Reforma da Igreja – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Thu, 24 Mar 2022 02:23:53 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.3 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 Reforma da Igreja – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 “Praedicate Evangelium”: as 7 chaves da nova Constituição Apostólica do Papa Francisco https://observatoriodaevangelizacao.com/praedicate-evangelium-as-7-chaves-da-nova-constituicao-apostolica-do-papa-francisco/ Thu, 24 Mar 2022 02:23:53 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=44488 [Leia mais...]]]> 250 artigos em 11 capítulos compõem a nova Constituição Apostólica ‘Praedicate Evangelium’. Neste documento, publicado pela Santa Sé no dia 19 de março de 2022, solenidade de São José, o papa Francisco promulga sua reforma da Cúria Romana e seu serviço à Igreja no mundo. Entrará em vigor no dia 5 de junho de 2022, solenidade de Pentecostes, perdendo assim a validade a Constituição Apostólica ‘Pastor bonus‘, do papa João Paulo II.

(A reportagem é de Elena Magariños, publicada por Vida Nueva Digital, 19/03/2022, que foi traduzida e publicada no Brasil pelo IHU. Os grifos são da Equipe executiva do Observatório da Evangelização)

Este é o documento que consolida a organização que o papa Francisco foi impulsionando nos últimos anos, com mudanças nos órgãos essenciais do funcionamento da Santa Sé. Aqui estão 7 chaves para compreender a nova constituição apostólica que governará a Igreja nos próximos anos:

1. Qualquer fiel pode dirigir um Dicastério

O texto detalha não apenas o funcionamento das agências da Cúria e do Vaticano, mas também dá especial importância à sinodalidade como meio de evangelização e de criação de conexões mais fortes na vida da Igreja. Tanto que, entre os princípios gerais do “Praedicate Evangelium”, especifica-se que “todos”, incluindo leigos e leigas, podem ser nomeados para exercer funções de governo e responsabilidade da Cúria Romana.

2. Grande importância para a proteção de menores

O documento transfere para a Cúria a Pontifícia Comissão para a Proteção dos Menores, unindo-a ao Dicastério para a Doutrina da Fé: a tarefa é aconselhar e aconselhar o Romano Pontífice e também propor as iniciativas mais adequadas para a proteção dos menores e de pessoas vulneráveis.

3. Reforma da Cúria

A Cúria Romana não estará mais apenas a serviço do Papa, mas estará a serviço de todas as dioceses e não apenas para verificar seu funcionamento. Da mesma forma, o texto insiste na necessidade de criar mecanismos de colaboração e trabalho em rede entre os dicastérios. Finalmente, os membros da Cúria, assim como os que trabalham nos diferentes dicastérios, devem ter “integridade pessoal e profissionalismo”.

4. Redução de dicastérios

A nova Constituição Apostólica reduz o número de Dicastérios, unindo aqueles cuja finalidade era muito semelhante ou que se complementavam com o objetivo de tornar o trabalho mais eficiente. Ao mesmo tempo, os Pontifícios Conselhos e as Congregações foram abolidos para serem chamados, todos eles, Dicastérios.

5. Dicastério a serviço da caridade

Nasce o novo Dicastério para o Serviço da Caridade (Esmola Apostólica), que “realiza assistência e ajuda em qualquer lugar do mundo” aos necessitados em nome do Papa.

6. Dicastério para a Evangelização

A Constituição Apostólica cria também um grande ‘ministério’ para a Evangelização no qual se unifica o trabalho realizado hoje pela Congregação para a Evangelização dos Povos (Propaganda Fide) e pelo Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização. Ambos se fundem e se tornam o Dicastério para a Evangelização, presidido diretamente pelo Papa.

7. Um grande ‘Ministério da Cultura’

Por outro lado, a Constituição Apostólica também funde o Pontifício Conselho para a Cultura e a Congregação para a Educação Católica, que se torna o Dicastério para a Cultura e a Educação. Será dividido em duas seções: uma dedicada à promoção cultural e animação pastoral; e o outro para desenvolver os princípios da educação nos centros de estudos católicos.

Fonte:

IHU

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O passo da Igreja Alemã. Na Alemanha, o Sínodo aprovou a abolição do celibato obrigatório e a abertura ao sacerdócio feminino https://observatoriodaevangelizacao.com/o-passo-da-igreja-alema-na-alemanha-o-sinodo-aprovou-a-abolicao-do-celibato-obrigatorio-e-a-abertura-ao-sacerdocio-feminino/ https://observatoriodaevangelizacao.com/o-passo-da-igreja-alema-na-alemanha-o-sinodo-aprovou-a-abolicao-do-celibato-obrigatorio-e-a-abertura-ao-sacerdocio-feminino/#comments Tue, 08 Feb 2022 02:27:57 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=43337 [Leia mais...]]]> Hoje teve grande repercussão nas mídias digitais o texto de Franca Giansoldati, para o Mensageiro, sobre o resultado do Sínodo da Igreja Católica da Alemanha, caracterizado como “passo histórico”, pois, fala de aprovação do pedido ao papa Francisco, dentre outras coisas, de abolição do celibato obrigatório ao clero e de abertura para que as mulheres tenham acesso ao ministério de presbítero.

Confira:

O passo da Igreja Alemã. Na Alemanha, o Sínodo aprovou a abolição do celibato obrigatório e a abertura ao sacerdócio feminino

Passo histórico da Igreja Católica Alemã. 86% dos membros da reunião do Sínodo em Frankfurt se manifestaram a favor da abolição do celibato obrigatório para os padres e da admissão de mulheres ao sacerdócio. Após dois anos de debates e pesquisas entre bispos e outros expoentes da Igreja Católica Apostólica Romana da Alemanha, foi votada uma proposta com ampla maioria que se abre aos padres casados, afrouxando a malha da atual proibição secular.

Paralelamente, foi votado outro documento em que se faz referência a um maior envolvimento das mulheres e à proibição de qualquer exclusão. O Sínodo alemão solicita a Conferência Episcopal na Alemanha que encaminhe pedidos específicos ao Papa para que avance nessa direção. KNA, a agência dos bispos alemães, informou sobre o resultado da votação.

Ao sublinhar o valor do celibato como estilo de vida dos sacerdotes, o texto pede que os homens casados ​​sejam a partir de agora admitidos ao sacerdócio por decisão do Papa ou de um Concílio. O Sínodo alemão também pede que o Papa permita que padres católicos se casem e permaneçam no cargo para administrar paróquias ou igrejas. O diretor da KNA, Ludwig Ring-Eifel, explicou que o debate sobre o celibato nos últimos meses foi fortemente influenciado pelo escândalo dos abusos sexuais.

Em várias ocasiões, os consultados haviam recomendado mudanças na prática, permitindo assim que os padres se casassem, a fim de resolver os problemas devidos ao alto índice de solidão dos padres e às dificuldades de muitos em suportar o fardo da castidade. O Sínodo da Igreja Alemã foi iniciado em 2019 pelo Cardeal de Munique, Reinhard Marx, um dos colaboradores mais próximos e influentes do papa Francisco. Foram abordadas quatro questões:

  • “Autespecialistasoridade, participação e separação de poderes” na Igreja;
  • “moral sexual”;
  • “forma de vida presbiteral”;
  • “mulheres nos ministérios e ofícios da Igreja”.

Também foi votado e aprovado um terceiro documento apelando para a transformação das estruturas de poder da Igreja em conformidade com os padrões dos estados constitucionais democráticos, mesmo que seja enfatizada a impossibilidade de imitar votos e democracia e que, em vez disso, deve ser identificado um caminho na “sinodalidade”.

Franca Giansoldati para o Mensageiro

Fonte:

https://www.farodiroma.it/o-passo-da-igreja-alema-na-alemanha-o-sinodo-aprovou-a-abolicao-do-celibato-obrigatorio-e-a-abertura-ao-sacerdocio-feminino/

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https://observatoriodaevangelizacao.com/o-passo-da-igreja-alema-na-alemanha-o-sinodo-aprovou-a-abolicao-do-celibato-obrigatorio-e-a-abertura-ao-sacerdocio-feminino/feed/ 5 43337
Um olhar da mídia para o pontificado do papa Francisco e para o significado do Sínodo sobre a sinodalidade na Igreja https://observatoriodaevangelizacao.com/um-olhar-da-midia-para-o-pontificado-do-papa-francisco-e-para-o-significado-do-sinodo-sobre-a-sinodalidade-na-igreja/ Mon, 11 Oct 2021 11:11:15 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=41970 [Leia mais...]]]> A BBC publicou no fim de semana, dia 09/10/2021, uma matéria sobre uma percepção externa do que está em curso na Igreja: um ambicioso projeto de reforma institucional a partir de uma escuta ampla dos fieis e da aposta na criação de mecanismos de participação e corresponsabilidade no dinamismo da vida eclesial.

Confira:

Papa abre maior consulta democrática da história da Igreja, que pode mudar futuro da instituição

Autoridades eclesiais apresentam o documento final do Sínodo da Amazônia a jornalistas, no dia do encerramento do evento, no Vaticano.

Por: Edison Veiga

(De Bled (Eslovênia) para a BBC News Brasil – 9 de outubro de 2021)

Neste fim de semana, papa Francisco abre o que pretende ser o maior movimento de consulta democrática da história da Igreja Católica, uma religião que, aos longo dos séculos, se tornou símbolo de hierarquia rígida, conservadorismo e pouca transparência — e, de quebra, comanda um Estado, o Vaticano, de forma teocrática.

Nos próximos dois anos, Francisco quer que a imensa maioria dos católicos — idealmente, todos os 1,3 bilhão que se declaram assim — sejam ouvidos sobre o futuro da Igreja. Para tanto, conta com impulsos de comunidades locais, em uma primeira fase, assembleias regionais, no estágio seguinte e, por fim, o Sínodo dos Bispos marcado para acontecer em 2023 no Vaticano.

Temas que vêm sendo trazidos à tona mais recentemente, como maior participação feminina na tomada de decisões da Igreja e mais acolhimento a grupos ainda marginalizados pelo catolicismo tradicional — de homossexuais a divorciados em segunda união —, devem aparecer de forma recorrente nesse processo de consulta pública, a maior já realizada na milenar história do catolicismo.

Além disso, Francisco deve utilizar esse momento para consolidar uma aposta evidente em seu pontificado reformador. Ao definir que o próximo sínodo terá como tema a própria sinodalidade (maneira de ser e de agir da Igreja), ele se inspira no modo de vida dos primeiros cristãos, cujas decisões eram tomadas de forma colegiada.

Evidentemente que isso não significa que a Igreja abraçou a democracia. As decisões seguem como sempre: respeitando a hierarquia tradicional — a consulta pública é que é democrática, mas caberá ao papa a palavra final.

Fonte:

https://www.bbc.com/portuguese/geral-58811011

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Rumo a uma Igreja sem padres? Um só povo de Deus, muitos ministérios. Um debate necessário sobre os rumos da Igreja https://observatoriodaevangelizacao.com/rumo-a-uma-igreja-sem-padres-um-so-povo-de-deus-muitos-ministerios-um-debate-necessario-sobre-os-rumos-da-igreja/ Fri, 27 Aug 2021 15:32:13 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=40325 [Leia mais...]]]> No Ocidente, está caindo o número de presbíteros, mas não está diminuindo o clericalismo. Enquanto nas paróquias tudo continua a girar em torno da figura do padre, o papa Francisco se concentra nos ministérios instituídos reconhecendo o papel dos catequistas e abrindo às mulheres o leitorado e o acolitado.

Estamos indo rumo a uma Igreja em que o único povo sacerdotal exercerá diversos ministérios, ordenados e instituídos? Será um tema do próximo Sínodo? Debatemos sobre isso nestas páginas com quatro pastores e estudiosos.

Há um paradoxo na Igreja italiana e, em geral, na ocidental: os padres estão em queda constante e os que estão em serviço se tornam cada vez mais idosos. No entanto, não diminui a taxa de “clericalismo” com o qual a vida eclesial está organizada.

Os números, por outro lado, falam por si só: os sacerdotes diocesanos na península são cerca de 32.000; em 1990, eram 6.000 a mais. Mas o que preocupa é sobretudo a idade: hoje, um terço do clero tem mais de 70 anos, outro quinto tem mais de 80 e apenas um padre em cada 10 tem menos de 40 anos.

No entanto, tudo continua a girar em torno da figura do presbítero, verdadeiro dominus tanto da gestão administrativa quanto da pastoral, salvo raras e tímidas experimentações em que leigos ou religiosos também assumem cargos institucionais. No entanto, esta última parece ser a direção em que o papa Francisco está a se mover, que, com o Motu proprio Spiritus Domini (10 de janeiro de 2021), admitiu as mulheres ao ministério do acolitado e do leitorado, e, com o Antiquum ministerium (10 de maio de 2021), introduziu o ministério instituído do catequista.

Dom Erio Castellucci e o papa Francisco

São figuras com cargos pastorais reconhecidos, que se somam ao do sacerdote, quase delineando um novo rosto da paróquia, em que um colégio de batizados se ocupa conjuntamente da condução da comunidade.

Será que o rosto futuro das paróquias poderia ser, portanto, “pluriministerial”, não mais centrado completamente na imagem tridentina do sacerdote? Por que há tantas resistências em ir nessa direção? E quais cenários se abrem?

Falamos sobre isso num debate virtual com algumas vozes autorizadas de protagonistas e especialistas. Convidados pela redação da revista Jesus, intervieram em videochamada:

Dom Erio Castellucci
  • Dom Erio Castellucci, 60 anos, arcebispo de Modena-Nonantola, bispo de Carpi e novo vice-presidente da Conferência Episcopal Italiana (CEI); 
  • Paola Lazzarini Orrù, 45, presidente do movimento Donne per la Chiesa [Mulheres pela Igreja] e autora do livro “Non tacciano le donne in assemblea. Agire da protagoniste nella Chiesa” [Não calem as mulheres na assembleia. Agir como protagonistas na Igreja, em tradução livre] (Ed. Effatà, 2021); 
Prof. Marco Marzano
  • Marco Marzano, 58 anos, professor de Sociologia da Universidade de Bérgamo, especialista em processos organizacionais e estudioso dos aspectos sociológicos do catolicismo, autor do livro “La casta dei casti. I preti, il sesso e l’amore” [A casta dos castos. Os padres, o sexo e o amor, em tradução livre] (Ed. Bompiani, 2021);
Pe. Dario Vitali
  • Pe. Dario Vitali, 65 anos, diretor do Departamento de Teologia Dogmática da Pontifícia Universidade Gregoriana e estudioso de eclesiologia e ministérios, autor do livro “Diaconi: che fare?” [Diáconos: o que fazer?, em tradução livre] (Ed. San Paolo 2019).

