Seminaristas – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Wed, 09 Feb 2022 14:49:02 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.3 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 Seminaristas – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 Na Querida Amazônia, nós temos um novo norteamento, mais lúcido para as dinâmicas do Seminário https://observatoriodaevangelizacao.com/na-querida-amazonia-nos-temos-um-novo-norteamento-mais-lucido-para-as-dinamicas-do-seminario/ Wed, 09 Feb 2022 14:49:02 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=43372 [Leia mais...]]]> A formação daqueles que um dia serão os presbíteros da Amazônia foi uma das reflexões presentes no Sínodo para a Amazônia. As conclusões foram recolhidas no Documento Final do Sínodo e na Querida Amazônia, que está completando dois anos de sua publicação. O padre Zenildo Lima, reitor do Seminário São José de Manaus, foi um dos auditores na Assembleia Sinodal. Ele reflete sobre os encaminhamentos realizados, reconhecendo que “foi um pouco freado por esse contexto de pandemia”. Mesmo assim, está sendo oportunidade para “uma tomada de consciência da necessidade real de uma verdadeira reformulação dos caminhos, nos itinerários, dos processos pedagógicos, na formação presbiteral”. Entrevista de Luis Miguel Modino com Pe. Zenildo Lima, reitor do Seminário São José em Manaus-AM

Conhecer as reflexões do Sínodo e dos documentos conclusivos, onde são confirmadas as intuições já presentes anteriormente no Seminário São José de Manaus, “se torna agora uma condição necessária aqui no nosso seminário para um jovem candidato ao ministério presbiteral para servir às igrejas da Amazônia”. Daí a importância de iniciativas que vão surgindo no Seminário São José, como o Núcleo de Reflexão Pluriétnica, “expressão de tentativas de mudanças, e o que é bonito, a partir dos seminaristas, a partir de dentro”.

O padre Zenildo defende uma necessária conversão eclesial e uma revisão da ministerialidade, que ajuda em uma maior presença da Igreja nas comunidades. Um processo que está ajudando na reformulação da formação dos seminaristas, a “repensar o ministério presbiteral”, insistindo em “um ministério que é capaz de trabalhar com o ministério das mulheres”. Tudo isso gera confiança a ajuda “nesse caminho que nós vamos fazendo como Igreja da Amazônia”.

Uma das reflexões do Sínodo para a Amazônia, que recolhe o Documento Final e a Querida Amazônia, que está completando dois anos da sua publicação, é a formação dos futuros sacerdotes. Como isso está se concretizando depois de dois anos?

Para a gente falar de encaminhamentos ou de concretização de indicações o de pistas da Querida Amazônia, a gente pode abordar a partir de duas perspectivas, uma de um desdobramento mais prático, mais concreto, que foi um pouco freado por esse contexto de pandemia. Sobretudo no que diz respeito a articulações ou demandas pastorais que implicavam mais mobilidade da Igreja. Outra diz respeito a atualização de compreensões.

Nesse campo da formação presbiteral, a grande contribuição, e isso a gente pode falar de um grande desdobramento nos processos de formação presbiteral das igrejas da Amazônia, diz respeito a uma tomada de consciência da necessidade real de uma verdadeira reformulação dos caminhos, nos itinerários, dos processos pedagógicos, na formação presbiteral.

Não tenho informação que algum seminário tenha dado passos concretos nesse sentido, senão a própria CEAMA, que tem iniciado um processo, inclusive neste mês de fevereiro haverá um encontro sobre isso, que quer discutir novos caminhos para a formação presbiteral a luz do Sínodo, do Documento Final e da Querida Amazônia.

Inclusive, aqui no Seminário São José de Manaus, onde se formam os seminaristas das 9 igrejas que fazem parte do Regional Norte 1 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), uma iniciativa que surgiu no último ano foi o Núcleo de Reflexão Pluriétnica. Qual a leitura que pode ser feita disso?

Concretamente no nosso Seminário Arquidiocesano São José, que é um seminário da Arquidiocese, um seminário da província, um seminário do Regional em certo modo, primeiramente, o Sínodo trouxe a confirmação e lucidez do que nós tínhamos como intuições aqui na casa, aqui no seminário.

