Roberto Naime – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Sat, 13 Aug 2016 10:00:41 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.4 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 Roberto Naime – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 Evangelização e os desafios da mudança de mentalidade e de postura em defesa da Vida (II) https://observatoriodaevangelizacao.com/evangelizacao-e-os-desafios-da-mudanca-de-mentalidade-e-de-postura-em-defesa-da-vida-ii/ Sat, 13 Aug 2016 10:00:41 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=9362 [Leia mais...]]]> Como destacamos na publicação anterior, não há evangelização sem o cultivo do compromisso com as mudanças de mentalidade, sem convertermo-nos em pessoas renovadas pela centralidade do amor. Isso porque um pessoa que acolhe, com liberdade e responsabilidade, a boa notícia que Jesus anunciou e permaneceu fiel até as últimas consequências, passa a desejar  de todas as maneiras concretizar, no nível pessoal e coletivo, um jeito novo de viver e conviver.

O cristão é, antes de tudo, alguém que procura compreender as implicações dessa vida nova assumida no batismo. Ele é alguém inquieto porque se sente interpelado, como o próprio Jesus, pelos desafios e urgências de uma dupla fidelidade: ao Reino de Deus, ou seja, concretizar a vontade do Deus da vida e ao seu tempo. Assim, o dinamismo de sua vida acontece na tensão entre, de um lado, o procurar conhecer, com cada vez maior profundidade, o jeito de ser de Jesus de Nazaré, encontrar-se com Ele pela fé e, pela força do Espírito Santo, cultivar intimidade na busca de servir ao projeto de Deus no serviço aos mais necessitados, e por outro, o procurar conhecer a realidade em que vivemos com seus desafios e urgências, sobretudo para quem vive a margem da sociedade ou dela encontra-se excluído.

Entre os desafios e urgências do tempo atual, aqueles apontados pela reflexão crítica ecológica são incontornáveis e pertencem a todos nós. Eles exigem radical mudança de mentalidade e contínua mobilização para o cultivo de posturas e práticas de defesa da vida.

Segundo o prof. Roberto Naime, do Ecodebate, vale a pena conhecer as ideias e as posturas da indiana Vandana Shiva. Por julgamento semelhante e por nossa concepção de evangelização ampla, o Observatório da Evangelização disponibilizará aqui a continuação da preciosa entrevista:

As monoculturas da mente

(Parte II)

Por Roberto Naime

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Dra. Vandana Shiva

Prosseguindo com a reflexão de Vandana Shiva, física, escritora e ativista ambiental, quando ela foi indagada sobre eventos políticos internos da Índia, assim se referiu:

o governo da Índia não abraçou a globalização de maneira voluntária. Em 1991, o Banco Mundial disse basicamente “Vocês tem de se ajustar estruturalmente”. Durante esse período, tínhamos um movimento muito intenso começado em 1988, quando os Estados Unidos mudaram suas leis de comércio e os representantes comerciais ganharam mais poder. Além disso, novas áreas foram trazidas para o Ato de Comércio dos EUA (“US Trade Act”). Foram adicionadas duas cláusulas. Uma é chamada Special 301. A outra, Super 301. Essas cláusulas basicamente permitiram que o representante comercial dos EUA criasse uma ação comercial unilateral contra qualquer país que não respeitasse as leis dos EUA. Supõe-se que os indianos deveriam respeitar as leis da Índia. Mas de repente fomos obrigados a respeitar as leis dos EUA.

Ela continua:

durante a resistência contra essas cláusulas 301, Carla Hills, a representante comercial dos EUA, visitou-nos em 1991 ou 1992. Ela anunciou que os EUA iriam abrir a economia indiana para as empresas norte-americanas por meio de ação judicial. Isso, é claro, alarmou todo o país. As pessoas não podiam aceitar que um representante comercial de outro país pudesse decidir que a economia de nosso país não era para ele próprio, mas para as empresas dos EUA. Os agricultores usaram essa questão para derrubar a fábrica da Cargill em 1992. Quando iniciaram a ação, eles disseram “Vocês falaram que iriam derrubar nossa economia judicialmente. Nós vamos derrubar suas multinacionais judicialmente.