(Reportagem: Giovanni Ferrò e Paola Rappellino, publicada em julho de 2021 na revista Jesus. Tradução: Moisés Sbardelotto para o IHU.)

Confira a entrevista.

1. Os padres são cada vez menos e cada vez mais velhos, mas até agora a principal resposta ao fenômeno tem sido de tipo organizacional: as paróquias foram reunidas de várias maneiras em “comunidades” ou em “unidades pastorais”, nas quais quase sempre a paróquia não é suprimida ou fundida com outra, mas simplesmente várias igrejas são confiadas a um único presbítero. É possível ir em outra direção?

Erio Castellucci – A diminuição dos presbíteros, especialmente no Ocidente, certamente é muito forte, e não se esperam mudanças de rota, pelo menos em breve. Uma resposta inadequada seria manter a estrutura pastoral das nossas comunidades cristãs como ela é e buscar respostas em outros lugares. Isto é, não se trata de encontrar “substitutos”, sejam eles padres imigrantes ou outras figuras que, mesmo não sendo presbíteros, continuam fazendo a comunidade depender de uma única pessoa. O caminho – que várias dioceses estão tomando – é imaginar uma experiência diferente de Igreja, que seja mais dinâmica, menos ligada a lugares individuais, menos dependente dos padres, mais animada por pessoas que desempenham ministérios diferentes – não apenas ministérios instituídos, mas também outros serviços –, mais confiada aos leigos. E eu diria também dotada de estruturas mais funcionais, porque aquelas que nós temos – não só estruturas materiais, mas também as pastorais e espirituais – foram pensadas para um número de presbíteros muito maior, o triplo ou o quádruplo do atual e, sobretudo, apenas de presbíteros, isto é, foram sistematizadas de um modo bastante clerical. Para as Igrejas locais de hoje, algumas estruturas são uma herança muito pesada: devemos ter a coragem – até mesmo correndo o risco de sermos impopulares – de reestruturar os bens que podem verdadeiramente estar a serviço do Evangelho e das pessoas, especialmente dos mais desfavorecidos, mas não devemos perder tempo e energias demais tentando conservar aquilo que, pelo contrário, não serve mais.

Marco Marzano – Tenho uma opinião um pouco diferente: isto é, creio que a crise do recrutamento do clero existe sobretudo no Sul do mundo (onde o número de católicos cresceu muito nas últimas décadas) e não no Ocidente, onde a secularização avançou de forma clara e a diminuição do clero andou de mãos dadas com a dos fiéis. Na Itália, em particular, o número de padres ainda é muito alto: 32.000 diocesanos e 20.000 religiosos, um padre a cada 1.000 habitantes. E o número total gira em torno de 13% do clero mundial. Em comparação com 30 anos atrás, os padres diocesanos caíram apenas 16%. É claro, eles são menos e mais idosos, mas diminuíram em uma medida superior aquelas coisas que os padres devem fazer, a sua carga de trabalho, por assim dizer: basta pensar que os matrimônios religiosos em 1991 eram 257.000 e que, no ano passado, foram apenas 97.000. E, também por causa do declínio demográfico, diminuíram os batismos, as crismas, as presenças na igreja… Portanto, como diz o bispo Castellucci, o problema no Ocidente é sobretudo o das estruturas e, para ser ainda mais claro, do número de paróquias que são mantidas abertas quando quase não há mais quem as frequente. Bastaria fechá-las para resolver boa parte do problema, ou seja, para evitar que se empregue no vácuo boa parte do pessoal eclesiástico. A secularização esvaziou os lugares sagrados e tornou necessária uma quantidade de padres inferior do que no passado: este é o ponto. Se eu comparar, por exemplo, Modena com Nairóbi, devo constatar que, na primeira, o clero diminuiu ligeiramente; na segunda, a população decuplicou, uma população que não só não é secularizada, mas que se converteu ao catolicismo. No Sul do mundo, há muitas vocações, mas há limites na capacidade de formar o clero. Portanto, no Ocidente, não existe a urgência objetiva de remediar o déficit de sacerdotes. Se se quer reformar o sacerdócio, é preciso querer isso. As coisas não vão mudar pela presença de um elemento objetivo que torna uma reforma inevitável, mas só se houver uma vontade reformadora suficientemente forte.

Paola Lazzarini Orrù – Eu vejo o futuro da Igreja com uma presença do clero mais minoritária como uma enorme oportunidade. O problema não é o número de padres, mas o grande espaço que eles ocupam dentro das comunidades. Então, imagino uma Igreja que finalmente supere o modelo feudal, que não tenha mais na paróquia o único eixo em torno do qual se constrói toda a sua presença. Mas diria mais: uma Igreja que deve manter em mente o fato de que a presença física e territorial não é a única com a qual é preciso lidar. No lockdown, todos experimentamos uma vida comunitária e formas de ritos que foram vividos fora das paróquias, que nos colocaram em comunicação e criaram comunidades sem ter o seu eixo no pertencimento territorial. É claro que os sacramentos são os nossos “pés no chão”, que nos fazem ficar fisicamente no território. Mas existe toda uma outra dimensão da partilha, da oração, do apoio recíproco que é cada vez mais – e provavelmente em parte sempre foi – extraterritorial e também vive fora das paróquias. Se eu penso na minha experiência, a comunidade em que eu vivo, com a qual sinto que cresço mais, com a qual compartilhei os momentos de oração nas datas mais importantes do ano litúrgico, é uma comunidade de mulheres espalhada pelos cinco continentes. Pois bem, tudo isso, em alguns aspectos, nos desvincula da necessidade de ter o padre como nó de todas as redes e, por outro lado, devolve aos sacerdotes a sua função primária, não necessariamente a de serem animadores em todos os níveis, em todos os contextos, da comunidade. Parece-me que existe um laicato pronto e preparado, masculino e feminino, que vem de percursos importantes de formação, que em parte já está comprometido e em parte ainda precisa ter o espaço que merece. É preciso uma Igreja “caçadora de talentos”, que permita que os talentos venham à tona, que permita que quem tem o carisma – não no sentido deletério – dê um passo à frente. Parece-me que este último motu proprio, que ampliou às mulheres a possibilidade de acesso ao leitorado e ao acolitado, também delineia uma comunidade que reconhece que há mulheres e homens que têm o carisma do serviço ao altar, da proclamação da Palavra, da catequese… A comunidade identifica essas pessoas, apresenta-as ao bispo, e o bispo as institui no seu papel. Neste círculo de corresponsabilidade, pode-se pensar em uma Igreja na qual os padres verdadeiramente sejam apenas padres.

Dario Vitali – Parece-me que não se refletiu o suficiente sobre a relação entre ministério e Igreja. De fato, existe um vínculo fundamental, uma circularidade – virtuosa ou viciosa – entre o modelo de ministério e o modelo de Igreja: um determina o outro e vice-versa. A falta de implementação de um se reflete pesadamente também sobre o outro. É totalmente evidente que a fadiga na recepção do modelo conciliar da Igreja, com todas as oscilações e as tensões do pós-Concílio, privou o modelo de ministério do seu necessário termo de comparação. Não é por acaso que, até hoje, se tentou reiterar o modelo tridentino de ministério. Por isso, a estrutura ou a concepção clerical do ministério ainda é dominante. A última ratio, “O dom da vocação presbiteral” (2016), no fundo, também é um ajuste de enfoque que não faz uma mudança de horizonte, nem uma mudança de compreensão, acima de tudo da Igreja e, em relação à eclesiologia, também do ministério. Na ratio, falta totalmente uma eclesiologia de referência, determinando que o ministério se torne autorreferencial e, portanto, problemático.

2. O Concílio foi o evento que mais contribuiu para a mudança da Igreja Católica no último século e meio, mas o Presbyterorum ordinis, isto é, o documento conciliar sobre a figura do sacerdote e sobre o ministério, é considerado, segundo vários especialistas, um dos textos mais frágeis e menos incisivos do Concílio. É por esse motivo, na opinião de vocês, que permanecemos ancorados no único modelo que conhecíamos, ou seja, o modelo tridentino de sacerdote e de organização? Ou há algo mais?

Erio Castellucci – Eu me permito discordar da pergunta, porque não acho que o Presbyterorum ordinis seja tão fraco como se disse. Em vez disso, a recepção é que foi bastante fraca, porque esse decreto, na realidade, havia introduzido algumas perspectivas – relendo a fundo os dados bíblicos e a tradição antiga, e não apenas a tradição pós-tridentina – que eram uma virada em relação à tradição recente. Por exemplo, chegou ao Concílio um conceito sacral e cultual de ministério: dizia-se que o sacerdote está habilitado a celebrar a Eucaristia e a absolver os pecados – esta era a teologia de Trento, pelo menos a recebida –, e o Concílio disse que os presbíteros – muda também a terminologia, em vez de sacerdotes – são enviados primeiro para a pregação e o anúncio do Evangelho, depois para celebrar e para guiar na vida pastoral. Assim, paradoxalmente, se poderia dizer que, quanto menos cristãos houver, mais é preciso “fazer” um padre, porque ele deveria recomeçar a partir do anúncio e da aproximação com as pessoas que vivem onde ele está. E depois, segunda virada, o Concílio retirou a figura dos presbíteros de um certo individualismo. Antes, falava-se sempre no singular, “o sacerdote”. Até nos seminários se insistia muito na formação individual. O Concílio Vaticano II diz que existe “o presbitério”, dentro do qual estão os presbíteros, e quase sempre fala dos presbíteros no plural, ou seja, redescobriu o fato de que eles são um “corpo”. Em suma, Presbyterorum ordinis moldou uma imagem dos presbíteros de tipo missionário, dentro da missão da Igreja, porque primeiro fala da missão de toda a Igreja e depois, aí dentro, fala da missão dos presbíteros, e não vice-versa. Porém, a recepção foi imediatamente bastante controversa: no fim dos anos 1960 já havia novamente ambas as polarizações: por um lado, havia quem tivesse voltado para a visão de antes, uma visão muito vertical e sacral – o sacerdos alter Christus, o sacerdote dedicado à Eucaristia –, por outro, em reação, havia quem já dizia: “Amanhã teremos uma Igreja sem padres”. O título mais ou menos do nosso encontro está em um livro de 1968 de Jacques Duquesne, que se intitula exatamente assim: “Uma igreja sem clero?”… A impressão é que a recepção do Presbyterorum ordinis foi canalizada em dois lados contrapostos. A crise de identidade, a crise numérica certamente não favoreceu uma recepção global.

Dario Vitali – Concordo com dom Castellucci sobre a questão da recepção do Presbyterorum ordinis. É um documento de reforma, de renovação, como foi o decreto De reformatione para o Concílio de Trento, que instituía os seminários e tentava renovar a vida sacerdotal. Fez-se um longo caminho com o Presbyterorum ordinis. Basta lembrar em sequência os títulos dos esquemas para o debate na sala do Concílio: De clericis, o primeiro; De sacerdotibus, o segundo; Presbyterorum ordinis, o terceiro. Mas, se focamos a atenção no Presbyterorum ordinis, não pensamos no ministério ordenado, mas em uma das ordens em que ele se articula. O risco é fazer a transposição do modelo tridentino, que ordenava uma escala de sete ordens, quatro menores e três maiores, com o sacerdócio no vértice, dignificado com a potestas ordinis, com o presbiterado que o Concílio recuperou. Na realidade, Presbyterorum ordinis deve ser interpretado à luz do quadro do ministério desenhado pela Lumen gentium a partir da sacramentalidade do episcopado. Tendo colocado a plenitude do sacramento da Ordem no bispo (cf. Lumen gentium, n. 21), o Concílio restabeleceu a estrutura hierárquica dos primeiros séculos, articulada em bispos, presbíteros e diáconos. A busca destes últimos foi retomada como “grau próprio e permanente da Igreja” (LG, n. 29) depois de séculos de diaconato transitório. Além disso, o Concílio sublinha o ministério como forma de serviço radical ao povo de Deus, que é povo sacerdotal. Uma verdadeira atenção ao sacerdócio comum do Povo de Deus, na participação dos batizados na função profética, sacerdotal e real de Cristo, permitiria uma verdadeira redescoberta de vocações, carismas, ministérios que não só realizariam uma Igreja totalmente misteriosa, mas também teriam a vantagem de desestruturar uma Igreja clerical demais, circunscrevendo os ministros ordenados no âmbito da sua função específica.

3. Relancemos a questão de uma forma um pouco rude: a teoria é perfeita, é estupenda, mas a prática foi em outra direção. O termo “presbítero” tem sido um sinônimo um pouco mais culto, que entrou pouco no uso comum, para dizer exatamente a mesma coisa que antes. No máximo, a figura do presbítero, precisamente por ter sido pressionado a sair do âmbito unicamente litúrgico, sacramental, celebrativo, viu-se lidando com ainda mais coisas do que no passado. Assim, recaiu-se em uma situação que é impossível de imaginar mais clerical?

Marco Marzano – Em síntese extrema, como estudioso, eu vejo assim: uma grande estrutura como a Igreja Católica, a mais importante, impressionante, extraordinária organização da história humana, com 2.000 anos de história, com um enraizamento enorme, não muda pelas mãos dos teólogos. A Igreja é uma estrutura de poder – do modo como nos foi transmitida até hoje – baseada em três pilares: o poder dos homens sobre as mulheres; o do clero sobre os leigos; e o de Roma sobre o resto do mundo. Essas três características são o núcleo duro que se cristalizou ao longo do tempo. A cristalização é a consequência de uma inércia estrutural que diz respeito a todas as organizações e certamente não apenas à Igreja Católica. A inércia se manifesta também na permanência de uma atitude conservadora enraizada na classe dirigente, mas também no povo. Além disso, deve-se levar em conta que a mudança seria muito custosa, a ponto de produzir um cenário altamente incerto. Em outras palavras, se sairmos do velho modelo, para onde iremos? Quem deveria promover uma mudança, portanto, deveria ser uma classe dirigente eclesiástica que decidisse que as reformas devem ser feitas de forma absoluta, a todo o custo. Mas também seriam necessárias pressões populares reformadoras, que não me parecem existir ou que, no mínimo, não são suficientes hoje.

