santa luzia – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Tue, 29 Mar 2022 21:30:00 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.4 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 santa luzia – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 A crença é uma menina moça com a luz da esperança: a poética do crer em Tibúrcio de Oliveira https://observatoriodaevangelizacao.com/a-crenca-e-uma-menina-moca-com-a-luz-da-esperanca-a-poetica-do-crer-em-tiburcio-de-oliveira/ Tue, 29 Mar 2022 21:30:00 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=44595 [Leia mais...]]]> A crença é uma menina moça com a luz da esperança: A esperança na crença do poeta de santa luzia

A crença é uma menina moça com a luz da esperança: A esperança na crença do poeta de santa luzia

A palavra “Creio” inaugura a Profissão de Fé de nós católicos: “Creio em Deus Pai, todo poderoso, criador do céu e da Terra …”. Como nos ensina a primeira seção do Catecismo da Igreja Católica, o verbo crer, manifesta uma ação humana – a ação de buscar a Deus – nascida de um desejo – o desejo de se relacionar com Ele, que vem ao encontro da humanidade por meio da Revelação Divina, isto é, tornar conhecido o seu mistério de amor e benevolência. Por fim, o ser humano responde a essa revelação por meio da fé. 

A própria realidade da fé suscita no ser humano a necessidade de crer ou de não crer. A capacidade humana de crer e por conseguinte, a de se abrir ao mistério transcendente, está de tal forma entranhada com o fenômeno da fé, que, por exemplo, a perda da fé de tipo antropológica, como explica o cientista da religião Roberley Panasiewicz (2013, p. 601), pode acarretar na crise de sentido e na descrença na vida. O que não quer dizer que aqueles que não se abrem à experiência de fé, seja ela de tipo antropológico ou de tipo religioso, como as categoriza Panasiewicz (2013), estejam fadados à descrença na vida. Isso porque todo ser humano possui as capacidades de transcendência e de crença de caráter não religioso, mas ético. Este é o caso, por exemplo, do que o teólogo Leonardo Boff chama de ateísmo ético[1].

A poética do Crer em Tibúrcio de Oliveira

Quem assistir à Missa Solene da abertura do Jubileu de Santa Luzia, a chamada Missa de José Maria Lopes, celebrada às 00:00 horas de 13 de dezembro no Santuário Arquidiocesano de Santa Luzia, ouvirá em seu encerramento, o segundo Hino de Santa Luzia, que nos suscita reflexões sobre o ato de crer e a descrença, a luz e a não luz, na vida humana:

O virgem Santa Luzia, de Jesus esposa amada
Dai-nos vista noite e dia, nesta vida amargurada
O virgem e mártir, dai-nos a luz, dos vosso olhos a fé e reluz
Sois estrela lá no céu, nosso guia cá na terra
Luz nas trevas contra incréus, vosso peito assim encerra
O virgem e mártir, dai-nos a luz, dos vosso olhos a fé e reluz

Esse hino foi composto pelo festejado poeta luziense Francisco Tibúrcio de Oliveira (1882-1962) na primeira metade do século XX. Nela, o poeta invoca a sua musa inspiradora, a virgem e mártir Santa Luzia, suplicando-a por “vistas noite e dia”, isto é, por discernimento, frente às amarguras da vida. A primeira vista pode até parecer se tratar de um poeta pessimista que concebe a vida pura e simplesmente como um “vale de lágrimas”. Pelo contrário, é um poeta otimista que busca, intensamente, na luz da fé dos olhos de Santa Luzia, à luz do conhecimento do que o sociólogo francês Michel Maffesoli (1998)[2] chamada de razão sensível, isto é, a razão interna das pessoas, que perpassa a sociedade e que serve de forma operatória para explicar os múltiplos fenômenos sociais.

