Ser pai e ser mãe antigamente – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Tue, 10 Aug 2021 10:00:00 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.4 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 Ser pai e ser mãe antigamente – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 A graça de ser pai e de ser mãe: uma missão desafiante que vem passando por profundas transformações – 2ª parte https://observatoriodaevangelizacao.com/a-graca-de-ser-pai-e-de-ser-mae-uma-missao-desafiante-que-vem-passando-por-profundas-transformacoes-2a-parte/ Tue, 10 Aug 2021 10:00:00 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=40089 [Leia mais...]]]>
Registro de família
(Imagem disponível na internet)

A graça de ser pai e o ser mãe antigamente

Uma das características mais marcantes das sociedades tradicionais foi a hegemonia da cultura patriarcal. Isso significa concretamente conceber uma definição muito clara dos lugares e dos papeis do homem e da mulher, no seio da família, da comunidade e da sociedade. De certa forma, todos aceitavam, como “vontade divina”, o papel principal e a superioridade da figura masculina, bem como o papel coadjuvante e a inferioridade da figura feminina. Na cultura patriarcal, portanto, homens e mulheres não são portadores da mesma dignidade na dinamização dos processos diários na família, na comunidade e na sociedade.

Além disso no horizonte patriarcal é inconcebível que a mulher ocupe o lugar e o papel “destinados por nascimento” ao homem. Do mesmo modo, o homem não pode ocupar o lugar e o papel delimitado e defino para a mulher. Considera-se um absurdo ou “o fim do mundo” pretender uma troca ou intercâmbio de lugar ou de papel. Como se dizia lá no interior: “só quando em galinha nascer dentes ou chifres em cabeça de cavalo”. O decisivo no patriarcalismo não é a diferença de lugares ou papeis em si, mas a assimetria no exercício de poder decisório. Quem tem a última palavra é o patriarca e somente o homem pode exercer este poder.

Acontece que, na prática, a concepção patriarcal sempre favoreceu o surgimento de mentalidades deturpadas, machistas e violentas. E, por mais que tenham havido transformações e mudanças culturais, estas mentalidades deturpadas estão arraigadas até hoje na cabeça de muita gente, de homens e mulheres, inclusive, saudosistas dos áureos tempos quando a cultura patriarcal assumia a pecha de “natural”, “universal”, “imutável”, enfim, de “vontade divina”. Muitos apresentam dificuldades de se adaptarem, de perceberem e de aceitarem que o mundo mudou. Ainda que aja muita gente com práticas patriarcais, na família, na comunidade e na sociedade, tudo o que dava sustentação e legitimidade social à cultura patriarcal ruiu, ou seja, caiu por terra e não ficou pedra sobre pedra.

O papel e a função do pai e da mãe e as relações familiares

Antes de mostrar os impactos que a mudança cultural provocou no modo e no jeito de ser pai e de ser mãe, voltemos no tempo e contemplemos como as coisas funcionavam no seio da família. É claro que não podemos e nem devemos generalizar ou desconhecer a diferença de classes sociais e econômicas, a gritante diferença entre o que acontecia no mundo dos ricos e no submundo dos pobres.

Tendo presente isso, podemos dizer que a autoridade masculina era concebida como a encarnação do patriarca e do provedor na família. O homem era aquele que tinha o poder da última palavra: o que decidia e todos os demais membros da família se submetiam. Este lugar e papel social familiar eram praticamente por todos reconhecidos e respeitados. Consequentemente, à mulher cabia uma postura de submissão ao homem. Ela estava destinada ao lar e a cuidar do espaço da casa e da educação dos filhos e filhas. Aos filhos, até que crescessem e se transformassem em novos patriarcas, e às filhas, que deviam ser preparadas para o casamento e serem boas esposas e mães, a postura esperada era a de submissão. Primeiro ao arbítrio do patriarca. Segundo, na ausência do primeiro e sem contradizê-lo, à autoridade da mãe. Isso enquanto permanecessem solteiras. Depois de casadas, quem assumia o senhorio era o marido, o homem da casa, o patriarca.

É claro que, cada família concretizava uma configuração própria. E ao longo do tempo, em medidas e ritmos diferentes, cada família foi se modificando e adquirido feições específicas de acordo com o modo como cada homem e cada mulher acolhiam, internalizavam e exerciam seus papeis e funções. Mas o ideal patriarcal, consignado em leis e costumes, era sempre a referência maior, sobretudo, para se analisar e resolver conflitos, crises e acontecimentos.

A relação entre pais e filhos

A relação entre pais e filhos era singular e bastante assimétrica. Nesse sentido, não havia propriamente diálogo entre pais e filhos. Os pais literalmente mandavam nos filhos e filhas. Caso não obedecessem, eram castigados de muitas formas. Ficavam trancados e isolados, apanhavam com varas, chibatas ou cintos, sofriam ameaças diversas, eram enviados para internatos e, em muitos casos, reformatórios. Mesmo quando os filhos e filhas eram ouvidos, a decisão ou a palavra última sempre cabia aos pais. Ao patriarca estava reservado, em última instância, o direito de decisão sobre a vida dos filhos e filhas: o que e onde iriam estudar, quando e com quem iriam se casar, a profissão que seguiriam, a que castigos, nos casos de desobediência, seriam submetidos.

Havia uma criação para o filho e outra para a filha, visando os futuros lugares e papeis definidos. Não havia dúvidas, tudo estava determinado pelos costumes e regras culturais patriarcais. Não se questionava uma ordem dada pelo pai. Não se avaliava o castigo dado, se tinha sido demasiado ou violento demais. O pai, com raras exceções, não dava colo aos filhos, não arrumava uma cama, não dava banho, não trocava uma fralda, não lavava roupa, não preparava uma refeição, não acompanhava a vida escolar, enfim, não ajudava nas tarefas domésticas. Tudo isso era competência exclusiva da mãe, da mulher. A mãe quase sempre transmitia a cultura patriarcal para os filhos e para as filhas. Quase não haviam questionamentos desses costumes culturais.

Contudo, muitos filhos e filhas foram bem-criados e educados nos costumes e regras sociais. Quase sempre foram criados literalmente apenas pelas mães. Nas famílias abastadas, evidentemente, com a ajuda de babás e serviçais. Nas famílias pobres, com duplas ou triplas jornadas de trabalho. Muitas mulheres pobres tinham mais tempo para criar os filhos e as filhas dos ricos dos que os seus próprios.

Antes de continuarmos esta reflexão e debruçarmos sobre a realidade contemporânea, que tal refletirmos e trocarmos ideias sobre o processo de mudanças históricas na dinâmica familiar:

  • O que você se lembra do como seus avós viveram a experiência de ser filho ou filha e, depois, a de ser pai ou mãe?
  • O que você se lembra das mudanças culturais, quando seus pais viveram a experiência de ser filho ou filha e, depois, de ser pai ou mãe?
  • E você, quando contempla a sua experiência de ser filho ou filha, ou de ser pai ou mãe, quando compara com a experiência vivida por seus avós e seus pais, o que percebe como diferente?
  • Sobre o ser pai e o ser mãe antigamente, o que não foi contemplado no texto acima e gostaria de acrescentar?

Sobre o autor:

Edward Guimarães

Teólogo leigo pastoralista, professor. Nascido em 1968, casado há dezenove anos e pai de uma menina de seis anos. Ele é o secretário executivo do Observatório da Evangelização – PUC Minas

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