrecidos e desfavorecidos da terra, que são a opção preferida de Deus na história revelada. 

67. É urgente enfrentar a exploração ilimitada da “Casa comum” e dos seus habitantes. Uma das principais causas de destruição na Amazônia é a atividade extrativa predatória, que responde à lógica da ganância, típica do paradigma tecnocrático dominante (LS 101). Diante da situação premente do planeta e da Amazônia, a ecologia integral não é só mais um caminho que a Igreja pode escolher para o futuro neste território, é o único caminho possível, pois não há outro caminho viável para salvar a região. A depredação do território vem junto do derramamento de sangue inocente e da criminalização dos defensores da Amazônia. 

68. A Igreja é parte de uma solidariedade internacional, que deve favorecer e reconhecer o papel central do bioma amazônico para o equilíbrio do clima do planeta; anima a comunidade internacional dispor de novos recursos econômicos para sua proteção e a promoção de um modelo de desenvolvimento justo e solidário, com o protagonismo e a participação direta das comunidades locais e dos povos originários em todas as fases, desde planejamento até implementação, fortalecendo também os meios já desenvolvidos pela convenção marco sobre mudança climática. 

69. É escandaloso que se criminalize os líderes, inclusive as comunidades, somente pelo fato de reclamarem seus próprios direitos. Em todos os países amazônicos há leis que reconhecem os direitos humanos, em especialmente dos povos indígenas. Nos últimos anos, a região (amazônica) passou por transformações complexas, onde os direitos humanos das comunidades têm sido impactados por normas, políticas públicas e práticas voltadas principalmente para a ampliação das fronteiras extrativistas de recursos naturais e para o desenvolvimento de megaprojetos de infraestrutura, que exercem pressão sobre os territórios ancestrais indígenas. Isso é acompanhado, segundo o mesmo relatório, por uma grave situação de impunidade na região em relação a violações de direitos humanos e de obstáculos para obter justiça (Relatório CIDH/OEA, Povos Indígenas e Tribais da Pan-Amazônia. 5 e 188. Set. 2019). 

70. Para os cristãos, o interesse e a preocupação com a promoção e o respeito dos direitos humanos, tanto individuais como coletivos, não são opcionais. O ser humano é criado à imagem e semelhança de Deus Criador, e sua dignidade é inviolável. Por isso, a defesa e a promoção dos direitos humanos não é apenas um dever político ou uma tarefa social, mas também, e sobretudo, uma exigência de fé. Talvez não possamos modificar imediatamente o modelo de um desenvolvimento destrutivo e de atividade extrativa predatória imperante, mas é necessário saber e deixar claro onde nos situamos, ao lado de quem estamos, que perspectiva assumimos, como transmitimos a dimensão política e ética de nossa palavra de fé e vida. Por esta razão:

  • a) denunciamos a violação dos direitos humanos e a destruição por atividades extrativas predatórias;
  • b) assumimos e apoiamos as campanhas de desinvestimento de empresas extrativistas relacionadas com danos socioecológicos da Amazônia, começando pelas próprias instituições eclesiais e também em aliança com outras igrejas;
  • c) conclamamos a uma mudança energética radical e a busca de alternativas: “A civilização requer energia, mas o uso da energia não deve destruir a civilização!” (Papa Francisco, Discurso aos participantes da conferência “Energy Transition and Cure of the Common House”, 9 de junho de 2018).

Propomo-nos desenvolver programas de capacitação sobre o cuidado da “Casa comum”, destinados à agentes pastorais e demais fiéis, abertos a toda a comunidade, num “esforço de conscientização da população” (LS 214).

b. O desafio de novos modelos de desenvolvimento justo, solidário e sustentável 

71. Constatamos que a intervenção do ser humano perdeu seu caráter “amigável”, para assumir uma atitude voraz e predatória que tende explorar a natureza até o esgotamento de todos os recursos naturais disponíveis. “O paradigma tecnocrático tende a dominar a economia e a política” (LS 109). Para se opor a isso, que prejudica gravemente a vida, é necessário buscar modelos econômicos alternativos, mais sustentáveis, amigáveis à natureza, com um sólido “sustento espiritual”. Por isso, junto com os povos amazônicos, pedimos que os Estados deixem de considerar a Amazônia como uma reserva inesgotável (cf. Fr. PM). Gostaríamos que desenvolvessem políticas de investimento que tenham, como condição para toda intervenção, o cumprimento de altos padrões sociais e ambientais e o princípio fundamental da preservação da Amazônia. Para isso, é necessário que levem em conta a participação dos Povos Indígenas organizados, de outras comunidades amazônicas e das diferentes instituições científicas que já estão propondo modelos de aproveitamento da floresta em pé. O novo paradigma do desenvolvimento sustentável deve ser socialmente inclusivo, combinando conhecimento científico e tradicionais para empoderar as comunidades tradicionais e indígenas, em sua maioria mulheres, fazendo com que essas tecnologias sirvam ao bem-estar e à proteção das florestas. 

72. Trata-se então de discutir o valor real que qualquer atividade econômica ou extrativa possui, ou seja, o valor que contribui e devolve à terra e à sociedade, considerando a riqueza que delas extrai e as suas consequências sócio-ecológicas. Muitas atividades extrativas, como a mineração em larga escala, particularmente a mineração ilegal, diminuem substancialmente o valor da vida na Amazônia. Com efeito, atentam contra a vida dos povos e os bens comuns da terra, concentrando o poder econômico e político nas mãos de poucos. Pior ainda, muitos desses projetos destrutivos são realizados em nome do progresso, e são apoiados – ou permitidos – por governos locais, nacionais e estrangeiros. 

73. Os povos amazônicos (cf. LS 183) e seu horizonte do “bem viver”, nos interpelam a uma conversão ecológica individual e comunitária que salvaguarde uma ecologia integral e um modelo de desenvolvimento em que os critérios comerciais não estejam acima do meio ambiente e dos direitos humanos. Queremos manter uma cultura de paz e respeito – não de violência e ultraje – e uma economia centrada na pessoa que também cuide da natureza. Por isso, propomos gerar alternativas de desenvolvimento ecológico integral a partir das cosmovisões que se constroem com as comunidades, resgatando a sabedoria ancestral. Apoiamos projetos que proponham uma economia solidária e sustentável, circular e ecológica, tanto a nível local como internacional, no âmbito da pesquisa e no campo de ação, nos setores formal e informal. Nesse sentido, seria útil sustentar e promover experiências de cooperativas de bio-produção, de reservas florestais e de consumo sustentável. O futuro da Amazônia está nas mãos de todos nós, mas depende principalmente de abandonarmos imediatamente o modelo atual que destrói a floresta, não traz bem-estar e põe em perigo este imenso tesouro natural e seus guardiões. 

Igreja que cuida da “Casa comum” na Amazônia 

a. Dimensão socioambiental da evangelização 

74. Cabe a todos nós sermos guardiões da obra de Deus. Os protagonistas do cuidado, proteção e defesa dos direitos dos povos e dos direitos da natureza nesta região são as próprias comunidades amazônicas. São elas os agentes de seu próprio destino e de sua própria missão. Neste cenário, o papel da Igreja é de aliada. Eles expressaram claramente que querem que a Igreja os acompanhe, que caminhe com eles e que não lhes imponha um modo particular de ser, um modo específico de desenvolvimento que pouco tem a ver com as suas culturas, tradições e espiritualidades. Eles sabem como cuidar da Amazônia, como amá-la e protegê-la; o que eles precisam é que a Igreja os apoie. 

75. O papel da Igreja é fortalecer essa capacidade de apoio e participação. Deste modo, promovemos uma formação que leve em conta a qualidade ética e espiritual da vida das pessoas a partir de uma visão integral. A Igreja deve dar atenção primária às comunidades afetadas por danos socioambientais. Continuando com a tradição eclesial latino-americana, onde figuras como São José de Anchieta, Bartolomeu de las Casas, os mártires paraguaios, mortos no Rio Grande do Sul (Brasil) Roque González, Santo Afonso Rodríguez e São Juan del Castillo, entre outros, nos ensinaram que a defesa dos povos originários deste continente está intrinsecamente ligada à fé em Jesus Cristo e em sua boa nova. Hoje devemos formar agentes de pastoral e ministros ordenados com sensibilidade sócio-ambiental. Queremos uma Igreja que navegue rio adentro e faça seu caminho pela Amazônia, promovendo um estilo de vida em harmonia com o território e, ao mesmo tempo, com o “bem viver” dos que ali habitam. 

76. A Igreja reconhece a sabedoria dos povos amazônicos sobre a biodiversidade, uma sabedoria tradicional que é um processo vivo e sempre em marcha. O roubo desse conhecimento é a biopirataria, uma forma de violência contra essas populações. A Igreja deve ajudar a preservar e manter estes conhecimentos e as inovações e práticas das populações, respeitando a soberania dos países e suas leis que regulam o acesso aos recursos genéticos e o conhecimento tradicional associado. Na medida do possível, deve ajudar estas populações a garantir que os benefícios da utilização destes conhecimentos, inovações e práticas sejam partilhados num modelo de desenvolvimento sustentável e inclusivo. 

77. Há uma necessidade urgente de desenvolver políticas energéticas que reduzam drasticamente a emissão de dióxido de carbono (CO2) e de outros gases relacionados com a mudança climática. As novas energias limpas ajudarão a promover a saúde. Todas as empresas devem estabelecer sistemas de monitoramento da cadeia de suprimento para garantir que a produção que compram, produzem ou vendem seja produzida de forma social e ambientalmente sustentável. Além disso, “o acesso à água potável e segura é um direito humano básico, fundamental e universal, porque determina a sobrevivência das pessoas e é, portanto, uma condição para o exercício dos demais direitos humanos” (LS, 30). Este direito é reconhecido pelas Nações Unidas (2010). Precisamos trabalhar em conjunto para que o direito fundamental de acesso à água potável seja respeitado no território. 

