Robson Sávio Reis Souza – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Tue, 22 Oct 2019 01:07:47 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.4 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 Robson Sávio Reis Souza – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 Sete razões que apontam para o papa Francisco como o grande líder global da atualidade, com a palavra o prof. Robson Sávio https://observatoriodaevangelizacao.com/sete-razoes-que-apontam-para-o-papa-francisco-como-o-grande-lider-global-da-atualidade-com-a-palavra-o-prof-robson-savio/ Tue, 22 Oct 2019 01:07:47 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=32543 [Leia mais...]]]> Não obstante a guerra patrocinada contra Francisco em vários fronts, por poderosas corporações internacionais… o Papa continua a mobilizar um imenso contingente de líderes e grupos sociais de todas as Nações que se somam no enfrentamento, de variadas formas, da chamada ‘onda ultraconservadora’. Remando corajosamente contra a maré, Francisco tem se empenhado em ações estratégicas que já redundam em poderosos focos de enfrentamento ao ultraliberalismo. Abaixo, listamos algumas das iniciativas de Francisco que tem repercutido globalmente e extrapolado o ‘mundo’ católico.“.

(Artigo publicado em 21/10/2019, no site domtotal e 247, espaços onde o autor é articulista)

Confira:

Francisco: o grande líder global da atualidade

Você não precisa ser católico e/ou religioso para concordar com o título deste artigo. Mas, certamente, só ratificará essa afirmativa se (1) acompanhar o cenário das disputas reais e simbólicas no plano internacional e (2) se o fizer extrapolando a cobertura da mídia empresarial (totalmente comprometida com o capitalismo rentista, concentrador de riqueza e usurpador das democracias contemporâneas). Afinal, esse despotismo financeiro que governa as economias capitalistas contemporâneas é classificado por Francisco como “uma economia que mata”.

Não obstante a guerra patrocinada contra Francisco em vários fronts, por poderosas corporações internacionais (bancos; agronegócio; indústrias das armas, farmacêutica e do petróleo; think tanks norteamericanos propulsores do ultraliberalismo na América Latina – liderados por megaempresários católicos e protestantes; políticos de extrema-direita e grupos religiosos obscurantistas…), o Papa continua a mobilizar um imenso contingente de líderes e grupos sociais de todas as Nações que se somam no enfrentamento, de variadas formas, da chamada “onda ultraconservadora”.

Remando corajosamente contra a maré, Francisco tem se empenhado em ações estratégicas que já redundam em poderosos focos de enfrentamento ao ultraliberalismo. Abaixo, listamos algumas das iniciativas de Francisco que tem repercutido globalmente e extrapolado o “mundo” católico.

1. Protagonismo dos Movimentos Populares: para contrapor a corrosão da política tradicional e os limites da democracia deliberativa (que sucumbiram à “economia que mata”), o Papa promoveu três encontros internacionais, elegendo como interlocutores privilegiados as lideranças dos movimentos populares.

Francisco percebeu que os chefes dos poderes públicos, de modo geral, estão altamente deslegitimados pelo fato de terem se capitulado à lógica do dinheiro e do mercado, afastando-se cada vez mais dos clamores dos pobres, servindo a um “sistema econômico que põe os benefícios acima do homem […], que considera o ser humano como um bem de consumo, que se pode usar e depois jogar fora. Servem a um sistema centrado no ‘deus dinheiro’ a saquear a natureza para manter o ritmo frenético de consumo que lhe é próprio.  Um sistema global destrutivo “que impôs a lógica do lucro a todo o custo, sem pensar na exclusão social nem na destruição da natureza”. Assim, Francisco preferiu se aliar aos líderes dos movimentos populares que “expressam a necessidade urgente de revitalizar as nossas democracias tantas vezes desviadas por inúmeros fatores.”[1]

Nos três encontros com os movimentos populares[2], Francisco tocou no ponto central desse sistema político-econômico que produz exclusão e múltiplas formas de violências. As últimas crises econômicas mundiais serviram para aumentar a concentração de riqueza e renda em todo o planeta. Atualmente, vinte e oito grandes grupos financeiros manejam quase dois trilhões de dólares por ano. O balanço desses megaconglomerados financeiros que têm, entre outros, o Goldman Sachs, o JP Morgan Chase, o Bank of America, o Citigroup, o Santander, entre outros, mostra um patrimônio (não produtivo) de cinquenta trilhões de dólares, sendo que o PIB mundial está na casa dos 75 trilhões. Esses conglomerados detêm cerca de 68% do fluxo mundial do capital.[3]

O sistema econômico atual se sobrepõe à política e aos interesses dos povos e das nações e funciona graças à corrupção generalizada: nada menos que 25% do Produto Interno Bruto mundial são remetidos a paraísos fiscais por grandes empresas e instituições financeiras.  Estima-se que a cada ano dezoito trilhões de dólares seguem o caminho da sonegação de impostos. No Brasil a estimativa de evasão fiscal entre 2003 e 2012 foi de 220 bilhões de dólares.

A corrupção passou a ser a mola propulsora do capitalismo rentista, especulador e concentrador de renda e riqueza que viceja nos últimos tempos. A concentração de poder em pouquíssimos conglomerados e a fusão ou compra de grandes bancos desencadeados pela crise de 2008 determina o modo de funcionamento de um sistema que precisa corromper governos (agentes públicos) para subsistir.

O elemento profético e simbólico da opção de Francisco pelos movimentos populares é a explicitação da mais dura e contundente crítica ao capitalismo em sua fase atual, marcada pelo rentismo especulativo que promove a mais avassaladora política de acumulação de riqueza e renda da história, a privilegiar pouquíssimos.

Em contraposição a esse sistema global idólatra “que exclui, degrada e mata”, o Papa Francisco propõe uma nova governança global protagonizada pelos movimentos populares: “atrevo-me a dizer que o futuro da humanidade está, em grande medida, nas vossas mãos, na vossa capacidade de vos organizar e promover alternativas na busca diária dos ‘3 T’ (terra, teto e trabalho) e, também, na vossa participação como protagonistas nos grandes processos de mudanças nacionais, regionais e mundiais. Não se acanhem”. [4]

2. A economia de Francisco: noutra grande articulação internacional, o Papa promoverá em Assis, na Itália, de 26 a 28 de março do próximo ano, um encontro mundial para repensar a economia global.

Serão convidados jovens economistas de até 35 anos, empresários e militantes de movimentos comprometidos com mudanças sociais. Segundo Francisco, há que se buscar “uma economia diferente, que faz viver e não matar; inclusiva; que humaniza e não desumaniza; que cuida da Criação e não a depreda. Um evento que nos ajude a estar juntos e nos conhecer, e que nos leve a fazer um ‘pacto’ para mudar a atual economia e dar uma alma à economia do amanhã.”

Para o encontro em Assis, já confirmaram presença: Muhammad Yunus, conhecido como “o banqueiro dos pobres” e Amartya Sen, professor de filosofia e economia em Harvard (EUA) e Cambridge (Reino Unido), ambos agraciados com prêmio nobel. Outros renomados especialistas em desenvolvimento sustentável e economia solidária, como Bruno Frey, suíço; Carlo Petrini, italiano fundador do Slow Food; Kate Raworth, inglesa; Jeffrey Sachs, estadunidense interessado nas causas da pobreza; a indiana Vandana Shiva, diretora do Fórum Internacional sobre Globalização e Stefano Zamagni, italiano estarão presentes no evento.

O objetivo do encontro é promover intercâmbios entre teoria e prática, de modo a elaborar uma proposta alternativa à economia hegemônica que, como afirmado anteriormente, gera exclusão social e enriquecimento nababesco de uns poucos. O Papa confia que esse encontro apontará as linhas gerais de uma nova economia: justa, sustentável e inclusiva.

Em vários países, inclusive aqui no Brasil, grupos de trabalho estão promovendo eventos, fóruns, seminários para discutir uma nova economia, propor novos currículos para Universidades que abordem modelos inclusivos (de economia), mapear e promover experiências de economia solidária, criativa, inclusiva, justa.

Essa iniciativa de Francisco aponta, objetivamente, para a proposição de uma nova engenharia de governança global que contraponha o modelo atual, no qual apenas 1% mais rico é dono de metade da riqueza do mundo e as 100 pessoas mais ricas possuem, juntas, mais do que quatro bilhões dos mais pobres.[5]

3. Um pacto educativo global: noutra frente sociopolítica, Francisco articula um pacto educativo entre as nações. Para tanto, promoverá um encontro no Vaticano, em 14 de maio de 2020.

Estão convidados profissionais que trabalham com a educação de várias partes do mundo. Como explica o Papa, numa mensagem divulgada para lançar esse evento, trata-se de um “encontro para reavivar o compromisso em prol e com as gerações jovens, renovando a paixão por uma educação mais aberta e inclusiva, capaz de escuta paciente, diálogo construtivo e mútua compreensão. Nunca, como agora, houve necessidade de unir esforços numa ampla aliança educativa para formar pessoas maduras, capazes de superar fragmentações e contrastes e reconstruir o tecido das relações em ordem a uma humanidade mais fraterna”.

O Pacto Global pela Educação faz parte dos esforços de Francisco para promover uma ampla discussão sobre os efeitos da tecnologia, do consumismo e da cultura do imediatismo/individualismo na sociedade contemporânea: “O mundo contemporâneo está em transformação contínua, vendo-se agitado por variadas crises. Vivemos uma mudança epocal: uma metamorfose não só cultural, mas também antropológica, que gera novas linguagens e descarta, sem discernimento, os paradigmas recebidos da história. A educação é colocada à prova pela rápida aceleração que prende a existência no turbilhão da velocidade tecnológica e digital, mudando continuamente os pontos de referência. Neste contexto, perde consistência a própria identidade e desintegra-se a estrutura psicológica perante uma mudança incessante”, escreveu o Papa na mensagem.

Francisco propõe três desafios a serem enfrentados pela educação: primeiro, ter a coragem de colocar no centro a pessoa; segundo, a coragem de investir as melhores energias com criatividade e responsabilidade e,  finalmente, a coragem de formar pessoas disponíveis para se colocarem ao serviço da comunidade, promovendo uma “cultura do encontro”.[6]

4. Um novo humanismo: as iniciativas acima fazem parte de um conjunto de ações que Francisco tem liderado, globalmente, para enfrentar a xenofobia, a exclusão social, os nacionalismos, populismos e totalitarismos que ressurgem em várias partes do mundo na atualidade.

O Papa sempre enfatiza o tema do trabalho humano como um daqueles direitos sagrados que deve ser preservado em cada pessoa. Frente às concreções práticas de teses neoliberais, que sufocam e oprimem as pessoas em suas experiências profissionais, Francisco clama por um “novo humanismo, que coloque fim ao analfabetismo da compaixão e ao progressivo eclipse da cultura e da noção de bem”.

Num prefácio de uma recente publicação, Francisco reconhece que os movimentos sociais têm a capacidade de uma articulação transnacional e transcultural: aquele “modelo poliédrico” ao qual fez referência em sua exortação apostólica Evangelii Gaudium (nº 2), e que se constitui a partir de um paradigma social baseado na cultura do encontro. Para o Papa, esta pluralidade de movimentos, cujas experiências de luta pela justiça ficam plasmadas no livro, “representam uma grande alternativa social, um grito profundo, um marco, uma esperança de que tudo pode mudar”.

Reafirmando sua convicção de que a humanidade enfrenta atualmente uma transformação de época caracterizada pelo medo, pela xenofobia e pelo racismo, Francisco afrima que os “movimentos populares podem representar uma fonte de energia moral para revitalizar nossas democracias”, numa perspectiva humanista.