Paola Lazzarini Orrù – A Igreja Católica é uma das poucas instituições que consegue conter multidões em seu interior: dentro dela podem caber desde os Legionários de Cristo até nós, Mulheres pela Igreja. Isso me impede de olhá-la do mesmo modo como outros tipos de organizações podem ser estudados: é verdade que é uma estrutura muito rígida, mas, sendo um corpo vivo, em seu interior, ela é muito mais dinâmica do que pode parecer. Dito isso, a inércia é clara e evidente. Além disso, se eu olhar para as questões que mais me são caras, ou seja, a situação das mulheres na Igreja, não é apenas inércia; há realmente um obstáculo muito alto que nos impede de entrar como iguais, de forma corresponsável e de fazer com que à igual dignidade que teoricamente nos é reconhecida correspondam direitos iguais. Além disso, pensando precisamente no fato de que existe um povo sacerdotal que é o principal sujeito da missão da Igreja, do qual os presbíteros são servos, eu vejo uma profunda contradição no fato de os presbíteros se autocandidatarem a identificar as pessoas certas para o serviço dentro das comunidades. E que a sua única – digamos assim – relação de prestação de contas seja sempre voltada para cima e nunca para a comunidade. Explico-me: teoricamente (por sorte, a realidade é um pouco diferente) um padre, desde que não descontente o seu bispo, pode fazer o que quiser na paróquia. E ele também depende do bispo para o seu sustento. Ele responde ao bispo até mesmo quando comete ações aberrantes. Tudo isso nos colocou na condição de pensar o padre e a paróquia como um centro de serviços: no fundo, eu não tenho a possibilidade de dizer nada sobre o trabalho do meu pároco, mas ao mesmo tempo tenho o direito de exigir uma série de serviços assim como eu poderia exigir de um cartório. É um curto-circuito, porque na realidade haveria um laicato pronto, preparado, responsável. Então, para mudar algo, eu vetaria as autocandidaturas. Ao invés disso, na seleção dos aspirantes às Ordens, não só são aceitas as autocandidaturas, mas até, por ânsia de vazios a serem preenchidos, acolhem-se pessoas extremamente problemáticas. É necessário devolver à comunidade a centralidade na missão do anúncio e também na seleção dos próprios pastores.

Erio Castellucci – Certamente, a recepção do Vaticano II, em certos aspectos, recém-começou. O Concílio não desposou uma Igreja democrática, mas tentou lançar as bases para superar a ideia de uma Igreja monocrática. Agora, a palavra em voga com o papa Francisco é “Igreja sinodal”. Para chegar lá, será preciso caminhar muito ainda. Para o nosso debate, lembro algumas coisas. A primeira: está em curso uma discussão sobre a reforma dos seminários. Não se trataria – pelo menos esta é a esperança de alguns, inclusive a minha – simplesmente de uma reforma cosmética, mas estrutural. É preciso imaginar modalidades diferentes de preparação para o ministério, por exemplo, mais inseridas nas comunidades cristãs, em contato com as famílias. É muito interessante também a proposta de Lazzarini de formas de discernimento por parte de toda a comunidade cristã: hoje, no momento da ordenação, o bispo, por meio do reitor do seminário, verifica o candidato. A fórmula diz: “Pelas informações recebidas do povo cristão e daqueles que cuidaram da sua formação, posso atestar que ele é digno”. Porém, enquanto aqueles que cuidaram da formação são bem definidos, as informações coletadas junto ao povo cristão são um tanto genéricas. No meio disso, há ainda o celibato, pelo qual se torna um pouco difícil na prática que seja a comunidade que apresente uma pessoa ao presbiterado, porque, na forma do ministério atual no Ocidente, primeiro deveria haver a escolha celibatária e depois a disponibilidade ao ministério. As modalidades – o professor Marzano nos falava disso justamente – não são um apanágio da teologia, que certamente não pode fazer reformas sozinha, mas creio que algumas ideias virão pouco a pouco de baixo. Talvez a redução numérica – e me permito dizer também os escândalos tão detestáveis – também ajudará a purificar os critérios de escolha. Entre outras coisas, hoje cada vez mais quem amadurece a vocação ao ministério já viveu uma parte importante da sua experiência de jovem – e às vezes de adulto –, e isso poderá ir no sentido de um ministério mais inserido na comunidade ou até que a comunidade possa ajudar a discernir as vocações.

Dario Vitali – Lembro-me de uma pequena anedota de algum tempo atrás, quando três estudantes das Igrejas orientais se apresentaram no meu gabinete da universidade para verificar a sua posição no curso de licenciatura em Teologia. Para um dos três, havia a urgência de terminar até junho, porque ele tinha que se casar antes de ter acesso à ordenação presbiteral. Então, eu interroguei os outros dois sobre os seus projetos. Um queria se casar, o outro havia decidido pelo celibato. Em relação a essa situação aberta, a Igreja latina prefere manter a lei eclesiástica do celibato para todos. Esse vínculo, de fato, condiciona toda a tentativa de repensar o ministério ordenado, afligido hoje por uma crise profunda. Não é estranho à crise o fato de que a “fome” de padres para garantir um sistema clerical leva muitas vezes a abaixar o limiar de acesso às Ordens e, em todo o caso, a manter a idade de ordenação aos 24 anos, confiando imediatamente responsabilidades de governo quando um homem ainda não está pronto para funções desse tipo. Estou convencido de que é necessário deslocar a ordenação para mais adiante, quando as pessoas estiverem mais maduras. Eu diria, em termos de provocação, que a questão mais decisiva não está no celibato, mas na maturidade da pessoa. Se os candidatos ao ministério – jovens e menos jovens – não forem pessoas maduras (e não por culpa deles, mas por não se respeitar os tempos do amadurecimento), eles serão incapazes de um serviço de verdade. Mas quem discerne se um candidato é maduro? Apenas o seminário? Apenas o bispo, muitas vezes contra o parecer da equipe de formação? Onde está a parte da comunidade, do Povo santo de Deus? Um estudante meu, um presbítero luterano da Finlândia, me contava que, na sua formação, as comunidades em que ele desenvolveu o serviço expressaram uma avaliação que, para o bispo, era determinante admiti-lo à ordenação. Por que não introduzir uma escuta do sensus fidei para a ordenação dos presbíteros? Por que não implementar o sistema de consulta do Povo de Deus também sobre esse ponto, já que se tornou uma norma para o processo sinodal, como fica evidente na constituição apostólica Episcopalis communio sobre o Sínodo dos Bispos?

4. Na opinião de vocês, a questão da obrigação do celibato é realmente um dos problemas?

Dario Vitali – Eu acho que se trata de uma questão incontornável. Não se pode deixar de abordá-la, porque muitas vezes – com ou sem razão – ela foi indicada como resolutiva. Eu não creio que ela o seja, mas, se falta um pronunciamento preciso, o risco é de que ela sempre seja apontada como a causa da crise atual.

Erio Castellucci – Concordo com o Pe. Dario Vitali sobre ambas as avaliações. Creio que ela deverá ser abordada de forma ampla e com critérios eclesiais, não somente psicológicos ou sociológicos. E não na chave da queda dos presbíteros, porque não sabemos qual é o número ideal de presbíteros no mundo. Certamente, o número ideal não é o de que precisamos para fazer funcionar as nossas estruturas, mas aquele que o Espírito suscita para a evangelização. Sobre o celibato, porém, não se pode falar apenas como de um obstáculo ao ministério. O celibato, da forma como é pensado – e acredito que ele é vivido assim por muitos – é, antes, abraçar como a própria família as pessoas às quais se é enviado, sem paternalismos, mas de modo fraterno, de modo também afetivamente importante. Não é só uma questão de ter ou não ter tempo. Mas nada impede que, do ponto de vista doutrinal, no futuro, a Igreja Católica do Ocidente, assim como a Igreja Católica oriental, continuando a escolher os bispos entre os celibatários, possa escolher os presbíteros entre os celibatários e os casados. Além disso, há também o precedente dos anglicanos que passaram para a Igreja Católica com o papa Bento XVI. Mas, se o debate se configurasse como uma “solução” para a redução numérica dos presbíteros, a meu ver, ele começaria com o pé errado. É preciso pôr-se à escuta do Espírito.

Marco Marzano – Para mim, o celibato é a questão número um. É o tijolo sobre o qual se assenta todo o pilar do clericalismo, de um certo modo de funcionamento da Igreja Católica. É a pedra que, se removida, poderia provocar o início de uma mudança gigantesca. Porque o padre celibatário e casto acaba coincidindo com uma figura sacral, inevitavelmente diferente daquela dos pobres leigos, vítimas de necessidades e desejos, afetivos e sexuais, que o padre, nesse esquema, não teria ou que seria capaz, com sucesso (e heroísmo), de manter sob controle. Em última análise, o sacerdote casto e celibatário parece ser mais semelhante a Jesus Cristo do que aos reles mortais: ele vive uma vida de constante sacrifício pela salvação de todos. E todas as fantasias que são associadas à sacralidade do padre são claramente deletérias para a afirmação daquela Igreja da qual me parece que todos vocês estão falando, como católicos, isto é, daquela Igreja que prevê a partilha e a corresponsabilidade. Seria interessante ver que tipo de relação se estabeleceria entre o clero e os fiéis se o clero não fosse mais celibatário. Por fim, gostaria de assinalar um problema: se a disciplina do celibato fosse mudada, seria preciso enfrentar também o tema da homossexualidade. Porque, se nos limitássemos a tornar o celibato opcional, correríamos o risco de gerar, na fantasia popular, a ideia de que se um padre se casa é hétero, enquanto se escolhe o celibato é gay. Vocês podem me dizer que obviamente a vocação ao celibato não coincide com uma condição de homossexualidade, e eu concordo. Porém, se essa questão não for abordada, corre-se o risco de ver o problema que saiu pela janela entrar novamente pela porta.

Paola Lazzarini Orrù – É bem verdade que as pessoas custariam a entender, mas também é verdade – pelo menos por aquilo que eu posso registrar, no sentido de que essa vida de padre, em alguns aspectos, já fala pouco a um homem de 50 anos que tem que pensar na hipoteca, corre o risco de perder o emprego, se preocupa em educar os filhos… Ele tem outro homem na sua frente que só tem que pensar em unir a catequese com os funerais. Eu não acho que a sua “oferta de vida” seja ainda percebida como um testemunho. Além disso, também será necessário abordar a questão da ordenação das mulheres. O fim do celibato obrigatório e as mulheres padres não vão frear a secularização, não vão servir para manter os fiéis na igreja, mas a ordenação das mulheres é uma questão de justiça. Uma daquelas coisas que se fazem porque são justas, e não por questões de táticas. Afinal, temos a função apostólica das mulheres diante dos nossos olhos em todas as representações do dia da Páscoa. Não podemos mais continuar fingindo que isso não existe, até porque as mulheres, nesta fase, são as que estão indo embora mais rapidamente, e vão para onde? Para outras Igrejas, nas quais o fato de serem mulheres não é um elemento de discriminação, ou constroem suas próprias experiências.

5. É possível chegar a uma efetiva “pluriministerialidade”, libertando a figura do padre e levando-a de volta àquilo que é próprio desse ministério? E, na opinião de vocês, tudo isso poderá ser discutido no próximo Sínodo?

Erio Castellucci – Certamente surge a necessidade de abordar aquilo que é essencial na Igreja italiana e universal de hoje, à luz da experiência da pandemia, não só em sentido sanitário, mas também religioso, cultural, social, econômico… Acho que, no Sínodo, se se fizesse a pergunta sobre o que é realmente essencial, tentando precisamente discernir entre o que é verdadeiramente evangélico e aquilo que é superestrutural, já seria bastante.

Dario Vitali – Penso, porém, que será decisivo abordar as questões referentes à sinodalidade. Parece-me que esse é o único caminho verdadeiro, que está realizando uma recepção do Vaticano II, inserindo um debate de verdade que pode levar a uma reavaliação das posições. Deve ser posto em prática aquele processo sinodal desenhado pela constituição apostólica Episcopalis communio (2018) de Francisco, que infelizmente passou em silêncio. Fazendo o Sínodo passar de evento a processo, o papa indica três fases de um processo que realiza a participação de todos na Igreja: a consulta ao povo de Deus, o discernimento sobre as realidades que surgiram do povo de Deus e a implementação daquilo que foi decidido com base em uma escuta e em um diálogo contínuo. Portanto, acho que é possível começar a fazer perguntas de grande importância como o direito de palavra, o direito de decisão com base na corresponsabilidade, dar importância ao consenso – aquilo que na Igreja antiga era conhecido como conspiratio – para se chegar a um pensamento compartilhado e a uma prática compartilhada. Quando sou interpelado sobre questões como o sacerdócio para as mulheres ou o celibato, eu digo: de um ponto de vista doutrinal, o consenso da Igreja é dirimente. Consenso que não deve ser identificado com uma espécie de opinião pública eclesial: trata-se de uma realidade que provém do Espírito, quando nos colocamos à escuta uns dos outros. Em um discurso histórico sobre a Igreja sinodal (17 de outubro de 2015), o papa descreveu a Igreja sinodal como “uma Igreja da escuta”, na qual, quando todos se escutam – Povo de Deus, bispos, bispo de Roma –, escuta-se verdadeiramente aquilo que o Espírito diz à Igreja. Por outro lado, creio que os objetivos não podem ser alcançados reivindicando-os, porque o efeito seria apenas o encastelamento por parte de quem detém o poder. A única possibilidade é a do debate, do diálogo, da escuta: isso promete uma Igreja sinodal. O próximo Sínodo dos Bispos poderá ser uma grande, grandíssima oportunidade nesse sentido. Também por causa do protagonismo do Povo de Deus. Aqui tomo a liberdade de dizer que seria bom insistir no Povo de Deus, e não nos leigos, como ouço em muitos lados. Por quê? Na relação padres-leigos, jogada inevitavelmente no registro do poder, o risco é de que os leigos acabem sempre em uma posição subordinada. Prefiro insistir no Povo de Deus, em relação ao qual o ministro é sempre aquele que serve. Na minha opinião, é uma questão de grande importância, que permite introduzir o tema do sacerdócio comum como fundamento dos carismas, ministérios, vocações, uma realidade multiplicada na ordem do Espírito que pode fazer uma Igreja verdadeira e totalmente ministerial.