78. A Igreja opta pela defesa da vida, da terra e das culturas originárias da Amazônia. Isso implicaria acompanhar os povos amazônicos no registro, sistematização e difusão de dados e informações sobre seus territórios e a situação jurídica. Queremos priorizar a incidência e o acompanhamento para alcançar a demarcação de terras, especialmente a do PIACI (América de língua espanhola) ou PIAV (América de língua portuguesa). Incentivamos os Estados a cumprirem as suas obrigações constitucionais sobre estas questões, incluindo o direito de acesso à agua. 

79. A Doutrina Social da Igreja, que a muito tempo vem tratando da questão ecológica, é hoje enriquecida com uma visão mais de conjunto que abarca a relação entre os povos amazônicos e seus territórios, sempre em diálogo com seus conhecimentos e sabedorias ancestrais. Por exemplo, reconhecer o modo como os povos indígenas se relacionam e protegem os seus territórios como referência indispensável para a nossa conversão a uma ecologia integral. A esta luz, queremos criar ministérios para o cuidado da “Casa comum” na Amazônia, que tenham como função cuidar do território e das águas junto com as comunidades indígenas, e um ministério de acolhida para aqueles que são deslocados de seus territórios em direção às cidades.

b. Igreja pobre, com e para os pobres a partir das periferias vulneráveis 

80. Reafirmamos o nosso compromisso na defesa da vida em sua integralidade, desde a concepção até seu ocaso e a dignidade de todas as pessoas. A Igreja esteve e está ao lado das comunidades indígenas para salvaguardar o direito de terem uma vida própria e em paz, respeitando os valores de suas tradições, costumes e culturas, a preservação dos rios e florestas, que são espaços sagrados, fonte de vida e sabedoria. Apoiamos os esforços de tantos que corajosamente defendem a vida em todas suas formas e etapas. Nosso serviço pastoral constitui um serviço à vida plena dos povos indígenas que nos obriga a proclamar Jesus Cristo e a Boa Nova do Reino de Deus, para frear as situações de pecado, as estruturas de morte, a violência e as injustiças internas e externas e a promover o diálogo intercultural, inter-religioso e ecumênico.

Novos caminhos para a promoção ecológica integral 

a. Interpelação profética e mensagem de esperança para toda a Igreja e o mundo inteiro 

81. A defesa da vida da Amazônia e de seus povos requer uma profunda conversão pessoal, social e estrutural. A Igreja está incluída neste apelo a desaprender, aprender e reaprender, a fim de superar qualquer tendência a modelos colonizadores que tem causado danos no passado. Nesse sentido, é importante que sejamos conscientes da força do neocolonialismo que está presente em nossas decisões cotidianas e do modelo de desenvolvimento predominante que se expressa no crescente modelo agrícola de monocultura, nossos modos de transporte e o imaginário do bem-estar a partir do consumo que vivemos na sociedade e que tem implicações diretas e indiretas na Amazônia. Diante disso, um horizonte global, escutando as vozes das igrejas irmãs, queremos abraçar uma espiritualidade da ecologia integral, para promover o cuidado da criação. Para isso, devemos ser uma comunidade de discípulos missionários muito mais participativa e inclusiva.

82. Propomos definir o pecado ecológico como uma ação ou omissão contra Deus, contra o próximo, a comunidade e o meio ambiente. É um pecado contra as gerações futuras e manifesta-se em atos e hábitos de poluição e destruição da harmonia do ambiente, em transgressões contra os princípios da interdependência e a ruptura das redes de solidariedade entre as criaturas (cf. Catecismo da Igreja Católica, 340-344) e contra a virtude da justiça. Propomos também criar ministérios especiais para o cuidado da “Casa comum” e a promoção da ecologia integral em nível paroquial e em cada jurisdição eclesiástica, que tenham como funções, entre outras, o cuidado do território e das águas, bem como a promoção da encíclica Laudato sí’. Assumir o programa pastoral, educativo e de incidência da Encíclica Laudato si’ nos Capítulos V e VI em todos os níveis e estruturas da Igreja. 

83. Como forma de reparar a dívida ecológica que os países têm com a Amazônia, propomos a criação de um fundo mundial para cobrir parte dos orçamentos das comunidades presentes na Amazônia que promovem seu desenvolvimento integral e autossustentável e assim também protegê-las da avidez predatória de querer extrair seus recursos naturais através de empresas nacionais e multinacionais. 

84. Adotar hábitos responsáveis que respeitem e valorizem os povos da Amazônia, suas tradições e sabedoria, protegendo a terra e mudando nossa cultura de consumo excessivo, a produção de resíduos sólidos, estimulando o reaproveitamento e a reciclagem. Precisamos reduzir a nossa dependência dos combustíveis fósseis e uso de plásticos, alterando os nossos hábitos alimentares (consumo excessivo de carne e peixe/mariscos) com estilos de vida mais sóbrios. Comprometer-se ativamente no plantio de árvores, buscando alternativas sustentáveis na agricultura, energia e mobilidade que respeitem os direitos da natureza e os povos. Promover a educação para ecologia integral em todos os níveis, implementando novos modelos econômicos e iniciativas que promovam uma qualidade de vida sustentável.

b. Observatório Sócio-Pastoral da Amazônia 

85. Criar um observatório sócio-ambiental pastoral, fortalecendo a luta em defesa da vida. Realizar um diagnóstico do território e de seus conflitos socioambientais em cada Igreja local e regional, para poder assumir uma posição, tomar decisões e defender os direitos dos mais vulneráveis. O Observatório trabalharia em aliança com o CELAM, a CLAR, Cáritas, a REPAM, os Episcopados nacionais, as Igrejas locais, as Universidades Católicas, a CIDH, outros atores não eclesiais do continente e os representantes dos povos indígenas. Pedimos também que no Dicastério para o Serviço Integral e Desenvolvimento Humano seja criado um escritório amazônico que esteja em relação com este Observatório e as demais instituições amazônicas locais. 

(Atenção: os grifos são nossos)

Ob.: Acompanhe-nos. Na próxima postagem: 

Capítulo 5 – Novos caminhos de conversão sinodal

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33105
Documento final do Sínodo para a Amazônia – Capítulo 3 Novos caminhos de conversão cultural https://observatoriodaevangelizacao.com/documento-final-do-sinodo-para-a-amazonia-capitulo-3-novos-caminhos-de-conversao-cultural/ Sun, 10 Nov 2019 15:26:10 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=33084 [Leia mais...]]]> A nossa conversão deve ser também cultural, fazer-se o outro, aprender do outro. Estar presentes, respeitar e reconhecer seus valores, viver e praticar a inculturação e a interculturalidade no anúncio da Boa Nova. Expressar e viver a fé na Amazônia é um desafio contínuo. Ela se encarna não só no trabalho pastoral, mas em ações concretas para com o outro, nos cuidados de saúde, na educação, na solidariedade e no apoio aos mais vulneráveis… Só uma Igreja missionária inserida e inculturada fará emergir Igrejas particulares autóctones, com rosto e coração amazônicos, enraizadas nas culturas e tradições próprias dos povos, unidas na mesma fé em Cristo e diferentes em seu modo de vivê-la, expressá-la e celebrá-la… a Igreja se compromete a ser aliada dos povos amazônicos para denunciar os ataques contra a vida das comunidades indígenas, os projetos que afetam o meio ambiente, a falta de demarcação de seus territórios, bem como o modelo econômico de desenvolvimento predatório e ecocida. A presença da Igreja entre as comunidades indígenas e tradicionais exige a consciência de que a defesa da terra não tem outra finalidade senão a defesa da vida. ”

Pela importância para a ação evangelizadora de toda a Igreja, o processo do Sínodo para Amazônia, sua preparação, sua dinâmica fraterna e participativa de realização, sua produção, sua sinodalidade…, precisa ser bem conhecido, pois foi uma experiência inovadora e com muitos elementos originais na vida da Igreja. Ele pode inspirar e fecundar de beleza toda a caminhada da Igreja. 

O Observatório da Evangelização, já publicou a Introdução, o Capítulo 1 Amazônia: Da escuta à conversão integral, o Capítulo 2 – Novos caminhos de conversão pastoral, e, logo abaixo, o Capítulo 3 – Novos caminhos de conversão cultural. Continuaremos a publicar cada umas das partes que compõem o documento aprovado no final do Sínodo e que foi entregue nas mãos do papa Francisco e que certamente servirá de base para a Exortação Pós- Sinodal que sairá em breve. 

Confira:

CAPITULO III

NOVOS CAMINHOS DE CONVERSÃO CULTURAL

“E a Palavra se fez carne e veio morar entre nós” (Jo 1,14) 

41. A América Latina possui uma imensa biodiversidade e uma grande diversidade cultural. Nela, a Amazônia é terra de florestas e águas, de pântanos e várzeas, savanas e serras, mas sobretudo uma terra de inúmeros povos, muitos deles milenares, habitantes ancestrais do território, povos de antigos perfumes que continuam a perfumar o continente contra todo desespero. A nossa conversão deve ser também cultural, fazer-se o outro, aprender do outro. Estar presentes, respeitar e reconhecer seus valores, viver e praticar a inculturação e a interculturalidade no anúncio da Boa Nova. Expressar e viver a fé na Amazônia é um desafio contínuo. Ela se encarna não só no trabalho pastoral, mas em ações concretas para com o outro, nos cuidados de saúde, na educação, na solidariedade e no apoio aos mais vulneráveis. Gostaríamos de partilhar tudo isto nesta seção.