De fato, em meio a uma sociedade global ferida por uma economia cada vez mais distante da ética, os movimentos sociais podem exercer a função de um antídoto contra os populismos e a política do espetáculo, já que privilegiam a participação da cidadania, com uma consciência mais positiva sobre o outro. Essa é a consequência da promoção de uma “força do nós”, que se opõe à “cultura do eu”.

Numa carta intitulada “A comunidade humana” (Humana communitas) publicada em 15 de janeiro deste ano, Francisco pede para “restaurar a importância desta paixão de Deus pela criatura humana e o seu mundo”. No nosso tempo, escreve o Papa “a Igreja é chamada a relançar com força o humanismo da vida que irrompe desta paixão de Deus pela criatura humana. O compromisso de entender, promover e defender a vida de todo ser humano é impulsionado por este amor incondicional de Deus”.

5. Sínodo da Amazônia: não obstante a guerra midiática, regada com muito dinheiro dos opositores de Francisco — encabeçada por Steve Bannon[7] e grupos religiosos ultraconservadores –, e a batalha política patrocinada pelo governo do Brasil e por grupos de ultradireita dentro e fora do catolicismo contra o encontro que acontece nesses dias em Roma, as notícias diárias do Sínodo dão conta da configuração de um grande pacto internacional em defesa da Amazônia:  dos povos locais (os indígenas e sua cultura) e da biodiversidade.

É simbólico o fato de o Sínodo ter extrapolado o campo eclesial e se tornado, internacionalmente, um foco de discussão sobre o modelo predatório do modelo econômico atual que destrói não somente a natureza, mas as culturas e os povos originários, beneficiando somente aquela ínfima parcela da população opulenta, sustentada pelo modelo da “economia que mata”.

Os resultados do Sínodo certamente transbordarão às ações da Igreja Católica na região panamazônica e já sinalizam outro pacto global em defesa da “Casa Comum”[8], como vem pregando Francisco desde sua assunção ao trono papal.

6. Reformas na Igreja: como se não bastassem essas iniciativas que posicionam Francisco como o grande líder mundial contemporâneo, o Papa “que veio do fim do mundo” promove uma árdua empreitada de reforma da Igreja Católica.

Enfrentando com sobriedade e destemor todo o tipo de vicissitudes patrocinadas por setores recalcitrantes do catolicismo (clero e laicato), Francisco denuncia o clericalismo, a opulência de setores herméticos da igreja, as perversões sexuais de parte do clero e os escândalos financeiros que, volta e meia, envolvem parte da Cúria Romana.

Obviamente, o Papa percebe que é preciso uma guinada no modelo de “igreja triunfante” para uma igreja em saída “para as periferias geográficas existenciais”: “prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças” (EG 49).

“Francisco pensa a Igreja “sal da terra”, “luz do mundo” e “fermento na massa”, muito distinta da Igreja societas perfecta, em conluio com os poderosos, contaminada pelo vírus antievangélico do egoísmo, do autoritarismo e do liturgismo, com o narcisismo que o acompanha, levando-a a se voltar para si mesma, num fechamento que a torna indigna do nome cristão. [9]

7. Relação com outras religiões: ao longo de seu pontificado, em vários eventos no Vaticano e em todas as suas viagens internacionais, Francisco tem se disposto a dialogar fraternalmente com todos os líderes religiosos.

“Desde sua eleição, Francisco já visitou (em 2014) a Turquia (maioria muçulmana), a Albânia (também de maioria muçulmana); a Coreia do Sul (maior religião é a budista, com ¼ da população); a Jordânia (maioria muçulmana); Israel (de maioria judaica) e a Palestina (de maioria muçulmana). Nessa viagem à Terra Santa, Francisco se encontrou com dois grã-rabinos judaicos e com o grã-mufti muçulmano na esplanada das mesquitas em Jerusalém. Em 2015 visitou a Bósnia e Herzegovina (maior parte muçulmana); o Sri Lanka (de maioria budista). No Sri Lanka se encontrou inclusive com representantes das quatro grandes tradições religiosas do país: Budismo, Hinduísmo, Islã e Cristianismo. No ano de 2016, além de ter participado do encontro em Assis, na jornada mundial pela paz, onde se encontrou com representantes de diversos grupos cristãos, mas também representantes do Judaísmo, Islã e Tendai, o Papa Francisco foi ao Azerbaijão, de maioria muçulmana, onde manteve um encontro com estes fiéis na mesquita da capital Baku. No ano de 2017, Francisco foi a Myanmar (maioria budista), Bangladesh (maioria muçulmana) e Egito (também de maioria muçulmana). Nessa viagem ao Egito, o Papa Francisco realizou um pronunciamento que pode ser considerado o seu programa para o diálogo inter-religioso. E, finalmente, no ano de 2019, Francisco já viajou aos Emirados Árabes Unidos, de maioria muçulmana e ao Marrocos, país de quase totalidade muçulmana. No Marrocos foi emblemática a apresentação musical feita com a presença do Papa Francisco e representantes de diversas tradições religiosas, onde foi apresentada uma peça com uma cantora judia, uma cristã e um cantor muçulmano. Esta lista de viagens é apenas uma pequena amostra tanto da centralidade que o tema do diálogo inter-religioso tem em seu pontificado, como também a forma como tem feito Francisco: ir ao encontro, visitar e dialogar no espaço de tradições religiosas diversas da sua. Nestes encontros, o foco dos pronunciamentos e das preocupações do Papa não tem sido a diferença religiosa, mas a busca do engajamento e ação em conjunto em prol da humanidade e dos problemas que a assolam. Assim, disse o Papa no encontro com os muçulmanos no Egito”.[10]

Num dos encontros mais importantes do seu pontificado, em viagem apostólica aos Emirados Árabes Unidos, de 3 a 5 de fevereiro deste ano, o Papa assinou o “Documento sobre a fraternidade humana em prol da paz mundial e da convivência comum”, juntamente com o Grão Imã da Mesquita de Al-Azhar, no Egito, Sheik Ahmad al-Tayyeb. O acordo foi uma forma de celebrar o gesto de São Francisco de Assis de visitar a região, de maioria islâmica (muçulmana), 800 anos atrás. E a visita de Francisco foi a primeira de um Papa à Península Arábica, berço do islamismo.

O documento diz que Al-Azhar e o Vaticano, muçulmanos e católicos, vão, juntos, lutar contra o extremismo religioso e que nenhuma religião deveria, nunca, incitar violência, ódio ou guerra. A assinatura foi feita diante líderes religiosos de todo o mundo.

Esses breves apontamentos confirmam a liderança inconteste de Francisco no cenário internacional. O Papa, apesar de octogenário, é a maior liderança propositiva (com palavras e gestos concretos) da atualidade. Enfrenta uma onda massificadora e obscurantista que, utilizando de pseudodiscursos religiosos clamam por uma “recristianização” do Ocidente a impor uma homogeneização violenta, excludente, geradora de morte.

Francisco constrói pontes: com gestos e palavras é um líder com ações propositivas; aponta, com coragem, os atores que patrocinam as guerras, o comércio de armas e que lucram com a cultura da morte e do descarte; confronta os líderes xenofóbicos e racistas que querem erguer muros e promover políticas de criminalização dos migrantes, dos refugiados, dos pobres, dos movimentos sociais; aponta os males de uma governança global que, desprezando a democracia de fato, sucumbiu ao capitalismo concentrador de riqueza e renda e gerador da miséria, exclusão e múltiplas formas de violências. Viva Francisco!


[1] SOUZA, R. S. R. A política de Francisco. IN: JÚNIOR, F.de A.; ABDALLA, M.; SOUZA, R. S.R. (orgs). Papa Francisco com os movimentos populares. São Paulo: Paulinas, 2018.

[2] Ocorridos em Roma (2014), na cidade boliviana de Santa Cruz de La Sierra (2015) e novamente em Roma (2016).

[3] Utilizamos dados sobre a concentração de riqueza das seguintes fontes: relatório da Oxfam, de 2017; DOWBOR, Ladislau, El capitalismo cambió las reglas, la politica cambió de lugar, Nueva Sociedad, 2016; CACCIA-BAVA, Silvio, “A corrupção e o impasse político”, texto impresso distribuído no encontro do Movimento Nacional de Fé e Política, realizado em maio 2017, no Rio de Janeiro; Ministério das Relações Exteriores, “Temas orçamentários e administrativos da ONU”.

[4] PAPA FRANCISCO. Discurso do Papa Francisco no II Encontro Mundial dos Movimentos Populares. Coleção Sendas. Volume 4. Edições CNBB, 2015.

[5] “Os 26 mais ricos do mundo concentram a mesma riqueza dos 3,8 bilhões mais pobres”. Disponível em:  https://oglobo.globo.com/economia/os-26-mais-ricos-do-mundo-concentram-mesma-riqueza-dos-38-bilhoes-mais-pobres-23391701 . Acesso em 20/10/2019.

[6] Veja a mensagem do Papa sobre o Pacto pela Educação, aqui: https://youtu.be/ZgmRnQgr5C0

[7] É um dos líderes mundiais dos movimentos de extrema-direita. Segundo o jornal The Guardian, Bannon declarou ao ex-ministro do Interior da Itália, Matteo Salvini, que o Papa Francisco “é o inimigo” e deve ser atacado. O ex-estrategista chefe de Donald Trump e mentor do bolsonarismo aconselhou o ministro do Interior italiano a atacar o Papa Francisco sobre a questão da migração, segundo fontes próximas à extrema direita italiana. “Bannon aconselhou o próprio Salvini que o papa atual é uma espécie de inimigo. Ele sugeriu, com certeza, atacar frontalmente”, disse o jornal inglês The Guardian, citando declaração de um representante da Liga anti-migração da Itália.  Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/592797-fracassou-o-contra-sinodo-sobre-a-amazonia-programado-em-roma-por-bolsonaro. Acesso em 20/10/2019.

[8] Citando o Papa Francisco em sua encíclica “Laudato Si: sobre o cuidado da Casa Comum” (2015): “Nunca maltratamos e ferimos a nossa Casa Comum como nos últimos dois séculos… Essas situações provocam os gemidos da irmã Terra, que se unem aos gemidos dos abandonados do mundo, com um lamento que reclama de nós outro rumo” (n.53).

[9] Vitório, Jaldemir. Igreja em saída: para onde? Disponível em: https://faje.edu.br/periodicos/index.php/annales/article/download/3628/3708/. Acesso em 20/10/2019.

[10] Papa Francisco e o Diálogo inter-religioso. Artigo de Frei Volney J. Berkenbrock, disponível em : https://franciscanos.org.br/vidacrista/papa-francisco-e-o-dialogo-inter-religioso/. Acesso em 20/10/2019.

Sobre o autor:

Prof. dr. Robson Sávio Reis Souza

Robson Sávio Reis Souza é doutor em Ciências Sociais; mestre em Administração Pública; especialista em Estudos de Criminalidade e Segurança Pública e em Teoria e Prática da Comunicação; licenciado em Filosofia. Atualmente é o coordenador do Núcleo de Estudos Sociopolíticos da PUC Minas (Nesp), onde atua como professor do Departamento de Ciências da Religião. Ele é conselheiro titular do Conselho Estadual de Direitos Humanos de MG; associado pleno do Fórum Brasileiro de Segurança Pública; membro do Fórum Mineiro de Direitos Humanos e do Comitê Mineiro de Educação em Direitos Humanos.

