sentido – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Mon, 04 Jul 2022 19:39:05 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.4 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 sentido – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 Juventude, busca por sentido e espiritualidade https://observatoriodaevangelizacao.com/juventude-busca-por-sentido-e-espiritualidade/ Mon, 04 Jul 2022 19:39:05 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=45338 [Leia mais...]]]> A busca por sentido

A juventude contemporânea vive uma insistente angústia, originada pelo fantasma da ausência de sentido; uma angústia fundante, de ser ou não ser, existir significativamente no mundo ou não. Nesse cenário, o jovem busca encontrar sentidos e, para isso, vive em “estado de experimentação”, tentando encontrá-los na incessante experiência, que em última instância, se mostra como uma “experimentação de si mesmo”. Esse panorama atual significa para a juventude ainda mais fluidez, o que pode ser bom, por um lado, pois está livre de fundamentos arcaicos, ilusórios e, muitas vezes, violentos. No entanto, porta um profundo vazio. Está o jovem fadado a viver um constante “abismo”? De fato, há um índice crescente de depressão entre jovens, bem como automutilação e suicídio. A religião poderá “salvá-los”?

Parece que as religiões não são mais fontes de construção de sentido real (mesmo que, em muitas situações, porta ideais longínquos), sobretudo pensada como autoridade e obediência. Não vivemos mais uma sociedade vertical, mas horizontal, as relações são construídas e não impostas. Por outro lado, há um medo de se sentir desconectado neste mundo altamente conectado; “o medo de morrer cedo e de maneira violenta. É nesse tempo de incerteza que boa parcela da juventude amplia seu repertório das trajetórias religiosas possíveis” (FERNANDES, 2018).

Fica uma questão: a religião então serviria como fuga de vazios provenientes do medo? Dessa maneira, estaria verdadeiramente preenchendo sua função de “religare” e libertação?

Jovens que viveram um “narcisismo negativo”

O investimento narcísico do jovem de hoje foi pequeno. Os pais foram ausentes (pelo menos uma grande parcela), delegaram, em grande medida, à escola a educação e o afeto. O ambiente escolar passou a ser o lugar de formação da personalidade e da relação edípica (pai-mãe-bebê). O sentimento de ausência, no entanto, é existente. Um vazio impera. Um aspecto importante na relação entre pais e filhos é o de responsabilidade. O filho necessita perceber, com clareza, que alguém se responsabiliza por ele. Quem é essa figura hoje? A escola? Os pais? Os amigos virtuais? As Igrejas?

A família não é mais o lugar do afeto inicial. Vivemos, na sociedade atual, uma desconstrução da família nuclear, de um modelo de patriarcado (esse último aspecto é libertador!). Criamos instituições para fazer o trabalho do afeto infantil, aquilo que o sociólogo Pierre Bourdieu chama de “socialização primária”. A socialização secundária, que seria justamente função das instituições, passou a vir antes. A escola substituiu a família. Há um grande dilema aqui, pois a produção subjetividade veio como “desinvestimento da criança”. Presenciamos uma espécie de “narcisismo negativo” (BIRMAN, 2021). Se a modernidade foi caracterizada por excesso de narcisismo, hoje vivemos em uma sociedade narcísica justamente porque fomos pouco investidos. Por isso, se analisarmos as formas psicopatológicas do nosso tempo, encontramos características de sofrimento a partir de ausências, advindo de seres pouco investidos, próximos à melancolia e à fuga do mundo: drogas, anorexia, depressão, compulsões, borderline (personalidades que flertam com os limites) (BIRMAN, 2021).

O que acontece com a juventude de hoje na medida em que não há um reconhecimento simbólico, é uma perda de identidade, de fronteira. A violência é uma forma de manter sua posição, seu território. Em algum sentido, é uma forma de fuga da melancolia. Violência pode aparecer como automutilação, palavras fortes contra aqueles que cruzam seu caminho e mesmo fechamento em seu mundo absoluto. Lacan mostra que o estádio do espelho é o primeiro momento de formação da personalidade que nos diferencia do outro. Na medida em que me reconheço enquanto corpo que vejo, percebo as diferenças, as alteridades, o que sou e o que não sou. Nesse momento, é necessário a vivência de permanências iniciais. Quando não há essa vivência, apenas nos resta viver de forma experimental (BIRMAN, 2021).

Ao mesmo tempo, vivemos na era do individualismo, estamos “conectados na desconexão”. Nos últimos anos aumentou significativamente a oferta de produtos customizados. Na pandemia essa tendência não se apagou ou diminuiu, pois o virtual a preencheu. Interessante inclusive verificar a maior exposição de cenas e imagens mais banais no período da quarentena. O singular tem que ser imposto a todos. Estar sozinho, não aceitar vincular sua vida aos outros, é uma tendência. Há uma necessidade de que a vida gire em torno do meu gozo, por isso mesmo muitas vezes os sujeitos contemporâneos não mantêm relações. Deveríamos talvez reconstruir a ideia de união e desunião. A união poderia ser mais qualificada, refletida. A relação é uma aliança inconsciente com o outro. Há conflitos, mas não pode ter um horizonte narcísico.

