São José – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Wed, 23 Mar 2022 21:00:00 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.4 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 São José – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 Narcisismos contemporâneos e o amor. O exemplo de São José e os ensinamentos de Francisco. https://observatoriodaevangelizacao.com/narcisismos-contemporaneos-e-o-amor-o-exemplo-de-sao-jose-e-os-ensinamentos-de-francisco/ https://observatoriodaevangelizacao.com/narcisismos-contemporaneos-e-o-amor-o-exemplo-de-sao-jose-e-os-ensinamentos-de-francisco/#comments Wed, 23 Mar 2022 21:00:00 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=44477 [Leia mais...]]]> A felicidade constitui a referência absoluta da sociedade de consumo, revelando-se como o equivalente autêntico da salvação (Baudrillard, 1995, p. 97). O filósofo francês insiste na formação de narcisismos contemporâneos associados à busca incessante pela felicidade, o problema é que apenas pela própria satisfação do “eu”. Com frequência nos apegamos a um modelo único de vida e de mundo, normalmente o nosso mundo. Temos características constitutivas da nossa personalidade que tendem ao narcisismo. Por conseguinte, acreditamos que o que é nosso, em diversos âmbitos, é o melhor. O contrário também é verdadeiro. Muitas vezes, pensamos que não temos nada de bom e que não podemos assumir nada dos outros; pois, não temos essa ou aquela condição. Em ambas as situações, o outro e o seu mundo estão distantes, como colocados diante de um muro. Torna-se fácil levantar muros e difícil construir pontes, em detrimento ao apelo do Papa Francisco de que construamos a cultura do encontro: “o isolamento e o fechamento em nós mesmos ou nos próprios interesses nunca serão o caminho para voltar a dar esperança e realizar uma renovação, mas é a proximidade, a cultura do encontro. O isolamento, não; a proximidade, sim. Cultura do confronto, não; cultura do encontro, sim (FT, 30).

O amor nos tempos de narcisismo apresenta formas de relação muito específicas, diferentes do que gerações passadas presenciaram. Amor não é uma força transcendente ao eu, como se viesse do destino, é uma construção humana e nesse humano está o divino. “Amar como Cristo significa dizer não a outros ‘amores’ que o mundo nos propõe: amor pelo dinheiro – quem ama o dinheiro não ama como ama Jesus – amor pelo sucesso, pela vaidade, pelo poder”, afirma Papa Francisco.

Alguns tentam encontrar segurança, certezas e acabam mergulhados em paranoias sem fim. No fundo, tudo o que leva para longe do humano passa também longe do amor. Tudo o que colocamos fora da subjetividade para dar conta do que sentimos, pode nos apresentar armadilhas. O problema é que há uma tentação de identificarmos o nosso eu com um elemento controlável. Precisamos nos aproximar do real, suportando frustrações e atestando vulnerabilidades. O outro é um reflexo, mas não de forma ideal. A relação com ele é uma desconstrução. É algo totalmente contrário ao mundo narcisista atual. Afinal, vivemos um mundo de supervalorização do eu e, por isso, não são muitos que estão dispostos a suportar a vulnerabilidade do outro, muito menos a sua própria.

Um dos grandes mestres do qual tive a Graça de ser aluno na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia de Belo Horizonte (FAJE), foi o Pe João Batista Libaneo, que ressaltava constantemente a importância da escuta e da atenção ao cotidiano humano: “O cotidiano costura muitas iniciativas, muitas práticas pequenas, que enlaçadas vão formando uma transformação maior. Em vez de um grande projeto, pequenas ações. O cotidiano educa para uma entrega a uma causa maior a partir dos pequenos gestos” (LIBANEO, 1994, p. 34).

Nesse sentido, o exemplo de São José é fundamental. Ele ensina a capacidade de cuidar de Jesus sem nunca tomar posse dele, sem nunca querer manipulá-lo, sem nunca querer distrai-lo da sua missão. “Creio que isto seja muito importante como um teste à nossa capacidade de amar e também à nossa capacidade de saber dar um passo atrás. Um bom pai é assim quando sabe se retirar no momento certo para que seu filho possa emergir com a sua beleza, com a sua singularidade, com as suas escolhas, com a sua vocação. Neste sentido, em todo bom relacionamento, é necessário renunciar ao desejo de impor do alto uma imagem, uma expectativa, uma visibilidade, para preencher a cena completamente e sempre com um protagonismo excessivo. A característica de José de saber se colocar de lado, sua humildade, que é também a capacidade de ocupar um lugar secundário, talvez seja o aspecto mais decisivo do amor que José demonstra por Jesus. Neste sentido, ele é um personagem importante, ousaria dizer essencial na biografia de Jesus, justamente porque em determinado momento ele sabe como se retirar de cena para que Jesus possa brilhar em toda sua vocação, em toda sua missão. Na imagem de José, devemos nos perguntar se somos capazes de saber dar um passo atrás, de permitir que outros, e sobretudo aqueles que nos são confiados, encontrem em nós um ponto de referência, e nunca um obstáculo” (FRANCISCO, 2021).