O rosto da Igreja nos povos amazônicos 

42. Nos territórios da Amazônia há uma realidade pluricultural que exige ter um olhar que inclua a todos, usando expressões que permitam identificar e vincular todos os grupos e refletir identidades que são reconhecidas, respeitadas e promovidas tanto na Igreja quanto na sociedade, que devem encontrar nos povos amazônicos um interlocutor válido para o diálogo e o encontro. Puebla fala dos rostos que habitam a América Latina e observa que, nos povos indígenas, há uma mestiçagem que cresceu e continua crescendo com o encontro e os desencontros entre as diferentes culturas que fazem parte do continente. Este rosto, também da Igreja na Amazônia, é um rosto encarnado em seu território, que evangeliza e abre caminhos para que os povos se sintam acompanhados em diferentes processos de vida evangélica. Também está presente um renovado sentido missionário por parte dos habitantes dos mesmos povos, realizando a missão profética e samaritana da Igreja, que deve ser reforçada pela abertura ao diálogo com as outras culturas. Só uma Igreja missionária inserida e inculturada fará emergir Igrejas particulares autóctones, com rosto e coração amazônicos, enraizadas nas culturas e tradições próprias dos povos, unidas na mesma fé em Cristo e diferentes em seu modo de vivê-la, expressá-la e celebrá-la.

a. Os valores culturais dos povos amazônicos 

43. Nos povos da Amazônia encontramos ensinamentos para a vida. Os povos originários e aqueles que chegaram mais tarde e focaram sua identidade na convivência, trazem valores culturais nos quais descobrimos as sementes do Verbo. Na floresta, não só a vegetação se entrelaça apoiando uma espécie à outra, mas também os povos se relacionam entre si em uma rede de alianças que beneficiam a todos. A floresta vive de inter-relações e interdependências e isso acontece em todas as áreas da vida. Graças a isso, o frágil equilíbrio da Amazônia foi mantido durante séculos. 

44. O pensamento dos povos indígenas oferece uma visão integradora da realidade, capaz de compreender as múltiplas conexões existentes entre tudo o que foi criado. Isto contrasta com a corrente dominante do pensamento ocidental que tende a fragmentar-se para compreender a realidade, mas não consegue articular novamente o conjunto de relações entre os vários campos do conhecimento. O manejo tradicional do que a natureza lhes oferece tem sido feita da forma que hoje chamamos de manejo sustentável. Também encontramos outros valores nos povos originários como a reciprocidade, a solidariedade, o sentido comunitário, a igualdade, a família, sua organização social e o sentido de serviço. 

b. Igreja presente e aliada dos povos nos seus territórios 

45. A ganância pela terra está na raiz dos conflitos que levam ao etnocídio, bem como ao assassinato e à criminalização dos movimentos sociais e de suas lideranças. A demarcação e proteção da terra é uma obrigação dos Estados nacionais e de seus respectivos governos. No entanto, boa parte dos territórios indígenas está desprotegida e os já demarcados estão sendo invadidos por frentes extrativistas predatórias como mineração e extração florestal, por grandes projetos de infraestrutura, por cultivos ilícitos e por grandes propriedades que promovem a monocultura e a pecuária extensiva. 

46. Desta forma, a Igreja se compromete a ser aliada dos povos amazônicos para denunciar os ataques contra a vida das comunidades indígenas, os projetos que afetam o meio ambiente, a falta de demarcação de seus territórios, bem como o modelo econômico de desenvolvimento predatório e ecocida. A presença da Igreja entre as comunidades indígenas e tradicionais exige a consciência de que a defesa da terra não tem outra finalidade senão a defesa da vida. 

47. A vida dos povos indígenas, mestiços, ribeirinhos, camponeses, quilombolas e/ou afrodescendentes e comunidades tradicionais está ameaçada pela destruição, pela exploração ambiental e pela violação sistemática de seus direitos territoriais. Os direitos à autodeterminação, à demarcação dos territórios e à consulta prévia, livre e informada devem ser defendidos. Esses povos têm “condições sociais, culturais e econômicas que os distinguem de outros setores da comunidade nacional e que são regidos total ou parcialmente por seus próprios costumes ou tradições ou por legislação especial” (Conv. 169 da OIT, art. 1, 1a). Para a Igreja, a defesa da vida, da comunidade, da terra e dos direitos dos povos indígenas é um princípio evangélico, em defesa da dignidade humana: “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10, 10b). 

48. A Igreja promove a salvação integral da pessoa humana, valorizando a cultura dos povos indígenas, falando de suas necessidades vitais, acompanhando os movimentos em suas lutas por seus direitos. O nosso serviço pastoral constitui um serviço à vida plena dos povos indígenas, que nos leva a anunciar a Boa Nova do Reino de Deus e a denunciar situações de pecado, estruturas de morte, violência e injustiça, promovendo o diálogo intercultural, inter-religioso e ecumênico (cf. DAp 95). 

49. Um capítulo específico destaca os Povos Indígenas em Isolamento Voluntário (PIAV) ou Povos Indígenas em Isolamento e Contato Inicial (PIACI). Na Amazônia existem cerca de 130 aldeias ou segmentos de aldeias que não mantêm contatos sistemáticos ou permanentes com a sociedade do entorno. Os abusos e as violações sistemáticos do passado provocaram a sua migração para lugares mais inacessíveis, procurando proteger e preservar a sua autonomia e optando por limitar ou evitar as suas relações com terceiros. Hoje eles continuam tendo suas vidas ameaçadas pela invasão de seus territórios a partir de diferentes frentes e por sua baixa demografia, deixando-os expostos à limpeza étnica e ao desaparecimento. Em seu encontro de janeiro de 2018 com os povos indígenas em Puerto Maldonado, o papa Francisco nos recorda que eles “são os mais vulneráveis entre os vulneráveis (…) Continuem a defender esses irmãos mais vulneráveis. A sua presença nos recorda que não podemos dispor dos bens comuns ao ritmo da ganância do consumo”. (Fr. PM). Uma opção pela defesa da PIAV/PIACI não isenta as Igrejas locais da responsabilidade pastoral por elas. 

50. Essa responsabilidade deve se manifestar em ações específicas de defesa de seus direitos, em ações de incidência para que os Estados assumam a defesa de seus direitos através da garantia legal e inviolável dos territórios que tradicionalmente ocupam, incluindo a adoção de medidas cautelares em regiões onde há apenas sinais de sua presença, não se confirmando oficialmente e estabelecendo mecanismos de cooperação bilateral entre Estados, quando esses grupos ocupam espaços transfronteiriços. O respeito pela sua autodeterminação e pela sua livre escolha sobre o tipo de relações que querem estabelecer com outros grupos deve ser sempre garantido. Isso exigirá que todo o povo de Deus, e especialmente as populações vizinhas aos territórios do PIAV/PIACI, sejam conscientizadas do respeito a esses povos e da importância da inviolabilidade de seus territórios. Como disse São João Paulo II em Cuiabá, em 1991, “A Igreja, queridos irmãos e irmãs indígenas, esteve e estará sempre ao vosso lado para defender a dignidade do ser humano, o seu direito a ter uma vida pacífica, respeitando os valores das suas tradições, costumes e culturas”. 

Caminhos para uma Igreja inculturada 

51. Cristo com a encarnação deixou a sua condição divina e se fez homem numa cultura concreta para se identificar com toda a humanidade. A inculturação é a encarnação do Evangelho nas culturas autóctones (“o que não é assumido não é redimido”, Santo Irineu, cf. Puebla 400) e, ao mesmo tempo, a introdução destas culturas na vida da Igreja. Neste processo os povos são protagonistas e acompanhados por seus agentes e pastores.

a. Vivência da fé expressa na piedade popular e na catequese inculturada 

52. A piedade popular é um meio importante que vincula muitos povos da Amazônia com suas vivências espirituais, suas raízes culturais e sua integração comunitária. São manifestações com as quais o povo expressa a sua fé, através de imagens, símbolos, tradições, ritos e outros sacramentais. As peregrinações, procissões e celebrações patronais devem ser apreciadas, acompanhadas, promovidas e algumas vezes purificadas, porque são momentos privilegiados de evangelização que devem conduzir ao encontro com Cristo. As devoções marianas estão profundamente enraizadas na Amazônia e em toda a América Latina. 

53. É característica a não clericalização das irmandades, confrarias e grupos ligados à piedade popular. Os leigos assumem um papel de liderança difícil de alcançar em outras esferas eclesiais, com a participação de irmãos e irmãs que exercem serviços e dirigem orações, bênçãos, cantos sagrados tradicionais, animam novenas, organizam procissões, promovem as festas patronais etc. É necessário “dar uma catequese apropriada e acompanhar a fé já presente na religiosidade popular. Um caminho concreto poderia ser oferecer um processo de iniciação cristã que nos leve a nos tornarmos cada vez mais semelhantes a Jesus Cristo, provocando a progressiva apropriação de suas atitudes” (DAp 300).

b. O mistério da fé refletido numa teologia inculturada 

54. A teologia índia, a teologia do rosto amazônico e a piedade popular já são riquezas do mundo indígena, de sua cultura e espiritualidade. Quando o missionário e agente pastoral leva a palavra do Evangelho de Jesus, ele se identifica com a cultura e concretiza o encontro do qual nasce o testemunho, o serviço, o anúncio e a aprendizagem das línguas. O mundo indígena com seus mitos, narrativas, ritos, cantos, danças e expressões espirituais enriquece o encontro intercultural. Puebla já reconhece que “as culturas não são terrenos vazios, desprovidos de valores autênticos”. A evangelização da Igreja não é um processo de destruição, mas de consolidação e fortalecimento desses valores; uma contribuição para o crescimento das “sementes do Verbo”. (DP 40, cf. GS 57) presente nas culturas.