Fonte:

www.domtotal.com

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VIOLÊNCIA NO BRASIL, SEGURANÇA PÚBLICA E AMPLIAÇÃO DOS DIREITOS DEMOCRÁTICOS (3ª parte) https://observatoriodaevangelizacao.com/violencia-no-brasil-seguranca-publica-e-ampliacao-dos-direitos-democraticos-3a-parte/ Mon, 19 Feb 2018 21:00:27 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=27378 [Leia mais...]]]> Subsídio para a Campanha da Fraternidade – 2018

“Esse texto parte do pressuposto de que não se pode superar a violência a menos que a questão seja enfrentada por políticas públicas democraticamente discutidas e implementadas com vistas à garantia e ampliação dos direitos dos cidadãos. Entende-se que violência é um problema de política, mais do que de polícia.”

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Ineficiência do aparato judicial

É notavelmente baixa a eficiência das agências públicas. Escassos são os resultados alcançados pelas polícias no cumprimento de seu papel de prevenir e investigar delitos e crimes. Do mesmo modo, o segmento judicial (Ministério Público e Poder Judiciário) tem pouco êxito ao punir os agressores.

De modo geral, o sistema judiciário se perde em meio à inesgotáveis idas e vindas, multiplicando as medidas protelatórias e burocráticas que cerceiam o acesso do cidadão e reforçam a sensação de impunidade.

É crescente a desconfiança nas instituições de justiça e nos agentes responsáveis pela lei e pela ordem públicas, os quais parecem estar perdendo efetividade no enfrentamento à violência.

A descrença na Justiça estimula a adoção de soluções privadas para conflitos de ordem social (como os linchamentos e as execuções sumárias) e exacerba sentimento de medo e da insegurança. Reclamando a punição que não vê concretizada, o cidadão supõe, paradoxalmente, que a violência só pode ser superada com o aumento de medidas de repressão. Em nome da lei e da ordem, deseja-se implantar um controle social indiferente à lei. Daí a multiplicação de manifestações, sobretudo nas redes sociais, que demonstram um desejo obsessivo de punição. Deseja-se tanto a punição que se abre mão do julgamento justo e se preconiza a aplicação de leis drásticas e até mesmo cruéis.

Além disso, questiona-se a parcialidade do aparato judicial e policial. O Núcleo de Estudos da Violência da USP tem feito referência aos tribunais de justiça penal que se mantiveram indiferentes a processos de controle repressivo e imposição de regras arbitrárias, pelas polícias, por exemplo, mesmo num contexto democrático. Suspeita-se que esses órgãos judiciários são mais atentos a crimes contra o patrimônio do que a crimes contra a vida, principalmente quando se trata de arbitrariedades contra as classes mais populares. Esse tipo de postura ratifica algumas proposições segundo as quais os órgãos do Estado estão mais preocupados com a defesa do patrimônio das elites do que com a garantia de direitos constitucionais às classes menos privilegiadas.

Alguns dados evidenciam as deficiências do Poder Judiciário e tornam explícito o fato de que esse Poder também contribui para a falta de controle da violência: o tempo médio entre o acontecimento de um homicídio e seu julgamento chega a 7,3 anos em cinco capitais do país. De todos os homicídios que acontecem no Brasil, apenas 8% chegam aos tribunais e destes, apenas 30% terminam em condenação — 70% são absolvidos ou arquivados. É como se a cada cem homicídios, apenas oito fossem a julgamento e somente 2,4 terminassem em condenação do infrator.

Uma questão que afeta profundamente o desenvolvimento econômico e social de um país é a capacidade do Judiciário de se apresentar como uma instância legítima na solução de conflitos que surgem no ambiente social, empresarial e econômico. Uma das formas de se medir essa legitimidade é através das motivações que levam os cidadãos a utilizar (ou não) o Judiciário e a confiar (ou não) nele, em termos de eficiência (celeridade), capacidade de resposta (competência), imparcialidade, honestidade e acesso (facilidade de uso e custos).

Não por acaso, o Índice de Confiança na Justiça, de 2016, aponta que somente 29% dos brasileiros afirmaram confiar no Poder Judiciário, número ligeiramente superior à confiança nas polícias (25%). Esses dados parecem manter estreita relação com uma certa percepção que a população formou sobre o aparato judicial no país, segundo a qual o próprio Estado é o primeiro a desrespeitar as leis: a polícia é violenta; os tribunais agem com preconceito de classe e raça e o sistema prisional é um campo de concentração de pobres.

 

Violência e direito à informação

Dificilmente um fato pode ser comunicado sem que as opiniões e prejulgamentos do emissor interfiram no que se quer dizer. Exatamente por isso, seria de esperar que os meios de comunicação de massa se especializassem em mostrar as discordâncias, as contradições, os diversos pontos de vista que permitem apreciar minimamente uma dada situação.

Ao contrário disso, em um ambiente em que todos os acontecimentos revelam sua face opinativa e todos os pontos de vista aparecem como passíveis de discordâncias a mídia corre um duplo risco. Por um lado, tem caído no espontaneísmo e no relativismo mais completo, em que qualquer opinião recebe o mesmo peso de outra, sem preocupação em exigir uma fundamentação razoável, que torne um ponto de vista minimamente aceitável. Por outro, arrisca-se a assumir como seu um dado ponto de vista, defendendo-o como se fosse a verdade última e definitiva.

A mídia constitui filtros poderosos por meio dos quais leitores, ouvintes ou expectadores formam sua visão do mundo. Entre os numerosos procedimentos de que os emissores se servem, está a formação de uma atitude mental dualista, que simplifica a complexa realidade social em um mundo divisível por dois. Como se houvesse a possibilidade de flanquear, de um lado, os bons e, de outro, os maus.

Dessa forma, os meios de comunicação ocultam intencionalmente as contradições sociais e impedem que os conflitos venham ao conhecimento geral. Numa espécie de visão idílica, a sociedade é representada como ordeira e o tecido social, sem fissuras. Manipulam-se informações, comunicando apenas aquilo que beneficia certos grupos políticos ou econômicos. Imparcialidade e isenção – de partida, inalcançáveis plenamente – deixaram de figurar como um ideal.

Criam-se concepções econômicas, sociais e políticas apresentadas de tal forma que vão se tornando uma espécie de doutrina. Qualquer pessoa que não corresponda a esse ideal comunicado, corre o risco de ser exposto à execração pública. Em algumas situações, as vozes dissonantes são completamente ignoradas. Em outras são ridicularizadas ou, ainda, apresentadas como desordeiros e contra os quais as forças policiais são instadas a usar toda sua força. Os movimentos sociais se destacam como frequentes vítimas desse tipo de ação da midiática.

As últimas décadas têm dado mostras do poder midiático para a criação de salvadores da pátria e de heróis nacionais. Com a mesma velocidade, pratica-se o assassínio de caráter e se destroem biografias. Em razão de tal poder, a mídia se constitui como uma das principais forças políticas da sociedade contemporânea e pode agir como catalizadora da violência no país.

A mídia contribui com a violência quando, direta ou indiretamente, estimula o ódio entre pessoas ou segmentos sociais que possuem posicionamentos políticos antagônicos. Cria-se a percepção artificial de que as pessoas do bem defendem um determinado projeto e, quem se opõe a isso, compõe os grupos do mal. Essa simplificação tem um potencial deletério, porque não contribui para que os diversos pontos de vista apresentem suas razões. Ao contrário, estimula-se a eliminação da presença incômoda do outro.

 

A violência resulta de decisões políticas

Os próprios partidos políticos – que deveriam ser, por excelência, espaços democráticos de defesa de uma determinada ideologia – são a demonstração mais explícita do atravessamento do público pelo privado. É comum que surjam lideranças que se comportam como donos das legendas. Autoritários e centralizadores, os partidos políticos transformam-se em domínio de um líder que, de forma autocrática, toma as decisões.

A mentalidade que não vê distinção entre público e privado também é responsável pela prática da corrupção. Comportando-se como proprietários da máquina pública, multiplicam-se os casos em que os políticos fazem do poder uma atividade a ser exercida em seu próprio proveito, e não um serviço a ser prestado à sociedade. Ao contrário, o cumprimento das obrigações do cargo que ocupam passa a ser visto como distribuição de favores a apaniguados. Coronelismo, clientelismo e tutela do eleitor são formas usuais – e, no Brasil, jamais superadas – de corrupção na política.

Para criar impedimentos práticos e simbólicos para o efetivo exercício da cidadania, acrescentam-se a esse quadro a insuficiente escolarização e a restrição de acesso a vários direitos sociais. Em tal cultura autoritária, o pobre é visto como incapaz de votar e, ainda mais, incapaz de participar das decisões quanto aos rumos do país.

Num círculo vicioso, quanto mais alijado das discussões políticas, mais alheio e indiferente se torna o cidadão. Configura-se um quadro de pouco interesse e mesmo de desprezo pela política. A exclusão social, os múltiplos impedimentos econômicos acabam por culminar no afastamento da vida pública e, consequentemente, na quase total incapacitação para reagir diante de desmandos e injustiças.

A sociabilidade violenta é uma construção. Faz-se de escolhas políticas que a cada dia se renovam. Cada escolha ou decisão política em favor da manutenção da atual (des)ordem das relações contribui para a perpetuação do modelo. Em razão disso, parece coerente afirmar que o possível enfrentamento da violência depende intrinsecamente das relações políticas.

São exemplo de medidas que pioram as relações sociais e que, potencialmente, contribuem para o aumento da violência as “reformas” que vêm sendo conduzidas no Brasil. Uma medida proibiu por vinte anos o aumento de gastos públicos com políticas sociais, mas não impôs limite aos ganhos astronômicos do mercado financeiro. A lei que permite a terceirização irrestrita da mão de obra e a reforma trabalhista abriram a possibilidade para a retirada de direitos e da proteção social ao trabalhador. A proposta de uma reforma da Previdência é conduzida de modo a cortar os benefícios dos mais pobres, enquanto os privilégios mais dispendiosos para os cofres públicos são assegurados e permanecem intocados.

Mudanças podem ser, eventualmente, necessárias. O processo atualmente em curso, no entanto, gera profunda insegurança para os mais pobres. Restringindo a ação do Estado aos estreitos limites dos interesses do mercado, a política tem se pervertido, na medida em que o cuidado das pessoas – sua função mais primordial – tem sido subordinada à lógica financista, indiferente à disseminação de toda sorte de problemas sociais que essa lógica provoca.

De acordo com tal modo de operação, o poder público vem se encolhendo quando se trata de garantir direitos que beneficiem os mais pobres. Tal retração do Estado abre o horizonte para a iniciativa privada que pode ter novos campos de atuação em saúde, educação, segurança e em outras áreas recém abertas à exploração comercial. O problema é que a população de mais baixa renda encontra portas fechadas que lhe impedem o acesso àquilo que por direito lhe pertence.

Contraditoriamente, as políticas econômicas têm ganhado autonomia frente ao desenvolvimento social. Em consequência disso, a exclusão e a violência aumentam, já que são fortemente associadas à inexistência ou insuficiência de políticas públicas voltadas ao atendimento das reais necessidades da população.

Por outro lado, não é de se estranhar que políticos eleitos com a ajuda financeira de empresas se importem muito mais em representar os interesses de seus financiadores do que, propriamente, em tratar daquilo que beneficia os cidadãos em geral. Por isso, não faz muito tempo, os manifestantes, nas ruas, acusavam os políticos de não os representarem.

A insatisfação das ruas com essa distância tem se transformado, por vezes, numa desconfiança contra os políticos, contra os partidos e contra a própria política.