Esse é o mundo onde o habitar é movido pelo inevitável, onde tudo parece atender a urgente necessidade que a tudo sacraliza. Rebusca as longínquas terras da infância e, na potencialidade ali resguardada – no encantamento sem reservas, lá onde nos desvencilhamos do medo de estar entre o dizível e o indizível -, encontra modos para desconstruir a obviedade existente. Conclama-nos a penetrar por frestas da subjetividade, da liberdade individual, conscientes de que no império do necessário e da impossibilidade não há sujeito, não há liberdade, tampouco criação (BÊTA, 2012, p. 28).  Embora não se trate de negar que o ser humano tenha uma tarefa a realizar, a luta pela ética é a luta pela liberdade, ou seja, luta para que possamos experimentar nossa “própria existência como possibilidade ou potência” (AGAMBEN, 2007, p. 9).

A sabedoria do amor é a compreensão do real a partir de uma significação original, mais original que a própria realidade, que exclui qualquer pretensão de conhecimento fechado ou sistemático, tanto no presente como em qualquer futuro previsível (LÉVINAS, 2006, p. 12). Essa renúncia não é o fracasso de um conhecimento limitado que comprove a grandeza do labor que se tem proposto, senão algo que se estabelece de antemão -uma compreensão do real e suas consequentes revelações humanas.

Outro grande mestre que pude escutar por alguns anos foi Pe Ulpiano Vásquez, SJ, também na FAJE: “A solidão do pecador está vencida com a presença de Jesus Cristo. E o pecador se torna alguém que confia, apesar de seus pecados, que Deus o está chamando. Este chamado de Deus nos faz humanos. A humanidade nasce das mãos do Cristo. Ele é a fonte do humano! Na “antropologia” de Santo Inácio, ser chamado é fundamental. Nosso nome está na boca de Deus… O bonito e o tremendo é que Deus não quer que o seu Reino aconteça sem nós. Daí que tem algo nesta vida que é para mim. Se eu não realizar, ficará sempre sem ser feito. Jesus Cristo veio para nos ensinar que a vida é o dom em que Deus se entrega a si mesmo a nós, por nós, em nós. Esta a autocomunicação de Deus, que é amor” (VASQUEZ, Moro, 1998).

O narcisismo atual faz predominar um tipo de relação na qual o outro é retido enquanto serve para o próprio usufruto do sujeito, sendo dispensado ao menor indício de essa experiência relacional trazer desprazer ou conflito (BIRMAN, 2014). Assim, as relações intersubjetivas se localizam no registro da efemeridade. O narcisismo enquanto metáfora da condição pós-moderna cria possibilidade de extrair consequências do modo de ação do sujeito atual frente à sua realidade: “proporciona-nos ele [o conceito de narcisismo], em outras palavras, um retrato toleravelmente agudo da personalidade ‘liberada’ de nossos dias […] sua superficialidade protetora, sua evitação da dependência, sua incapacidade de sentir, pesar, seu horror à velhice e à morte” (LASCH, 1983, p. 76). Em uma outra perspectiva teórica, podemos sublinhar que o conjunto de características que, de uma forma ampla, permite apontar o modus operandi do sujeito atual se encontra no delineamento da chamada pós-modernidade.

“Em última análise, Jesus nos pede para permanecermos no seu amor, para habitar em seu amor, não em nossas ideias, não no culto de nós mesmos; quem habita no culto de si mesmo, habita no espelho…Sempre a olhar-se. Pede-nos para sair da pretensão de controlar e administrar os outros. Não controlar, mas servir. Mas abrir o coração aos outros, isto é amor, doar-se aos outros”, insiste Papa Francisco.

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Prof. René Dentz
É
católico leigo, professor do departamento de Filosofia e do curso de Psicologia-Praça da Liberdade na PUC-Minas, onde também atua como membro da equipe executiva do Observatório da Evangelização. Psicanalista, doutor em Teologia pela FAJE, com pós-doutorado pelas Université de Fribourg/Suíça, Universidade Católica Portuguesa e PUC-Rio. É comentarista da TV Horizonte e da Rádio Itatiaia. Autor de 7 livros, dentre os quais “Horizontes de Perdão” (Ideias e Letras, 2020). Pesquisador do Grupo de Pesquisa CAPES “Mundo do trabalho, ética e teologia”, na FAJE-BH.

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