Se a gente pode falar de desdobramento, além do estudo, se torna agora uma condição necessária aqui no nosso seminário para um jovem candidato ao ministério presbiteral para servir às igrejas da Amazônia, ele tem que passar por um contato com as reflexões do Sínodo e as indicações dos documentos conclusivos, Documento Final e Querida Amazônia.

Um segundo elemento, a concepção de como se pensa a totalidade do processo de formação no Seminário São José de Manaus, é perpassada por essas perspectivas da Querida Amazônia, e concretamente dos seus sonhos. Quer dizer, se tem em vista que o presbítero egresso do Seminário de Manaus, alguém com esta capacidade de envolvimento com as grandes questões que desafiam a vida dos pobres, o sonho social; que tem a capacidade de dialogar com as emergências culturais e teológicas das populações amazônicas, o sonho cultural; despir-se de um modelo litúrgico mais centro-europeu para um modelo mais inculturado, a necessidade de compreender que o ministério tem que ser evidenciado dentro de uma nova dinâmica eclesial que não pode ser marcada pelo clericalismo, o sonho eclesial; e necessariamente, a pastoral de um presbítero formado na Amazônia tem que considerar a grande tarefa que é o cuidado da Casa Comum, o sonho ecológico.

Nós temos um novo norteamento mais lúcido para as dinâmicas do Seminário. Aí iniciativas mais concretas evidenciam esses elementos, como esse Núcleo de Reflexão Pluriétnica, num seminário que já tem 9 etnias, nos ajuda em certo modo a colocar em prática as reflexões, seja do ponto de vista do sonho social, seja do ponto de vista do sonho cultural. A compreensão das dinâmicas da fé, a partir também da experiência religiosa das populações indígenas, no caso das etnias presentes aqui no Seminário.

Tudo percebe que nesse Núcleo de Reflexão, que está engatinhando, está nos seus primeiros passos, tenhamos uma nova resposta muito concreta de uma nova vertente no Seminário. Não é só uma atividade, uma nova aditividade dentro do mesmo Seminário, senão correria o risco de ser vinho novo em odres velhos. Mas já é expressão de tentativas de mudanças, e o que é bonito, a partir dos seminaristas, a partir de dentro.

Uma das reflexões que surgiram no Sínodo foi passar de uma Igreja de visita, aquilo que tradicionalmente foi feito pelos padres na Igreja da Amazônia, para uma Igreja de presença. Como incentivar isso naqueles que estão se formando para serem os padres da Igreja da Amazônia nos próximos anos e décadas?

Isso passa muito aproximadamente da questão da dimensão pastoral, da dimensão missionária da formação presbiteral. Os estudantes das dioceses e prelazias do interior do Estado do Amazonas e Roraima, que vem de comunidades indígenas, ribeirinhas, passam boa parte do tempo do processo formativo na grande metrópole, Manaus, com possibilidade de experiências pastorais em paróquias da capital, algumas delas profundamente marcadas pelo elemento urbano, e algumas delas profundamente engessadas por modelos mais centralizadores.

Nós temos priorizado no Seminário as experiências pastorais que exigem dos seminaristas mais mobilidade. Experiências pastorais nas comunidades de periferia, ribeirinhas. Uma outra ferramenta muito útil nesse sentido, que também parte dos seminaristas é o Conselho Missionário de Seminaristas, o COMISE, que realiza as semanas missionárias. Vai moldando o perfil do presbítero que a gente quer para um presbítero em saída.

É claro que esta passagem, que é uma reflexão, quase se dá um chavão, da pastoral de visita para a pastoral de presença, é um passo muito longo. Porque nós vamos continuar sempre com essa dinâmica de visitas pastorais, das itinerâncias, enquanto a gente não consegue manter uma presença mais fixa de Igreja. Mas essas visitas não dependem só de mudar a estratégia pastoral, dependem da conversão eclesial, e consequentemente de uma revisão da ministerialidade.

Enquanto tudo está concentrado no ministério presbiteral vai ser necessário que esse ministério mais escasso, marque presença visitando comunidades. Quando a gente faz uma revolução ministerial na Igreja, é mais fácil assegurar a presença de outros ministérios nas comunidades eclesiais.