Marco Marzano – Existem dois obstáculos à pluriministerialidade: um é que a pressão pela mudança, interna e externamente, é insuficiente. Ela existe em setores limitados da opinião pública daquela parte do mundo, o Ocidente, na qual a religião está desaparecendo ou se marginalizando. Na África e na Ásia, predomina uma atitude oposta. Como você pode falar nesses países sobre a mudança da disciplina sobre a homossexualidade? Como você pode falar sobre um papel diferente para as mulheres? O segundo obstáculo consiste no fato de que uma elite em geral não se suicida propondo uma mudança que não a coloque mais no centro, que a empurre para as margens, para longe do poder. Custo a encontrar um precedente histórico de um gesto tão incompreensível e louco. É mais fácil encontrar casos de grandes mudanças ocorridas como resultado de revoluções, ou de “grandes reformas” introduzidas para evitar o colapso do sistema, mas, neste caso, o fato é que o “sistema Igreja Católica” não está colapsando. Ele está bem longe de estar perto do fim.

6. Neste momento, certamente não é o protesto interno que gera massa crítica, mas é precisamente a hemorragia de fiéis. Um problema que é percebido com uma forte lucidez pelo Papa Francisco…

Marco Marzano – O problema é que a hemorragia não depende dessas reformas não realizadas. Lazzarini também disse isto: se a Igreja fizesse as reformas, certamente não haveria mais gente na missa. Os anglicanos fizeram essas reformas, e ninguém voltou à igreja… A hemorragia é determinada pelo fato de que, no nosso tempo, as pessoas não acreditam mais em Deus. Esse me parece ser o problema.

7. O problema é obviamente tornar o Evangelho de Jesus Cristo mais transparente e mais compreensível para os homens e as mulheres de hoje. Mas o debate está aberto sobre quais passagens e qual caminho isso acarreta…

Paola Lazzarini Orrù – Neste momento, está em curso um “experimento”, o Sínodo da Igreja alemã, no qual existe uma propensão generalizada à mudança. Eu tenho contatos diários com as minhas amigas do Maria 2.0 (o movimento de mulheres alemãs que reivindica a igualdade de gênero na Igreja) que me falam de velhinhas que lhes dizem: “Isso que vocês estão fazendo, façam também por nós”. É claro que nós não somos a Alemanha, mas eu acho que – pelo menos no Ocidente – esse provavelmente será um caminho que muitos países acabarão trilhando. Outro ponto: as nossas – chamemo-las assim – reivindicações não são um privilégio das mulheres brancas e ocidentais. Aquilo que nós afirmamos, nós o compartilhamos com mulheres indianas, sul-africanas, filipinas… Ou, melhor, para elas há uma urgência maior. Quando eu ouço uma amiga da Uganda falando sobre o “estupro corretivo” que ocorre no seu país contra as mulheres lésbicas, com o aval e o silêncio cúmplice da Igreja local, então a ação que nós podemos fazer aqui tem ainda mais sentido para o Sul do mundo. A religiosidade ocidental está em declínio, mas eu gostaria que ela desempenhasse uma missão de, pelo menos, tornar esta Igreja um lugar mais habitável para todos, também para o restante do mundo que certamente será a Igreja do futuro.

Erio Castellucci – Nós, com razão, olhamos para alguns elementos que emergem e falamos do poder. Falemos dos bens e das estruturas. Sou eu quem introduzo esse assunto porque acho que ele é muito importante. Falemos das reivindicações. Mas existe uma ação pastoral cotidiana que não está muito preocupada com essas categorias. Se eu pensar nos encontros de hoje, por exemplo: falei com uma freira, com três párocos e com um casal, todas pessoas muito comprometidas, e esses temas nunca vieram à tona. Em vez disso, estavam preocupados em como ajudar os adolescentes que não conseguem se conectar com o EaD, em como ajudar algumas famílias em graves dificuldades econômicos devido à perda do emprego, em como reestruturar a catequese para que seja mais aderente às perguntas que os jovens têm… Eu acho que a ação do Espírito vai além de todas as nossas capacidades de leitura e perfura esse muro, às vezes tão duro, das estruturas das quais, com justiça, pedimos uma profunda reforma. E talvez seja precisamente essa base, esse trabalho cotidiano, essa atenção aos últimos, a quem efetivamente expressa necessidades profundas, materiais, afetivas, espirituais que representa a dimensão mais bela da Igreja.

Dario Vitali – Dos três blocos que condicionam a vida da Igreja, evocados pelo professor Marzano – do homem sobre a mulher, do clero sobre os leigos e de Roma sobre o restante do mundo –, eu creio que o mais facilmente modificável seja o terceiro. Tomo a liberdade de insistir no Episcopalis communio, que inova sobre o Sínodo de uma maneira tão importante a ponto de possibilitar o envolvimento de toda a Igreja e de todas as Igrejas no processo sinodal. Por outro lado, um sinal de grande novidade vem precisamente do Sínodo: se um dos dois subsecretários é uma mulher, aliás com direito a voto, só esse fato obriga a buscar outras soluções que não as tradicionais. Em suma, há um processo em curso, certamente lento, até mesmo hostilizado, dentro do qual os elementos para uma verdadeira reforma da Igreja já estão lá. A temporada que está se abrindo sob a insígnia da sinodalidade pode ser verdadeiramente decisiva para a vida e o caminho da Igreja.

Fonte:

IHU

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Análise de conjuntura católica – Advento para o século XXI. Com a palavra o teólogo Celso Pinto Carias https://observatoriodaevangelizacao.com/analise-de-conjuntura-catolica-advento-para-o-seculo-xxi-com-a-palavra-o-teologo-celso-pinto-carias/ Thu, 10 Dec 2020 13:52:25 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=36976 [Leia mais...]]]> Para entrar no século XXI é fundamental interagir com as questões que estão sendo apresentadas neste século, e não apenas ficar em posição defensiva ou, pior ainda, de um ataque que não conduz ao diálogo, e que pode ser tornar uma discussão agressiva com pedras nas mãos. É possível que o cristianismo católico seja um instrumento importante na construção de um novo horizonte cultural que se descortina neste século e não procurar uma volta ao passado sem sentido. Para isso será necessário assumir aquilo que é humanizador na atual situação que vivemos. Isso é possível, sem nenhum prejuízo à fé genuinamente vinculada ao Caminho de Jesus Cristo [Você encontrará aqui] uma análise de conjuntura eclesial um pouco diferente… uma espécie de grande desabafo… pela qual vou pontuando alguns elementos que considero de fundamental importância para uma instituição que pretende ser continuadora do Caminho de Jesus Cristo neste tempo tão dramático… Publico esta análise no Tempo do Advento de 2020. Tempo litúrgico que celebra a esperança no interior de uma pandemia. Que celebra a presença de um Deus que se faz presente na história. Assim, minha narrativa aqui quer ser um grito para celebrar a esperança de novos tempos para Igreja...

Celso Pinto Carias é doutor em Teologia pela PUC-Rio, assessor das CEBs do Brasil e do Setor CEBs da Comissão Pastoral Episcopal para o Laicato da CNBB e, nas palavras do autor, “um mendigo de Deus“. Confira, a seguir, sua reflexão na íntegra:

ANÁLISE DE CONJUNTURA CATÓLICA – ADVENTO PARA O SÉCULO XXI

Pretensiosamente decidi fazer uma análise de conjuntura eclesial um pouco diferente. Mais do que lançar mão de possíveis embasamentos teológicos, eclesiológicos e sociológicos que pude adquirir em estudos acadêmicos e de informações reportadas da conjuntura mais imediata, resolvi fazer uma narrativa em primeira pessoa como uma espécie de grande desabafo, onde o risco será todo meu, pela qual vou pontuando alguns elementos que considero de fundamental importância para uma instituição que pretende ser continuadora do Caminho de Jesus Cristo neste tempo tão dramático. Assim sendo, poderá ser rotulada de diversas formas, mas será expressão de um católico que está à porta dos 59 anos, avô, e que nunca passou por outra experiência religiosa.

Uma rápida apresentação para quem não me conhece mais de perto. Meu pai, apesar da pouca instrução, foi um católico de grande participação: congregado mariano, preparador para o sacramento do Batismo, ministro da Eucaristia entre tantas outras funções que exerceu até morrer. Lembro que em Realengo, periferia da cidade do Rio, onde praticamente nasci, levava os três filhos mais novos em sua bicicleta para a Igreja. Éramos seis. Mudamos para a Baixada Fluminense (1971), Duque de Caxias, RJ. Eu tinha nove anos na época. Morávamos praticamente ao lado da Matriz paroquial que tinha três missas dominicais. Quando chegávamos da celebração ele perguntava: “Qual foi o Evangelho de hoje, o que padre falou?” Deste mesmo pai ouvi: “Acabou-se o tempo das fitas largas, estamos no tempo do Vaticano II” (congregados usam uma fita como símbolo de pertença ao movimento). Hoje não concordaria totalmente com o meu falecido pai (1982, com 54 anos) no que tange aos congregados.

Fui coroinha e coordenador de grupo jovem. Aos 18 anos fui para o seminário. Fiz filosofia, e no segundo ano de teologia desisti do presbiterado. Finalmente, para encurtar a conversa, sempre estive metido, de alguma forma, dentro de alguma coisa na Igreja. Tornei-me teólogo leigo, mestrado e doutorado, dei aula em seminário, e hoje continuo buscando servir a Igreja de alguma forma. Já tenho mais de 45 anos de serviços prestado, predominantemente voluntário.

Em uma situação na qual o diálogo tem sido muito difícil, achei importante realizar a apresentação acima, pois se o papa Francisco é duramente criticado, imagine um “mendigo de Deus” da Baixada Fluminense? Mas modestamente, o sentimento que me vem é aquele do profeta: “Tenho que gritar, tenho que falar, ai de mim se não o faço”. Só para esclarecer, encontrei a expressão “mendigo de Deus” em livro do teólogo Bruno Forte, hoje bispo, que dizia ser o teólogo um pedinte diante do mistério de Deus.

Preparado o caminho, vamos lá. Dividirei esta análise em três momentos: uma rápida descrição da realidade do mundo de hoje; a resposta predominante dada pela Igreja Católica do Vaticano II até o presente momento; e finalmente possíveis perspectivas. Em cada momento não me omitirei de apontar tensões e conflitos que perpassam a vida eclesial. Publico esta análise no Tempo do Advento de 2020. Tempo litúrgico que celebra a esperança no interior de uma pandemia. Que celebra a presença de um Deus que se faz presente na história. Assim, minha narrativa aqui quer ser um grito para celebrar a esperança de novos tempos para Igreja.

1. O mundo em que vivemos – uma olhadinha

Trabalho na PUC-Rio e moro na Baixada. Saio do terceiro mundo para o primeiro quando vou trabalhar. Hoje tenho carro, mas vou predominantemente de trem/ônibus. Escrevi uma crônica certa vez sobre o “mundo” que se pode ver no interior dos trens metropolitanos. Pretendo escrever a partir deste olhar.

Através de um complexo de informações podemos fazer análises mais completas em torno da realidade. Tenho até amigos próximos que me ensinam bastante quanto a isso. E elas são necessárias. Contudo, mais do que demonstrar por meios argumentativos o que se passa com o mundo e com a Igreja, gostaria de perguntar: será que meus olhos não estão vendo o que vejo? Será que os meus ouvidos estão ouvindo o que ouço? O mundo em que estamos vivendo é o mesmo para todos e todas?

A tal crônica citada acima foi motivada por algo que vi. E o que vi poderia ser visto de modo completamente diferente por outras pessoas. Foi no dia 02/10/2018. O trem passava pela estação de Vigário Geral, já no município do Rio de Janeiro, aquele lugar que anos atrás houve uma chacina com 21 mortos. Entra no trem um casal jovem, em torno de 17 anos, negros, e um bebê ao colo, uns três meses. Certamente pobres. Cedem lugar para eles. A certa altura a mãe amamenta a pequena criança com um olhar extremamente carinhoso. Para mim o trem é síntese da periferia urbana do Brasil, quiçá de todas as periferias. Um bom observador e escritor, não é o meu caso, poderia escrever muitas crônicas. Drumond escreveu uma sobre o bonde. Acontece de tudo. Mercado informal, pedintes, brigas, assaltos, conversas variadas nas quais todos participam: política, religião, traição etc. Antigamente havia pregação religiosa, mas a operadora dos trens proibiu, mas continuam dando um jeitinho, como vender um produto em nome de uma “ação social” de uma Igreja.

Participando de tantos encontros de Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e sobre as CEBs, tenho me perguntado, há muito tempo, para onde vão as comunidades. Para onde está indo a Igreja? Vejo as comunidades, muitas vezes, como aquele jovem casal da estação de Vigário. Abandonados, talvez não tão compreendidos. Contrário ao meu olhar, muitos poderiam dizer: “como pode, um casal tão jovem e pobre e já com uma criança”. O mundo se transforma, a vida passa, pessoas saem de casa de madrugada e voltam bem tarde. Lotam os trens. Como os nossos discursos enxergam esta realidade? Como formular um conceito de família ideal no contexto do mundo de hoje? Onde moro, por trás de muitos muros de alvenaria bem construídos, podem existir três, quatro, cinco casas no mesmo quintal. E casas, evidentemente, extremamente pequenas. Uma família com dois filhos ou mais, pode viver em dois pequenos cômodos. Alias a maioria do povo brasileiro vive em situação parecida. Como se dá as relações humanas, em suas diversas possibilidades, em tal espaço?

Campo e cidade se confundem sob o horizonte de um “deus mercado”, do consumismo, de um desejo de ser feliz conseguindo sobreviver com dignidade. Felicidade colocada muitas vezes em uma aposentadoria que nunca chegará para a maioria. Hospitais com pacientes em corredores, exames marcados com três, quatros meses de antecedência ou mais, e aí, muitas vezes as doenças se agravam. Como estamos lendo os sinais? Fui algumas vezes em emergências de hospitais da região, e o que vi não é nada bom.

O que você está vendo ou não? Estamos vendo a mesma coisa? Estamos vendo aquilo que o papa Francisco chama de “As sombras de um mundo fechado” na encíclica Fratelli Tutti? O que o Pe. Julio Lancelotti vê é a mesma coisa que o seus críticos veem?

Como estamos vendo a pandemia do Novo Coronavírus em 2020? Apenas um vírus que passará e muitos morrerão, pois assim é a vida, ou um sinal de um mundo que precisa mudar? Mudar para quê? Por quê? Para quem?

Este olhar poderia se ampliado em diversas direções. Poderíamos, por exemplo, também olhar a esperança que tem brotado na juventude para buscar um mundo melhor. Da empatia que a pandemia revelou em muita gente. Mas esta fresta é apenas para chamar a atenção de que não podemos ficar conjecturando como está o ser humano única e exclusivamente através das informações midiáticas. E a Igreja neste mundo?