Como se configura a espiritualidade dos jovens contemporâneos?

Segundo a socióloga Sílvia Fernandes (2018), em primeiro lugar, o jovem sem religião se apresenta multifacetado, podendo agregar em uma única identidade um posicionamento crítico e, ao mesmo tempo, flexível em relação às denominações religiosas. Daí a explicação para o número crescente de jovens que se declaram “sem religião” e sustentam espiritualidades plurais e sincréticas.

A antropóloga Regina Novaes (2018), afirma que juventude contemporânea vive um tempo em que as religiões não são mais as principais fontes distribuidoras de sentido e imagens estáveis da vida entregues de geração a geração pelas autoridades religiosas, reconhecidas como tal, o que corrobora a característica de fluidez que apontamos anteriormente.

Dessa maneira, as posições mais fundamentalistas ganham espaço, pois transmitem ideias objetivas e que dão a ilusão de preenchimento de vazio. Há uma preocupação em reproduzir suas crenças de forma incisiva, afastando qualquer possibilidade de autocrítica.  Nesse momento, ficam de lado a subjetividade e a singularidade do sujeito, para dar espaço ao moralismo, à objetividade e à rigidez. A diversidade e o diferente assustam, ameaçam. “Os sincretismos religiosos, cada vez mais frequentes num contexto de mundo globalizado, em que todos são convidados a se abrir para o diferente, pagam o preço, muitas vezes caro, do risco de expor as suas premissas, incorrendo na possibilidade de que sejam esvaziadas” (JOBIM, 2018).

É importante afirmar que existe uma geração de jovens que não conheceu outro caminho de espiritualidade daquele apresentado por grupos atuantes, através de mídias eficientes. O medo de perda de sentido trouxe adesão, mas pode portar também exclusão e ilusões a respeito de si e do outro, sustentando um mudo distante de dimensões do real.

            O grande paradoxo da juventude contemporânea é: ela vivenciou pouco investimento narcísico, mas vive em uma cultura narcisista, repleta pela moral do individualismo. Nessa cultura, cada um existe por si e por suas ideias, vendo o outro, o diverso, como inimigo.

Qual mundo queremos? Um mundo-da-vida, da esperança, do real? Ou um mundo da morte, da violência e das ilusões? Como nos ensina o bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte e Reitor da PUC-MINAS na apresentação do livro O Novo Humanismo: Paradigmas civilizatórios para o século XXI a partir do Papa Francisco: “Ousamos supor que um novo humanismo é necessário e possível: que as bases importantes desse humanismo estão sendo iluminadas pelo Papa Francisco; que vivemos, portanto, uma histórica oportunidade de fazer uma revisão da rota percorrida, nos últimos séculos, no Ocidente. Ousamos com Francisco ter a esperança de que a morte ainda não tenha tido a palavra final: é possível restaurar nossa casa comum; estabelecer relações mais igualitárias e equitativas; estender a todos, mulheres e homens em sua diversidade, o respeito ao Estado de direitos” (DOM MOL, 2022,

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Prof. René Dentz
É
 católico leigo, professor do departamento de Filosofia, curso de Psicologia-Praça da Liberdade na PUC-Minas, onde também atua como membro da equipe executiva do Observatório da Evangelização. Psicanalista, Doutor em Teologia pela FAJE, com pós-doutorado pelas Université de Fribourg/Suíça, Universidade Católica Portuguesa e PUC-Rio. É comentarista da TV Horizonte e da Rádio Itatiaia. Autor de 8 livros, dentre os quais “Horizontes de Perdão” (Ideias e Letras, 2020) e “Vulnerabilidade” (Ideias e Letras, 2022). Pesquisador dos Grupos de Pesquisa CAPES “Mundo do trabalho, ética e teologia” e “Diversidade afetivo-sexual e teologia”, ambos na FAJE e “Teologia e Contemporaneidade”, na PUC-Minas.

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Ainda podemos falar em felicidade? https://observatoriodaevangelizacao.com/ainda-podemos-falar-em-felicidade/ Wed, 16 Feb 2022 23:37:14 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=43498 [Leia mais...]]]> Felicidade é um tema abordado por filósofos, poetas, religiosos e tantos outros que buscaram encontrar algo próximo ao sentido da vida. Para Aristóteles, a finalidade humana é a busca pela felicidade. Se pararmos para pensar, de fato, não haveria nada mais importante na nossa existência do que ser feliz. Todas as outras dimensões deveriam convergir para a busca de uma vida feliz.