Caminhos para uma Igreja intercultural 

a. Respeito às culturas e aos direitos dos povos 

55. Todos nós somos convidados a nos aproximarmos dos povos amazônicos de igual para igual, respeitando sua história, suas culturas, seu estilo de “bem viver” (PF 06.10.19). O colonialismo é a imposição de certos modos de vida de alguns povos sobre outros, seja econômica, cultural ou religiosa. Rejeitamos uma evangelização ao estilo colonial. Anunciar a Boa Nova de Jesus implica reconhecer as sementes do Verbo já presentes nas culturas. A evangelização que hoje propomos para a Amazônia é o anúncio inculturado que gera processos de interculturalidade, que promovem a vida da Igreja com identidade e rostos amazônicos.

b. Promoção do diálogo intercultural no mundo globalizado 

56. Na tarefa evangelizadora da Igreja, que não deve ser confundida com o proselitismo, devemos incluir processos claros de inculturação dos nossos métodos e esquemas missionários. Especificamente, propõe-se que os centros de pesquisa e pastoral da Igreja, em aliança com os povos indígenas, estudem, compilem e sistematizem as tradições das etnias amazônicas para favorecer uma obra educativa que parta de sua identidade e cultura, ajude na promoção e defesa de seus direitos, preserve e dissemine seu valor no cenário cultural latino-americano. 

57. As ações educativas são hoje desafiadas pela necessidade de inculturação. É um desafio buscar metodologias e conteúdos adequados aos povos nos quais queremos exercer o ministério do ensino. Para isso, é importante o conhecimento de suas línguas, suas crenças e aspirações, suas necessidades e esperanças, bem como a construção coletiva de processos educativos que tenham, tanto na forma quanto no conteúdo, a identidade cultural das comunidades amazônicas, insistindo na formação de uma ecologia integral como eixo transversal.

c. Desafios à saúde, educação e comunicação 

58. A Igreja assume como uma importante tarefa a promoção da educação sanitária preventiva e a oferta de cuidados de saúde nos lugares onde a assistência do Estado não chega. É necessário favorecer iniciativas de integração que beneficiem a saúde das populações amazônicas. Também é importante promover a socialização do conhecimento ancestral no campo da medicina tradicional específica de cada cultura. 

59. Dentre as complexidades do território amazônico, destacamos a fragilidade da educação, especialmente entre os povos indígenas. Embora a educação seja um direito humano, a qualidade da educação é deficiente e os abandonos são muito frequentes, especialmente entre as meninas. A educação evangeliza, promove a transformação social, capacitando as pessoas com um senso crítico saudável. “Uma boa educação escolar numa idade precoce coloca sementes que podem produzir efeitos ao longo da vida” (LS 213). É nossa tarefa promover uma educação para a solidariedade que nasce da consciência de uma origem comum e de um futuro partilhado por todos (cf. LS 202). Deve-se exigir dos governos a implementação de uma educação pública, intercultural e bilíngue. 

60. O mundo cada vez mais globalizado e complexo desenvolveu uma rede de informação sem precedentes. Entretanto, tal fluxo instantâneo da informação não leva à melhor comunicação ou conexão entre povos. Na Amazônia, queremos promover uma cultura comunicativa que favoreça o diálogo, a cultura do encontro e o cuidado da “Casa comum”. Motivados por uma ecologia integral, queremos fortalecer os espaços de comunicação já existentes na região, a fim de promover urgentemente uma conversão ecológica integral. Para isso, é necessário colaborar com a formação de agentes de comunicação autóctones, especialmente indígenas. Eles não são somente interlocutores privilegiados para a evangelização e a promoção humana no território, mas também nos ajudam a difundir a cultura do “bem viver” e do cuidado da criação. 

61. Para desenvolver as diversas conexões com toda a Amazônia e melhorar a sua comunicação, a Igreja quer criar uma rede de comunicação eclesial panamazônica, que inclua os vários meios utilizados pelas Igrejas particulares e outros organismos eclesiais. A sua contribuição pode ter ressonância e ajuda na conversão ecológica da Igreja e do planeta. A REPAM pode colaborar na assessoria e apoio aos processos de capacitação, monitoramento e fortalecimento da comunicação na região panamazônica.

 

Novos caminhos para a conversão cultural

62. Nesse sentido, propomos a criação de uma rede de escolas de educação bilíngue para a Amazônia (semelhante a Fé e Alegria) que articule propostas educativas que respondam às necessidades das comunidades, respeitando, valorizando e integrando a identidade cultural e linguística. 

63. Queremos sustentar, apoiar e favorecer as experiências educativas de educação intercultural bilíngue já existentes nas jurisdições eclesiásticas da Amazônia e envolver as universidades católicas no trabalho em rede. 

64. Buscaremos novas formas de educação convencional e não convencional, como a educação a distância, de acordo com as necessidades dos lugares, dos tempos e das pessoas. 

(Atenção: os grifos são nossos)

Ob.: Acompanhe-nos. Na próxima postagem: 

Capítulo 4 – Novos caminhos de conversão ecológica

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“Um sínodo que auscultou o Espírito no clamor do povo”, testemunho profético do pe. Agenor Brighenti https://observatoriodaevangelizacao.com/um-sinodo-que-auscultou-o-espirito-no-clamor-do-povo-testemunho-profetico-do-pe-agenor-brighenti/ Sat, 09 Nov 2019 20:29:58 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=33066 [Leia mais...]]]> “Sem dúvida, uma das marcas deste Sínodo foi a escuta atenta dos participantes, com muitas intervenções seguidas de calorosos aplausos, em especial de indígenas e mulheres. E nos quatro minutos de silêncio depois de cada quatro intervenções, procurou-se auscultar as interpelações do Espírito… o Sínodo para a Amazônia, por ser da periferia, por ter sido preparado e realizado sinodalmente, por ter dado voz em especial aos povos indígenas e às mulheres, por fazer da defesa e cuidado da ecologia uma agenda pastoral, incomodou a muitos, de fora e de dentro da Igreja”.

Confira o testemunho profético do teólogo pastoralista pe. Agenor Brighenti sobre o Sínodo para a Amazônia:

Um sínodo que auscultou o Espírito no clamor do povo

Pe. Agenor Brighenti

Sem dúvida, uma marca do Sínodo da Amazônia foi a presença, além dos 186 padres sinodais, de bom número de indígenas, muitos deles e delas vestidos a caráter. Como disse um indígena: “Papa Francisco, gracias a Usted, los emplumados están en su casa y nos sentimos acogidos en su corazón”. Também houve a presença de auditores, peritos, delegados fraternos de outras Igrejas, assim como convidados especiais. 

Registro de momento do Sínodo para a Amazônia.

Em caminho, um novo perfil de sínodo

A pluralidade de participantes era a expressão de um novo perfil de Sínodo, definido recentemente pela nova Constituição apostólica Episcopalis communio (18/09/2018). Ela põe este organismo de assessoria ao Primado, criado por Paulo VI, em 1965, no final do Concílio, a “serviço de todo o povo de Deus”. Para Francisco, o Sínodo dos Bispos precisa ser “um canal que proporcione mais à evangelização do mundo atual que à auto-preservação” (n. 1). Por isso, passou a ser um organismo intimamente ligado ao sensus fidei de todo o povo de Deus, no seio do qual o bispo, além de mestre se torna também “discípulo, quando sabendo que o Espírito é concedido a cada batizado, se coloca à escuta da voz de Cristo que fala através de todo o povo de Deus, tornando-o infalível in credendo” (n. 5). 

A nova Constituição frisa que o bispo, como membro do povo de Deus, é chamado a “caminhar à frente, indicando o rumo, apontando o caminho; a caminhar no meio, para fortalecer o povo de Deus na unidade; a caminhar atrás, não só para que ninguém fique para trás, mas também e, sobretudo, para seguir a intuição que o povo de Deus tem para encontrar novos caminhos”. Daí, para o papa Francisco, a necessidade do Sínodo ser menos de bispos e “tornar-se cada vez mais um instrumento privilegiado de escuta do povo de Deus”, integrado também por “pessoas que não detêm o múnus episcopal” (n. 6). Assim, “aparecerá cada vez mais claro que, na Igreja de Cristo, vigora uma profunda comunhão entre os pastores e os fiéis, pois cada ministro ordenado é um batizado entre os batizados, constituído por Deus para pastorear o seu rebanho” (n. 10). Neste particular, certamente os próximos passos no aprimoramento do perfil do Sínodo precisam contemplar pelo menos três outros aspectos:

  • ser organismo mais deliberativo que consultivo, tanto que já se publica o documento final da assembleia e o resultado da votação de cada parágrafo;
  • incluir o direito de voto às mulheres, já permitido, por exemplo, aos superiores maiores das Congregações religiosas masculinas, mas não às femininas;
  • incluir o direito à palavra aos peritos, por hora, com acesso à palavra somente nos círculos menores e se o seu coordenador julgar oportuno.   

Registro de momento celebrativo do Sínodo para a Amazônia.

Quando o Espírito vem pela contramão

Foi este perfil de assembleia que se viveu no Sínodo para a Amazônia, ainda que não sem aprendizados a fazer, especialmente por pessoas colaboradoras de casa do Papa, ainda ligadas ao modus operandi do passado. Houve muita escuta no processo de preparação do Sínodo, como também durante sua realização, em clima fraterno, respeitoso, acolhedor. Mas, alguns de casa digeriam com muita dificuldade esta abertura. Parecia pedir-lhes demais se colocarem no mesmo patamar de um bispo da floresta amazônica, outrora vistos “pouco mais que índios mitrados”, como disse um bispo do Paraguai na Conferência do Rio de Janeiro, em 1955, diante da vigilância da Cúria romana. E muito mais ainda era pedir para auscultar o Espírito na voz de povos normalmente vistos como mal evangelizados, sincréticos, panteístas na veneração à pacha mama, que adentram a Basílica de São Pedro e vão fazer ofertas no altar, ornamentados com seus trajes e adornos. Numa das Congregações Gerais, o papa Francisco se disse ofendido por comentários de gente de casa, ridicularizando a presença numa procissão de ofertas, de indígenas portando seus adornos. Perguntou: “qual a diferença entre o cocar de um indígena e o tricórnio que usam alguns oficiais de nossos dicastérios?