2. A Igreja diante da realidade

Reza a lenda que o papa São João XXIII, quando decidiu convocar o Concílio Vaticano II (1959), disse que era preciso abrir as janelas do Vaticano ao Espírito Santo. Talvez porque houvesse muito mofo. E não há dúvida, ainda que sua chegada tenha demorado, o Concílio foi um impulso do Espírito para o diálogo com o mundo moderno. O Vaticano II foi uma tentativa de sanar um “curto circuito”. E, em certa medida, graças a Deus, conseguiu.

No entanto, está sendo muito difícil interromper a visão de mundo subjacente ao Concílio de Trento, de uma Igreja soberana para uma Igreja dialogal em tão pouco tempo. As resistências são grandes. Não que Trento em si não tenha sido um grande Concílio. A questão é que quando Trento terminava (1563) o mundo moderno começava. E o medo de repetir o trauma da divisão surgida na Reforma Protestante, foi constituindo cada vez mais um centralismo, ou como gosta de falar o papa Francisco, uma autorreferencialidade enorme. Consequentemente, um forte clericalismo. Ora, por um bom período a resposta de Trento cumpriu o seu papel. Não entraremos no mérito de tal análise. Mas de Leão XIII até hoje, que terminou seu pontificado em 1903, percebe-se nitidamente certo “curto circuito” entre a Igreja e o mundo moderno.

Apesar do Vaticano II, certa “demonização” da modernidade permaneceu. Aquela atitude de diálogo com a cultura como fez um Santo Agostinho e um Santo Tomás não prevaleceu. E aos poucos, aquela lufada do Espírito percebida no Concílio, foi sendo abafada por setores misoneístas, isto é, que temem o novo como temem o diabo.

O bom conselho do Papa Bom (São João XXIII) dado no discurso de abertura do Concílio Vaticano II, de usar o remédio da misericórdia, não foi ouvido por muitos. Cresceu uma postura de condenação, de suspeita. O medo de se pronunciar e ser perseguido por setores da hierarquia foi se constituindo. Como disse o papa Francisco, a Igreja não pode ser uma alfandega, pronta para fiscalizar. E se não fosse por Francisco certamente eu não estaria escrevendo este tipo de análise. Até gostaria que ela chegasse a ele, pois ele é alguém que não nos causa medo. Sei que se fosse para me chamar a atenção faria com misericórdia. Mas este é só um desejo de um teólogo periférico: abraçar Francisco.

Vivemos um pouco mais de trinta anos sob o medo de aprofundar o diálogo com o mundo moderno, conforme a Gaudium et Spes preconizou. E Francisco, com sua intenção de finalmente aprofundar as decisões do Concílio, tem estado muito sozinho, como ele mesmo disse: “Sinto-me só porque quem deveria colaborar não colabora” ) entrevista publicada em 03/11/2020.

Por que tanta resistência a Francisco? Já perto dos sessenta anos estou chegando à conclusão de que existem forças na Igreja que almejam unicamente poder e privilégio, ainda que minoritárias. Até bem pouco tempo atrás achava que era só uma questão de visão de mundo diferente. E pior, este poder faz os bons se calarem.

Ataques perversos, grosseiros, mentirosos, e pior, vindo do próprio seio católico. Induzem muitos leigos e leigas até mesmo agredir ao Papa com verdadeiros despautérios, incluindo palavrões. Nunca vi os que se pautam pela Teologia da Libertação se comportar reservadamente desta forma, muito menos publicamente. Sim, havia críticas, e algumas vezes contundentes, mas sempre com respeito. Nunca vi padres ou bispos que tinham críticas ao Papa tentar induzir comunidades a desrespeitar o Papa, muito menos leigos ou leigas.

Podem dizer que é uma minoria que faz isso. Mas tem havido a omissão de muitos. Suspeito que haja até quem espera com ansiedade por um novo Conclave para ver se outro Papa possa ser menos contundente. Fora a hipocrisia de outros. Confesso que tenho medo. São pessoas que induzem ao ódio e depois, quando acontece uma tragédia, dizem que não são responsáveis.

O novo secretário do Sínodo dos Bispos, o maltês Mario Grech disse uma grande verdade: “Acho curioso que muitos tenham reclamado de não poder receber a comunhão e celebrar os funerais na igreja, mas que nem tantos tenham se preocupado em como se reconciliar com Deus e com o próximo, em como ouvir e celebrar a Palavra de Deus e em como viver o serviço. No que diz respeito à Palavra, portanto, devemos desejar que essa crise, cujos efeitos nos acompanharão por muito tempo, possa ser um momento oportuno para nós, como Igreja, trazer o Evangelho de volta ao centro da nossa vida e do nosso ministério. Muitos ainda são “analfabetos do Evangelho”. “Analfabetos do Evangelho”, que frase.

Acho curioso que muitos tenham reclamado de não poder receber a comunhão e celebrar os funerais na igreja, mas que nem tantos tenham se preocupado em como se reconciliar com Deus e com o próximo, em como ouvir e celebrar a Palavra de Deus e em como viver o serviço. No que diz respeito à Palavra, portanto, devemos desejar que essa crise, cujos efeitos nos acompanharão por muito tempo, possa ser um momento oportuno para nós, como Igreja, trazer o Evangelho de volta ao centro da nossa vida e do nosso ministério. Muitos ainda são “analfabetos do Evangelho”.

Mário Grech, secretário do Sínodo dos Bispos

A Missa vem sendo transformada em uma devoção e não no mistério central da presença pascal do Senhor Jesus. O catolicismo tem uma riqueza litúrgica enorme e tão pouco aproveitada. Agora na pandemia ficou evidente.

De certa forma será um suicídio histórico continuar “vendo a banda passar”. É evidente que a Igreja não acabará. Mas sua relevância histórica será drasticamente abalada. Religiões sobrevivem pelo mundo também de forma desviante. A sociologia da religião já provou isso. Certamente que não se pode generalizar, mas sem dúvida é possível um uso desonesto do simbolismo religioso, pois toda e qualquer religião, incluindo o cristianismo, é feita por pessoas de carne e osso. Não adianta colocar a poeira debaixo do tapete.

Os casos de pedofilia, percentualmente falando, são pequenos. Mas se fossem meio por cento seria grave do mesmo modo. Os desvios econômicos idem. Recentemente no Brasil foi divulgado o caso do Pe. Robson de Oliveira Pereira. Aguardamos o desenrolar do processo na justiça, esperando que sua honestidade seja provada. Porém, um sino de 17 milhões é escandaloso por si, mesmo que não tenha desvio algum.

As TVs de inspiração católica representam um grande problema pastoral. Os chamados padres midiáticos, em certa medida também. Por quê? Porque não representam a diversidade do processo de evangelização católico. Não representam a diversidade das opções pastorais e de espiritualidade. Aqui deveríamos aprofundar a Evangelii Nuntiandi (EN) e Evangelli Gaudium (EG) com insistência. Tomar um show como ato de evangelização é uma compreensão estreita sob o que significa evangelizar. Cobrar somas bastante significativas para realizar shows em nome de uma evangelização questionável, é absurdo. Vender produtos em um frenético mercado religioso não fica longe daquilo que os vendedores do templo faziam e que Jesus se posicionou veementemente contra. Ora, precisamos conversar seriamente sobre isso.

Se colocarmos tal situação em termos de percentuais do número de católicos existentes atualmente, verifica-se que todo apoio a este modelo midiático não fez muita diferença. Já as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) que foram duramente perseguidas, sob o pretexto de estarem politizando os católicos em direção à esquerda, fizeram diferença, pois estavam em lugares aonde a mídia não chega. Pelos dados do IBGE se pode verificar que regiões nas quais não havia presença significativa de CEBs, o número de católicos também caiu, tanto quanto, em algumas bem mais, daquelas regiões que havia CEBs. Além disso, o argumento da politização se torna cada vez mais inócuo, se olhamos para a realidade de hoje, onde há até politização de comunidades na direção do fascismo, e de forma escandalosa apoiando inclusive ódio e violência.

Alguns poucos por convicção, e outros não tão bem intencionados conseguiram, através de temas delicados para a sensibilidade popular, como Deus, família e aborto, ou sob a ameaça de um comunismo que nem existe mais, pressionar parte da população em direção a opções nada evangélicas. Um candidato a cargo político, por exemplo, pode fazer propaganda eleitoral contra o aborto e se for eleito não apoiar políticas públicas que podem salvar milhões de vida. Reduzem a gerência de um país inteiro a questões morais. Economia, educação, saúde, tornam-se apenas um detalhe.

Enfim, a nossa lista poderia crescer. Porém, a pretensão é apenas afirmar que, no mínimo, há controvérsias, e que determinados encaminhamentos pastorais devem ser avaliados com honestidade e, evidentemente, com muita misericórdia. As respostas elencadas neste item tentaram demonstrar uma tendência predominante atualmente, mas graças a Deus, não exclusiva.

Depois do Concílio Vaticano II também surgiram muitas iniciativas que apontaram um caminho de diálogo com o mundo moderno e de colocar a Igreja dentro do século XXI (vinte e um). Elas servirão de base para o próximo item, pois certamente a resposta de outros setores da Igreja mostra que é possível fazer um processo de evangelização diferente. E o papa Francisco representa tal caminho de forma magistral.


3. Perspectivas: entrando no século vinte um

Vamos começar por uma questão muito antiga, mas ao mesmo tempo muito atual: sinodalidade. O caminho sinodal não se reduz a reunir pessoas em determinadas instâncias de participação e achar que a reunião em si já é um fator sinodal, caminhar juntos como a palavra significa. Na visita ao Brasil em 2013, reunido com os bispos da Comissão de Coordenação do CELAM, o Papa perguntava aos bispos: “Temos como critério habitual o discernimento pastoral, servindo-nos dos Conselhos Diocesanos?… O bom funcionamento dos Conselhos é determinante. Penso que estamos muito atrasados nisso”.

Na diocese de Duque de Caxias, RJ, onde vivo, foi possível experimentar a graça de fazer uma experiência sinodal por 30 anos. Para mim, falar de sinodalidade não é novidade. A diocese de Nova Iguaçu, Volta Redonda e Barra do Piraí, que também conheci neste tempo, e muitas outras diocese espalhadas pelo Brasil fizeram algum tipo de experiência sinodal que não foi aprofundada nos últimos anos. Todas no século passado. Porém, o clericalismo foi encampando a Igreja, e hoje o Papa precisa explicar e trazer de volta esta experiência fontal. Para muitos representa uma novidade e pode soar inclusive como revolucionária.

Mas não há outro caminho. Pode-se afirmar que a Igreja não é uma democracia, mas também não é uma monarquia absoluta, ou melhor, não deveria ser. Se quisermos contribuir para ajudar na passagem da crise civilizatória que estamos vivendo para um tempo novo onde o Evangelho continue a contribuir para, nas “raízes da cultura”, como diria São Paulo VI na EN, propor os valores do Projeto de Vida de Jesus Cristo, leigos e leigas não podem ser tratados como súditos. Colocados em posição de submissão e infantilizados em sua fé.

As Paróquias precisam ser no mínimo “comunidade de comunidades” como já preconiza o Documento 100 da CNBB. Digo no mínimo porque é difícil, em curto prazo, uma completa reformulação dessa estrutura pastoral que não responde mais aos desafios do mundo urbano faz tempo. E é possível.

A forma de escolher bispos precisa também mudar. Sabemos bem que o Papa não tem condições de escolher cada bispo de uma diocese pessoalmente, somente em alguns casos nos quais ele perceba a necessidade de uma intervenção mais direta. O processo de consulta feito pela nunciatura é viciado. E não digam que não é possível fazer diferente. Não é dogma que bispos devam ser escolhidos desta maneira. As conferências nacionais poderiam ter um papel mais forte neste processo. Enfim, também aqui temos muito que conversar, e em diversas direções, incluindo celibato e maior participação das mulheres.

Outro diálogo que precisa ser travado com profundidade passa pelas questões morais. O teólogo José Comblin dizia que no campo social até que avançamos bem, mas no campo moral estamos muito atrasados. Não se trata de aceitar um relativismo, mas sim de entender processos de transformação cultural que, necessariamente não contradiz a mensagem central do evangelho. O papa Francisco chegou a ser chamado de herege por conta de uma ressalva quanto à segunda união de casais na “Amoris Laetitia”. Parece que estamos mais preocupados em estabelecer normas do que anunciar o valor fundamental da vida e tudo que se faz necessário para protegê-la em uma sociedade complexa e desigual.

Um exemplo extremamente melindroso: a questão do aborto. Uma discussão feita com pedras nas mãos. Não defendemos o aborto. Agora, chamar uma mulher pobre, oprimida pelo patriarcalismo, excluída de condições dignas de tomar decisões com liberdade, de assassina, é se colocar em posição diametralmente oposta àquela na qual Jesus de Nazaré se colocou. Descriminalizar o aborto para as mulheres é uma questão de justiça e misericórdia. Milhões de crianças não tem o registro do pai em sua certidão de nascimento. Até parece que a mulher é capaz de gerar filhos/as sozinha.

Agora, se queremos que os abortos diminuam sensivelmente precisamos defender políticas públicas na área da saúde, da assistência social, na educação e não cair em uma judicialização insensível. Faz-se necessário promover debates com profundidade e honestidade com todas as áreas do conhecimento que possam ajudar a tomar a melhor decisão ética possível. Usando uma conceituação de Adela Cortina, filosofa espanhola, o Cristianismo é uma Ética de Máximo que precisar dialogar com outras para garantir uma Ética de Mínimo para o conjunto da população. Será que não vamos aprender que não cabe à religião regular a sociedade como um todo? Não se defende a vida como um todo fazendo a defesa de uma única dimensão da própria vida. É uma contradição.

Outro tema extremamente delicado, mais pelo medo de sofrer represália do que, necessariamente, pela questão em si, é a muito mal definida “ideologia de gênero”. Como a acusação de “comunismo”, que é fácil de rebater pelo uso desonesto que setores ultraconservadores fazem do conceito para assustar o povo, criaram um novo inimigo. Juntaram dois conceitos que não estão no domínio da grande maioria da população, ideologia e gênero, e em torno dele apontam para a destruição da família. Alias, há pessoas que se dizem bem informadas que também não dominam os conceitos.