Quais as perspectivas para avançar nessa concretização das propostas do Sínodo para a Amazônia na formação dos futuros presbíteros?

Particularmente, no nosso Seminário, São José, estamos fazendo um processo muito interessante de reconstrução do projeto pedagógico. Já tínhamos iniciado uma reflexão que depois, não digo que se tornou obsoleta, mas que foi completamente enriquecida e repensada com as indicações do Sínodo da Amazônia. Depois o fato de mantermos sempre aproximação do Seminário diocesano com a caminhada da Igreja da região. O seminário antenado com as assembleias do Regional, com as perspectivas dos encontros do episcopado mas, sobretudo, com o que está acontecendo nas assembleias diocesanas das igrejas particulares.

Esse elemento ajuda muito a pensar essas dinâmicas que podem combinar com o que o Papa chama sonho eclesial, e o Documento Final, na verdade chama a atenção para uma conversão. E aqui vale a pena a gente destacar a necessidade de repensar o ministério presbiteral, por tanto o ministério do egresso do Seminário São Jose, dentro dessa dinâmica, disse agora há pouco, da ministerialidade. E aqui chamo a atenção de um ministério que é capaz de trabalhar com o ministério das mulheres. Não dá para pensar o seminário e o ministério presbiteral sem pensar o conjunto da ministerialidade e sem pensar a participação das mulheres nesse aspecto também. Nós, no Seminário São José, estamos muito abertos e muito confiantes nessa experiência, nesse caminho que nós vamos fazendo como Igreja da Amazônia.

Luis Miguel Modino – Padre diocesano de Madri, missionário fidei donum na Amazônia, residindo atualmente em Manaus – AM. Faz parte da Equipe de Comunicação da REPAM. Correspondente no Brasil de Religión Digital e colaborador do Observatório da Evangelização e em diferentes sites e revistas.

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E o que fazer? https://observatoriodaevangelizacao.com/e-o-que-fazer/ Thu, 15 Mar 2018 03:49:27 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=27595 [Leia mais...]]]> “A crise sobre a missão do presbítero não estava no âmbito teológico, mas adentrou a dimensão humana de “alguns”, que sinalizaram que outras preocupações tinham que ser consideradas na formação dos atuais e futuros sacerdotes”, provoca nosso colaborador, Pe. Matias Soares, ao tratar de questões seríssimas tanto para vida presbiteral quanto em relação à formação nos seminários. “O presbítero contemporâneo muitas vezes está posto nesse contexto de liquidez, esvaziamento, preocupação com as aparências, superficialidade e desejo de retropia”, continua ele. “Há quem diga que os futuros presbíteros sejam mais ‘formados pelos gurus’ das Redes do que por aqueles que têm a responsabilidade eclesial de ajudar na formação integral e integrante dos que serão os presbíteros de amanhã.” Vale a pena conferir:

 

SACERDOTES E PRESBÍTEROS: UMA LEITURA APROXIMATIVA

Por Pe. Matias Soares

O título dessa reflexão já traduz a intenção que pretendo desenvolver. Fruto de partilhas, meditações e observações pessoais, venho percebendo sinais do rosto dos presbíteros da nossa realidade brasileira. A ideia é geral e sem nenhuma pretensão de fechamento a críticas e observações que possam favorecer o amadurecimento de um caminho que precisa ser feito permanentemente, para o bem da Igreja e do povo santo de Deus, que a compõe; ou mais propriamente, que é a sua realidade e diz o que ela é, enquanto peregrina na história. A questão da pessoa e identidade do presbítero precisa ser uma preocupação constante da vida da Igreja, pois somos nós que estamos nas realidades visíveis e circunstanciais das células viventes que compõem o corpo eclesial católico.

O ponto sobre o qual quero tratar é a figura do presbítero do antes e do pós-Concílio. Como já afirmei, a linha de leitura é aproximativa, ou seja, não pretendo tratar a problemática com aprofundamentos científicos e bibliográficos quantitativos, mas com ideias bem claras, mesmo que talvez não distintas. Vejamos cinco pontos: 1) O presbítero antes do Concilio; 2) O presbítero no pós-Concílio; 3) O presbítero e o Ano Sacerdotal; 4) O presbítero da Era Digital; 5) O presbítero e a Sequela Christi.