Sem dúvida, uma das marcas deste Sínodo foi a escuta atenta dos participantes, com muitas intervenções seguidas de calorosos aplausos, em especial de indígenas e mulheres. E nos quatro minutos de silêncio depois de cada quatro intervenções, procurou-se auscultar as interpelações do Espírito. Mas, de novo, alguém de casa não hesitou em dizer em sua intervenção, que a Igreja na Amazônia havia chegado ao Sínodo com decisões tomadas, apesar do Espírito Santo. Não passou por sua cabeça se perguntar se não haveria em seu juízo uma falta de abertura para acolher o novo, que muitas vezes vem na contramão de rumos que atribuímos a Deus, mas que podem provir de um “eu” mais propenso a possuir a verdade do que a deixar-se possuir por ela. 

Registro de momento celebrativo do Sínodo para a Amazônia.

Quando a periferia vem para o centro

O fato é que o Sínodo da Amazônia, por ser da periferia, por ter sido preparado e realizado sinodalmente, por ter dado voz em especial aos povos indígenas e às mulheres, por fazer da defesa e cuidado da ecologia uma agenda pastoral, incomodou a muitos, de fora e de dentro da Igreja. De fora da Igreja, manifestaram-se elites defensoras de “uma economia que mata”, taxando a preocupação com a Casa comum de romantismo ecológico, empecilho ao desenvolvimento ou mesmo de prestar-se a iniciativas de internacionalização da região amazônica. E para elites católicas, toda proposta de abertura de novos caminhos, tende a ser vista como ruptura com a tradição e conivência com o comunismo. De dentro da Igreja, levantaram-se segmentos tradicionalistas ciosos da ortodoxia, do zelo pela pureza da fé, da preservação da tradição, na contramão da renovação do Concílio Vaticano II, respaldados inclusive por alguns purpurados.

Ilustrativo é o episódio relativo às três estátuas em silhueta de uma mulher indígena grávida, símbolo da vida e da fertilidade, as quais, na abertura do Sínodo, juntamente com outros objetos como canoa, rede de pesca e frutos da floresta foram levados na caminhada da Basílica de São Pedro à Aula Paulo VI, e, depois, colocados na “Casa comum” da Igreja da Traspontina. Numa madrugada, ato flagrado por câmeras, as imagens foram roubadas da Igreja e jogadas no Rio Tibre. Diante da comoção de tantos, a reação de um purpurado foi que o problema não era terem tirado imagens da Igreja, mas o fato de as terem levado para lá. Recuperadas intactas pela polícia, na última Congregação Geral, as imagens foram postas à frente da bancada da presidência do Sínodo e, o papa Francisco, numa atitude de profundo respeito à identidade dos povos, pediu perdão, como Bispo de Roma, às pessoas que se sentiram ofendidas pelo reprovável ato. Referindo-se a estas “elites” católicas e pouco cristãs, na alocução final de encerramento do Sínodo, de forma destemida, o papa Francisco citou Charles Peguy: “Porque eles não têm a coragem de estar com o mundo, acreditam estar com Deus; porque não têm a coragem de comprometer-se com as grandes causas da humanidade, acreditam lutar por Deus; porque não amam ninguém, se creem amados por Deus”. A assembleia irrompeu em calorosa e prolongada salva de palmas.

Pe. Agenor Brighenti com o papa Francisco durante o Sínodo para a Amazônia.

(Os grifos sãos nossos)

Sobre o autor:

Agenor Brighenti

Doutor em Ciências teológicas e religiosas pela Universidade Católica de Louvain, Bélgica; professor-pesquisador da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), Curitiba; professor visitante do Instituto Teológico-Pastoral para América Latina do CELAM, em Bogotá, e membro da Equipe de Reflexão Teológica-Pastoral do CELAM. Foi um dos peritos da equipe de sistematização do Sínodo para a Amazônia.

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Documento final do Sínodo para a Amazônia – Capítulo 2 Novos caminhos de conversão pastoral https://observatoriodaevangelizacao.com/documento-final-do-sinodo-para-a-amazonia-capitulo-2-novos-caminhos-de-conversao-pastoral/ Sat, 09 Nov 2019 18:53:59 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=33052 [Leia mais...]]]> Nossa conversão pastoral será samaritana, em diálogo, acompanhando pessoas com rostos concretos de indígenas, de camponeses, de afrodescendentes (quilombolas), de migrantes, de jovens e de habitantes das cidades. Tudo isso envolverá uma espiritualidade de escuta e de anúncio... A realidade pluriétnica, pluricultural, plurirreligiosa da Amazônia exige uma atitude de diálogo aberto, reconhecendo também a multiplicidade de interlocutores: os povos indígenas, ribeirinhos, camponeses e afrodescendentes, as demais Igrejas cristãs e confissões religiosas, organizações da sociedade civil, movimentos sociais populares, o Estado, enfim todas as pessoas de boa vontade que buscam a defesa da vida, a integridade da criação, a paz e o bem comum… O diálogo ecumênico, inter-religioso e intercultural deve ser assumido como o caminho indispensável da evangelização na Amazônia”.

Pela importância para a ação evangelizadora de toda a Igreja, o processo do Sínodo para Amazônia, sua preparação, sua dinâmica fraterna e participativa de realização, sua produção, sua sinodalidade…, precisa ser bem conhecido, pois foi uma experiência inovadora e com muitos elementos originais na vida da Igreja. Ele pode inspirar e fecundar de beleza toda a caminhada da Igreja. 

O Observatório da Evangelização, já publicou a Introdução o Capítulo 1 Amazônia: Da escuta à conversão integral e, logo abaixo, o Capítulo 2 – Novos caminhos de conversão pastoral. Continuaremos a publicar cada umas das partes que compõem o documento aprovado no final do Sínodo e que foi entregue nas mãos do papa Francisco e que certamente servirá de base para a Exortação Pós- Sinodal que sairá em breve. 

Confira:

CAPITULO II

NOVOS CAMINHOS DE CONVERSÃO PASTORAL

“Se alguém não nascer da água e do Espírito,  não poderá entrar no Reino de Deus” (Jo 3,5)

20. Uma Igreja missionária em saída exige de nós uma conversão pastoral. Para a Amazônia esse caminhar significa também “navegar”, através de nossos rios, nossos lagos, entre nosso povo. Na Amazônia, a água nos une, não nos separa. Nossa conversão pastoral será samaritana, em diálogo, acompanhando pessoas com rostos concretos de indígenas, de camponeses, de afrodescendentes (quilombolas), de migrantes, de jovens e de habitantes das cidades. Tudo isso envolverá uma espiritualidade de escuta e de anúncio. É assim que caminharemos e navegaremos neste capítulo.

A Igreja em saída missionária 

21. A Igreja, por natureza, é missionária e tem a sua origem no “amor fontal de Deus” (AG 2). O dinamismo missionário que brota do amor de Deus se irradia, expande, transborda e se espalha em todo universo. “Estamos inseridos pelo batismo na dinâmica do amor através do encontro com Jesus, que dá um novo horizonte à vida” (DAp 12). Este transbordamento impele a Igreja à conversão pastoral e nos transforma em comunidades vivas, trabalhando em equipes e redes a serviço da evangelização. A missão assim entendida não é algo opcional, uma atividade da Igreja entre outras, mas sua própria natureza. A Igreja é missão! “A ação missionária é o paradigma de toda a obra da Igreja” (EG 15). Ser um discípulo missionário é mais do que apenas fazer tarefas ou fazer coisas. Está situada na ordem do ser. “Jesus indica a nós, seus discípulos, que nossa missão no mundo não pode ser estática, mas itinerante. O cristão é um itinerante” (Francisco, Angelus, 30/06/2019).

a. Igreja samaritana, misericordiosa, solidária 

22. Queremos ser uma Igreja amazônica, samaritana, encarnada no modo como o Filho de Deus se encarnou: “Tomou sobre si as nossas doenças e suportou as nossas dores” (Mt 8, 17b). Aquele que se fez pobre para nos enriquecer com a sua pobreza (2 Cor 8, 9), através do seu Espírito, exorta os discípulos missionários de hoje a saírem ao encontro de todos, especialmente dos povos originários, dos pobres, dos excluídos da sociedade e dos outros. Desejamos também uma Igreja madalena, que se sinta amada e reconciliada, que anuncie com alegria e convicção Cristo crucificado e ressuscitado. Uma Igreja mariana que gera filhos para a fé e os educa com afeto e paciência, aprendendo também com as riquezas dos povos. Queremos ser uma Igreja servidora, querigmática, educadora, inculturada, no meio dos povos que servimos.

b. A Igreja em diálogo ecumênico, inter-religioso e cultural 

23. A realidade pluriétnica, pluricultural, plurirreligiosa da Amazônia exige uma atitude de diálogo aberto, reconhecendo também a multiplicidade de interlocutores: os povos indígenas, ribeirinhos, camponeses e afrodescendentes, as demais Igrejas cristãs e confissões religiosas, organizações da sociedade civil, movimentos sociais populares, o Estado, enfim todas as pessoas de boa vontade que buscam a defesa da vida, a integridade da criação, a paz e o bem comum. 