Sem entrar no debate acima, o que implicaria muitas páginas, quando alguém me coloca a questão, inicio a resposta sempre por uma pergunta: o que realmente tem afetado as famílias no mundo inteiro? Minha resposta é rápida: Violência doméstica. Os índices de agressões e assassinatos são alarmantes. Mulheres chegam a ser agredidas durante a gestação. A maioria dos abortos é realizada por pressão dos homens. Há estupros dentro de casamentos que nunca serão denunciados. Inclusive em lares que se afirmam cristão. E isto não é “achismo”. Existe uma fartura de dados quanto a isso, inclusive pesquisa quanto ao caráter autoritário de ministros leigos para com suas esposas. Portanto, se queremos defender a família realmente, faz-se necessário tratar desta questão. E é possível.

Portanto, para entrar no século XXI é fundamental interagir com as questões que estão sendo apresentadas neste século, e não apenas ficar em posição defensiva ou, pior ainda, de um ataque que não conduz ao diálogo, e que pode ser tornar uma discussão agressiva com pedras nas mãos.

É possível que o cristianismo católico seja um instrumento importante na construção de um novo horizonte cultural que se descortina neste século e não procurar uma volta ao passado sem sentido. Para isso será necessário assumir aquilo que é humanizador na atual situação que vivemos. Isso é possível, sem nenhum prejuízo à fé genuinamente vinculada ao Caminho de Jesus Cristo.


Considerações finais

Uma análise a contendo requereria muitas páginas. Porém, quis chamar atenção para a necessidade de enfrentar a situação de crise em que vivemos. E naturalmente sem pontificar uma solução. É uma crise civilizatória que também atinge a Igreja. Não adianta, como já dito, colocar a poeira debaixo do tapete.

São Francisco percebeu a necessidade de reformar a Igreja em seu tempo. Se a reforma viesse naquele contexto, talvez não existisse a Reforma Protestante. O Concílio de Trento, vindo trezentos anos depois dele conseguiu dá uma arrumada. Mas logo veio uma nova realidade cultural e não se travou um diálogo profundo com tal realidade, isto é, os tempos modernos.

Mas o Espírito soprou o Concílio Vaticano II. E soprou quando a modernidade já entrava em crise. Agora, no século XXI não temos tempo de esperar trezentos anos. Também não precisamos de um novo Concílio, mas sim de aprofundar a dimensão dialogal que ali se inaugurou.

Não podemos mais ficar de escândalo em escândalo, abafando os casos para que a imagem da Igreja não fique abalada. Tem-se pago um preço alto por isso, inclusive não só simbolicamente. E o Povo de Deus é a maior vítima.

Não tenhamos medo de nos enlamear, como diz o papa Francisco. De nos ferir, ou pior, não corramos o risco de agir como “generais de exército derrotados” (EG 96). Por favor, chega. Temos encontrado muitos/as leigos e leigas cansados/as. Pessoas que estão dispostas a servir, mas que querem ser tratadas como adultos.

O pontificado do papa Francisco tem apresentado muitas pistas. Se ficarmos somente com “A alegria do Evangelho” (EG) já será um ótimo programa. Mas bem que poderíamos realizar o próximo sínodo anunciado pelo Papa como um grande momento de dar mais um passo no aprofundamento do Concílio Vaticano II.

Que olhando para o “Admirável Sinal”, como expressado por Francisco no Advento de 2019, discorrendo sobre o Presépio, possamos ter a humildade que Deus nos ensina ao se fazer criança nascida entre os pobres e assumindo a fragilidade da história humana. Que possamos olhar um para um o outro como irmãos e irmãs que caminham rumo à plenitude, mas no interior de um processo cheio de ambiguidades. Entremos, por favor, no século XXI e enfrentemos os nossos limites de cabeça erguida.

(Os grifos e adaptação são nossos.)

Fonte:

IHU

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Paróquias, transformar-se para evangelizar https://observatoriodaevangelizacao.com/paroquias-transformar-se-para-evangelizar/ Tue, 21 Jul 2020 15:21:46 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=35175 [Leia mais...]]]> Foi publicada a Instrução “A conversão pastoral da comunidade paroquial a serviço da missão evangelizadora da Igreja”, nesta segunda-feira (20/07/2020), redigida pela Congregação para o Clero. Abordados os vários projetos de reforma das paróquias, entre a falta de vocações e o compromisso renovado dos leigos no anúncio.

Confira:

Isabella Piro/Mariangela Jaguraba – Vatican News

Na Igreja há lugar para todos e todos podem encontrar seu lugar, respeitando a vocação de cada um: este é o sentido da Instrução sobre a paróquia. Veja aqui o Documento!

Apesar de não conter novidades legislativas, ele propõe modalidades para aplicar melhor a normativa vigente, a fim de favorecer a corresponsabilidade dos batizados e promover uma pastoral de proximidade e cooperação entre as paróquias. O que emerge, sobretudo, é a urgência de uma renovação missionária, de uma conversão pastoral da paróquia, para que ela redescubra o dinamismo e a criatividade que a levam a ser sempre “em saída”, com a contribuição de todos os batizados.

Composta de onze capítulos, a Instrução pode ser dividida em duas grandes áreas:

  • a primeira (cap. 1-6), oferece uma reflexão ampla sobre a conversão pastoral, o sentido missionário e o valor da paróquia no contexto contemporâneo;
  • a segunda (cap. 7-11), se detém nas repartições das comunidades paroquiais, nas diferentes funções presentes nelas e nas modalidades de aplicação das relativas normas.

“A paróquia é uma casa em meio às casas”

Sinal permanente do Ressuscitado no meio do povo, “a paróquia é uma casa em meio às casas”, lê-se na primeira parte do documento, e o seu sentido missionário é fundamental para a evangelização. A globalização e o mundo digital mudaram o laço específico com o território, que não é somente um espaço geográfico, mas um espaço existencial. É justamente nesse contexto que surge a “plasticidade” da paróquia, capaz de entender as exigências dos tempos e adaptar seu serviço aos fiéis e à história. Por isso, a Instrução sublinha a importância de uma renovação missionária das estruturas paroquiais: longe de se tornar autorreferencial e de esclerosar-se, elas deverão investir no dinamismo espiritual e na conversão pastoral baseada no anúncio da Palavra de Deus, na vida sacramental e no testemunho da caridade.

A “cultura do encontro” é o contexto que promove o diálogo, a solidariedade e a abertura a todos: a comunidade paroquial é chamada a desenvolver uma verdadeira e própria “arte da proximidade”. A Instrução recomenda o testemunho da fé na caridade e a importância da atenção aos pobres que a paróquia evangeliza, mas pelos quais se deixa evangelizar. Todo batizado deve ser um “protagonista ativo da missão evangelizadora”, reitera a Congregação para o Clero, e isso exige “uma mudança de mentalidade e uma renovação interior” para que haja uma reforma missionária da pastoral. Naturalmente, estes processos de mudança deverão ser flexíveis e graduais, porque cada projeto deve estar situado na vida real de uma comunidade, sem ser imposto de cima e sem “clericalizar” o serviço pastoral.

Repartições paroquiais

A segunda parte da Instrução se abre com a análise das repartições paroquiais: elas deverão seguir o “fator chave” da proximidade, considerando a homogeneidade da população e as características comuns do território. O documento se detém nos procedimentos específicos relativos à incorporação, a fusão ou a divisão de uma comunidade paroquial em paróquias autônomas, e nos Vicariatos forâneos que reúnem várias unidades paroquiais, e as áreas pastorais que reagrupam mais Vicariatos forâneos.

O pároco, “pastor próprio” da comunidade

A seguir, se aborda o tema da atenção ao cuidado pastoral das comunidades paroquiais, tanto na forma ordinária quanto extraordinária: em primeiro lugar, é sublinhado o papel do pároco como “pastor próprio” da comunidade. Ele está a serviço da paróquia, e não o contrário, recorda a Instrução, e cuida plenamente das almas. Consequentemente, o pároco deve ter recebido a Ordem do presbiterado; qualquer outra possibilidade está excluída. Administrador dos bens da paróquia e representante jurídico da mesma, o pároco deve ser nomeado por tempo indeterminado, pois o bem das almas exige estabilidade e requer o conhecimento da comunidade e sua proximidade. No entanto, a Instrução recorda que, quando uma Conferência Episcopal estabelece por decreto, o Bispo pode nomear um pároco por um período determinado, desde que não seja inferior a cinco anos. Além disso, uma vez atingida a idade de 75 anos, o pároco tem o “dever moral” de apresentar a sua renúncia, mas não deixará o cargo enquanto a renúncia não for aceita e comunicada pelo Bispo por escrito. Em todo caso, a aceitação será sempre por uma “causa justa e proporcional”, de modo a evitar uma concepção “funcionalista” do ministério.

Diáconos: ministros ordenados, não “meio padres e meio leigos”

Uma parte do oitavo capítulo é dedicada aos diáconos: colaboradores dos bispos e dos presbíteros na única missão evangelizadora. São ministros ordenados e participam, ainda que de forma diferente, do Sacramento da Ordem, especialmente no âmbito da evangelização e da caridade, incluindo a administração dos bens, a proclamação do Evangelho e o serviço à mesa eucarística. Não devem ser considerados “meio padres e meio leigos”, afirma a Instrução, citando o papa Francisco, nem devem ser vistos na perspectiva do clericalismo e do funcionalismo.

O testemunho dos consagrados e o generoso compromisso dos leigos

A Congregação para o Clero reflete também sobre os consagrados e os leigos dentro das comunidades paroquiais: dos primeiros, se recorda não tanto “o fazer”, mas “o ser testemunhas de um seguimento radical de Cristo”, enquanto dos leigos, se enfatiza a participação na ação evangelizadora da Igreja e pede-lhes “um compromisso generoso” para um testemunho de vida conforme ao Evangelho e a serviço da comunidade paroquial. Os fiéis leigos podem também ser instituídos leitores e acólitos (ou seja, para o serviço do altar) de forma estável, com um rito especial, desde que estejam em plena comunhão com a Igreja Católica, haja uma formação adequada e uma conduta pessoal e pastoral exemplar. Além disso, em circunstâncias excepcionais, podem receber outras funções do Bispo, “a seu prudente juízo”: celebrar a Liturgia da Palavra e o rito das exéquias, administrar o Batismo, auxiliar nos matrimônios, com a permissão prévia da Santa Sé, e pregar na igreja ou no oratório em caso de necessidade. Não poderão, em nenhuma circunstância, fazer a homilia durante a missa.

Organismos de corresponsabilidade eclesial

A Instrução reflete também sobre os organismos paroquiais de corresponsabilidade eclesial, dentre os quais o Conselho para os Assuntos Econômicos. De carácter consultivo, presidido pelo pároco e composto por pelo menos três membros, ele é necessário porque a gestão dos bens de uma paróquia é “um âmbito importante da evangelização e do testemunho evangélico para a Igreja e para a sociedade civil”. Os bens são da paróquia e não do pároco, reafirma a Congregação para o Clero. A tarefa do Conselho para os Assuntos Econômicos será a de promover uma “cultura da corresponsabilidade, transparência administrativa e apoio às necessidades da Igreja”. O Conselho Pastoral Paroquial é também consultivo e sua instituição é “fortemente recomendada”. Longe de ser um simples organismo burocrático, este Conselho deve gerar uma espiritualidade de comunhão, destacando a centralidade do Povo de Deus como sujeito ativo da evangelização. A sua função principal é a pesquisa e o estudo de propostas práticas de iniciativas pastorais e caritativas da paróquia, em sintonia com o caminho da diocese. Para se tornarem operacionais, tais propostas devem ser aceitas pelo pároco. 

Não a um “preço a pagar” pelos Sacramentos, a oferta é gratuita 

O último capítulo se detém nas ofertas para a celebração dos sacramentos: elas devem ser “um ato livre” por parte de quem oferta e não devem ser exigidas como se fossem um imposto ou uma taxa. A vida sacramental não deve ser “negociada”, recomenda a Instrução, e a celebração da Missa, como outras ações ministeriais, não pode estar sujeita a tarifas, barganhas ou comércio. Os presbíteros são exortados a dar um exemplo virtuoso no uso do dinheiro, através de um estilo de vida sóbrio e uma administração transparente dos bens paroquiais. Deste modo, será possível sensibilizar os fiéis para que contribuam voluntariamente para as necessidades da paróquia, que também são suas responsabilidades.

Textos precedentes

Recorda-se que a atual Instrução vem depois da Instrução interdicasterial de 1997, dedicada ao tema:

e da Instrução de 2002, publicada pela Congregação para o Clero e centrada no:

Fonte:

www.vaticannews.va

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O maior inimigo da Igreja está alojado em sua própria dinâmica interna: o clericalismo https://observatoriodaevangelizacao.com/o-maior-inimigo-da-igreja-esta-alojado-em-sua-propria-dinamica-interna-o-clericalismo/ https://observatoriodaevangelizacao.com/o-maior-inimigo-da-igreja-esta-alojado-em-sua-propria-dinamica-interna-o-clericalismo/#comments Sun, 02 Sep 2018 03:44:31 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=28871 [Leia mais...]]]> Podemos definir o fenômeno do clericalismo de muitas maneiras, mas, a grosso modo, trata-se da concentração do poder eclesial nas mãos dos clérigos, ou seja, quando a tomada de decisões concentra-se exclusivamente nas mãos dos ministros ordenados – bispos, padres e diáconos. Desse modo, os cristãos leigos e leigas ficam totalmente excluídos de participar ativamente das diversas instâncias deliberativas da vida da Igreja. A Igreja passa a se autocompreender como mera hierarquia querida por Deus.

Quando o ministério da ordem, em cada um de seus graus, deixa de ser compreendido como serviço específico ao Reino e ao Povo de Deus e cada clérigo deixa de ser um servidor qualificado chamado a anunciar-testemunhar o querigma, cuidar do crescimento espiritual dos cristãos, acompanhar seus passos, animar a sua caminhada e soerguê-los nas eventuais quedas, a fraternidade e as relações de poder se tornam dominadoras e violentas.  O Batismo, que a todos irmana na mesma comunhão e missão, a Palavra de Deus, que é luz para o caminhar coletivo, e, até mesmo, a própria pessoa de Jesus, cuja práxis libertadora está consignada no Evangelho do Reino e da Justiça de Deus, neste contexto hierárquico, tendem a perder a força de irradiação que sustenta e dá credibilidade atrativa à vida cristã. Os critérios de discernimento na dinâmica e na gramática da vivência da experiência cristã, seja no nível pessoal, seja no âmbito das comunidades de fé e partilha de vida, passam a ficar concentrados na ambivalente vontade deliberativa dos clérigos, cada qual em seu nível hierárquico próprio. O arbítrio de cada clérigo na prática decide, enquanto instância superior, o que pode e o que não pode e os próprios rumos do ser Igreja, muitas vezes sem qualquer explicitação de sua fundamentação na Palavra de Deus, na Tradição ou no Magistério da Igreja. E ainda pior, quase sempre, sem prestar contas ou ser avaliado pelo povo de Deus no exercício de sua missão. Muitos ministros ordenados inclusive não aceitam críticas e muitos leigos e leigas, infelizmente, corroboram este lugar do ministro ordenado acima de qualquer suspeita.