  1. O presbítero antes do Concílio: para essa impostação, é necessário pensar o que era sinal de identidade do sacerdote nesta fase. Não uso a terminologia presbítero, neste primeiro momento. Três qualidades eram estruturantes da identidade sacerdotal neste contexto: a) a espiritualidade; b) a formação intelectual; c) a disciplina. Na Conferência Geral do Rio de Janeiro (1955), cujo tema foi “a evangelização como defesa da fé e das vocações e a preparação do clero”, podemos ter uma ideia das prioridades e a visão de sacerdote que era forjada na América Latina e, claro que, no Brasil. No cap. II (Art. I, 9, a) se afirma o que é esperado da formação nos seminários, a saber: “que todos os superiores se esforcem para manter nos seminários o ambiente espiritual, intelectual e humano necessário para formar santos, doutos e idôneos sacerdotes”. Essa era a meta da formação nos seminários. Na convivência com os sacerdotes formados naquela época, isso é algo perceptível. Esses traços eram bem presentes. A austeridade, a vida despojada, a consistente formação cultural e apostolado mais voltado para a vida sacramental, sem dispensar a preocupação com a assistência social, como a construção de abrigos, escolas, centro sociais, formação de lideranças e tantos outros sinais de protagonismo.
  2. . O presbítero no pós-Concílio: no Brasil houve uma chamada crise da identidade sacerdotal no pós-Concílio. Esse fenômeno foi constatado em toda a Igreja, ao menos daquilo que já ouvi em outros ambientes e reflexões sobre a problemática. O ideal da existência presbiteral, e aqui há de ser mencionada já essa expressão, por causa da própria impostação elaborada no Concílio (Presbyterorum Ordinis), foi orientado em direção a três horizontes: a) ministros da palavra de Deus; b) ministros dos sacramentos; c) ministério pastoral (Cf. PO, Cap. II, 4-6). A leitura e a meditação destes números são fundamentais para pensarmos a reviravolta da missão do presbítero na Igreja e para o Mundo, depois do Concílio. Ainda, para o que é relevante nesta reflexão, vale considerar o que é lembrado no final do n. 6, que afirma: “Na estruturação da comunidade cristã, os presbíteros nunca servem alguma ideologia ou facção humana, mas, como anunciadores do Evangelho e pastores da Igreja, trabalham pelo aumento espiritual do corpo de Cristo”. A continuidade da missão presbiteral, no é que essencial, continua. O presbítero de então era chamado a ser, assim como aqueles de antes do Concílio, centrados na missão para a qual o próprio Cristo os chamou, preparou e enviou (Mc 3,13-19; Lc 10,1-24; Mt 28,19-20). Coloco a menção aos vários elementos do discipulado, porque há uma recuperação conciliar do presbítero como homem da palavra, discípulo missionário, assim como todos os demais membros do povo de Deus, em íntima e indissociável missão sacerdotal e pastoral. A experiência de confusão e falta de uma justa hermenêutica fez com que a aplicação das necessárias inovações portadas pelo Concílio tivesse uma influência também no modo de ser do presbítero na América Latina. Hoje podemos pensar que o abandono do elemento dogmático e teológico, direcionou a vida presbiteral ao componente mais prático e ideológico. Com as inquietações históricas e circunstanciais vividas no Brasil, a partir de 1968, os presbíteros assumiram uma dinâmica necessária para aquele momento, mas que, nas suas bases formativas e práticas foram sendo absorvidas como uma possibilidade unilateral de ser presbítero na Igreja. Foi uma reviravolta que abandonou, em muitos contextos, outros fatores da missão quetambém tinham sua importância.
  3. O presbítero e o Ano Sacerdotal: Foi uma tentativa do Papa Bento XVI, a partir do seu horizonte teológico, reafirmar quem era o sacerdote e a sua missão no mundo contemporâneo. Há de se notar que a centralidade do sacerdote, como ‘sacramento’, é retomada e tida como uma possível resposta a necessária reorientação da identidade presbiteral. Vale ressaltar, que para Bento XVI uma das marcas desse tempo é a crise de fé pela qual passa o homem contemporâneo. Em sua leitura, o sacerdote é vocacionado a ser essa via sacramental entre Deus e esse ser humano. Eis o que afirma o então Pontífice na homilia de encerramento do Ano sacerdotal: “O sacerdote não é simplesmente o detentor de um ofício, como aqueles de que toda a sociedade tem necessidade para nela se realizarem certas funções. É que o sacerdote faz algo que nenhum ser humano, por si mesmo, pode fazer: pronuncia em nome de Cristo a palavra da absolvição dos nossos pecados e assim, a partir de Deus, muda a situação da nossa vida. Pronuncia sobre as ofertas do pão e do vinho as palavras de agradecimento de Cristo que são palavras de transubstanciação – palavras que O tornam presente a Ele mesmo, o Ressuscitado, o seu Corpo e o seu Sangue, e assim transformam os elementos do mundo: palavras que abrem de par em par o mundo a Deus e o unem a Ele. Por conseguinte, o sacerdócio não é simplesmente ofício, mas sacramento: Deus serve-Se de um pobre homem a fim de, através dele, estar presente para os homens e agir em seu favor” (Bento XVI).  