A questão chave dessa luz de razão sensível que possibilita ver “noite e dia” se manifesta na ideia de que Santa Luzia é “Luz nas trevas contra incréus”. E o que seriam incréus? Seriam ateus? Tibúrcio de Oliveira, um católico devoto de Santa Luzia estaria fazendo uma crítica ao ateísmo naquela primeira metade do século XX em que o mundo passava por significativos processos de modernização, de desencantamento e de privatização da fé? Não creio que esta seria a melhor linha de raciocínio a se seguir. Isso porque no livro Horas Vagas, publicado postumamente por seus filhos em 1972, o poeta aborda de forma interessante o tema da crença no poema titulado “Deus”:

Viver sem crença é não ter esperança
Da paz suprema e de tranquilidade.
É sufocar o anseio de bonança,
É morrer sem gozar da eternidade.
Para fluir a bem-aventurança,
Fonte perene de felicidade,
Busquemos Deus com toda segurança
Pois só Ele é o caminho da verdade.
Façamos um altar do coração,
Com fé o nosso culto aos céus alcancemos,
Por um Deus que redime e que perdoa.
E cheios da mais viva contrição…
De nossa alma, os pecados arranquemos
Porque Deus o pecado amaldiçoa.

O poema “Deus” oferece uma explicação do próprio Tibúrcio de Oliveira sobre a sua concepção de incréus, ou melhor, da ação passiva e pessimista da não crença frente ao mundo. O que nos ajuda a compreender a referida ideia de que Santa Luzia é “Luz nas trevas contra incréus”. A palavra “incréus”, aparece, no referido Hino, sem a especificação de qual tipo de crença ou não crença se trata, embora pelo contexto sócio-histórico da obra, se possa inferir inicialmente que seja a não crença no Deus da Igreja Católica. Mas no âmbito do texto em si, a palavra designa apenas pessoas que não creem. Também na primeira estrofe do poema “Deus”, o tema da não crença é tratado sem esfericidades. O poeta apenas tece uma associação da não crença com a impossibilidade da esperança: “Viver sem crença é não ter esperança”. Deste modo, podemos compreender que Santa Luzia é luz contra a treva da não crença, e não propriamente contra o ateísmo, porque os ateus também possuem a capacidade de crer, sendo esta, não relacionada à religiosidade.

Podemos inferir que para Tibúrcio de Oliveira, o ato de não crer é um ato desesperançado, que torna o ser humano prisioneiro do pessimismo “nesta vida amargurada” e contribui para “sufocar o anseio de bonança”, ou seja, suprime a necessidade de se fazer mudanças nas estruturas sociais e inviabiliza a realização da promessa escatológica de Jesus de que a vida há de ser plena e em abundância para todos (João: 10-10). O desfecho da ópera da “vida amargurada”, cujos atores são denunciados como incréus, é o “morrer sem gozar da eternidade”, porque o que será eternizada nestes atores, é uma postura de pessimismo e passividade frente a vida e aos problemas do mundo.

O tema-problema da não crença também é apresentado por Tibúrcio de Oliveira na última estrofe do poema “Deus”, como uma espécie de grande pecado da alma. Este é um pecado amaldiçoado por Deus, justamente porque inviabiliza “fluir a bem-aventurança, fonte perene de felicidade”. O que aponta a concepção amorosa de Deus pelo poeta. Sendo assim, Tibúrcio de Oliveira não tece a imagem triste, pessimista e conservadora de um Deus que julga e pune, mas sim a imagem feliz, otimista, misericordiosa e generosa de um Deus “que redime e que perdoa” a humanidade, do pecado da inviabilização do “fluir a bem-aventurança, fonte perene de felicidade”.

Em contraponto ao tema da não-crença, o tema de esperança é a menina moça dos olhos do poeta Tibúrcio de Oliveira. A menina moça Santa Luzia de Siracusa é “Luz nas trevas contra incréus”, ou luz de razão sensível que possibilita ver “noite e dia” e discernir em meio a “vida amargurada”. Isto porque, a sua fonte de luminescência é a palavra esperançada de Deus, é o verbo que se fez Carne, que habitou entre nós e que nos trouxe uma boa nova para a construção do reino escatológico de Deus a partir do aqui e do agora:

Os judeus, então, o rodearam e lhe disseram: “Até quando nos manterá em suspenso? Se és Cristo, dize-nos abertamente”. Jesus lhes respondeu: “Já vo-lo disse, mas não acreditais. As obras que faço em nome de meu Pai dão testemunho de mim; mas nós não credes, porque não sois das minhas ovelhas. As minhas ovelhas escutam a minha voz, eu as conheço e elas me seguem, eu lhes dou a vida eterna e elas jamais perecerão, e ninguém as arrebatará de minha mão. Meu pai que me deu tudo, é maior do que todos, e ninguém pode arrebatar da mão do Pai. Eu e o Pai somos um”. (João: 10, 24-30). 