Nesse ambiente, detestar a política e abster-se de participar aparece, com frequência, como uma pretensa alternativa. Numa flagrante contradição, a defesa do ódio à política tem sido praticada, com apoio e incentivo da mídia, nas últimas eleições, por candidatos e pessoas que pretendem disputar cargos políticos ou que deles querem se beneficiar.

Quem faz esse tipo de proposta raramente consegue explicar como é que se poderiam organizar as relações de poder no espaço público se partidos e sem pessoas que se dediquem a representar os demais cidadãos.

 

Contra a universalização dos direitos e em favor dos privilégios

Acostumada a uma cultura de privilégios e favorecimentos – nos raros momentos históricos em que houve aumento da participação social e a expansão de direitos dos cidadãos –, parte da sociedade brasileira tende a se ressentir e a reivindicar o emprego de critérios meritocráticos. Aquilo que é reclamado, contudo, revela-se como uma perversão, um arremedo da meritocracia. Numa organização social com reduzidíssima mobilidade entre classes, pode restar pouquíssimo espaço para verdadeiras conquistas baseadas em mérito pessoal. A condição de existência do mérito pessoal é a igualdade desde o ponto de partida – uma condição de igualdade que a sociedade brasileira não costuma praticar.

No mundo contemporâneo, a cultura do privilégio cobre-se com as vestes do consumo de luxo. Os produtos consumidos demarcam sinais de pertença a uma determinada classe e, com isso, mantém-se à distância os que são – como se costuma dizer – os “consumidores falhos”. Com essa expressão designam-se aqueles que são excluídos porque não conseguem sustentar os hábitos caros de consumo, requeridos para se conquistar o “direito” de pertencer.

A valorização dos sinais de poder e de prestígio parece explicar a importância que ainda se dá aos títulos honoríficos. Ser chamado de “doutor”, “excelência” ou “meritíssimo” parece ser ainda muito valorizado, mesmo fora dos contextos que, talvez, pudessem conferir alguma legitimidade ao seu uso. Associado a essa atitude, persiste um mal disfarçado preconceito contra as atividades mais simples, incapazes que seriam estas últimas de oferecer os almejados sinais de distinção.

Prevalece, então, a atitude de menosprezo que trata o excluído de tal ordem estabelecida como um desclassificado, um inepto ou menos capaz. Certos segmentos sociais passam a ter, então, uma cidadania de segunda categoria. Em virtude dessa forma de pensamento, a mulher segue recebendo salários menores do que o homem e os negros, menos do que os brancos. Dentre as crianças e adolescentes, de zero a 14 anos, mais de 17 milhões encontravam-se em situação de pobreza (40,2%), no ano de 2015, em famílias com uma renda inferior a meio salário mínimo por pessoa.

De acordo com o ponto de vista aqui descrito, é comum que desempregados, subempregados, pessoas sem terra ou sem teto sejam culpabilizados e vistos como fracassados. A exclusão é, então, atribuída à “falta de qualificação”, quando não, explicitamente, à incompetência dos próprios excluídos.

Parece instalar-se uma hierarquia em que os mais pobres contam menos. Diariamente a violência assola comunidades e favelas, mas as notícias costumam gerar comoção apenas quando a violência vitima as classes incluídas.

 

A violência que procede da desigualdade econômica

Contra todos os princípios de civilidade, as relações econômicas dominantes neste século elegem, como paradigma de ação, a lei do mais forte ao invés da prevalência do direito e da justiça. Não pode haver meritocracia quando grande parte da população já está, por princípio, excluída do jogo. A expectativa de que a autonomia dos mercados e a livre especulação financeira venham a produzir o crescimento econômico, equidade e inclusão parece ilusória, na medida em que não se vê, em toda a história, qualquer indicativo de que ela possa se concretizar.

Ao contrário, quanto mais se aprofundam os mecanismos de acumulação e de consumo, tanto mais as promessas de felicidade vão se concretizando apenas para um pequeno grupo e ampliando a exclusão da maioria. Parece difícil aceitar a ideia de que o modelo vigente pode produzir benefícios para todos quando se constata que, atualmente, 62 pessoas concentram o mesmo dinheiro que a metade mais pobre da humanidade. Outro número dá conta de que apenas 1% da humanidade possui a mesma riqueza que os restantes 99%.

No caso brasileiro, a desigualdade cria ainda o desequilíbrio entre as regiões. Supostamente reconhecido como um país de contrastes que geram pluralidade econômica e cultural, essa diversidade frequentemente se converte em desigualdade entre as regiões. Criam-se modelos mentais que concebem uma região como avançada e moderna ao passo que se atribuem a outras o atraso e o subdesenvolvimento. Essa discrepância resulta da desigualdade de investimento e da inexistência de políticas públicas específicas para garantir o desenvolvimento tecnológico igualitário do território.

Há décadas, o episcopado nordestino tem chamado a atenção para o fato de que as diferenças entre o Centro-sul e o Nordeste se devem ao fato de que faltam políticas públicas específicas para essa região. Algo semelhante pode ser dito a respeito das outras regiões que, ao longo de décadas, não ocuparam o centro das preocupações dos governos.

 

Superação da violência por uma cultura de paz

Tema tão contemporâneo, a paz comporta diferentes entendimentos e muitos são os pensadores que a ele se têm dedicado; há acepções diversas, desde aquelas que se referem a um estado interior do sujeito ausente de conflito consigo mesmo até o entendimento de uma paz externa, ou seja, uma situação em que não há conflito e violência entre indivíduos, grupos e coletivos humanos. Neste texto, trata-se de pensar a paz externa, ainda que ambas se vinculem.

Na busca pela paz, muito frequentemente, há uma ênfase ao combate à violência direta que, se eliminada, promoveria a paz. Disso resulta uma concepção entendida por alguns estudiosos como uma paz negativa (que, per si, pode inclusive ocultar injustiças que, muitas vezes, geram novos conflitos). Destaca-se aqui, portanto, a importância do enfrentamento não somente da violência direta, mas das violências estruturais e culturais, em busca de uma paz positiva e sustentável.

Ainda que, historicamente, se observe em momentos e lugares a prevalência de um ou outro estado de coisas, situações de violência e de paz coexistem nas diversas sociedades, nas suas várias formas de manifestação. Promover a paz é, pois, um desafio permanente que deve ser continuamente enfrentado. Trata-se não somente de um problema filosófico, mas também social e político.

Por certo, a paz não será alcançada pela mera obediência e submissão a normas, pelo medo das sanções a determinados comportamentos coletivamente rechaçados, ou pela segregação de pessoas e grupos. Há que construir uma sociedade que, pautada na justiça, deseje a paz.

Assim, reconhecendo que a paz não se caracteriza apenas pela ausência de conflito — condição inerente à vida humana em sociedade — a concepção de “cultura de paz” está aqui entendida no sentido do “cultivo da paz”, portanto, não como algo dado, mas resultado de ações e processos multidimensionais, individuais e coletivos, claramente intencionados a produzir modos de ser e de viver que tenham a paz como valor coletivo e horizonte a ser alcançado. Em outras palavras, trata-se de construir estilos de vida voltados para a promoção da paz.

A Organização das Nações Unidas (ONU) postula que Cultura de Paz é um conjunto de valores, atitudes, tradições, comportamentos e estilos de vida baseados:

a) No respeito à vida, no fim da violência e na promoção e prática da não-violência por meio da educação, do diálogo e da cooperação;

b) No pleno respeito aos princípios de soberania, integridade territorial e independência política dos Estados e de não ingerência nos assuntos que são, essencialmente, de jurisdição interna dos Estados, em conformidade com a Carta das Nações Unidas e o direito internacional;

c) No pleno respeito e na promoção de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais;

d) No compromisso com a solução pacífica dos conflitos;

e) Nos esforços para satisfazer as necessidades de desenvolvimento e proteção do meio-ambiente para as gerações presente e futuras;

f) No respeito e promoção do direito ao desenvolvimento;

g) No respeito e fomento à igualdade de direitos e oportunidades de mulheres e homens;

h) No respeito e fomento ao direito de todas as pessoas à liberdade de expressão, opinião e informação;

i) Na adesão aos princípios de liberdade, justiça, democracia, tolerância, solidariedade, cooperação, pluralismo, diversidade cultural, diálogo e entendimento em todos os níveis da sociedade e entre as nações; e animados por uma atmosfera nacional e internacional que favoreça a paz.

(ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Declaração e Programa de Ação sobre um Cultura de Paz. 107a sessão plenária. 13 set. 1999.)

O alcance de um objetivo tão complexo exige que Estado, sociedade civil, organizações públicas e privadas, grupos, comunidades e indivíduos mobilizem forças e recursos de múltiplas ordens, para alcançar ao longo do tempo a transformação da realidade.

Tem-se, portanto, que o enfrentamento de diferentes formas de violência requer o agenciamento de estratégias distintas, porém concertadas. E o entendimento de que a paz possível e desejada deve andar pari passu com a disseminação e concretização de ações que resultem na abolição de todas as situações que a impedem.

Assim sendo, a construção da paz submete-se a diversos condicionantes, somente se podendo realizar na ação de muitos atores sociais — individuais e coletivos—, via micro e macro práticas democráticas que promovam o fortalecimento do Estado de Direito, a participação e o controle sociais.

Portanto, o desenvolvimento de uma cultura de paz implica a ampla ação institucional, sobretudo no que tange ao Estado — e tem-se aí o papel importantíssimo dos governos e o envolvimento das instituições jurídicas — e, paralela e igualmente importante, a ação da sociedade civil, dos grupos e dos indivíduos, de modo a que instaure uma radical mudança nas relações sociais e políticas.

Em outras palavras, a construção de uma Cultura de Paz está intimamente relacionada à promoção da democracia e ao fortalecimento das instituições democráticas; ao desenvolvimento econômico e social sustentável, com garantia da participação de todos; à erradicação da pobreza e das desigualdades; à eliminação de toda forma de discriminação; ao respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais; à promoção da tolerância e da solidariedade.

Entre os países que têm alcançado maior avanço, as principais estratégias para promoção da paz contemplam programas e ações governamentais e não governamentais, locais, regionais e nacionais, sobretudo no âmbito da educação, do cuidado com as crianças e com os jovens, da afirmação dos direitos humanos, da igualdade entre gêneros, da participação democrática, da comunicação participativa, do desarmamento e da segurança nacional e internacional.

(Os grifos são nossos.)

Créditos

A análise publicada em Contextus não representa a opinião da PUC Minas ou da Arquidiocese de Belo Horizonte. Sua publicação, sob responsabilidade exclusiva do Nesp, obedece ao propósito de estimular a reflexão sobre a conjuntura política e outros aspectos de interesse social.

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  • José Zanetti Gonçalves – RENSE

Conselho Editorial

  • Adriana Maria Brandão Penzim
  • Claudemir Francisco Alves
  • Robson Sávio Reis Souza

Redação final

  • Claudemir Francisco Alves

 

Fonte:

Contextus NESP PUC Minas

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VIOLÊNCIA NO BRASIL, SEGURANÇA PÚBLICA E AMPLIAÇÃO DOS DIREITOS DEMOCRÁTICOS (2ª parte) https://observatoriodaevangelizacao.com/violencia-no-brasil-seguranca-publica-e-ampliacao-dos-direitos-democraticos-2a-parte/ Sun, 18 Feb 2018 21:00:54 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=27373 [Leia mais...]]]>

Subsídio para a Campanha da Fraternidade – 2018

“Esse texto parte do pressuposto de que não se pode superar a violência a menos que a questão seja enfrentada por políticas públicas democraticamente discutidas e implementadas com vistas à garantia e ampliação dos direitos dos cidadãos. Entende-se que violência é um problema de política, mais do que de polícia.”