Infelizmente, com os escândalos e intensas descobertas dos casos de pedofilia, envolvendo os sacerdotes, o que fora almejado pelo Papa Bento não teve o êxito esperado. A crise sobre a missão do presbítero não estava no âmbito teológico, mas adentrou a dimensão humana de “alguns”, que sinalizaram que outras preocupações tinham que ser consideradas na formação dos atuais e futuros sacerdotes. Um desafio era lançado. O Pontífice reconhece o que estava existindo e afirma o seguinte: “E assim aconteceu que, precisamente neste ano de alegria pelo sacramento do sacerdócio, vieram à luz os pecados dos sacerdotes, sobretudo o abuso contra crianças, no qual o sacerdócio enquanto serviço da solicitude de Deus em benefício do homem se transforma no contrário. Também nós pedimos insistentemente perdão a Deus e às pessoas envolvidas, enquanto pretendemos e prometemos fazer tudo o possível para que um tal abuso nunca mais possa suceder; prometemos que, na admissão ao ministério sacerdotal e na formação ao longo do caminho de preparação para o mesmo, faremos tudo o que pudermos para avaliar a autenticidade da vocação, e que queremos acompanhar ainda mais os sacerdotes no seu caminho, para que o Senhor os proteja e guarde em situações penosas e nos perigos da vida” (Bento XVI). Tal situação questiona a Igreja internamente e a desacredita externamente. Há um desgaste, que está na sombra do agir moral da instituição, que ainda, apesar de muitas iniciativas tanto para rever a formação e o acompanhamento dos sacerdotes, quanto para apurar os escândalos e punir os culpados,  segue sendo bombardeada de muitos modos.
  4. O presbítero da Era Digital: aqui, usando o que é marca da época pós-moderna, quero situar a figura do presbítero nessa nova realidade líquida. O presbítero contemporâneo muitas vezes está posto nesse contexto de liquidez, esvaziamento, preocupação com as aparências, superficialidade e desejo de retropia (expressão usada por Bauman para descrever um desejo de volta ao passado). Essa confusão está reorientando a própria formação nos seminários. Há quem diga que os futuros presbíteros sejam mais “formados pelos gurus” das Redes do que por aqueles que têm a responsabilidade eclesial de ajudar na formação integral e integrante dos que serão os presbíteros de amanhã. Em contrapartida, as sementes de uma ideologização pós-conciliar, que consagram a polarização clerical entre os assim chamados conservadores e progressistas, os de direita e os de esquerda, impulsionam a uma desgastante confusão de qual seja o “rosto do presbítero da Igreja no Brasil, nos dias atuais”. Quando nós, os presbíteros brasileiros que estudamos em Roma, fomos recebidos em audiência pelo Papa Francisco, o mesmo nos pediu: “sejam um sinal de esperança para o povo brasileiro”. Essas palavras devem ser, para todos nós, uma provocação que nos leva à reflexão. Como o presbítero brasileiro, nos dias de hoje, pode ser essa testemunha da esperança para o povo do Brasil? Penso que o Papa Francisco, mesmo sem uma ordem, tem nos mostrado um caminho condizente com a dinâmica do Evangelho. Leiamos e estejamos atentos às suas orientações. Mesmo sabendo que há um problema: muitos não querem a “conversão pastoral, nem missionária” que o Pontífice deseja para a Igreja nos dias de hoje. Muitos estão apegados a um modelo de sacerdócio de antes do Concílio, enquanto outros estão apegados aos ideais de presbítero do pós-Concílio, sem uma honesta e equilibrada hermenêutica do único sujeito eclesial, que é o presbítero que é sacerdote e do sacerdote que é presbítero. Temos que rezar e pensar. É urgente e necessário. Basta de busca pelo eterno retorno, como também, basta de dialética. É necessário conversão.
  5. O presbítero e a Sequela Christi: mesmo com um norte mais dogmático, uma leitura que me serve como base para pensar esse último ponto é tirada de uma leitura espiritual que fiz recentemente, que é do grande teólogo Hans Urs von Balthasar (Esistenza Sacerdotale, 2010). Sei que outras vias podem e devem ser propostas; contudo, depois de escrever algumas linhas, julgo pertinente trazer certas referências desse autor para possíveis aplicações e discussões. Para Balthasar, a espiritualidade sacerdotal é essencialmente eclesial e mariana. Pois, a imagem originária da Igreja é Maria, enquanto Pedro simplesmente exercerá uma função na Igreja. Tomo esse paradigma espiritual, porque é uma característica dos grandes teólogos católicos da modernidade para pensarem a identidade cristã. A presbiteral não pode ser indiferente a esse horizonte antropológico e teológico. Para Balthasar, e aqui a questão central deste último ponto, é que a chamada à “sequela radical” constitui as primeiras articulações do novo e as primeiras concretizações do andar incondicionado: Deixar tudo (Mc 1,17.20; 2,14; Lc 5,11; Mt 19,27); não colocar condições limítrofes (Mt 8,16-22); jogar tudo em uma única carta: um andar literalmente atrás de Jesus sem conhecer antecipadamente onde este irá (Jo 1,39). Com isso, vem a direção apresentada ao dado apostólico da vida presbiteral, que tem em Jesus Cristo a sua fonte inesgotável, insubstituível e universal. Através de Maria e Pedro, precisamos aprender o que fazer e como fazer.