Essa busca é incessante, mas algumas vezes o ser humano demonstra muita ansiedade e se apressa em dar respostas e fixar um caminho para a felicidade. Nesses momentos, ele se equivoca! Afinal, ele busca a felicidade e encontra uma existência sem liberdade, onde todos os caminhos não pensados como importantes são ignorados. Não podemos fixar e limitar caminhos da nossa vida. Sempre teremos que fazer escolhas e essa é uma das dimensões para a vida feliz: estar sempre aberto às possibilidades e às mudanças. É comum ver na clínica psicanalítica pessoas que perdem completamente o sentido da vida após um término de relacionamento, de uma demissão do trabalho ou quando se aposentam. Todos esses processos devem ser vividos enquanto lutos, como transições existenciais. Ao contrário, muitas vezes a grande dificuldade é iniciar o processo de luto, de desapego.

Sempre teremos que fazer escolhas e essa é uma das dimensões para a vida feliz: estar sempre aberto às possibilidades e às mudanças.

Por vezes também as pessoas acham que ser feliz pode ser alcançado de forma prática. Quantos e quantos livros de autoajuda não foram lançados com a promessa de entregar uma vida feliz? E se pensarmos nos medicamentos? A indústria farmacêutica está cada vez mais voltando suas pesquisas (mais do que em outros setores de medicamentos) para a síntese entre neurociências, comportamento e inteligência artificial. Qual o motivo disso? Além de gerar muito dinheiro, é uma forma de controle. De fato, em muitos momentos da história alguma forma de poder tentou estabelecer caminhos únicos e necessários à busca da felicidade. Como falamos acima, não há nada mais importante do que esse tema, então a ciência também se volta a ele e promete entregar bons resultados. Ora, por que então, se temos tantos livros com fórmulas para a felicidade e tantos medicamentos psicotrópicos, nunca presenciamos tantos casos de depressão, ansiedade, suicídio como agora?

Precisamos aprender a lidar com a liberdade para buscarmos a felicidade. Contudo, em um momento em que entramos na era das decisões por algoritmos, o que podemos decidir? Será que ainda temos e teremos, em breve, liberdade? Não tenho dúvidas de que, se a humanidade perder seu potencial de decisões livres (mesmo que mantenha uma pequena possibilidade), não poderá ser feliz. Não seremos felizes sendo robôs, máquinas não são felizes ou tristes, simplesmente não fazem parte do mundo-da-vida. Também não somos felizes quando queremos esquecer de nós mesmos no fluxo da vida material. Em alguns contextos, a cultura indica um caminho único: a felicidade proveniente de sistemas sociais, como presenciamos na sociedade de consumo (onde há infinitas promessas de felicidade, tudo passa ser consumo, inclusive as relações humanas), bem como em sistemas totalitários, onde o Estado se vê no papel de direcionar a subjetividade.

Precisamos aprender a lidar com a liberdade para buscarmos a felicidade.

A felicidade é resultado de um horizonte humano ampliado, de uma memória apaziguada, de escuta, de alteridade, de empatia e de desejos bem elaborados. Os filósofos estavam certo: não é possível ser feliz sem buscar conhecer a si mesmo e sem a prática do bem comum. O maior equívoco do século XXI é: ninguém pode ser feliz sozinho. Narcisistas parecem ser felizes, mas encontram brevemente a melancolia proveniente de um mundo sem sentido, o seu mundo solo.

O Papa Francisco, no último domingo (13/02/2022), no Angelus, nos ofereceu uma bela reflexão a partir do evangelho de Lucas: mostra-nos o sentido da pobreza nas Bem-aventuranças, nos mostra que “o discípulo de Jesus não encontra a sua alegria no dinheiro ou em outros bens materiais, mas nos dons que recebe de Deus todos os dias: a vida, a criação, os irmãos e as irmãs, e assim por diante”. Ele ” sabe questionar-se, sabe buscar humildemente a Deus todos os dias, e isso lhe permite mergulhar na realidade, apreendendo dela a riqueza e a complexidade”.

René Dentz
É leigo, professor do departamento de Filosofia e do curso de Psicologia-Praça da Liberdade na PUC-Minas, onde também atua como membro da equipe executiva do Observatório da Evangelização. Psicanalista, doutor em Teologia pela FAJE, com pós-doutorado pelas Université de Fribourg/Suíça, Universidade Católica Portuguesa e PUC-Rio. É comentarista da TV Horizonte e da Rádio Itatiaia. Autor de 7 livros, dentre os quais “Horizontes de Perdão” (Ideias e Letras, 2020). Pesquisador do Grupo de Pesquisa CAPES “Mundo do trabalho, ética e teologia”, na FAJE-BH.

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