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A violência cultural

Ao se empregar a expressão “violência cultural” sugere-se o cultivo cotidiano e a perpetuação histórica de modos de socialização pautados pela violência. A cultura não é entendida, portanto, nem como um defeito de origem e nem como uma espécie de destino inevitável de uma sociedade. Ao contrário, está ligada ao fazer cotidiano, às ações concretas das instituições sociais e às decisões políticas que diariamente vão sendo tomadas para ratificar um dado modo de interpretar e organizar a própria sociedade.

Essa iteração acaba por constituir um contexto de interpretação dos próprios fatos do cotidiano, em especial aqueles da violência direta e da violência estrutural. Certas ações violentas passam a ser vistas como legítimas e dificilmente se consegue percebê-las em sua verdadeira face. Dessa forma, a violência contra a mulher, por exemplo, aparece neutralizada como se não chegasse a ser uma agressão, e frequentemente pretende se passar por um inocente jogo social na relação entre gêneros.

A violência cultural se concretiza na naturalização de determinadas condutas. Ciúmes, desavença entre vizinhos, desentendimento no trânsito e tantas outras formas de conflito passam a ser vistas como reações normais e inevitáveis. Por terem sido naturalizadas, confundem-se com reações espontâneas e previsíveis frente a uma situação conflitiva.

Esse tipo de violência não é percebido em sua gravidade e por vezes é tratado como um mal menor e mais aceitável, comparado ao tráfico de drogas e outras práticas criminosas organizadas.

O processo de naturalização encaminha para a total indiferença frente aos fatos. Os números da violência no Brasil revelam uma calamidade social. Raramente, porém, o expectador ultrapassa o nível de uma leve indignação diante dos dados.

A sociedade mantém-se complacente, como se a reação violenta às provocações do cotidiano fosse um fato natural e nada houvesse a ser feito para evitá-lo.

Isso que ocorre no nível individual e coletivo se manifesta como uma espécie de anestesia por parte dos governos, que não se sentem compelidos a elaborar políticas públicas capazes de reverter a tragédia em andamento.

Outro mecanismo cultural que se observa frequentemente é o da culpabilização da vítima. Assim, por exemplo, o crime cometido “para lavar a honra” surge como algo trivial e corriqueiro, quase “normal”.

Nesse tipo de raciocínio, o jovem, o negro, a mulher sofrem violência porque fizeram algo por merecer. O estupro ocorreria por culpa da mulher que não se vestiu adequadamente. O jovem negro e morador da periferia seria o alvo preferencial da violência policial por ser marginal ou um drogado. Nessa perspectiva, a violência seria vista como uma forma de manter as pessoas “de bem” no “bom caminho”.

Dificilmente as pessoas que empregam esses argumentos se dão conta de que estão sendo violentas. Tal maneira de interpretar uma determinada condição constitui um código de valores a partir do qual condutas individuais e sociais dos outros são avaliadas. Na vida cotidiana, raramente esse contexto prévio de interpretação é analisado criticamente, embora seja constantemente usado como parâmetro de validação de certas condutas.

É nas ações concretas e nos valores sustentados que a cultura se realiza e se atualiza. Algo pode ser considerado cultural quando é sistematicamente avivado e reavivado nas ações dos indivíduos, assim como no fazer e no fazer-se das instituições de uma sociedade. Com isso, o termo cultura é remetido ao aspecto político das relações sociais.

Nesse sentido, não parece razoável falar em uma cultura violenta como se ela fosse essencialmente violenta, isto é, existisse com o fim explícito de gerar violência. É possível, porém, dizer que há cultura da violência no sentido em que nela se produzem e se reproduzem mecanismos que restringem direitos ao invés de se criarem as condições para que os direitos sejam usufruídos por todas as pessoas. Há cultura da violência quando, em uma sociedade, vão sendo tomadas, reiteradamente ao longo do tempo, decisões que inviabilizam a construção da justiça e da equidade e em virtude das quais a paz é continuamente impedida de nascer e de fincar raízes.

Formas de pensamento e de linguagem são meios de perpetuação da violência cultural. Do mesmo modo, elas podem ser legitimadas por crenças religiosas e por convicções morais. Quando se supõe que o bem e o mal existem independentemente das definições que um determinado grupo social faz para escolher qual conduta deverá ser considerada “certa” e qual será tratada como “errada”, retira-se a moral do campo opinável das relações humanas sociais e de poder.

Nesse caso, condutas ou identidades que não se conformam aos valores dominantes no grupo social são tratadas como modos de ser inferior. Assim, aparecem os mais diversos argumentos para tratar como “naturalmente” inferiores a mulher, os jovens, os idosos, os trabalhadores, os migrantes, os negros, os índios, as pessoas com orientações sexuais diferentes (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais…) entre tantas outras marcas de di- versidade que passam a ser menosprezados.

Outro aspecto da violência cultural é o império de uma igualdade apenas formal dos indivíduos perante a lei. Para os poderosos a submissão à lei não é sempre exigível, mas uma questão de conveniência. Por isso se diz que há leis “que pegam” e leis que “não pegam”. Para aqueles que gozam de posição social mais alta a obediência à lei se mostra opinável. Para os mais pobres e menos amparados por relações pessoais protetoras, frequentemente a lei se torna uma forma de repressão, contenção e até mesmo exclusão social.

Para dar cobertura a essa desigualdade na forma como uma norma afeta os cidadãos, as leis, por vezes, são elaboradas de forma abstrata e incompreensível, permitindo interpretações escusas, ou o cumprimento da mera materialidade da lei, mediante o descumprimento do espírito da lei. Daí decorre um aparato judiciário seletivo, moroso, ineficiente e ineficaz.

 

A formação do pensamento único e a violência contra os diferentes

Desde o período colonial a sociedade brasileira foi se formando com base na suposição de que existem pessoas melhores e pessoas piores. A forma de pensar segundo a qual o colonizador branco era considerado superior aos índios e aos negros foi adquirindo novas conformações à medida que a sociedade foi se reestruturando social e politicamente para responder a novos desafios e conjunturas. Jamais foi superada, porém, a velha concepção e, mesmo séculos depois, ainda persistem os sinais de distinção que relegam a mais ampla parcela da população a uma cidadania de pior categoria.

No Brasil, conseguiu-se estabelecer, no máximo, uma igualdade formal entre os indivíduos. Ao invés do reconhecimento dos direitos universais dos cidadãos, formou-se uma sociedade altamente hierarquizada, baseada em privilégios. Tal distinção de pessoas se engendra e se fortalece cotidianamente por meio das práticas e do discurso operado pelas instituições sociais. Essa desigualdade – legitimada e acobertada – gera relações sociais violentas.

Pouco se questiona esse quadro. As vozes que, por vezes, se levantam contra tamanha desigualdade frequentemente são desmerecidas, discriminadas e tratadas com desprezo. Quando recusam o retorno ao silêncio e insistem em denunciar tal conformação social, são frequentemente caladas por meio da força.

Atuar em favor da igualdade de direitos, no Brasil, é uma atividade de risco. Todos os anos as organizações que defendem o meio ambiente; as que lutam pela propriedade equitativa das terras e das águas; as defensoras dos direitos humanos, dentre outras, contam às dezenas o morticínio e a agressão de lideranças e militantes populares.

Enquanto isso, vem se constatando, nos últimos anos, um acirramento dos conflitos no campo com a proposição, no Congresso Nacional, de projetos de leis que visam à redução de direitos dos trabalhadores rurais mais pobres. Encontram-se em andamento medidas que constituem uma ameaça aberta aos direitos trabalhistas, com restrição do acesso desses trabalhadores à previdência e à aposentadoria rural.

Além disso, várias políticas públicas voltadas especificamente para os agricultores familiares vêm sendo desmanteladas. Ministérios, autarquias e outras estruturas de Estado que têm por finalidade a proteção dos agricultores familiares, bem como de povos indígenas, quilombolas e outras comunidades tradicionais têm sido extintos ou veem seus recursos orçamentários minguarem. A paralisia na destinação de terras improdutivas para fins de reforma agrária; a interposição de obstáculos para dificultar e até impedir a demarcação de terras destinadas aos povos tradicionais; as táticas para impedir as denúncias contra a redução do trabalho a condições análogas à escravidão. Essas são medidas em andamento que agravam um setor social já caracterizado pela violência.

Como sempre se viu, ao longo dos séculos, esses povos ainda estão sendo violentamente expulsos de suas terras. Privilegia-se, ao contrário, o agronegócio, deixando desprotegida a agricultura familiar e camponesa, que depende do compartilhamento equânime dos recursos da terra e da água.

As já restritas experiências de reforma agrária estão sendo ameaçadas por uma nova forma de gestão dos assentamentos. A oferta imediata do título de propriedade da terra para o assentado é uma estratégia arriscada, na medida que esconde um duplo movimento. O primeiro, diz respeito ao fato de que, com essa medida, o Estado se desobriga de garantir a assistência técnica, a infraestrutura e outros subsídios necessários para que o assentado adquira as condições materiais e tecnológicas de produzir em sua terra e conseguir escoar sua produção. O segundo movimento é a facilitação da comercialização da terra. Há um grande risco de que as terras, vendidas, voltem a se concentrar nas mãos de poucos. Tal proposta de gestão dos assentamentos pode levar ao desvirtuamento da reforma agrária por meio da privatização das áreas reformadas.

Também tem sido objeto de uma intensa disputa a destinação da água. Existem duas propostas antagônicas quanto à forma de aproveitamento e gestão dos recursos hídricos. De um lado, existe a lógica de mercado que defende a apropriação territorializada e monopolista da água, vista apenas como um recurso para a atividade econômica. Essa forma de uso intensivo da água é incompatível com a demanda daqueles que dela se servem para sua subsistência. Somente em 2016, em todo o território nacional, cerca de 45 mil famílias estiveram expostas a semelhantes situações conflituosas.

É em face desse cenário que se constata o recrudescimento da violência no campo com aumento exponencial de mortes e prevalência da impunidade.

Outro fenômeno típico dos últimos anos é a criminalização dos movimentos sociais. Isso tem significado, por vezes, a aprovação de medidas persecutórias, como a lei que permite enquadrar legítimas formas de manifestação política como se fossem atos terroristas. O uso das Forças Armadas ou de tropas de Polícias Militares contra pessoas que participam em atos políticos democráticos se repetiu incontáveis vezes ao longo das últimas décadas.

Em tempos mais recentes, porém, a frequência com que isso vem ocorrendo já chama a atenção até mesmo fora do país. Já o Estado brasileiro pouco se empenha para que haja efetiva apuração dos casos de violência contra lideranças indígenas, quilombolas, ambientalistas e tantos outros militantes de movimentos populares.

Enquanto o uso extremo da força substitui a coexistência negociada, vigora o discurso feito para justificar tamanha violência supondo que ela ocorre como consequência natural e óbvia, merecida por quem não age de acordo com as regras de boa convivência social, na qual cada um deveria reconhecer o lugar que “devidamente” lhe cabe. Em tal narrativa, pessoas que não se submetem ao código de valores dominante são tratadas como portadoras de uma moral falha ou uma deficiência intelectual que – supostamente – faz com que mereçam ser duramente combatidas.

Na prática, o líder de trabalhadores rurais que reinvindica uma apropriação mais equitativa das terras e das águas é tratado como se fosse, ele próprio, a causa do problema, já que recusa submeter-se à lógica que permite que as riquezas fiquem nas mãos de uma minoria. De modo semelhante, o índio que não aceita ser expropriado de sua terra e de sua cultura é apresentado como agarrado aos valores do passado e contrário à modernidade.