O entrevistador Barsamian, então afirma que “você foi fundamental ao trazer a cultura do nim para a atenção das pessoas” e ela complementa:

o nim dá em qualquer quintal da Índia. Cresce também em todos os ecossistemas do país. Foi tradicionalmente chamado de árvore do milagre, assim como pela ciência moderna. Seus galhos são utilizados como escovas de dentes. Suas folhas muito tenras podem ser comidas. É purificadora do sangue, um fungicida absolutamente extraordinário. Nós a usamos para curar doenças da pele. Quando você faz uma massagem com óleo de nim, os mosquitos não conseguem mordê-lo. Foi uma cura para a malária. Além disso, quando você tem nins plantados, os mosquitos não ficam por perto. É um tratamento não violento para o controle de pragas. Ele não mata as pragas, apenas as dopa por algum tempo para que não se reproduzam tão rápido. Utilizamos essa árvore por séculos. Iniciei uma campanha na Índia chamada “chega de Bhopals”, plante um Nim. A ideia veio do desastre de Bhopal, provocado pela fábrica de pesticidas da Union Carbide, que matou 3.000 pessoas. Como estava envolvida com a agricultura ecológica por bastante tempo, pensei que o nim devesse ser uma boa alternativa aos pesticidas químicos. Uma década depois fizemos essa campanha, espalhando o nim entre os agricultores, muito mais do que a prática convencional, pois seu uso tradicional foi esquecido por causa da atitude de querer fazer tudo rápido e de maneira fácil para resolver um problema. Por que temos de perder nosso tempo fazendo extrações, extraindo óleo? Temos aqui um “spray”. É só borrifar. Por causa desse atalho, eu a chamo de tecnologia negligente e preguiçosa, os agricultores haviam parado de usar o nim em grandes áreas. Estávamos comprando máquinas extratoras de óleo de nim. Em 1994 encontrei em um periódico sobre biotecnologia uma reivindicação de invenção do uso do nim como pesticida e fungicida. Então entramos com um processo. Iniciamos uma campanha e coletamos assinaturas. Fomos para a Corte Europeia e até mesmo para o “United States Patent Office”, órgão responsável por patentes nos EUA. Eles disseram que não podíamos realmente contestar uma reivindicação porque não estava sendo estabelecido um prejuízo comercial. Se tivéssemos um prejuízo público, um prejuízo ao interesse público, não seria o suficiente. Mas o recurso europeu foi aceito. Fizemos essa contestação em conjunto com a Federação Internacional dos Movimentos de Agricultura Orgânica e o Partido Verde na Europa. Vencemos esse caso. Foi uma vitória muito importante. Usaram os dados relacionados ao nosso uso do nim, inclusive de cientistas que trabalharam com essa árvore nos últimos 40 anos. Fomos capazes de estabelecer que as reivindicações de W. R. Grace, que possuía essa patente, no Departamento de Agricultura dos EUA, eram falsas. Eles não haviam feito nada de novo. Estavam apenas pegando um conhecimento já existente e o colocando em forma de uma aplicação de patente muito complicada.

Sobre fazer uma conexão entre a criação da pobreza, o monopólio e as patentes, ela argui:

basicamente, uma patente é um direito de impedir quem quer que seja de produzir, vender e distribuir o que foi patenteado. Muito claramente, esse direito de excluir estabelece um monopólio no mercado. Caso a patente de Grace sobre o uso do nim como pesticida não fosse contestada, ele emergiria como o único fornecedor de nim como pesticida nos mercados mundiais. Eles ainda estão nos Estados Unidos. É claro, agora eles foram comprados por outra empresa. Mas hoje, na Índia, como não temos regimes similares de patentes, cada agricultor pode produzir seus pesticidas. Qualquer empresa, por menor que seja, pode produzir pesticidas. E esse pluralismo econômico é bom. No entanto, uma patente fornece um direito legal de acabar com o que as outras pessoas estão produzindo, vendendo, comprando. As patentes de sementes, que agora são muito comuns na América do Norte, permitem que uma empresa utilize detetives que vão à casa do agricultor ou ao campo onde ele trabalha e achem não apenas as sementes, mas até mesmo sinais de que as sementes poderiam ser provenientes de polinização.