24. Na Amazônia, “as relações entre católicos e pentecostais, carismáticos e evangélicos não são fáceis. O surgimento repentino de novas comunidades, ligadas à personalidade de alguns pregadores, contrasta fortemente com os princípios e a experiência eclesiológica das Igrejas históricas e pode ocultar o perigo de ser arrastado pelas ondas emocionais do momento ou de confinar a experiência de fé em ambientes protegidos e tranquilizadoras. O fato de que muitos fiéis católicos sintam-se atraídos por essas comunidades é motivo de atrito, mas pode tornar-se, de nossa parte, motivo de exame pessoal e de renovação pastoral” (Papa Francisco, 28.9.2018). O diálogo ecumênico, inter-religioso e intercultural deve ser assumido como o caminho indispensável da evangelização na Amazônia (cf. DAp 227). A Amazônia é um amálgama de credos, a maioria cristãos. Diante desta realidade, os verdadeiros caminhos de comunhão se abrem para nós: “Não bastam as manifestações de bons sentimentos. Fazem falta gestos concretos que penetrem nos espíritos e sacudam as consciências, impulsionando cada um à conversão interior, que é o fundamento de todo progresso no caminho do ecumenismo” (Bento XVI, Mensagem aos cardeais na Capela Sistina, 20/04/2005). A centralidade da Palavra de Deus na vida de nossas comunidades é fator de união e diálogo. Em torno da Palavra podem ocorrer muitas ações comuns: traduções da Bíblia para as línguas locais, edições em conjunto, difusão e distribuição da Bíblia e encontros entre teólogos e de teólogos e teólogas católicos e de diferentes confissões. 

25. Na Amazônia, o diálogo inter-religioso ocorre especialmente com as religiões indígenas e os cultos de matriz africana. Essas tradições merecem ser conhecidas, compreendidas em suas próprias expressões e em sua relação com a floresta e a mãe terra. Juntamente com eles, os cristãos, com base na sua fé na Palavra de Deus, colocam-se em diálogo, partilhando suas vidas, suas preocupações, suas lutas, suas experiências de Deus, para aprofundar mutuamente sua fé e atuar juntos em defesa da “Casa comum”. Para isso, as igrejas da Amazônia precisam desenvolver iniciativas de encontro, estudo e diálogo com os seguidores dessas religiões. O diálogo sincero e respeitoso é a ponte para a construção do “bem viver”. Na troca de dons, o Espírito Santo conduz cada vez mais à verdade e ao bem (cf. EG 250).

Igreja missionária que serve e acompanha os povos amazônicos 

26. Este Sínodo quer ser um forte apelo para que todos os batizados da Amazônia sejam discípulos missionários. O envio à missão é inerente ao batismo e é para todos os batizados. Por Ele todos nós recebemos a mesma dignidade de filhos e filhas de Deus, e ninguém pode ser excluído da missão de Jesus aos seus discípulos. “lde pelo mundo inteiro e proclamai o Evangelho a toda criatura” (Mc 16,15). Por isso acreditamos que é necessário gerar um maior impulso missionário entre as vocações nativas; a Amazônia também deve ser evangelizada pelos amazônidas.

a. Igreja com rosto indígena, camponês e afrodescendente 

27. É urgente dar à pastoral indígena o seu lugar específico na Igreja. Partimos de realidades plurais e culturas diversas para definir, elaborar e adotar ações pastorais que nos permitam desenvolver uma proposta evangelizadora em meio às comunidades indígenas, situando-nos no marco de uma pastoral indígena e da terra. A pastoral dos povos indígenas tem a sua própria especificidade. As colonizações motivadas pela atividade extrativa predatória ao longo da história, com as diferentes correntes migratórias, colocam-nas numa situação de grande vulnerabilidade. Neste contexto, como Igreja, segue sendo necessário criar ou manter uma opção preferencial pelos povos indígenas, em virtude da qual as organizações pastorais indígenas diocesanas devem ser estabelecidas e consolidadas com renovada ação missionária, que escute, dialogue, esteja encarnada e com uma presença permanente. A opção preferencial pelos povos indígenas, com as suas culturas, identidades e histórias, nos exige aspirar uma Igreja indígena com os seus próprios sacerdotes e ministros sempre unidos e em plena comunhão com a Igreja Católica. 

28. Reconhecendo a importância da atenção que a Igreja é chamada a dar na Amazônia ao fenômeno da urbanização e aos problemas e perspectivas a ela relacionados, é necessário referir-se ao mundo rural como um todo e à pastoral rural em particular. Do ponto de vista pastoral, a Igreja deve responder ao fenômeno do despovoamento do campo, com todas as consequências que dele derivam (perda de identidade, secularismo dominante, exploração do trabalho rural, desintegração familiar etc.).

b. Igreja com rosto migrante 

29. Dado seu aumento e volume, o fenômeno da migração tornou-se um desafio político, social e eclesial sem precedentes (cf. DAp, 517, a). Diante disso, muitas comunidades eclesiais têm recebido os migrantes com grande generosidade, lembrando que: “Eu era um estrangeiro e me acolhestes” (Mt 25,35). O deslocamento forçado de famílias indígenas, camponesas, afrodescendentes e ribeirinhas, expulsas de seus territórios por pressão e asfixia por falta de oportunidades, exige uma pastoral conjunta na periferia dos centros urbanos. Para isso, será necessário criar equipes missionárias para acompanhá-los, coordenando com as paróquias e outras instituições eclesiais e extraeclesiais as condições de acolhida, oferecendo liturgias inculturadas e nas línguas dos migrantes; promovendo espaços de intercâmbio cultural, favorecendo a integração na comunidade e na cidade e motivando-os neste trabalho a serem protagonistas. 

C. Igreja com rosto jovem

30. Entre os diversos rostos da realidade panamazônica, destaca-se a dos jovens presentes em todo o território. São jovens com rostos e identidades indígenas, afrodescendentes, ribeirinhos, extrativistas, migrantes, refugiados, entre outros. Jovens moradores de áreas rurais e urbanas, que diariamente sonham e buscam melhores condições de vida, com o profundo desejo de ter uma vida plena. Jovens estudantes, trabalhadores e com forte presença e participação em diversos espaços sociais e eclesiais. Entre os jovens amazônicos, são apresentadas tristes realidades como pobreza, violência, doença, prostituição infantil, exploração sexual, uso e tráfico de drogas, gravidez precoce, desemprego, depressão, tráfico de pessoas, novas formas de escravidão, tráfico de órgãos, dificuldades de acesso à educação, saúde e assistência social. Infelizmente, nos últimos anos, tem havido um aumento significativo do suicídio entre os jovens, bem como um aumento da população prisional juvenil e de crimes entre e contra os jovens, especialmente afrodescendentes e das periferias. Vivendo no grande território da Amazônia, eles têm os mesmos sonhos e desejos de outros jovens do mundo: serem considerados, respeitados, terem oportunidades para estudar, trabalhar, um futuro de esperança. Mas eles estão vivendo uma intensa crise de valores, ou uma transição para outros modos de concepção da realidade, onde os elementos éticos estão mudando, inclusive para a juventude indígena. A tarefa da Igreja é acompanhá-los para enfrentar qualquer situação que destrua a sua identidade ou prejudique a sua autoestima.

31. Os jovens também estão intensamente presentes nos contextos migratórios do território. A realidade dos jovens nos centros urbanos merece especial atenção. Cada vez mais as cidades estão recebendo todos os grupos étnicos, povos e problemas da Amazônia. A Amazônia rural está se despovoando; as cidades enfrentam enormes problemas de delinquência juvenil, falta de trabalho, lutas étnicas e injustiças sociais. Aqui, em particular, a Igreja é chamada a ser uma presença profética entre os jovens, oferecendo-lhes um acompanhamento adequado e uma educação apropriada.

32. Em comunhão com a realidade juvenil amazônica, a Igreja anuncia a Boa Nova de Jesus aos jovens, o discernimento e o acompanhamento vocacional, o lugar de valorização da cultura e identidades locais, a liderança juvenil, a promoção dos direitos dos jovens, o fortalecimento de espaços criativos, inovadores e diferenciados de evangelização através de uma renovada e audaciosa pastoral juvenil. Uma pastoral sempre em processo, centrada em Jesus Cristo e em seu projeto, dialogante e integral, comprometida com todas as realidades juvenis existentes no território. Os jovens indígenas têm enorme potencial e participam ativamente de suas comunidades e organizações, contribuindo como líderes e animadores, em defesa dos direitos, especialmente no território, saúde e educação. Por outro lado, são as principais vítimas da insegurança das terras indígenas e da ausência de políticas públicas específicas e de qualidade. A disseminação do álcool e das drogas chega muitas vezes às comunidades indígenas, prejudicando seriamente os jovens e impedindo-os de viver livremente para construir seus sonhos e participar ativamente da comunidade. 