Esta compreensão estreita do ministério ordenado tem favorecido ou se tornado a causa primária de inúmeras deturpações no seio da Igreja e criado situações que entravam e impedem o crescimento de grande parte dos cristãos e das comunidades em sua caminhada  de vivência da fé e do seguimento de Jesus. Muitos inclusive se afastam da Igreja quando descobrem as contradições e perversidades, pois, não se sentem corresponsáveis na dinâmica e nem sujeitos eclesiais capacitados para interferir, denunciar ou transformar tais deturpações.

A origem histórica do clericalismo na Igreja remonta ao início da cristandade, no século IV, quando o perseguido cristianismo nascente passa a ocupar o lugar hegemônico de religião oficial do Império Romano e é imposto a todos os seus súditos. Desde então, os ministros ordenados assumiram uma áurea sagrada e passaram a ser uma espécie de casta quase intocável, a qual se atribuía e reconhecia, legitimamente, o exercício do poder decisório na vida eclesial e, de forma crescente, na vida da sociedade. Doravante, a nobreza (poder temporal) e o clero (poder divinal) passaram a caminhar de mãos dadas e com paulatina cumplicidade no exercício do poder sociopolítico.

Ao longo da história, na sociedade e na Igreja, aconteceram muitas crises e tentativas de superação dessa realidade eclesial, muitas vezes promíscua, dessa compreensão do ministério ordenado e dessas imperiais relações de poder. No âmbito da vida em sociedade, a Revolução Francesa, o Iluminismo, a Modernidade com seu processo de secularização e o surgimento da figura do estado laico, podem ser evocados como marcos importantes de limitação ou recusa frontal da legitimidade sociopolítica do poder do Clero. Já no âmbito da vida eclesial, o Concílio de Trento, concílio de contra-reforma protestante, bem como o Concílio Vaticano I, com sua teologia de neo-sacralização do ministério da ordem, podem ser considerados pontos altos de maior recrudescimento dessa compreensão autocompreensão hierárquica da Igreja. O Concílio Vaticano II foi a maior tentativa eclesial, ainda que um tanto quanto fracassada, de superação do clericalismo na Igreja. Muitos teólogos, como João Batista Libanio, analisam os pontificados de Paulo VI, pelo menos em sua última fase, e, sobremaneira, o de João Paulo II e de Bento XVI como uma verdadeira “volta da grande disciplina” e de centralização do poder eclesial na Curia Romana. A renúncia do papa Bento XVI é compreendida por muitos vaticanistas como resultante de uma grave crise de poder na Cúria Romana.

Já esses primeiros cinco anos de magistério do papa Francisco tem sido caracterizado por muitos como não apenas uma retomada do espírito do Concílio Vaticano II, mas como um verdadeiro e ambicioso projeto de reforma da Igreja. Talvez, por isso, vem encontrando tanta oposição interna, e às vezes desleal e anti-fraterna, por alas ultraconservadoras e clericalistas. Francisco tem feito recorrentes críticas à cultura clerical imperial e corrompida que permanece vicejante e ocupa muito espaço estratégico na dinâmica da Igreja:

Mas o que acontece com esses outros – aqueles que seguem o caminho do clericalismo – a quem se aproximam?… Sempre se aproximam do poder em vigor ou ao dinheiro. E são maus pastores. Eles só pensam em como escalar no poder, serem amigos do poder e negociam tudo ou pensam apenas em seus bolsos. Estes são os hipócritas, capazes de qualquer coisa. A essas pessoas não lhes importa o povo. E quando Jesus lhes dá aquele bonito adjetivo que utiliza frequentemente para eles – “hipócritas” -, eles se ofendem: ‘Mas não, não, nós seguimos a lei’“.

Papa Francisco

Para estimular o nosso estudo para compreender e combater o clericalismo na Igreja, alguns testemunhos importantes:

Não há dúvidas de que o clericalismo está na raiz da crise de abuso. O clericalismo é isolacionista e insular – corta o ‘ar’ da solidariedade genuína e compartilhamento da vida com os leigos, criando uma classe separada, uma casta, dentro da Igreja… Quando as pessoas criam ‘pequenas elites’, como os chama o papa Francisco, a tentação é de preservar ‘a nós mesmos’ e ‘nossa visão/vida/privilégio’ em detrimento da ‘deles’ – os leigos, ‘os que não entendem’, ‘os que não estão sobrecarregados como nós’... Os leigos, que ouvem reiteradamente que o sacerdote é especial e exclusivamente santo – ‘mudança ontológica’, ‘marca indelével’ – não é levado a acreditar que o clero pode pecar… e depois quando surgem essas alegações e elas são corroboradas, a quebra de confiança é irreparável… Há certos modos em que o clericalismo machuca a todos. Os leigos são vitimados e infantilizados; o clero é isolado e deve ser sobre-humano.

Profª. Natalia Imperatori-Lee

Superar o clericalismo significa criar relações abertas, transparentes e iguais entre (bispos,) padres e leigos. Uma comunidade assim está disposta a permitir a correção moral dos sacerdotes pelos leigos e não simplesmente a correção dos leigos pelos sacerdotes. Essa comunidade é aberta e está disposta a aprender com todos os seus membros… Apenas uma comunidade de relações humanas e transparência maiores poderá identificar e erradicar comportamentos abusivos. Onde o clericalismo esconde a psicologia do padre por trás de um véu de pseudobeatificação, Francisco nos pede para olhar realisticamente os seres humanos à nossa frente e responder de acordo. Da mesma forma, os padres apreendidos por uma mentalidade de clericalismo precisam renunciar ao orgulho de uma divindade ou santidade especial e, em vez disso, devem procurar se tornarem mais profundamente humanos (como Cristo)… Também é importante reconhecer que o clericalismo cria uma cultura na qual os padres não-abusivos não podem se desculpar abertamente ou ser vistos como moralmente falhos. No esforço de parecerem tão impassivelmente perfeitos quanto um ícone bizantino, os padres não têm mais uma maneira de discutir francamente suas próprias limitações morais. Eles se tornam cativos de sua própria beatificação falsa. Este é o verdadeiro fundo de verdade por trás da importante percepção de que os sacerdotes completamente degradados moralmente são capazes de chantagear aqueles que quebraram suas promessas de celibato em relações consensuais com adultos. Somente um padre cativo de uma noção inflada de superioridade moral é incapaz de viver a humilhação da revelação de suas próprias falhas humanas – e somente uma comunidade que se recusa a lutar com a humanidade de seus sacerdotes é capaz de colocar uma venda em seus próprios olhos e viver em meio aos abusos inaceitáveis ​​e intoleráveis ​​que estão escondidos da vista“.

Prof. Jason Blakely

Tem saído inúmeros artigos e reflexões sobre a grave questão do Clericalismo na vida da Igreja. Para aprofundar na complexidade deste tema e compreender as inúmeras deturpações que tem provocado, sugerimos as seguintes leituras:

1. Especialista em casos de abuso diz que a questão é ‘quem somos enquanto Igreja’;

2. Especialista diz que abuso de poder é a raiz da crise de abusos sexuais na Igreja;

3. Clericalismo: a cultura que permite o abuso e insiste em escondê-lo;

4. Abuso sexual e a cultura do clericalismo. Artigo de Jason Blakely;

5. ”O clericalismo é um componente da crise dos abusos sexuais na Igreja.” Entrevista com Stéphane Joulain;

6. Abusos na Igreja. Padre Zollner: “Clericalismo? Leva aos crimes mais hediondos”;

7. Abusos sexuais: a Igreja deve questionar-se sobre a sua parte de responsabilidade;

8. Para combater casos de abuso sexual, a Igreja Católica precisa investir nas mulheres, afirma especialista do Vaticano;

 

Fonte de pesquisa: IHU

Prof. Edward Guimarães

O autor é teólogo leigo, professor do Departamento de Ciências da Religião da PUC Minas, onde atua como secretário executivo do Observatório da Evangelização. Ele é mestre em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia e doutorando em Ciências da Religião pela PUC Minas.

 

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https://observatoriodaevangelizacao.com/o-maior-inimigo-da-igreja-esta-alojado-em-sua-propria-dinamica-interna-o-clericalismo/feed/ 2 28871
Adesão e compromisso com a reforma da Igreja impulsionada pelo papa Francisco https://observatoriodaevangelizacao.com/adesao-e-compromisso-com-a-reforma-da-igreja-impulsionada-pelo-papa-francisco/ Thu, 22 Feb 2018 14:00:26 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=27410 [Leia mais...]]]> Que modelo de igreja? Uma proposta que vem de longe

Papa Francisco, desde que se tornou Papa, conclama para uma reforma interna da Igreja, uma Igreja que, com referência ao capítulo 2 da bela carta aos Filipenses, coloque-se no séquito de um Deus “esvaziado” de sua glória e poder divino, feito servo, humilhado e obediente até a morte, e se adéque para tal modelo, e não ao modelo do poder, da riqueza e do autoritarismo. É uma mensagem forte, mas, paradoxalmente, não é nova. É tão antiga como o Evangelho, só que era preciso este Papa para nos fazer redescobrir o verdadeiro significado das palavras e das mensagens já tão desgastadas pelo uso e, portanto, esvaziadas de sua força. Mas é antiga porque foi repetida ao longo dos séculos por vozes cheias de sabedoria e de paixão eclesial, muitas vezes sufocadas por outras vozes, mas que depois reapareceram e novamente sumiram. Um rio subterrâneo de espírito evangélico que felizmente anima desde sempre a Igreja.

O artigo é de Mariangela Regoliosi, professora de filologia medieval e humanista na Universidade de Florença e participante do Grupo de Reflexão e Proposta da Associação Viandanti, publicada por Viandanti, 20-02-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.

 

Hoje eu quero trazer à tona uma dessas vozes, distante no tempo, porém ainda incrivelmente eficaz.

A inovadora pesquisa do humanismo

O século XV italiano é um século de nossa história não tão conhecido e pior ainda interpretado.

Considerado por alguns como “o século sem poesia”, e por outros, como um período de pura erudição filológica. Estudos sérios alternativamente têm mostrado a intensa atividade literária de muitos humanistas e, especialmente, a reflexão inovadora filosófica e teológica dos melhores intelectuais, indispensável antecedente da grande e mais conhecida reflexão europeia que se seguiu. Um dos arautos dessa virada ideológica é certamente Lorenzo Valla (1407-1457) e a ele devemos a lição de eclesiologia da qual pretendo tratar.

O texto mais significativo nesse sentido é, certamente, o De falso credita et ementita Constantini donatione (Sobre a doação de Constantino, falsamente considerada verdadeira e inventada de forma mentirosa).

Foi composta em 1440 “encomendado” pelo rei junto ao qual Valla então vivia, Alfonso de Aragão, para minar as reivindicações feudais do papa Eugênio IV sobre o Reino de Nápoles, precisamente com base no pseudo-documento, por séculos considerado autêntico, da doação pelo imperador Constantino à igreja de Roma das posses de todo o Ocidente. Longe de ser um rancoroso panfleto político – como ainda alguns críticos atuais escrevem – o De donatione é, antes de tudo, um texto científico, porque demonstra com evidências inquestionáveis (históricas, lógicas, linguísticas, estilísticas e ideológicas) a falsificação do documento. Mas é também – o que mais interessa aqui – um texto religioso de renovação eclesial.

 

Uma denúncia contra o poder temporal da igreja

Em uma série de discursos fictícios, colocados na boca dos próprios protagonistas do evento pseudo-histórico (rei e príncipes detentores do poder civil, os filhos do imperador Constantino, o Senado e o povo de Roma e, finalmente, o destinatário da doação hipotética, o Papa Silvestre) Valla tende a demonstrar, além das evidências factuais, a improbabilidade, a incredibilidade, e, portanto, a impossibilidade histórica da alegada doação. Em especial, diante da essência espiritual da Igreja, como emerge das Escrituras Sagradas e do exemplo do Cristo fundador, é altamente improvável, se não mesmo impossível, que um papa tenha podido livremente aceitar um domínio terreno em contraste absoluto coma a sua autêntica vocação religiosa. Aliás, é precisamente tal contraposição entre a “lógica” do poder humano e a “lógica” de Deus, que gera a improbabilidade da doação. E assim a visão ideal, livre de mancha, da Igreja anima a própria demonstração filológica e transforma um texto aparentemente erudito em uma obra de denúncia contra o poder temporal da Igreja real e em um convite para a reforma: “Eu não escrevo porque desejo perseguir alguém […] mas para erradicar o erro da mente dos homens, a fim de afastá-los, advertindo ou censurando, dos vícios e das vilanias. […] Possa eu, possa um dia ver […] que o Papa seja apenas vigário de Cristo, e não também de César […]! Então, o Papa será chamado e será pai santo, pai de todos, pai da Igreja”.

 

Um modelo de igreja moderno

A oração colocada nas palavras do Papa Silvestre é um verdadeiro capítulo de teologia eclesial baseada na Sagrada Escritura, único ponto de referência, além dos preceitos da tradição eclesial, e interpretada com discernimento crítico, em algumas passagens mesmo contra a interpretação tendenciosa do lado hierocrático. Qual é a verdadeira igreja a que aspira Valla, na esperança de uma renovação, que anseia com coração sincero e confiante?

  • A igreja deve ter um único fundamento, Cristo.
  • No modelo de Cristo, o Papa deve ser o bom pastor, que desempenha em seu rebanho uma função de proteção amorosa, e não de comando nem de julgamento.
  • Sempre no modelo de Cristo, o Papa e a Igreja devem ser pobres e generosamente desinteressados, distantes de toda cobiça terrena.
  • Ainda no modelo de Cristo, o papa e toda a igreja devem conceber o poder apenas como um serviço, uma vez que, nas palavras de Jesus, o reino de Cristo “não é deste mundo”.