Prosseguindo e finalizando diz ela:

o que isso tem a ver com o nim, o tamarindo e a pimenta, que foram patenteados e estão sob controle corporativo? Isso significa que mais cedo ou mais tarde eles podem invocar esse direito legal para excluir os outros do mercado ou para impedi-los de produzir suas próprias coisas. Já existem muitos julgamentos sobre questões de patentes em que as corporações dizem “Não importa se você está produzindo suas próprias sementes, mesmo que sejam para seu próprio consumo e não as esteja vendendo comercialmente. O que você está fazendo está prejudicando o mercado comercial da companhia, que poderia estar vendendo-as para você caso você mesmo não as estivesse produzindo. Portanto, eles interpretam mesmo uma atividade de subsistência como uma atividade comercial.

O entrevistador Barsamian observa que ela está empregando cada vez mais a terminologia da violência e da guerra, ao que ela argumenta:

a questão da violência é importante porque todo o paradigma da tecnologia como tem emergido e o paradigma econômico da globalização estão baseados na guerra. Você começa a desenvolver geneticamente uma semente. Onde isso começa? Com armas genéticas. Você produz organismos geneticamente manipulados matando genes com uma arma genética. Toda a linguagem da engenharia genética é uma linguagem de guerra. Empresas utilizam a linguagem da guerra para falar sobre como impedir que as abelhas se apoderem do pólen. É uma guerra contra os polinizadores. Se usa a linguagem de criação de safras resistentes a herbicidas para prevenir ervas daninhas, que em nossa visão significam diversidade e biodiversidade essenciais à nossa saúde, ao nosso alimento, a fontes de vitamina A; eles chamam isso de “roubar a luz do sol”. É uma guerra contra as ervas daninhas. É uma guerra pela luz do sol, a qual nunca foi restrita, pois é fornecida em quantidades abundantes. Todo o regime da Organização Mundial do Comércio (OMC) é baseado em um único conceito de guerras comerciais, fazendo com que o comércio, que sempre foi um acordo cooperativo e mútuo de compra e venda do que você realmente precisa, se torne um acordo coercitivo, ser forçado a comprar algo de que você não precisa e ser forçado a vender o que você deveria usar domesticamente. A Índia está sendo forçada a vender milhões de toneladas de grãos.

Ela continua:

acordos globalizados estão impedindo a Índia de fornecer comida aos povos que realmente precisam dela. Os famintos estão morrendo. Os agricultores estão cometendo suicídio. As empresas do mundo ganham subsídios do Estado porque isso é permitido no sistema globalizado. Muito mais importante do que isso, um sistema de tecnologia e economia que torna grandes números de pessoas dispensáveis e comete tal violência contra a Terra e suas espécies merece ter uma resposta. Os britânicos tiveram uma resposta. Durante a luta pela independência, tivemos movimentos de camponeses. Quando os britânicos tentaram nos forçar a aceitar uma lei que tornaria a produção de sal um monopólio, Gandhi e seus seguidores foram para a praia de Dandi e produziram sal. Eles disseram “Não, nós não vamos obedecer às suas leis. Faremos nossas próprias leis”. Teremos uma reação. Conforme a reação chega, vimos isso em Seattle, Praga, Gothenburg e outros locais, os sistemas que decidiram que o planeta é sua propriedade e monopólio e que o mundo inteiro vive para seu modelo de comércio têm forçado estados que não são militarizados, como a Suécia e a Suíça, a criar novas leis em que a ação cívica está sendo redefinida como terrorismo. É um sistema que cria violência. Ele cria uma guerra por parte daqueles que decidiram que eles devem se apropriar e roubar como um direito. Está desencadeando uma reação violenta porque as respostas democráticas não estão sendo ouvidas.