 

A culpa é da vítima?

Esses e outros argumentos obedecem a uma mesma lógica que naturaliza as desigualdades. Trata-se de um processo violento porque atribui a culpa ao sujeito que, na verdade, é a vítima da opressão.

Inverte-se, assim, a relação de causa e efeito: a opressão (verdadeira causa da problema) é apresentada como se fosse uma natural e óbvia consequência do modo de ser ou de agir da vítima.

Com o tempo, tal violência, naturalizada, vai se tornando invísivel, isto é, deixa de ser percebida como violência nas relações sociais cotidianas.

Para justificar o uso da força, ao invés da conversação e do enfrentamento objetivo do problema, criam-se rótulos para descrever as pessoas vistas como inimigas: desordeiras, vândalos, comunistas… Assim, quando alguém transgride a ordem estabelecida e se ergue contra o sistema abertamente desigual, invoca-se o rigor da lei.

No cotidiano, porém, ao invés da imparcialidade da lei, são as relações pessoais e o compadrio que ditam as normas. Fazer de recursos públicos um meio de se obter benefícios privados parece algo tão normal que por vezes já nem é percebido como um desvio.

Tampouco soa como uma perversão do sistema o fato de que, para se alcançar a prestação de um serviço público, frequentemente se torna necessário conhecer uma pessoa influente.

A influência, em tal caso, é a capacidade de fazer convergir para fins individuais e privatistas bens e serviços que deveriam ser distrituidos com critérios objetivos e em total respeito às leis.

Dissolvem-se facilmente os limites entre os espaços público e privado, contrariando um dos princípios mais básicos de um Estado democrático.

 

A guerra às drogas

A política de repressão às drogas, como fim em si mesma, tem causado danos e riscos à sociedade e se mostrou ineficaz em cumprir seu papel de controlar o uso de substâncias ilícitas, que a cada ano estão mais acessíveis em todo o mundo. Segundo o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes, 250 milhões de pessoas usavam drogas em todo o mundo, em 2015.

Desde quando o termo “guerra às drogas” foi explicitamente difundido, no início dos anos 1970, nenhuma outra política pública conseguiu segregar tanto as populações marginalizadas. Implementaram-se ações de segurança pública e justiça criminal seletivas, sem incidir efetivamente na diminuição do uso, nem nos crimes conexos ao tráfico. A ação seletiva das polícias e da justiça no trato com as drogas denuncia uma política de repressão aos entorpecentes ineficaz e injusta.

Afinal, essa falsa guerra não envolve substâncias psicoativas consumidas por grupos de elite, como calmantes e álcool e, mesmo em relação às substâncias psicoativas ilícitas – que são usadas pelos segmentos sociais mais abastados – tal política não produz resultados dado que os grupos sociais financeiramente bem posicionados conseguem facilmente as substâncias ilícitas e contam, geralmente, com a complacência e conivência de setores do sistema de justiça criminal.

Ademais, o debate sobre as drogas tem se centrado em questões de cunho moralista e preconceituoso. Enquanto o álcool – substância que causa mais problemas e custos ao sistema de saúde pública – é aceito e legalizado, os usuários de outras drogas são estigmatizados e punidos. Por ano, as drogas proibidas em convenções da ONU matam cerca de 250 mil pessoas. Porém, o uso abusivo do álcool resulta, anualmente, em 2,25 milhões de óbitos. Quanto ao tabaco, mata 5,1 milhões anualmente. Isso, sem contabilizar os altíssimos custos para o sistema de saúde público relativos ao tratamento de usuários e dependentes de álcool e tabaco.

Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), atualmente, são quase 650 mil o número de pessoas encarceradas, das quais mais de 240 mil ainda não receberam condenação da Justiça. De acordo com levantamento realizado pelo Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), pelo menos 27% de toda essa população está presa em razão do tráfico de drogas. São mais de 170 mil pessoas aumentando a superlotação de um sistema prisional onde impera a violação de direitos e que não favorece a reinserção social do preso.

A falta de controle da produção e da qualidade das drogas, a criação de um mercado ilegal sem fiscalização, o excesso de investimentos em armas e a violência contra os jovens da periferia são fatores que prejudicam gravemente a saúde pública. Em outras palavras, a guerra contra as drogas esconde a omissão do Estado que, incapaz de produzir políticas específicas sobre o tema, escolhe o caminho menos árduo de criminalizar uma parcela da população.

 

Polícia e violência

Decorridas três décadas desde a implantação da Constituição Federal e a consolidação do regime democrático, o Brasil segue convivendo com um modelo de organização policial com fortes traços de autoritarismo. Ao invés de pautar-se pela defesa do cidadão e pela garantia do pleno exercício de seus direitos, ainda persistem crises internas às corporações policiais que impedem a composição de instituições comprometidas com a defesa do cidadão.

Abuso de autoridade, violações dos direitos humanos e desrespeito à cidadania fazem com que o medo de sofrer violência ou alguma injustiça provocada pela própria polícia constitui um dos fatores responsáveis pelo aumento da insegurança e do medo, em particular, nas grandes metrópoles.

Prevalece, nas políticas de segurança pública no Brasil, uma forma de se conceber a atuação policial que, ao combater o crime, combate também o cidadão. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança, grande parte da população teme ser vítima de violência da Polícia Militar (59%) ou da Polícia Civil (53%). A maioria dos cidadãos (70%) acham que há exagero no emprego de violência por policiais.

Incapaz de perceber a complexidade do problema, uma parte da população acredita, contraditoriamente, que a criminalidade aumenta em razão da insuficiência de leis ou da falta de punições efetivas. Não obstante haja pouca eficiência na ação das instituições responsáveis pela apuração e pelo julgamento, não há indicativos de um abrandamento das sanções penais no Brasil. Ao contrário, diversos estudos consideram ter havido um recrudescimento no controle estatal sobre a criminalidade, assim como se destaca a alta letalidade da ação policial.

A arbitrariedade e a violência policiais, que afrontam direitos básicos como a privacidade ou a exigência do devido processo legal antes de qualquer condenação, têm sido incautamente aceitas por certos segmentos da população. Ouve-se frequentemente esse tipo de discurso no qual é naturalizada e aceita a ação policial violenta aplicada contra determinados grupos sociais, não importando se aplicada de forma ilegal ou ilegítima. Dessa forma, observa-se que a vítima mais comum da violência policial tem sido o jovem, o negro, o pobre e, em particular, o morador de favelas e dos bairros mais pobres.

Como parte desse quadro, aumentou sensivelmente o encarceramento como política de segurança no país. Nos últimos catorze anos, houve um acréscimo de 267,32% no número dos presos. O Brasil é o terceiro no ranking dos países com maior população prisional. Existem 342 pessoas presas para cada cem mil habitantes, superando em muito a média mundial.

Junto com o número de aprisionados, cresce também a indústria associada à carceragem. Uma enorme quantidade de serviços é requerida para manutenção desse sistema. Há alguns anos vêm emergindo propostas de transferência desse aparato para a iniciativa privada, transformando num negócio aquilo que deveria ser um trabalho de cuidado. A privatização da segurança pública é, aliás, uma corrente composta por muitos elos, envolvendo a venda de seguros, o aparato da segurança privada, a mercantilização da advocacia, a polícia repressiva, o Judiciário penalizante e muitas outras partes.

A esse sistema tem sido comum designar como um “Estado de controle social penal”. Em tal modelo, as prisões e o funcionamento das polícias não são submetidos ao objetivo maior de um controle social cidadão, cujo propósito seria a reconstrução de uma sociabilidade pautada na solidariedade social.

Muito ao contrário, distante das práticas de recuperação e reintegração da pessoa apenada à sociedade, a precariedade das instalações e a superlotação são agravadas pela prática de tortura e pelos maus tratos praticados por policiais e carcereiros.

São muitos os dilemas a serem superados para se chegar a um modelo policial comprometido com o respeito à dignidade humana e intencionado à adoção de práticas emancipatórias. As organizações policiais são pouco permeáveis à participação social. Ocupadas em sanar conflitos internos, frequentemente corporativos, têm se mostrado refratárias a efetivas mudanças. Prevalece entre os agentes públicos da segurança uma visão autoritária e avessa ao reconhecimento do outro.

Além do mais, os governos democráticos, pós-Constituição de 1988, tanto no plano federal como nos estados, nunca assumiram o protagonismo de uma reforma policial. Muito pelo contrário, geralmente se acomodam ao modelo vigente e dele se utilizam.

Tampouco se cultiva na sociedade brasileira o interesse pela solução desses problemas. Impera a visão que atribui à polícia o papel da repressão e da punição. Em razão disso, não tem havido, por parte da população, nem acompanhamento e nem exigência de que os indicadores de desempenho policiais sejam compatíveis com ações preventivas.

Pelo contrário, difunde-se uma ideia de justiça revanchista que deseja manter à distância os presidiários e seus problemas. Nessa concepção vindicativa, a desgraça em que vivem os presos no sistema carcerário brasileiro é tratada como parte do próprio castigo. O autointitulado “cidadão de bem” se mantém alheio a essa miséria humana.

Enquanto isso, a violência policial no Brasil continua recebendo destaque no informe anual da Anistia Internacional e de outras organizações de defesa dos direitos humanos. O envolvimento de policiais em chacinas, os “autos de resistência” (homicídios cometidos por policiais que alegam legítima defesa e ficam sem investigação), casos de tortura seguidos de morte, fraude processual, ocultação de cadáver estão entre os crimes atribuídos a policiais. A maioria dos casos de violência policial permanece sem apuração e os acusados ficam sem julgamento.

(Os grifos são nossos.)

Créditos

A análise publicada em Contextus não representa a opinião da PUC Minas ou da Arquidiocese de Belo Horizonte. Sua publicação, sob responsabilidade exclusiva do Nesp, obedece ao propósito de estimular a reflexão sobre a conjuntura política e outros aspectos de interesse social.

Núcleo de Estudos Sociopolíticos

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Grupo Gestor

Representantes da PUC:

  • Adriana Maria Brandão Penzim
  • Claudemir Francisco Alves
  • Robson Sávio Reis Souza (Coord.)

Representantes da Arquidiocese de Belo Horizonte:

  • Frederico Santana Rick – VEASP
  • José Zanetti Gonçalves – RENSE

Conselho Editorial

  • Adriana Maria Brandão Penzim
  • Claudemir Francisco Alves
  • Robson Sávio Reis Souza

Redação final

  • Claudemir Francisco Alves

 

Fonte:

Contextus NESP PUC Minas

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VIOLÊNCIA NO BRASIL, SEGURANÇA PÚBLICA E AMPLIAÇÃO DOS DIREITOS DEMOCRÁTICOS (1ª parte) https://observatoriodaevangelizacao.com/violencia-no-brasil-seguranca-publica-e-ampliacao-dos-direitos-democraticos-1a-parte/ Sat, 17 Feb 2018 21:39:51 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=27370 [Leia mais...]]]>

Subsídio para a Campanha da Fraternidade – 2018

“Esse texto parte do pressuposto de que não se pode superar a violência a menos que a questão seja enfrentada por políticas públicas democraticamente discutidas e implementadas com vistas à garantia e ampliação dos direitos dos cidadãos. Entende-se que violência é um problema de política, mais do que de polícia.”

Contextus-logo-1

Apresentação

Em meados de 2017, o Núcleo de Estudos Sociopolíticos (Nesp) produziu um texto no qual se propunha uma reflexão sobre a violência no Brasil. Atendendo a uma solicitação apresentada pelo reitor da PUC Minas e bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte, Dom Joaquim Giovani Mol Guimarães, esse material deveria servir como sub- sídio para a elaboração do texto-base da Campanha da Fraternidade de 2018, cujo tema é “fraternidade e superação da violência”.