É gravemente absurda e perversa, até mesmo ímpia, a assimilação do regnum Dei ao regnum secular, da Igreja do poder temporal, tanto na substância como nas manifestações externas, com trajes luxuosos e a pompa dos ornamentos, dos quais a igreja foi aos poucos se adornando ao longo dos séculos, nisso também se afastando da humildade das origens.

Mas a igreja também deve ser livre. Este é um dos aspectos mais característicos da eclesiologia de Valla. Ele reivindica uma dupla libertas ecclesiae.

Certamente a liberdade diante de um poder político “amigo”, mas “condicionante”; certamente a liberdade de culto.

 

A liberdade de expressão e de crítica

Mas Valla também propõe outro tipo de liberdade: não a liberdade de inimigos externos, mas a liberdade interna da igreja. Seria um grave pecado contra a lei humana e divina se a Autoridade não respeitasse a “liberdade de expressão” e a “boa consciência”.

Fazendo apelo e referência para a igreja primitiva, em que a dialética interna, entre Paulo e Pedro, era animada e respeitada por todos, Valla exige da Autoridade, sem medo, o reconhecimento da liberdade de expressão e de crítica, quando alicerçada por uma consciência correta, quando baseada na verdade honestamente reconstruída e totalmente transparente, por obra de um historiador-filólogo competente, verdade esta que, como tal, para quem a conquistar, tem um valor sagrado: porque – Valla repete insistentemente – “a verdade vem de Deus” .

Autoridade e tradição da Igreja nunca estão livres de erros: como Pedro foi justamente repreendido sobre algumas questões por Paulo, assim também poderão ser justamente sujeitas a críticas as falsas crenças da tradição, mesmo que levadas adiante na convicção de “proteger” o povo de Deus de desvios ou de confirmá-lo na fé (o ataque de Valla contra as falsidades pseudo-hagiográficas e suas pseudo-justificativas é implacável), mas principalmente poderão e deverão ser submetidas à crítica, com livre contestação, verdades apresentadas como tais e, como tais, defendidas durante séculos pelas sumas autoridades curiais de forma obrigatória, quase como uma verdade de fé, se provas circunstanciais evidentes, trazidas à luz até mesmo por leigos preparados, demonstrarem a inconsistência e a contradição. Valla ressalta, em essência, como a autoridade eclesial não deva ser seguida como tal, mas apenas quando age com virtude e sabedoria, no respeito à veritas e na autêntica iustitia.

 

Filologia aplicada à Bíblia

Nesse âmbito de emancipação da autoridade eclesial também é incluída a revisão da tradução da Vulgata do Novo Testamento, conduzida por Valla ao longo de muitos anos e difundida, por obra de seu grande admirador Erasmo, depois de sua morte. Estamos, obviamente, um século antes da categórica absolutização da Vulgata pelo Concílio de Trento, mas também na época de Valla a tradução atribuída a Jerônimo era considerada o autêntico texto da Bíblia e como tal intocável; especialmente havia a ideia de que apenas o clero poderia tratar disso. Valla, prefere reivindicar a legalidade de sua obra em nome de suas próprias competências como filólogo, conhecedor de latim e de grego. Em uma passagem bastante importante, preliminar de outra obra, a De professione religiosorum, Valla, revertendo a objeção de que um leigo grammaticus não seria idôneo para lidar com realidades religiosas, declara que qualquer um pode escrever sobre teologia e religião, desde que tenha as competências linguísticas e intelectuais adequadas, competências que um leigo aguerrido como ele possuía a suficiência e que, ao contrário, justamente os homens da igreja muitas vezes não possuem, ignorantes de história, de latim, de capacidade expositiva e de atualizada competência teológica.

 

A igualdade de todos os cristãos

Resulta evidente desse conjunto de atitudes de Valla uma extraordinária (para aquele tempo! e para todos os tempos? …) valorização dos leigos na Igreja. Não encontramos nele declarações explícitas sobre o “sacerdócio universal”, que teria sido formulado como tal posteriormente, mas certamente identificamos a convicção da igualdade de todos os cristãos, clérigos e leigos, diante de Cristo. O tema emerge claramente no diálogo acima mencionado De professioone religiosorum. Valla observa que, de acordo com a tradição eclesial consolidada, mas que ele identifica como injusta, os monges acreditam serem os únicos autorizados a se chamarem de “religiosos” e, portanto, implicitamente, se consideram os “verdadeiros” religiosos. Mas religioso no sentido cristão significa fiel em Cristo e qualquer pessoa que tenha o dom dessa fé, e a encarne nas obras que realiza, é religioso.

“O que significa ser religioso se não ser um cristão e verdadeiramente cristão? […] a tal ponto que é a mesma coisa religião e fé e religiosos e fiel”. É o batismo que garante a união com Cristo, todo outro vínculo é acessório e inútil, e não cria nenhuma distinção nem de grau nem de qualidade. E é a fé o fundamento, sem a qual nada no ser humano é válido, e é a fé a fonte da salvação, salvação que vem de Cristo, para todos os homens, por gratuita misericórdia de Deus.

Poderíamos continuar destrinchando outros importantes elementos da teologia e da eclesiologia de Valla, espalhados em outras obras, filtrados mais tarde, tais como aqueles apresentados até agora, através de Erasmo e através de Lutero, na religiosidade europeia. Mas o que eu considero mais importante destacar é que nós modernos não podemos olhar para esses textos como algo que nos seja indiferente. O aviso que vem das palavras de Valla também é direcionado para a igreja de todos os tempos. Para que evite da tentação sempre latente nela: a tentação do poder, tanto dentro dela como para o exterior.

Fonte:

IHU

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Por uma Igreja que, consciente de sua missão, sendo santa e pecadora, se apresente ao mundo “em obras” https://observatoriodaevangelizacao.com/por-uma-igreja-que-consciente-de-sua-missao-sendo-santa-e-pecadora-apresente-se-ao-mundo-em-obras/ Fri, 18 Aug 2017 10:00:03 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=22855 [Leia mais...]]]> O cardeal Carlo Maria Martini há cinco anos nos deixou. Grande perito em Sagradas Escrituras, afirmou em uma de suas últimas entrevistas, pouco antes de sua morte ocorrida em 31 de agosto de 2012, há praticamente sete meses da eleição do papa Francisco:

“A Igreja está cansada, na Europa do bem-estar e na América. A nossa cultura envelheceu, as nossas igrejas são grandes, as nossas casas religiosas estão vazias e a burocracia da Igreja aumenta, os nossos ritos religiosos e as vestes que usamos são pomposos. Mas será que tudo isto exprime aquilo que somos hoje?”

Martini propunha três vias de reforma para a Igreja:

  • a via da conversão
  • a via da Palavra de Deus
  • a via dos sacramentos

Em relação à primeira via, dizia:

“a Igreja deve reconhecer os próprios erros e deve percorrer um caminho radical de mudança, começando pelo papa e pelos bispos.”

Entre os temas desta conversão ele destacava a posição da Igreja em matéria de sexualidade:

As questões sobre a sexualidade e sobre todos os temas relacionados com o corpo são um exemplo desse caminho de conversão. Devemos perguntar-nos se as pessoas ainda ouvem os conselhos da Igreja em matéria de sexualidade. Neste campo, a Igreja é ainda uma autoridade de referência ou apenas uma caricatura nos meios de comunicação?

Quanto à segunda via, dizia:

“A Palavra de Deus é simples… Nem o clero nem o Direito eclesial podem substituir a interioridade do seu humano. Todas as regras externas, as leis, os dogmas, são-nos dados para clarificar a voz interior e para o discernimento de espíritos.”

Por fim, referendo-se à terceira via, dizia que devemos responder a uma questão fundamental:

“Para quem são os sacramentos? Os sacramentos não são um instrumento ao serviço da disciplina, mas sim uma ajuda aos seres humanos nas etapas do seu caminho e nas fraquezas da vida. Estaremos a levar os sacramentos àqueles que precisam de renovar as forças?”

O Cardeal mostrava-se preocupado com os divorciados que se sentem excluídos de uma participação plena na vida da Igreja e do socorro que a graça de Deus lhes pode dar através dos sacramentos. E se perguntava:

A pergunta sobre se os divorciados podem receber a Comunhão deveria ser invertida. Como pode a Igreja ajudar com a força dos sacramentos quem vive em situações familiares complexas?

“A Igreja atrasou-se duzentos anos. Porque não se mexe? Temos medo? Medo em vez de coragem? Mas a fé é o fundamento da Igreja. A fé, a confiança, a coragem.”

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Se estivesse ainda entre nós, certamente, o cardeal Martini estaria feliz e ao lado do papa Francisco, animando-o e apoiando-o, em seu projeto de reforma da Igreja, no mesmo espírito e horizonte da eclesiologia do Concílio Vaticano II.

Fonte de inspiração:

Já em estado terminal, ele concedeu uma longa entrevista, considerada o seu “testamento espiritual”, à jornalista Federica Radice, do jornal Corriere della Sera.

Edward Guimarães

Secretário Executivo do Observatório da Evangelização – PUC Minas

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Qual a sua opinião sobre a postura do Papa nesta imagem? https://observatoriodaevangelizacao.com/qual-a-sua-opiniao-sobre-a-postura-do-papa-nesta-imagem/ Wed, 16 Aug 2017 17:36:43 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=23130 [Leia mais...]]]> Uma edição da revista italiana Famiglia Cristiana, no ano passado, provocou uma grande discussão naquele país: a foto da capa da revista (em destaque) mostrava dois jovens recém-casados, sendo que a noiva, de vestido branco e grávida, era abençoada pelo sorridente papa Francisco. A manchete destaca: “A alegria do amor: a Igreja abraça todas as famílias. Nenhuma está excluída”.

Muitos leitores da revista manifestaram sua indignação com a publicação e com a atitude de Francisco e iniciou-se um grande debate sobre a foto, principalmente nas redes sociais.

Para alguns leitores, a escolha da capa pela revista foi uma verdadeira afronta à doutrina da Igreja. E argumentavam, também, que o Papa, com aquela carinhosa atitude, iria encorajar o sexo antes do casamento.

Esta imagem pode ser interpretada como uma condescendência do Papa ao sexo antes do casamento e assim esvaziar a santidade do casamento em si e encorajar o amor livre” – escreveu um dos leitores da revista.

Outro leitor registrou que a mensagem que chegava aos adolescentes e aos jovens era péssima: “Eu quero dar aos meus filhos o valor da virgindade até o casamento e sinto muito [que a revista] ‘Família Cristã’, única [publicação] semanal que vem em minha casa fez essa escolha”.

Em resposta aos leitores, o diretor da revista, padre Antonio Sciortino, tentou colocar um ponto final na polêmica. Ele escreveu: “A foto foi tirada na Praça de São Pedro, na audiência geral de quarta-feira, 10 de junho de 2015. Naquela ocasião, houve um grande grupo de recém-casados e o Papa dirigiu-lhes uma saudação especial“.

De acordo com o diretor da revista, o ensino do papa Francisco sobre a família e o casamento é muito claro e perfeitamente de acordo com todo o Magistério da Igreja. “Não há nenhuma adaptação aos tempos – reiterou padre Sciortino – mas apenas em acolher com misericórdia e acompanhar as famílias feridas“.

Ainda segundo Sciortino, acima de tudo, há o convite para testemunhar a beleza do matrimônio, onde até mesmo o sexo é um presente de Deus.

 

Grupos católicos conservadores atacaram a atitude do Papa

Um dos sites tradicionalistas que desencadeiam uma espécie de “ciberguerra”, ou seja, uma guerra nas redes sociais e na Internet, contra as ações do papa Francisco, intitulado UnaVox, aproveitou a ocasião para atacar o Papa Francisco. Com a manchete “Bergoglio abençoa coabitação antes do casamento”, o site informa que o papa Francisco está abençoando o ventre das mulheres grávidas.

Utilizando a mesma linguagem visual do portal na Internet da Santa Sé, a confundir qualquer leitor mais distraído, o grupo conservador coloca em dúvida até mesmo a atitude do Papa em tocar o ventre materno:

Pode-se argumentar que ninguém deve tocar o ventre de uma mulher grávida; somente seu marido e seu médico. Certamente nenhum prelado deve fazer, muito menos um papa. Para cada homem tal ato vai contra a decência e moralidade”, diz o site.

Ainda segundo esse grupo,

quando o Papa abençoa o ventre de uma mulher grávida que vai se casar, ele também está louvando seus pecados anteriores contra a castidade, que produziram a gravidez. Isso é aprovar e encorajar a coabitação pré-marital. Nesse sentido, a ação do Papa se opõe frontalmente à moral católica e em particular ao sexto mandamento. Em suma, o papa Francisco está promovendo o pecado e, portanto, está dando um escândalo público. Isso é inconcebível para um papa, cuja missão é confirmar os fiéis na fé e na moral católica.”

O que você pensa sobre isso?

Desde a publicação da Exortação Apostólica Amoris Laetitia, com a qual o Francisco pediu que a Igreja: à luz da Palavra, veja a realidade e os desafios das famílias;  tenha um olhar fixo em Jesus; anuncie a vocação da família, bem como a centralidade do amor; repense e renove suas perspectivas pastorais de acolhida e acompanhamento das famílias; reforce a educação dos filhos; acompanhe, faça discernimento e integre a fragilidade pela lógica da misericórdia; promova uma espiritualidade conjugal e familiar. O Papa pede que o discernimento da Igreja seja dinâmico, não prescinda da verdade e da caridade do Evangelho e que se busque, com sinceridade, a vontade de Deus no desejo de chegar à melhor  resposta possível.

Mas, por pedir que a Igreja aja com discernimento, estudando cada caso e não apenas aplicando leis na hora de ministrar os sacramentos, inclusive a pessoas divorciadas, há série de ataques de grupos moralistas contra o Papa. Até mesmo um grupo de quatro cardeais exigiram, publicamente, “explicações e correções” no texto da exortação.

O magistério tradicional afirma que um católico que volta a se casar no civil pode comungar somente se a Igreja tiver também anulado a primeira união matrimonial. Alguns bispos viram em Amoris Laetitia uma orientação para acolher, com compaixão, os casais à Eucaristia, sem essa anulação.

Essa ideia tem ofendido os conservadores que têm tomado atitudes hostis à essa e outras mudanças propostas por Francisco, como as reformas na estrutura da Cúria Romana.

E você? O que pensa sobre isso?

Acha que a atitude de acolhimento, misericórdia e carinho do papa Francisco com grupos historicamente afastados da Igreja está correta?

Dê sua opinião!

Robson Sávio – da equipe executiva do Observatório da Evangelização – PUC Minas

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