Questionada se o Partido Bharatiya Janata (PBJ), que é o partido que governa a Índia com raízes na doutrina fundamentalista hindu, teve sua ascensão conectada com a globalização explanou:

antes de a globalização chegar à Índia, o PBJ tinha exatamente duas cadeiras no Parlamento indiano. Conforme a globalização começou a destruir mais meios de subsistência, destruir a economia de pequena escala, destruir o setor agrícola, o PBJ, como qualquer outro partido fundamentalista de direita, pôde jogar com a insegurança das pessoas. Isso é o que acontece quando a democracia eleitoral é esvaziada da democracia econômica. Os países perdem a capacidade de tomar decisões econômicas para beneficiar seu povo. As eleições não podem mais ser disputadas em cima de como você fornece saúde, educação e empregos. Começam a ser disputadas sobre como você consegue mobilizar o ódio e o medo contra outra comunidade de uma outra religião ou raça ou que fale uma língua diferente. A globalização, ao tomar decisões econômicas sem levar em consideração as comunidades e os países, deixa nas mãos dos fundamentalistas um enorme banco de votos que eles podem explorar.

Qualquer semelhança com situações que se conhece provavelmente não serão mera coincidência. Quando perguntada sobre se vê a possibilidade de uma aliança entre formações de direita, como o PBJ e seus sósias nos EUA responde:

isso já aconteceu. Quando o presidente Bush anunciou seu programa de mísseis, o único país que realmente acolheu a ideia foi a Índia. A Índia de Buda, a Índia de Gandhi, até mesmo a Índia de Nehru, foi subitamente se aliando, no momento errado na história, às piores forças imperialistas militarizadas do mundo.

Provocada sobre o fato do governo indiano ter detonado armas nucleares, levando um mês depois a explosões similares no Paquistão e sobre como a globalização influencia este cenário, manifestou:

a nuclearização de um subcontinente provê um senso de grandiosidade em um período em que as pessoas estão tendo uma profunda sensação de perda. Uma explosão nuclear foi usada como uma mostra substituta de poder masculino. Interessantemente, quando a Índia chamou sua bomba de “bomba hindu” e os paquistaneses chamaram sua bomba de “bomba islâmica”, elas eram as mesmas bombas. Um motivo pelo qual lancei Mulheres pela Diversidade, que é um movimento global de mulheres pela diversidade e pela paz, foi porque senti que estávamos nos acostumando com o estranho fenômeno dos homens no poder usando bombas como seus pequenos joguetes para mostrar que “Eu sou o mais esperto”, “Eu sou o mais forte”, “Eu sou o gênio científico”. Mas isso são totalmente monoculturas da mente. Assim como as monoculturas agrícolas e outras variantes de monoculturas.

Sobre as declarações de que os armazéns da Índia estão cheios, mas ao mesmo tempo haver aumento da fome e incidentes com aqueles que têm fome parecerem contraditórias, ou seja, armazéns cheios, pessoas famintas, ela revela:

começando com a globalização e com as pressões pela liberalização do comércio, a Índia foi impedida de permitir que os alimentos chegassem ao seu povo. Os gastos do governo com a movimentação e o transporte de grãos pelo país, das áreas que produzem muito para as que não produzem tanto, foram tratados como um subsídio que precisava acabar. Infelizmente, como resultado disso, os gastos do governo diminuíram, porque o Banco Mundial alterou o direito universal de ter acesso a alimentos em um esquema de estabelecimento de alvos. Estabelecer alvos é uma estratégia aficionada do Banco Mundial, dizendo que o esquema universal subsidiava os ricos. Você não deve subsidiar os ricos. Então vamos até aqueles pobres, realmente pobres. Isso fez aumentar o preço da comida a ponto de as pessoas não poderem pagar por ela. Como elas não compram comida, o chamado “off-take”, que significa ter de comprar dos armazéns, diminui e a movimentação dos grãos para. A armazenagem de 60 milhões de toneladas é o resultado de pessoas comprando menos. Mais e mais pessoas estão passando fome. Previmos isso quatro anos atrás. Não bastasse a questão de falta de renda, considerar custo de transporte como subsídio é de envergonhar.