A referida passagem do Evangelho de João registra que nas vésperas de sua paixão e após apresentar vários sinais da boa nova, Jesus interpelou fortemente os seus irmãos de fé pela descrença desses na realização do projeto do Reino de Deus. A descrença do povo de Jesus, naquele contexto de forte opressão do Império Romano, os aprisionava no pessimismo da “vida amargurada” e contribuía, como diria Tibúrcio de Oliveira, para “sufocar o anseio de bonança”.  

Por fim, a beleza ética e feliz da ação humana de crer é o centro da poesia de Tibúrcio de Oliveira. O poeta luziense busca no olhar da menina moça Santa Luzia uma razão sensível e esperançosa, uma luz natalina de estrela guia, que impulsione o leitor e o ouvinte dos seus versos, a terem uma postura otimista e ativa frente à vida e os problemas do mundo.


[1] In: https://www.youtube.com/watch?v=6_fS7HzaWZc Acesso em: 24/03/2021.

[2] MAFFESOLI, M . Elogio da razão sensível. Petrópolis: Vozes, 1998.

/*! elementor – v3.5.6 – 17-03-2022 */
.elementor-widget-image{text-align:center}.elementor-widget-image a{display:inline-block}.elementor-widget-image a img[src$=”.svg”]{width:48px}.elementor-widget-image img{vertical-align:middle;display:inline-block}

Glaucon Durães da Silva Santos
É católico leigo da paróquia Bom Jesus e Nossa Senhora Aparecida, Santa Luzia/MG, doutorando em Ciências Sociais pela PUC Minas, professor de Sociologia, membro da Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais e colaborador jovem do Observatório da Evangelização da PUC Minas. Desenvolve pesquisa nas áreas da Sociologia da Religião e da Sociologia Política
Atualmente é representante da Mitra Arquidiocesana de Belo Horizonte (Santuário Arquidiocesano de Santa Luzia) no Conselho Municipal de Patrimônio Cultural de Santa Luzia.

]]>
44595
Sentidos da exposição das Dores de Maria em Santa Luzia https://observatoriodaevangelizacao.com/sentidos-da-exposicao-das-dores-de-maria-em-santa-luzia/ Thu, 24 Mar 2022 21:00:00 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=44518 [Leia mais...]]]>

O Santuário Arquidiocesano de Santa Luzia está realizando neste mês de março de 2022, na Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, a exposição “Entre vestes e costumes: A devoção luziense a Nossa Senhora das Dores”. Tratasse de uma atividade comemorativa do centenário da arquidiocese de Belo Horizonte, que oportuniza a toda comunidade, conhecer mais sobre o rico acervo de arte sacra barroca da Matriz de Santa Luzia e sobre a devoção centenária de Nossa Senhora das Dores na cidade e, principalmente, convida a meditarmos sobre as 7 dores de Nossa Senhora, refletidas nas inúmeras dores da humanidade no mundo contemporâneo.

A bela imagem de Nossa Senhora das Dores da Matriz de Santa Luzia foi confeccionada em madeira policromada no século XVIII por escultor desconhecido. É uma Santa de Roca, ou seja, possui cabeça, braços, mãos, pés articulados em uma armação de madeira no lugar do tronco e das pernas. Os seus atributos são: um resplendor de prata com 7 estrelas representando as dores de Maria, uma adaga de prata cravada ao peito representando a profecia de Simeão (Lc 2, 22-35), o lenço branco nas mãos representando as lágrimas de Maria, o véu sobre a cabeça representando a pureza e virgindade e o manto sobre os ombros, representando a sua realeza. (SANTUÁRIO ARQUIDIOCESANO DE SANTA LUZIA, 2021)[1].