Por fim, essa atenção ao que somos e qual é nossa missão nos presbitérios da Igreja no Brasil não pode ser secundária. Nesse aspecto, os Bispos têm uma missão insubstituível e personalíssima. O presbitério mesmo precisa se sentir responsável pelo seu próprio bem, caso queira servir dignamente e evangelicamente ao povo de Deus. Somos sacerdotes presbíteros e presbíteros sacerdotes. Não há necessidade de confusão. Nada de polarização, mas integração e consciência de que Jesus Cristo nos chamou, porque Ele quis. Com a Igreja e por amor a essa vocação, cuidemos desse tesouro que o Senhor nos concedeu, em vasos de argila, mas com a certeza da sua graça. Assim o seja!

]]> 27595 Um desafio para a Igreja: que formação oferecer aos futuros padres? https://observatoriodaevangelizacao.com/um-desafio-para-a-igreja-que-formacao-oferecer-aos-futuros-padres/ Mon, 28 Aug 2017 20:19:56 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=23793 [Leia mais...]]]>

Quais os maiores desafios e urgências para a atual formação para ser padre?

Pessoas implicadas e diretamente envolvidas na temática em questão, respondem. Vale a pena ler e deixar-se provocar. Muito se tem escrito sobre a necessidade de profundas transformações na formação oferecida ao clero. E você, o que pensa sobre isso?

A equipe do OE PUC Minas publica reflexões sobre os desafios de ser padre na contemporaneidade. Essa segunda reportagem também nos vem do contexto europeu e diz respeito à formação oferecida nos seminários. Acompanhe-nos e contribua com sua reflexão crítica sobre esta importante questão diretamente envolvida na ação evangelizadora da Igreja.

Reflexões sobre a formação proposta nos seminários

 

Domingo, 25 de junho, o semanal diocesano de Vicenza (La Você dei Berici) e de Pádua (La Difesa del Popolo) chegavam às bancas com um mesmo artigo intitulado “Padres: qual a formação ideal?“. Uma pluralidade de vozes respondia a esta pergunta através de artigos, depoimentos e entrevistas.