Sobre o fato de ser descrita como “ecofeminista”, assevera Shiva:

nunca me senti muito bem com rótulos. O ecofeminismo mistura as coisas. É muito elegante, do meu ponto de vista. Ele deixa de lado muitos outros aspectos da minha pessoa e do que eu faço. Deixa de lado a parte do legado de casta lutadora dos meus pais. Meu nome, Shiva, foi dado por meus pais para apagar sua identidade de casta. Hoje, onde quer que eu ache discriminação por casta, eu vou lutar contra ela. Em nossa organização, nós nos certificamos de que temos muçulmanos, hindus e cristãos trabalhando juntos, não permitindo que quaisquer inflexibilidades mutilem nosso potencial como grupo. Mas, em um certo nível, realmente não me importo com o rótulo do ecofeminismo porque acho que a combinação do feminismo com a ecologia cria dois potenciais. Em primeiro lugar, vi o feminismo que não é ecológico tornar-se um novo opressor. Vi o ambientalismo que não é feminista o bastante, também se tornar um novo elitismo. O ecofeminismo previne essas duas novas formas de elitismo ao dizer “Não, o ecofeminismo trata da sociedade e da natureza. É sobre outros modos de pensar”. Não é possível ter apenas algumas mulheres no poder.

Continua ela:

veja a privatização da água nos EUA. Está sendo conduzida por grupos ambientalistas, só porque eles não pensam na sociedade. Eles pensam em uma espécie e dizem “OK, se puderem comprar a água daquele rio e salvar as espécies desta garganta em particular, por mim podem comprar que está tudo bem”. Eles não percebem como, nesse processo, estão criando todo um acordo político e social em torno de recursos naturais que será abusivo a milhões de outras espécies e, é claro, a milhões de nossos irmãos e irmãs neste planeta. Assim, o ecofeminismo, por estar intrinsecamente ligado à justiça social e aos limites ecológicos, é um bom termômetro para os tipos de problemas que vemos.

Arguida sobre onde estão as brechas em que os ativistas possam entrar e deixar marcas mais profundas, ela manifestou:

a militarização é uma posição fraca. Geralmente a militarização é vista como uma força poderosa. Mas acredito que qualquer tipo de poder violento é fraco em última análise. Estou dizendo literalmente que, em termos de como eu pessoalmente experimento a vida, ela é a forma mais brutal de violência contra alguém como pessoa ou como comunidade e, assim, é sempre o jeito mais fácil de ser enfrentada porque acaba sendo extremamente rígida e perde sua flexibilidade, seu poder moral, sua base democrática. Essa é sua fraqueza. O segundo ponto fraco é estar tão distante da realidade que as projeções para o futuro de quanto comércio, crescimento e riqueza haverá são completamente erradas. Há mais doenças, mais fome, mais desemprego e essa realidade vivida é um barômetro que as pessoas têm em suas vidas. Quanto mais o sistema dominante imprime falsidade à sua fala e a experiência real das pessoas acontece de maneira diferente, a fraqueza do sistema de dominação aumentará.

Sobre a necessidade de recuperar as propriedades públicas, explica:

as propriedades públicas são os espaços que precisamos manter como sistemas compartilhados, como sistemas de responsabilidade e direitos comuns, para fazer com que a vida se torne possível. Ecologicamente, sempre precisamos da água. Precisamos da biodiversidade. Os camponeses precisam de pastos. Os povos do Terceiro Mundo precisam de florestas e madeira para delas retirar matéria-prima e combustível. Esses são os sistemas que foram as propriedades públicas em termos de recursos naturais. Muito claramente, cada uma dessas propriedades públicas está sendo contida.