    O conjunto dos referidos atributos não se limitam a uma pura e simples beleza ornamental estética. Os seus significados simbólicos são a grande riqueza ética da Igreja. É preciso lembrar que Maria foi uma judia pobre, nascida no difícil contexto da dominação do Império Romano sobre Israel. Além disso, Maria engravidou antes do casamento e por pouco não foi apedrejada em público como ordenava a Lei do seu povo. Posteriormente, já velha e viúva de José, Maria acompanha, de “mãos atadas”, o martírio e crucificação do seu filho primogênito, pelo exército romano. Uma mulher naquele contexto era considerada como propriedade do seu marido, assim como os objetos e os animais de criação. Imaginem a situação deplorável na qual Maria – uma mulher velha e viúva – ficou após a crucificação do seu filho primogênito. Miserere nobis!

A vida e a morte de Jesus tem um simbolismo muito forte. Trata-se de um homem judeu e pobre que rompeu com todas as notas distintivas do povo hebreu de sua época, quais sejam: Descendência (Gn 17.2-7); Terra (Gn 15.18-21; 17.8); Nação (Gn 12.2; 17.4); Proteção e bênção (Gn 12.3). Não obstante, Jesus, até onde sabemos, não deixou descendência, não foi senhor de terras e era considerado como um louco por peregrinar pelas estradas da Galileia descumprindo as Leis de Moisés. Como consequência, morreu jovem, aos 33 anos de idade. E pior, morreu como um criminoso, entre dois ladrões, pelas mãos do exército de um outro povo. Miserere nobis!

É muito simbólico também que a exposição “Entre vestes e costumes: A devoção luziense a Nossa Senhora das Dores” esteja acontecendo na Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, no centro histórico de Santa Luzia. É uma igreja do século XVIII, construída pelos negros escravizados e que por décadas, entre os séculos XIX e XX, como nos conta Japhet Dolabella (1984, p. 207)[2], foi interditada pelo Arcebispo devido à compreensão preconceituosa de que o Congado é uma festa supersticiosa e pagã. Felizmente, com a Graça de Deus, neste Centenário da Arquidiocese de Belo Horizonte, o entendimento sobre o Congado é outro. A Igreja tem acolhido as dores dos povos negros porque esta é a postura coerente com a vida de Jesus, relatada nos Evangelhos e ensinada pelo magistério da Igreja desde os primeiros séculos.

Ademais, as 7 dores de Maria nos fazem refletir as dores das mães brasileiras nesse país que violenta e mata a sua juventude negra, os transexuais, as mulheres, os povos indígenas e agora, no contexto da sindemia da Covid-19, mata por negligências do governo frente à obrigação constitucional de assegurar ao povo brasileiro o direito à saúde pública e de qualidade. Miserere, Miserere, Miserere nobis!

Mas não fiquemos temerosos, após a sexta-feira da paixão, sempre insurge o Domingo de Páscoa. Trocaremos as roupas roxas de Nossa Senhora das Dores pelas vestes brancas. Jesus há de ressuscitar e o reino de Deus há de se cumprir neste mundo e no outro. A nossa esperança é escatológica, porque Deus é Deus conosco e junto a nós, com a nossa luta de cada dia, dispensará os poderosos e opressores e exaltará os humildes.


[1] In: https://www.youtube.com/watch?v=ILIRh-ZB4Xs Acesso em: 24/03/2022.

[2] DOLABELLA, Japhet. Santa Luzia nasceu do rio… Belo Horizonte, Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1984.

/*! elementor – v3.5.6 – 17-03-2022 */
.elementor-widget-image{text-align:center}.elementor-widget-image a{display:inline-block}.elementor-widget-image a img[src$=”.svg”]{width:48px}.elementor-widget-image img{vertical-align:middle;display:inline-block}

Glaucon Durães da Silva Santos
É católico leigo da paróquia Bom Jesus e Nossa Senhora Aparecida, Santa Luzia/MG, doutorando em Ciências Sociais pela PUC Minas, professor de Sociologia, membro da Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais e colaborador jovem do Observatório da Evangelização da PUC Minas. Desenvolve pesquisa nas áreas da Sociologia da Religião e da Sociologia Política
Atualmente é representante da Mitra Arquidiocesana de Belo Horizonte (Santuário Arquidiocesano de Santa Luzia) no Conselho Municipal de Patrimônio Cultural de Santa Luzia.

]]>
44518