O ponto de partida é uma constatação. Em 31 de dezembro de 2014, havia na Itália 2.439 seminaristas. Dez anos antes (2004), eram 3.145. Em dez anos, o declínio foi de 12%. As Igrejas do Triveneto contam 284 seminaristas. Há um alarme no sentido numérico quanto aos sacerdotes, mas há também uma profunda reformulação sobre a formação que recebem nos seminários para lidar com um mundo em rápida mudança.

O debate nos dois semanários foi iniciado por um artigo do jesuíta Hans Zollner, presidente do Instituto de Psicologia da Universidade Gregoriana. Padre Zollner recorda que a formação dos futuros sacerdotes está ocorrendo enquanto testemunhamos a grandes mudanças na sociedade e na cultura. Basta olhar como hoje se estrutura a família italiana

“unidades cada vez menores, cada vez mais instáveis e com relações patchwork (de composições variadas)”.

E basta pensar da revolução da informática

“os seminaristas de hoje também são em sua maioria nativos digitais, ou seja, cresceram e se acostumaram a estar constantemente conectados com seus seguidores ou amigos nas várias plataformas das redes sociais”.

Será necessário educar o seminarista “para o silêncio e para ficar ‘conectado’ com a realidade divina”.

Além disso, aqueles que entram no seminário são, às vezes, desconhecedores dos fundamentos da prática religiosa: catequese, liturgia, Escritura, história e tradições da Igreja etc. Portanto, é imprescindível “uma fase preliminar de introdução para os ritos, os temas fundamentais e a prática de uma vida cristã”.

Entre os aspectos positivos encontrados naqueles que entram para o seminário, pode se destacar – de acordo com o padre Zollner – certa sensibilidade espiritual, uma boa motivação vocacional e muitas vezes (devido ao ingresso para o seminário em idade relativamente adulta) também uma rica experiência humana. Por outro lado, há uma tendência a “uma vida fragmentada” (uma vez cumprido meu dever como padre, faço o que eu quero da minha vida), uma não clara identidade sexual e uma hesitação em assumir laços duradouros e comprometidos.

O sacerdócio – conclui o padre Zollner – é uma bela vocação, e quando é vivida “com autenticidade e proximidade com as pessoas, é muito admirada e procurada”. Mas “apenas se forem suficientemente maduros em termos de vida humana, espiritual e acadêmica, os seminaristas poderão ser eficazes pastoralmente”.

Homens de Deus e homens de relação

O objetivo do seminário?

“Formar um padre que seja um homem de Deus e um homem de relações”. Evangelho, oração e recolhimento visam cultivar o primeiro aspecto. Vida comunitária, experiência pastoral e diálogo educacional têm como alvo o segundo.

Assim respondeu dom Giampaolo Dianin, há oito anos reitor do seminário de Pádua e responsável pela Comissão dos seminários da Conferência Episcopal do Triveneto.  Para atingir esses objetivos,

O seminário precisa colocar “uma atenção realista para o amadurecimento humano”, deve fornecer a “capacidade para discernir dentro das imensas mudanças sociais e pastorais” e deve formar “personalidades flexíveis, porque tudo muda em velocidades muito rápidas”.

A comunidade e a família não são mais um “recurso educacional”, como eram antigamente, os percursos de formação “estão cada vez mais personalizados nos tempos e nas etapas” e os tempos das escolhas definitivas “alongaram-se”. Mas – segundo dom Dianin – não é possível “fazer concessões.” Alguns “pontos-chave” devem ser obrigatoriamente salvaguardados.

Não é apenas uma “forte vigilância sobre o mundo afetivo”, é preciso cultivar outras virtudes essenciais, tais como “a docilidade e a disponibilidade, a capacidade relacional e de colaboração, um estilo de vida evangélico”. Também é preciso evitar que o seminarista se resuma a tratar as pequenas coisas da vida, esquecendo os problemas do mundo e os desafios diários.