Prossegue ela:

minha luta contra o patenteamento e a engenharia genética é uma luta contra a extinção das propriedades públicas intelectuais e biológicas que são a base da sobrevivência da grande maioria dos povos do mundo. São também a base da diversidade e da riqueza cultural. A água está sendo contida por meio da privatização, e ela é uma propriedade pública. A atmosfera é uma propriedade pública que foi privatizada pela poluição dos combustíveis fósseis e pelas empresas produtoras de petróleo. Eles estão tomando para si o que não lhes pertence, e o usando como seu esgoto particular. Estão desestabilizando o clima para todos nós. Precisamos recuperar tudo isso como propriedades públicas sobre as quais temos controle coletivo. Estocar sementes é uma recuperação das propriedades públicas. Manter o conhecimento fora do domínio privatizado, o conhecimento de como usar o nim, o tamarindo, a pimenta e o arroz basmati é uma luta pela propriedade pública. A água é uma propriedade pública. Empresas possuem um lago em Maharashtra. Estão impedindo que as tribos, a cujo lago pertence, tenham acesso a ele para ter água potável.

Para finalizar, o que lhe dá esperanças a ativista encerra:

uma parte da esperança vem do fato de que os caminhos que foram traçados por essas monoculturas da mente monopolizadoras são tão não sustentáveis que algo terá de acontecer. Quando você industrializa e planta muito, há surtos de doenças. As pessoas quererão alimentos orgânicos, locais, como uma forma de fornecimento seguro. As alternativas são construídas na própria lógica do sistema porque este foi designado para falhar e conduzirá a uma catástrofe ambiental. O segundo motivo pelo qual eu tenho esperança é o trabalho que estamos fazendo. Começamos com passos pequenos. Onde quer que haja iniciativas para construir sistemas democráticos, justos e sustentáveis, eles estarão se espalhando rapidamente. As pessoas querem um outro mundo, e elas estão construindo esse outro mundo. O amor das pessoas pela liberdade é mais poderoso que qualquer autoridade coercitiva.

Deseja se manifestar que embora se concorde com a dimensão existencial da abordagem, não se acredita que o socialismo possa resolver isto. A falta de democracia no socialismo do leste da Europa produziu uma das maiores hecatombes ambientais da história. Se divulga que a Alemanha ocidental, na época investiu dezenas de bilhões de marcos na recuperação ambiental da chamada Alemanha oriental. A autopoiese sistêmica dominante necessita ser alterada. Pois hoje só o consumismo garante a manutenção dos círculos virtuosos da sociedade. Aumento de consumo gera maiores tributos e maior capacidade de intervenção estatal. E também maior lucratividade organizacional e manutenção das taxas de geração de ocupação e renda. Mas o esgotamento dos recursos naturais que a economia clássica insiste em denominar de “externalidades” faz com que o consumismo precise ser substituído pela ideia de satisfazer as necessidades dentro de ciclos. Um outro mundo é possível, com a manutenção da livre iniciativa. Nada é contra a livre-iniciativa. Que sem dúvida sempre foi e parece que sempre será o sistema que melhor recepciona a liberdade e a democracia. Mas uma nova autopoise sistêmica para o arranjo social, no sentido de novo arranjo de equilíbrio social, na acepção livre das concepções de Niklas Luhmann e Ulrich Beck é urgente e inadiável. Que corrija todas estas mazelas do consumismo como mola propulsora da sociedade. Conforme a própria encíclica papal sobre meio ambiente já diagnosticou.

O entrevistador David Barsamian é autor de vários livros, o último deles intitulado “Cultura e resistência” editado pela Ediouro. A tradução é de Danielle Sales e a revisão de Daniela Álvares e a fonte original o site http://www.radicallivros.com.br

Referência: http://ideiaweb.org/?p=1131

Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale. Sugestão de leitura: Civilização Instantânea ou Felicidade Efervescente numa Gôndola ou na Tela de um Tablet [EBook Kindle], por Roberto Naime, na Amazon.

Fonte:

Ecodebate

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