O Nesp assumiu, então, a tarefa de preparar um panorama da questão da violência no país. Tal levantamento foi parcialmente utilizado na seção “VER”, do texto-base produzido pela CNBB. Outra parte do material gerado naquele estudo permanecia inédita. Considerando a oportunidade de se aprofundar o tema em razão da Campanha da Fraternidade em andamento, o Nesp tem acolhido insistentes pedidos para que o conteúdo do documento seja integralmente publicado.

Em razão disso, nesta edição de Contextus foram reorganizadas novas seções daquele estudo. Pretende-se reunir aqui alguns elementos que permitem compreender as situações de violência direta experimentadas cotidianamente pelos cidadãos brasileiros em suas conexões com a estrutura social, econômica e política do país.

Essa abordagem – que compreende a violência direta como intrincadamente ligada às práticas de violência estruturais e culturais – não constitui uma novidade. Aliás, trata-se de uma perspectiva já bastante comum nos estudos sociológicos e políticos sobre esse tema.

Ao adotar aqui essa forma de olhar, espera-se traduzir em linguagem mais acessível esse debate acadêmico, pondo ao alcance das pessoas que vão atuar diretamente nesta Campanha da Fraternidade mais um instrumento para compreender sistematicamente o fenômeno da violência no Brasil.

Na percepção pouco orgânica da linguagem cotidiana, a violência aparece de forma fragmentária. Raramente são percebidos os padrões e os interesses subjacentes aos numerosos fatos violentos. Dessa forma, costuma-se ignorar que a violência atinge primeiro e mais fortemente os mais jovens, as mulheres, os negros e outros segmentos sociais, principalmente aqueles mais pobres e desfavorecidos.

Talvez, no cotidiano, a percepção fragmentada possa resultar da superficialidade, da pressa ou da pouca especialização da análise. Contudo, essa incompetência para construir sínteses pode ser uma das motivações para a proliferação do discurso do ódio e da intolerância que vem florescendo, sobretudo, nas redes sociais. No desejo de combater a violência, produz-se mais violência.

Além disso, tem prevalecido – sobretudo na forma como os meios de comunicação de massa apresentam o tema – essa mesma tendência de considerar a violência apenas de maneira episódica. É como se os atos violentos dependessem apenas da maldade de quem os pratica. Dessa forma, reduz-se a violência a um problema moral e se perde de vista o caráter eminentemente político da violência.

Para confrontar tais reducionismos, esse texto parte do pressuposto de que não se pode superar a violência a menos que a questão seja enfrentada por políticas públicas democraticamente discutidas e implementadas com vistas à garantia e ampliação dos direitos dos cidadãos. Entende-se que violência é um problema de política, mais do que de polícia. Efetivamente, a polícia é um importante agente da segurança pública, mas de forma alguma pode ser o único.

Isso implica contrapor-se frontalmente à ideia da segurança que aposta exclusivamente no endurecimento das penas; no uso da força policial como medida de controle; no fortalecimento do mercado de segurança privada ou em outras medidas que esperam resolver o problema da violência restringindo a liberdade e cerceando os direitos do cidadão.

A sociedade amedrontada

Apesar da dificuldade de dimensionar o problema, em razão da fragilidade dos dados disponíveis, há consenso ao afirmar-se que, nas últimas décadas, a situação da violência no Brasil se agravou. Se há algum tempo essa era uma vivência mais frequente nos grandes centros urbanos, nas últimas décadas também nas cidades médias e até mesmo nas pequenas cidades vêm se disseminando episódios de violência.

Não é um fato restrito a uma ou outra região: trata-se de um fenômeno que se alastrou por todo o país, embora persistam e ainda resistam lugares onde viceja a vida pacífica.

Têm se multiplicado os casos de violência direta, nos quais um ou mais agressores se servem da força contra uma (ou mais de uma) vítima. No entanto, além dessa violência episódica ou pontual, também estão crescendo formas de violência mais organizadas, em que grupos de pessoas se estruturam para praticar crimes.

A constante incidência de casos de violência direta – tanto aquela eventual como a ação do crime organizado – amendronta, passando a interferir e, por vezes, a ditar mudanças na condução das rotinas mais triviais.

A violência vai ganhando certa centralidade na medida em que começa a fazer parte do cotidiano. Quando, sentindo sua integridade pessoal ou patrimonial ameaçadas, o cidadão passa a incluir hábitos de segurança como preocupação explícita, significa que – mesmo para negá-la ou dela defender-se – a violência já passou a ditar suas atitudes.

A necessidade de precaver-se contra a presença do outro percebida como ameaçadora é sintoma de um sentimento de medo e de insegurança que tem um alcance mais amplo: a violência começa a se tornar o fio condutor da forma como se realiza a sociabilidade, isto é, a forma como uma pessoa interage com as demais em um certo grupo social.

O tema da segurança já se tornou um dos principais problemas brasileiros e tem inspirado a proposição de inúmeras formas de política pública – a maioria delas voltadas à repressão, ao aumento do contingente policial e carcerário, ao recrudescimento legal e penal. A segurança hoje faz parte da agenda de muitos cidadãos e domina boa parte das notícias diárias nos meios de comunicação.

A ilusão vendida pela indústria da segurança privada

Curiosamente, quanto mais o tema frequenta o centro das atenções, tanto mais cresce uma sensação difusa de desproteção e de impotência. Para fazer frente a tal sentimento, tem sido comum a proposição de medidas que, ao invés de representar uma solução, se tornam, elas mesmas, parte do problema. É exemplo disso a formação de uma “indústria” da segurança privada, que ocorreu nos anos 1990, quando se multiplicaram os serviços privados de proteção e se ampliou o acesso a equipamentos de vigilância, criando uma espécie de mercado da segurança.

Essas medidas privatistas de proteção se tornaram atrativas em face da sensação difundida entre os cidadãos de que o Estado não conseguiu fazer frente à criminalidade. Contudo, paradoxalmente, as respostas individualistas reforçam ainda mais a sensação de insegurança. Trancafiando-se atrás de barreiras físicas, consegue-se algum grau de proteção, mas, ao fazê-lo, o cidadão se isola. Não é apenas o inimigo potencial que fica à distância; também os amigos são repelidos e os laços sociais se fragilizam.

Dessa forma, é muito fácil confundir o “outro” com o inimigo. Qualquer pessoa que pense diferente ou adote comportamentos diversos é tratado como uma ameaça à sensação de segurança individual.

A segurança produzida pela proliferação de dispositivos de vigilância resulta, no máximo, em uma percepção subjetiva de conforto, mas não resolve as condições objetivas geradoras da violência. O temor de que as rotinas cotidianas venham a ser interrompidas por algum evento ou agente alheio à vontade do sujeito teima em alimentar o sentimento de vulnerabilidade e desproteção.

Parece inevitável constatar que o problema objetivo da insegurança não se resolve apenas com o uso de equipamentos e de tecnologia. Tais ferramentas podem contribuir apenas marginalmente. Trata-se de uma questão a ser enfrentada coletivamente e, como tal, deve ser sanada politicamente. A política pode ser entendida como uma prática de acordos que, aceitos pelo conjunto da sociedade, permite às pessoas viverem pacificamente em um mesmo espaço. Nesse sentido, não há possibilidade de se viver em paz fora da política.

A tentação das soluções fáceis

Se as medidas privatistas são apenas aparentemente capazes de oferecer soluções para o problema da violência, também está claro que não é qualquer medida coletiva (e mesmo pública) que pode enfrentar a situação sem torná-la ainda pior. Nos últimos anos, vêm se multiplicando as abordagens simplistas e revanchistas que julgam que o problema da violência pode ser resolvido com o mero endurecimento das penas e o maior rigor da lei. Outros julgam que o aumento das vagas em presídios e o encarceramento amplo e irrestrito dos “criminosos” podem barrar o avanço dessa ameaça.

Esse tipo de proposta tem se convertido em tentativas, tão voluntaristas quanto criminosas, de organizar bandos que realizam a justiça com as próprias mãos, praticando chacinas. Proliferam também propostas como a de diminuição da idade para responsabilização penal, a apologia à tortura e a aplicação da pena capital para os que são flagrados cometendo delitos.

Casos dessa natureza abundam nas redes sociais e, muitas vezes, também a mídia oferece, com parcialidade, uma cobertura na qual, de forma contida e por vezes explícita, tais iniciativas são aplaudidas.

Para além do campo desse ativismo que se encontra ao alcance do cidadão comum, também no Congresso Nacional vêm ganhando fôlego propostas igualmente simplistas e, potencialmente, danosas. Destacam-se, entre vários, os projetos que pretendem aumentar a disponibilidade e o acesso às armas de fogo, ignorando os enormes avanços obtidos na redução da criminalidade, após entrar em vigor o Estatuto do Desarmamento.

Tramitam ainda outros projetos que defendem a redução da maioridade penal, confundindo Justiça com revanche da sociedade contra o criminoso, ao invés de se ocuparem da aplicação e do aprimoramento das medidas já previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Está claro que a violência não será combatida com medidas que ignorem a complexidade do problema. É preciso considerá-lo em sua abrangência, com a multiplicidade dos operadores que atuam na área. Sobretudo, é indispensável compreender que a violência não é um caso apenas reservado ao tratamento policial, mas é uma questão social que requer, para ser enfrentada, a atenção e a participação mais ampla possível de toda a sociedade. Os atores responsáveis pela segurança são muitos e devem estar comprometidos com a busca de soluções para os dilemas. Ao invés da tentativa de constituir uma espécie de reserva de domínio, como propõem os interesses corporativistas de alguns grupos ligados ao mercado da segurança, é fundamental que os órgãos e serviços do Estado estejam comprometidos com a garantia da segurança pública como um direito básico e indispensável ao exercício da cidadania.

Esse entendimento fundamenta a decisão de lançar um olhar, nesta Campanha da Fraternidade, também para os rumos e os impasses que, há décadas (mas particularmente nestes últimos anos), vêm dominando as políticas públicas de segurança. Os índices da violência no Brasil superam significativamente os números vistos em países que se encontram em guerra ou que são vítimas frequentes de atentados terroristas.

Os dados apresentados na Nota Técnica do Atlas da Violência, parceria do Ipea com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mostram que 13% de todos os assassinatos ocorridos no Planeta foram cometidos no Brasil, embora aqui se concentrem apenas 3% da população mundial. Com 59.627 homicídios, o Brasil ocupa o topo do ranking. Além de ser esta uma tragédia social, está em andamento uma tragédia econômica, em razão dos efeitos que isso tem para o setor público, para as empresas e para as famílias.

Violência é caso de política (e não somente de polícia)

Na reflexão que aqui se propõe, a segurança pública é entendida como uma política pública cujo objetivo é garantir o funcionamento das instituições necessárias em uma sociedade democrática, com vistas à observância dos direitos e dos deveres dos cidadãos.

Assim, o objetivo das ações implementadas se desloca para o asseguramento e a ampliação de direitos, ao invés daquelas medidas que usualmente tentam resolver o problema restringindo- os.

Como a política afirmativa, a ação em favor da segurança requer a recuperação da consciência coletiva da integração social. É fundamental a democratização do processo de elaboração de políticas públicas de segurança, romper com a perspectiva autoritária, democratizar o aparelho estatal e garantir uma segurança cidadã.