33. O protagonismo dos jovens aparece claramente nos documentos do Sínodo para os jovens (160,46), na exortação papal Christus Vivit (170) e na Encíclica Laudato Si’ (209). Os jovens querem ser protagonistas e a Igreja amazônica quer reconhecer seu espaço; quer ser companheira de escuta, reconhecendo os jovens como lugar teológico, como “profetas da esperança”, comprometidos com o diálogo, ecologicamente sensíveis e atentos à “Casa comum”; uma Igreja que acolhe e caminha com os jovens, especialmente nas periferias. Diante disso, surgem três urgências: promover novas formas de evangelização através das redes sociais (Francisco, Christus Vivit 86); ajudar os jovens indígenas a alcançar uma sadia interculturalidade; ajudá-los a enfrentar a crise de anti-valores que destrói sua autoestima e os faz perder sua identidade. 

d. Igreja que percorre novos caminhos na pastoral urbana 

34. A forte tendência da humanidade de se concentrar nas cidades, migrando das pequenas para as grandes, também ocorre na Amazônia. O crescimento acelerado das metrópoles amazônicas é acompanhado pela geração de periferias urbanas. Ao mesmo tempo, estilos de vida, formas de convivência, linguagens e valores moldados pelas metrópoles estão sendo transmitidos e cada vez mais implantados tanto nas comunidades indígenas quanto no resto do mundo rural. A família na cidade é um lugar de síntese entre a cultura tradicional e a moderna. No entanto, as famílias sofrem frequentemente pela pobreza, habitação precária, falta de trabalho, aumento do consumo de drogas e álcool, discriminação e suicídio infantil. Além disso, na vida familiar há falta de diálogo entre as gerações e assim se perdem as tradições e a língua. As famílias também enfrentam novos problemas de saúde, que exigem uma educação adequada para a maternidade. As rápidas mudanças de hoje afetam a família amazônica. Assim, encontramos novos formatos familiares: famílias monoparentais sob a responsabilidade das mulheres, aumento das famílias separadas, uniões consensuais e famílias reunidas, diminuição dos casamentos institucionais. A cidade é uma explosão de vida, porque “Deus vive na cidade” (DAp 514). Nela há ansiedades e buscas de sentido da vida, conflitos, mas também solidariedade, fraternidade, desejo de bondade, verdade e justiça” (cf. EG 71-75). Evangelizar a cidade ou a cultura urbana significa “alcançar e, por assim dizer, modificar com a força do Evangelho os critérios de julgamento, os valores que contam, os centros de interesse, as linhas de pensamento, as fontes de inspiração e os modelos de vida da humanidade, que se apresentam em contraste com a Palavra de Deus e o projeto de salvação” (EN 19)

35. É necessário defender o direito de todas as pessoas à cidade. O direito reivindicado à cidade é definido como o gozo equitativo das cidades dentro dos princípios da sustentabilidade, democracia e justiça social. No entanto, também será necessário incidir nas políticas públicas e promover iniciativas que melhorem a qualidade de vida nas áreas rurais, evitando seu deslocamento descontrolado. 

36. As comunidades eclesiais de base foram e são um dom de Deus às Igrejas locais da Amazônia. No entanto, é necessário reconhecer que, com o tempo, algumas comunidades eclesiais se acomodaram, enfraqueceram ou até desapareceram. Mas, a grande maioria permanece perseverante e é o fundamento pastoral de muitas paróquias. Hoje, os grandes perigos das comunidades eclesiais provêm principalmente do secularismo, do individualismo, da falta de dimensão social e da ausência de atividade missionária. Portanto, é necessário que os pastores encorajam todos e cada um dos fiéis ao discipulado missionário. A comunidade eclesial deve estar presente nos espaços de participação nas políticas públicas onde se articulam ações para revitalizar a cultura, a convivência, o lazer e a festa. Devemos lutar para que as “favelas” e as “villas miséria” tenham os direitos fundamentais básicos garantidos: água, energia, moradia e promoção de uma cidadania ecológica integral. Instituir o ministério de acolhida nas comunidades urbanas da Amazônia para a solidariedade fraterna com migrantes, refugiados, desabrigados e pessoas que deixaram as áreas rurais. 

37. A realidade dos povos indígenas nos centros urbanos merece especial atenção, pois são os mais expostos aos enormes problemas da delinquência juvenil, falta de trabalho, lutas étnicas e injustiças sociais. É um dos maiores desafios da atualidade: cada vez mais cidades são destinos de todas as etnias e povos da Amazônia. Será necessário articular uma pastoral indígena da cidade que atenda a esta realidade específica. 

e. Uma espiritualidade da escuta e do anúncio 

38. A ação pastoral se sustenta em uma espiritualidade baseada na escuta da Palavra de Deus e no grito do seu povo, para poder anunciar a Boa Nova com espírito profético. Reconhecemos que a Igreja que escuta o grito do Espírito no grito da Amazônia pode apropriar-se das alegrias e esperanças, da tristeza e da angústia de todos, mas sobretudo dos mais pobres (cf. GS 1), que são os filhos e filhas prediletos de Deus. Descobrimos que as poderosas águas do Espírito, semelhantes às do rio Amazonas, que transbordam periodicamente, nos levam a essa vida em abundância que Deus nos oferece para partilhar no anúncio. 

Novos caminhos de conversão pastoral 

39. As equipes missionárias itinerantes na Amazônia, tecendo e construindo comunidades ao longo do caminho, ajudam a fortalecer a sinodalidade eclesial. Elas podem reunir vários carismas, instituições e congregações, leigos e leigas, religiosos e religiosas, sacerdotes. Somar para chegar juntos onde não podemos fazê-lo sozinhos. As itinerâncias dos missionários que deixam sua sede e passam algum tempo visitando comunidade por comunidade e celebrando sacramentos dão origem ao que é chamado de “pastoral de visita”. É um tipo de método pastoral que responde às condições e possibilidades atuais de nossas igrejas. Graças a estes métodos e à ação do Espírito Santo, estas comunidades desenvolveram também uma rica ministerialidade que é motivo de ação de graças. 

40. Propomos uma rede itinerante que reúna os diversos esforços das equipes que acompanham e dinamizam a vida e a fé das comunidades da Amazônia. Os caminhos de incidência política para a transformação da realidade devem ser discernidos com pastores e leigos. Com o objetivo de passar das visitas pastorais a uma presença mais permanente, as congregações e/ou províncias de religiosos do mundo, que ainda não estão envolvidos em missões, são convidadas a estabelecer pelo menos uma frente missionária em cada um dos países amazônicos. 

(Atenção: os grifos são nossos)

Ob.: Acompanhe-nos. Na próxima postagem: 

Capítulo 3 – Novos caminhos de conversão cultural

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Documento final do Sínodo para a Amazônia – Capítulo 1 Amazônia: Da escuta à conversão integral https://observatoriodaevangelizacao.com/documento-final-do-sinodo-para-a-amazonia-capitulo-1-amazonia-da-escuta-a-conversao-integral/ Fri, 08 Nov 2019 15:29:56 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=33033 [Leia mais...]]]> A Amazônia hoje é uma beleza ferida e deformada, um lugar de dor e violência… As escutas pré-sinodais sistematizaram as seguintes ameaças:

  • apropriação e privatização de bens da natureza, como a própria água;
  • concessões florestais legais e a entrada de madeireiras ilegais;
  • caça e pesca predatórias;
  • megaprojetos insustentáveis (hidrelétricas, concessões florestais, exploração massiva de madeira, monoculturas, estradas, hidrovias, ferrovias e projetos de mineração e petróleo);
  • contaminação causada pela indústria extrativista e lixões urbanos;
  • e, sobretudo, mudanças climáticas.

São ameaças reais associadas a graves consequências sociais: doenças derivadas da contaminação, narcotráfico, grupos armados ilegais, alcoolismo, violência contra a mulher, exploração sexual, tráfico humano, venda de órgãos, turismo sexual, perda da cultura originária e da identidade (língua, práticas espirituais e costumes), criminalização e assassinato de lideranças e defensores do território. Por trás de tudo isso estão os interesses econômicos e políticos dos setores dominantes, com a cumplicidade de alguns governantes e algumas autoridades indígenas. As vítimas são os setores mais vulneráveis, crianças, jovens, mulheres e a irmã mãe terra.

Pela importância para a ação evangelizadora de toda a Igreja, o processo do Sínodo para Amazônia, sua preparação, sua dinâmica fraterna e participativa de realização, sua produção, sua sinodalidade…, precisa ser bem conhecido, pois foi uma experiência inovadora e com muitos elementos originais na vida da Igreja. Ele pode inspirar e fecundar de beleza toda a caminhada da Igreja.

O Observatório da Evangelização, já publicou a Introdução e, logo abaixo, o Capítulo 1 – Amazônia: Da escuta à conversão integral. Contiaremos a publicar cada umas das partes que compõem o documento aprovado no final do Sínodo e que foi entregue nas mãos do papa Francisco e que certamente servirá de base para a Exortação Pós- Sinodal que sairá em breve.

Confira:

CAPÍTULO l

AMAZÔNIA: DA ESCUTA À CONVERSÃO INTEGRAL

“Ele mostrou-me um rio de água da vida, que brilhava como cristal, e brotava do trono de Deus e do Cordeiro” (Ap 22,1)

5. “Cristo aponta para a Amazônia” (Paulo VI, atrib.). Ele liberta todos do pecado e outorga a dignidade dos Filhos de Deus. A escuta da Amazônia, no espírito próprio do discípulo e à luz da Palavra de Deus e da Tradição, leva-nos a uma profunda conversão dos nossos planos e estruturas a Cristo e ao seu Evangelho.

A voz e o canto da Amazônia como mensagem de vida 

6. Na Amazônia, a vida está inserida, ligada e integrada ao território, que, como espaço físico vital e nutritivo, é possibilidade, sustento e limite de vida. A Amazônia, também chamada Panamazônia, é um extenso território com uma população estimada em 33.600.000 habitantes, dos quais entre 2 a 2,5 milhões são indígenas. Esta área, composta pela bacia do rio Amazonas e todos os seus afluentes, estende-se por 9 países: Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Brasil, Guiana, Suriname e Guiana Francesa. A região amazônica é essencial para a distribuição das chuvas nas regiões da América do Sul e contribui para os grandes movimentos de ar ao redor do planeta; atualmente é a segunda área mais vulnerável do mundo em relação às mudanças climáticas devido à ação direta do homem.