Para a pergunta “que tipo de padres forma, hoje, o seminário?”, dom Dianin respondeu:

“Gostaríamos de conseguir formar personalidades sólidas, com fortes raízes em Deus e com disponibilidade à doação de si mesmo. Homens capazes de estar no mundo sem ser do mundo. Crentes capazes de discernir, de pensar e de planejar”.

O atual tipo de seminário precisa ser alterado

Também para dom André Peruffo, padre de Vicenza, diplomado em psicologia, consultor de psico-diagnóstico no seminário de Vicenza, foram dirigidas algumas perguntas. Ao entrevistador que o questionava sobre as diferenças entre padres jovens e idosos, dom André ressaltou a sua base comum,

“o desejo de se envolver com as pessoas, o entusiasmo para viver seu ministério”. A diferença está na carga de trabalho. As paróquias atualmente estão organizadas em “unidades pastorais cada vez maiores. E isso é uma fonte de preocupação para muitos sacerdotes jovens.

O ponto nodal continua sendo a formação:

entre a formação recebida no seminário e aquela (permanente) que deve acompanhar o sacerdote por toda a sua vida, deve haver “uma relação muito estreita”. “A vida – declara dom Peruffo – deve ser vivida numa perspectiva de ‘formação’ em que nos permitimos mudar, sermos transformados pela própria vida”.

Que características um sacerdote precisa ter, hoje, para enfrentar uma realidade em constante movimento?

“No passado – responde dom André – procurava-se homens capazes de suportar a solidão. Hoje, no entanto, precisamos de pessoas capazes de desenvolver competências sociais para processos colaborativos, como pedir ajuda, gerenciar conflitos, valorizar os indivíduos, trabalhar em grupos etc.”

O seminário prepara para essas competências? A resposta de dom Peruffo é seca:

“Na forma atual, não”. A instituição seminário pode ainda ser mantida, “mas é preciso mudar a formação para o ministério”.

Da mesma opinião, e com sua franqueza habitual, a teóloga Stella Morra afirma:

“Os padres de hoje ainda são aqueles do modelo tridentino a quem cabe gerenciar a fase pós-conciliar e pós-moderna”. Deve ser radicalmente repensada a figura do sacerdote, porque “se não for repensada esta, também não serão repensados os seminários”.

 

Sacerdotes e leigos

Que tipo de relação entre sacerdotes e leigos importa nos tempos de hoje?

Nós escolhemos duas vozes, um homem e uma mulher, para responder a esta pergunta.

A) Interessante o que afirma Marco Tuggia, pedagogo e docente no seminário de Vicenza.

Em sua opinião, o processo de formação dos novos padres deveria incluir três áreas.

1. O sacerdote precisa aprender a “deslocar-se do centro do palco”, porque é fundamental que ele “aprenda a construir em conjunto com os outros as decisões a serem tomadas”. O povo de Deus, de fato, não é desprovido de experiência e de saberes. O padre é chamado a “facilitar os processos de colaboração e co-projeto”.

2.  Competências necessárias para trabalhar concretamente em grupo: O sacerdote deve “saber se posicionar dentro de uma dimensão compartilhada”, tanto com outros sacerdotes como com os leigos.

3. Capacidade de ouvir as pessoas: “O sacerdote deveria saber ouvir realmente, por estar livre da preocupação de ter que dar soluções”. Mas isso vai exigir uma profunda transformação, porque ele “não seria mais obrigado a estar um passo à frente das pessoas da sua comunidade, mas, finalmente, ao seu lado”.

B) Da mesma opinião é Gina Zordan, vice-presidente do setor de adultos da Ação Católica de Vicenza:

“Os sacerdotes deveriam ser capazes de ouvir a vida dos leigos que estão em contato direto com a realidade”, preenchendo assim aquela lacuna que às vezes é criada entre as noções adquiridas e a vida real.

Pelo que ouvimos, pode-se deduzir que o seminário é hoje um problema sério e que a formação que proporciona é um campo em reestruturação. Desses seminários saem os sacerdotes que orientarão as comunidades cristãs do amanhã. Abertos à modernidade, mas ancorados a determinados, irrenunciáveis “pontos fixos”.

(A reportagem é de Bruno Scapin,  publicado por Settimana News, 17-08-2017. A tradução é de Luisa Rabolini. Os grifos são nossos.)

Fonte

IHU

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