Disso já se pode inferir que não é possível fazer política de segurança pública sem tratá-la em sua intrínseca conexão com as demais políticas públicas sociais, como a educação, a saúde, o esporte, a cultura, entre tantas outras associações possíveis. Sob tal perspectiva, resguardam-se, para além dos aspectos operacionais e táticos necessários a qualquer proposta de segurança pública, também as interfaces social e política.

Esse olhar torna inegociável o compromisso com o respeito aos direitos humanos. Em nenhuma circunstância, o enfrentamento da criminalidade pode representar a instituição da arbitrariedade em lugar da mais engajada observância da lei e do direito.

Raízes sociais e econômicas da violência

A visão que integra a segurança a todas as outras esferas da vida em sociedade contraria as noções mais comuns que, normalmente, se constroem sobre a violência. No discurso corrente sobre a violência, predomina a tendência de esvaziar os atos violentos de suas raízes sociais e econômicas. É como se uma pessoa fosse capaz de agir com violência simplesmente por ser má e se a questão fosse redutível a uma suposta maldade do indivíduo. Com tal perspectiva, corre-se o risco de não se enxergar o contexto social em que a violência é praticada. O contexto não justifica e nem exime de responsabilidade quem agiu com violência; mas sem conhecer tal contexto não é possível compreender a situação em que a violência foi gerada.

Essa perspectiva tenta visualizar o caráter estrutural da violência. O olhar que se lança sobre o contexto evita a proposição de políticas que, atentas somente ao caso particular, não o projetam sobre o horizonte mais amplo que dá sentido a sua ocorrência e justificam seu combate.

Caberá, ainda, às páginas seguintes vislumbrar também a face cultural da violência, pela qual certas formas de agressão aos direitos de um indivíduo ou de um segmento social são naturalizadas e, nesse mesmo ato, deixam de ser nomeadas como violentas.

Por fim, é preciso considerar que a discussão sobre a violência agora, em 2018, ocorre ainda sob a grave herança com a qual o país convive depois de haver suportado as décadas da ditadura. As ações de segurança praticadas pelos órgãos por ela responsáveis ainda trazem a marca do autoritarismo daquele período.

O modelo de segurança pública que se conheceu, principalmente nas duas últimas décadas do século passado, pautado na resposta à criminalidade com o uso da força e o descaso pela lei e pelo direito, não atende às necessidades e exigências deste novo século. Na verdade, essa forma de reação à violência já era ineficaz e abusiva mesmo naquela época. Além disso, a criminalidade e a violência não diminuíram a despeito de tal uso, frequentemente abusivo, da força policial. Ao contrário, recrudesceram.

Vive-se, no Brasil contemporâneo, o dilema de se combater a insegurança e, ao mesmo tempo fortalecer os princípios democráticos, como se fossem reciprocamente excludentes. A segurança pública implica o combate à prática de crimes e a manutenção da ordem pública; mas, em maior medida, é também proteção ao cidadão e a seus direitos de participação e de decisão dos rumos tomados pelo país.

 

A experiência cotidiana da violência

Apesar dos avanços institucionais que vieram com a Constituição Federal de 1988, observa-se que as alterações nas estruturas de poder, além de não removerem os privilégios de elites e hierarquias sociais, foram insuficientes para alterar uma ordem social injusta.

No Brasil, o passado escravista, a dominação patrimonialista das elites, as estratégias de conciliação entre essas elites para sua perpetuação no poder se configuram em um modelo de sociedade autoritário e excludente. São elementos que, reunidos, se concretizam em inúmeras formas de dominação e de violência.

O regime democrático ainda não foi capaz de conter eficazmente a violência multifacetada e epidêmica que faz parte da história do país.

Existe aqui uma sociedade desigual que exibe uma democracia sem cidadania. O Brasil, apesar de ser a oitava maior economia mundial, é o décimo país mais desigual do mundo, segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano, de 2016, elaborado pela Organização das Nações Unidas. Parece inevitável presumir que os números alarmantes da violência no Brasil podem estar profundamente relacionados com a forma injusta como essa sociedade se estruturou.

De acordo com o Mapa da Violência, cinco pessoas foram assassinadas no Brasil com o uso de arma de fogo a cada hora durante o ano de 2016. Foram 123 pessoas mortas todos os dias, considerando-se apenas essa forma de homicídio.

Não se pode sequer dizer que aquele ano tenha sido diferenciado. Ao contrário, os números sugerem que este fenômeno se repete ano após ano. Em 2014, as mortes por arma de fogo ultrapassam 40 mil.

Diante disso, tem sido comum a constatação de que aqui, a cada ano, ocorrem mais mortes por armas de fogo do que em todas as chacinas e atentados ocorridos em todo o planeta. Somadas algumas das guerras mais recentes, verifica-se que elas deixaram menos mortos do que os homicídios praticados anualmente no Brasil.

Embora sejam preocupantemente reveladores, esses números consideram um só tipo de ação violenta. Ainda deveriam ser incluídos nesta lista os sequestros, os estupros, roubos, assaltos e tantas outras formas de violência.

Estas formas de ação violenta constituem a principal preocupação dos cidadãos brasileiros. No entanto, essa lista contempla apenas a chamada “violência direta”, entendendo-se, com essa expressão, os fatos violentos nos quais se podem identificar – ainda que apenas idealmente – agressor e vítima.

Esse tipo de agressão é mais facilmente identificável e é passível de ser quantificado e analisado pelos estudos estatísticos que diariamente ocupam os noticiários. Também é comum que, ao proporem ações contra a violência, os distintos níveis de governo se limitem à adoção de medidas para combate e punição aos praticantes desse tipo de agressão.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde, a violência se caracteriza pelo uso intencional da força contra si mesmo, contra outra pessoa ou contra um grupo de pessoas, de modo a resultar em dano físico, sexual, psicológico ou morte.

Não é preciso, contudo, que se efetive o uso da força física para que um ato se constitua como violento. A ameaça, a omissão, o uso de influências para produzir a outrem um dano ou para, de alguma maneira, coagi-lo já constituem, por si só, uma violência.

Disso se infere que também o exercício de um poder pode converter-se numa forma de violência quando usado, intencionalmente e de modo assimétrico, com vistas a gerar para outra pessoa uma privação. Nem sempre os atos violentos são explícitos. Atos extremamente danosos podem ser feitos de forma sutil.

Em sendo verdadeira a constatação de que, ao longo das últimas décadas, vêm se acelerando as transformações no modo como se dão as interações na sociedade, parece razoável admitir que também as formas de se fazer violência vêm ganhando novas formas de efetivação. As tecnologias digitais, por exemplo, potencializaram, nos últimos anos, a violência gerada por preconceitos de toda sorte: diferenças de classe, raça, gênero, concepções políticas e religiosas têm se cristalizado em variadas expressões de ódio e de intolerância.

Em algumas situações também surpreende a banalidade dos motivos que têm levado à explosão de reações violentas. A coexistência pacífica se mostra frágil e vulnerável. Nesse movimento de transformação social, tem emergido uma sociabilidade que vai se concretizando em ações cotidianas pouco amigáveis e a cordialidade é suplantada pela intolerância. O compartilhamento negociado de espaços e recursos parece, então, correr o risco de ser substituído pela imposição autoritária de pontos de vista e a subjugação do outro pelo uso da força, seja ela simbólica ou, em certos casos, até mesmo física.

A conduta violenta é capaz de insinuar-se até nas tentativas de combatê-la. Mesmo como formas de resistência à violência, valores e condutas, nascidos da reação impulsiva e pouco crítica, acabam sendo pautados pela própria violência a que o sujeito deseja se contrapor. Em outras palavras, por vezes, pela falta de reflexão, para combater a violência escolhem-se condutas violentas.

A concepção punitiva da justiça feita pelas próprias mãos, o incremento dos equipamentos de segurança pela população em busca de autoproteção, a exigência pouco racional de maior rigor das leis e de aumento dos presídios são exemplos de como o discurso contra a violência às vezes se converte em práticas que podem vir a aumentar ainda mais a sociabilidade violenta. Isso ocorre quando se pretende fazer o combate da violência pelo recurso a instrumentos potencialmente geradores de mais violência.

Na contramão disso, é possível constatar que, apesar da extenuante rotina da vida nas grandes cidades, persistem situações em que as pessoas ainda conseguem conviver pacificamente. Da mesma forma que soa inadmissível aceitar o mito de que o Brasil é um oásis pacífico, tampouco seria razoável ignorar que ainda resistem, fortemente enraizadas em práticas cotidianas, experiências pautadas pela solidariedade e pela coexistência pacífica. Mesmo sitiadas pela sociabilidade violenta, subsistem inúmeras formas de convivência pautadas pelo respeito à diferença, pela troca de saberes, pela gentileza e pelo serviço mútuo.

Por vezes, nos mesmos espaços encontram-se a convivência pacífica e a sociabilidade violenta. A experiência do viver em paz fundamenta a autoimagem do povo que se concebe como pacífico, ordeiro e inimigo da violência. Contudo, essa ideia não apaga as contradições. Encontram-se enraizadas na sociedade brasileira as condutas pacíficas tanto quanto a promoção da violência. Essa contradição existe no espaço público, mas também no ambiente privado; nos lares e nas empresas; nas interações diretas ou naquelas mediadas pela tecnologia.

Alguns fatores são preponderantes para evitar que um território seja tomado pela violência. Primeiramente, é indispensável contar com a presença do poder público exercendo seu papel na garantia dos direitos dos cidadãos. É notável como, no Brasil, o Estado se faz presente para garantir o patrimônio das elites, mas não se mostra nas periferias das grandes cidades. Longe das áreas “nobres”, faltam políticas de proteção e zonas inteiras se tornam territórios entregues às milícias, ao tráfico de drogas e armas ou a outros grupos armados.

Se o Estado se omite e inexistem políticas públicas que garantam os direitos dos cidadãos, a existência de segurança passa a depender precariamente do dinheiro privado. Cria-se uma cultura de privilégios, na qual só tem direitos garantidos quem pode pagar por eles. Determinadas pessoas tiram benefício privado a partir de recursos que deveriam ser, por definição, públicos.

Esse modo de funcionamento privatista das instituições da sociedade torna-se um forte gerador de diversas formas de violência, já que, sem políticas públicas universais, o direito se converte em privilégio para poucos.

A privatização do serviço público de segurança ocorre quando o Estado produz políticas públicas de alcance seletivo. Nesse cenário, cria-se um arremedo de Justiça e os serviços de segurança têm alguma efetividade apenas para determinados segmentos sociais.

No aparato judicial do país, tem tratamento diferenciado quem pode assumir seu custo. Pagar um “bom” advogado pode ser a diferença entre alcançar ou não a Justiça.

Da mesma forma se multiplicam as narrativas – e às vezes a declaração aberta de agentes de polícia – que mostram a diferenciação de tratamento policial nos bairros pobres e naqueles ricos ou de classe média. Os aspectos étnico e de classe fazem, então, a diferença entre proteção e exposição à violência.

O próprio uso do aparato de Estado e o exercício da política são geradores de violência quando neles, ao invés de se pautarem pela equidade e pela observância universal das leis consensualmente estabelecidas, as relações se pautam pela dissimetria de poder.

(Os grifos são nossos.)

Créditos

A análise publicada em Contextus não representa a opinião da PUC Minas ou da Arquidiocese de Belo Horizonte. Sua publicação, sob responsabilidade exclusiva do Nesp, obedece ao propósito de estimular a reflexão sobre a conjuntura política e outros aspectos de interesse social.

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Redação final

  • Claudemir Francisco Alves

 

Fonte:

Contextus NESP PUC Minas

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