7. A água e a terra desta região alimentam e sustentam a natureza, a vida e as culturas de inúmeras comunidades indígenas, camponesas, afrodescendentes (quilombolas), caboclos, colonos, ribeirinhos e habitantes dos centros urbanos. A água, fonte de vida, possui um rico significado simbólico. Na região amazônica, o ciclo da água é o eixo de interligação. Interliga ecossistemas, culturas e o desenvolvimento do território.

8. Na região amazônica há uma realidade pluriétnica e multicultural. Os diferentes povos souberam adaptar-se ao território. Dentro de cada cultura, construíram e reconstruíram sua cosmovisão, seus símbolos e significados, e a visão de seu futuro. Nas culturas e povos indígenas, práticas antigas e explicações míticas coexistem com tecnologias e desafios modernos. Os rostos que habitam a Amazônia são muito variados. Além dos povos originários há uma grande miscigenação nascida com o encontro e o desencontro de diferentes povos. 

9. A busca dos povos indígenas amazônicos pela vida em abundância se concretiza no que eles chamam de “bem viver”, e que se realiza plenamente nas Bem-Aventuranças. Trata-se de viver em harmonia consigo mesmo, com a natureza, com os seres humanos e com o ser supremo, pois existe uma intercomunicação entre todo o cosmos, onde não há excluidores nem excluídos, e podemos criar um projeto de vida plena para todos. Tal compreensão da vida é caracterizada pela interligação e harmonia das relações entre água, território e natureza, vida comunitária e cultura, Deus e as várias forças espirituais. Para eles, “bem viver” significa compreender a centralidade do caráter relacional transcendente dos seres humanos e da criação, e implica um “bem fazer”. Este modo integral se expressa em seu próprio modo de organizar-se que parte da família e da comunidade, e que abraça o uso responsável de todos os bens da criação. Os povos indígenas aspiram alcançar melhores condições de vida, especialmente na saúde e na educação, para desfrutar do desenvolvimento sustentável protagonizado e estabelecido por eles mesmos e que mantenha a harmonia com seus modos de vida tradicionais, dialogando com a sabedoria e a tecnologia de seus antepassados e com as novas adquiridas. 

O clamor da terra e o grito dos pobres 

10. Porém, a Amazônia hoje é uma beleza ferida e deformada, um lugar de dor e violência. Os ataques à natureza têm consequências para a vida dos povos. Essa crise socioambiental única se refletiu nas escutas pré-sinodais que sistematizaram as seguintes ameaças contra a vida: apropriação e privatização de bens da natureza, como a própria água; concessões florestais legais e a entrada de madeireiras ilegais; caça e pesca predatórias; megaprojetos insustentáveis (hidrelétricas, concessões florestais, exploração massiva de madeira, monoculturas, estradas, hidrovias, ferrovias e projetos de mineração e petróleo); contaminação causada pela indústria extrativista e lixões urbanos; e, sobretudo, mudanças climáticas. São ameaças reais associadas a graves consequências sociais: doenças derivadas da contaminação, narcotráfico, grupos armados ilegais, alcoolismo, violência contra a mulher, exploração sexual, tráfico humano, venda de órgãos, turismo sexual, perda da cultura originária e da identidade (língua, práticas espirituais e costumes), criminalização e assassinato de lideranças e defensores do território. Por trás de tudo isso estão os interesses econômicos e políticos dos setores dominantes, com a cumplicidade de alguns governantes e algumas autoridades indígenas. As vítimas são os setores mais vulneráveis, crianças, jovens, mulheres e a irmã mãe terra.

11. A comunidade científica, por sua vez, alerta para os riscos do desmatamento, que até o momento representa quase 17% do total da floresta amazônica, e ameaça a sobrevivência de todo o ecossistema, colocando em perigo a biodiversidade e mudando o ciclo vital da água para a sobrevivência da floresta tropical. Além disso, a Amazônia também desempenha um papel fundamental como amortecedor das mudanças climáticas e fornece sistemas de suporte de vida fundamentais e de valor inestimável relacionados ao ar, à água, aos solos, às florestas e à biomassa. Ao mesmo tempo, especialistas recordam que, utilizando a ciência e tecnologias avançadas para uma bio economia inovadora de florestas em pé e rios correntes, é possível ajudar a salvar a floresta tropical, proteger os ecossistemas da Amazônia e os povos indígenas e tradicionais e, ao mesmo tempo, proporcionar atividades econômicas sustentáveis.

12. Um aspecto a abordar é a migração. Na Amazônia, há três processos migratórios simultâneos. Em primeiro lugar, os casos em que a mobilidade dos grupos indígenas em territórios de circulação tradicional, separados por fronteiras nacionais e internacionais. Em segundo lugar, o deslocamento forçado de povos indígenas, camponeses e ribeirinhos expulsos de seus territórios, e cujo destino final tende a ser as áreas mais pobres e menos urbanizadas das cidades. Em terceiro lugar, a migração inter-regional forçada e a situação dos refugiados que, obrigados a deixar seus países (entre outros, Venezuela, Haiti, Cuba) devem atravessar a Amazônia como um corredor migratório.

13. O deslocamento de grupos indígenas expulsos de seus territórios ou atraídos pelo falso brilho da cultura urbana representa uma especificidade única dos movimentos migratórios na Amazônia. Os casos em que a mobilidade destes grupos se realiza em territórios de circulação indígena tradicional, separados por fronteiras nacionais e internacionais, exigem atenção pastoral transfronteiriça capaz de compreender o direito à livre circulação destes povos. A mobilidade humana na Amazônia revela o rosto de Jesus Cristo empobrecido e faminto (cf. Mt 25,35), expulso e desabrigado (cf. Lc 3,1-3), e também na feminização da migração que torna milhares de mulheres vulneráveis ao tráfico humano, uma das piores formas de violência contra as mulheres e uma das mais perversas violações dos direitos humanos. O tráfico de pessoas ligado às migrações requer um trabalho pastoral permanente em rede.

14. A vida das comunidades amazônicas ainda não afetadas pela influência da civilização ocidental se reflete na crença e nos ritos sobre a ação dos espíritos da divindade, chamados de inúmeras formas, com e no território, com e em relação à natureza (LS 16, 91, 117, 138, 240). Reconheçamos que durante milhares de anos cuidaram da sua terra, das suas águas e das suas florestas, e conseguiram preservá-las até hoje para que a humanidade possa beneficiar do usufruto dos dons gratuitos da criação de Deus. Os novos caminhos da evangelização devem ser construídos em diálogo com estes conhecimentos fundamentais que se manifestam como sementes da Palavra.

A Igreja na Região Amazônica

15. A Igreja, no seu processo de escuta do clamor do território e do grito dos povos, deve fazer memória dos seus passos. A evangelização na América Latina foi um dom da Providência que chama todos à salvação em Cristo. Apesar da colonização militar, política e cultural, e além da ganância e ambição dos colonizadores, houve muitos missionários que deram suas vidas para transmitir o Evangelho. O sentido da missão não só inspirou a formação de comunidades cristãs, mas também uma legislação como as Leis das índias, que protegiam a dignidade dos indígenas contra os abusos de seus povos e territórios. Tais abusos causaram feridas nas comunidades e obscureceram a mensagem da Boa Nova. Frequentemente o anúncio de Cristo se realizou em conivência com os poderes que exploravam recursos e oprimiam as populações. No momento atual, a Igreja tem a oportunidade histórica de se diferenciar das novas potências colonizadoras, escutando os povos amazônicos para exercer com transparência sua atividade profética. Além disso, a crise socioambiental abre novas oportunidades para apresentar Cristo em todo o seu potencial libertador e humanizador.

16. Uma das páginas mais gloriosas da Amazônia foi escrita pelos mártires. A participação dos seguidores de Jesus em sua paixão, morte e ressurreição gloriosa acompanhou a vida da Igreja até hoje, especialmente nos momentos e lugares em que ela, por causa do Evangelho de Jesus, vive em meio a uma contradição acentuada, como acontece hoje com aqueles que lutam corajosamente por uma ecologia integral na Amazônia. Este Sínodo reconhece com admiração aqueles que lutam, com grande risco de vida, para defender a existência deste território.

Chamado à conversão integral 

17. A escuta do grito da terra e do grito dos pobres e dos povos da Amazônia com os quais caminhamos nos chama a uma verdadeira conversão integral, com uma vida simples e sóbria, toda alimentada por uma espiritualidade mística no estilo de São Francisco de Assis, exemplo de conversão integral vivida com alegria e louvor cristão (cf. LS 20-12). Uma leitura orante da Palavra de Deus nos ajudará a aprofundar e descobrir os gemidos do Espírito e nos encorajará em nosso compromisso de cuidar da “Casa comum”.

18. Como Igreja de discípulos missionários, suplicamos a graça da conversão que “implica deixar brotar todas as consequências do encontro com Jesus Cristo nas relações com o mundo que nos rodeia” (LS 21); uma conversão pessoal e comunitária que nos compromete a nos relacionar harmoniosamente com a obra criadora de Deus, que é a “Casa comum”; uma conversão que promova a criação de estruturas em harmonia com o cuidado da criação; uma conversão pastoral baseada na sinodalidade, que reconheça a interação de tudo o que foi criado. Conversão que nos leve a ser uma Igreja em saída que entre no coração de todos os povos amazônicos.

19. Assim, a única conversão ao Evangelho vivo, que é Jesus Cristo, poderá se desenvolver em dimensões interligadas para motivar a saída para as periferias existenciais, sociais e geográficas da Amazônia. Estas dimensões são: a pastoral, a cultural, a ecológica e a sinodal, que serão desenvolvidas nos próximos quatro capítulos.

(Atenção: os grifos são nossos)

Ob.: Acompanhe-nos. Na próxima postagem: 

Capítulo 2 – Novos Caminhos de conversão pastoral

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