Rede Eclesial Pan-Amazônica e do Acre – Repam – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Thu, 10 Oct 2019 14:14:01 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.4 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 Rede Eclesial Pan-Amazônica e do Acre – Repam – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 “Marcos científicos para salvar a Amazônia”, uma contribuição de diversos cientistas para o Sínodo Amazônico https://observatoriodaevangelizacao.com/marcos-cientificos-para-salvar-a-amazonia-uma-contribuicao-de-diversos-cientistas-para-o-sinodo-amazonico/ Thu, 10 Oct 2019 14:14:01 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=32277 [Leia mais...]]]> “A Amazônia, a maior floresta tropical do mundo, está em grande risco de destruição e, com esta, o bem-estar da nossa e das gerações futuras”.

Essas palavras servem como ponto de partida do documento preparado por um grupo de cientistas dos países amazônicos e parceiros globais, datado de 30 de setembro de 2019, com o título de “Marcos Científicos para salvar a Amazônia”, divulgada em 9 de outubro de 2019, e que tem como objetivo auxiliar as discussões da assembleia sinodal do Sínodo para a Amazônia.

A reportagem é de Luis Miguel Modino.

O documento, assinado por 44 especialistas, afirma que “a Amazônia possui uma imensa diversidade natural, cultural e única” e “é o maior repositório de biodiversidade do mundo”, sobre o qual são fornecidos dados específicos e detalhados, referidos por Carlos Nobre, Prêmio Nobel em 2007, e um dos signatários do documento, no briefing que acontece todos os dias no Vaticano.

Uma das conclusões do documento é que “hoje, porém, a Amazônia e seus habitantes estão ameaçados de extinção. Sua agonia representa uma ameaça dramática ao bem-estar humano”, o que é uma novidade porque, durante anos, “os países Amazônicos agiram com perseverança e coragem para preservar sua riqueza natural e cultural”, o que resultou em territórios indígenas e áreas protegidas, especialmente no Brasil, que hoje se tornou um dos países cujo governo se posiciona mais explicitamente contra os povos originários.

Tudo isso em favor dos grandes vilões do desmatamento, uma das grandes ameaças da Amazônia, como a “expansão da pecuária ineficiente, da agricultura de baixa produtividade e mineração”, para as quais estradas, desenvolvimento de petróleo e gás, invasões ilegais, represas ou desmatamento, que em 2019 aumentou dramaticamente com os incêndios, que nos primeiros oito meses de 2019, apenas no Brasil, estimam ter atingido 87.000, dos quais 45.000 estão na Amazônia, de acordo com o documento.

Isso resultou em “o mundo inteiro manifestou, com razão, preocupação“, passando a se qualificar como “emergência crônica”, o que exige, na opinião dos signatários, “uma estratégia sistemática urgente, e de longo prazo, para a prevenção, como parte de um plano de desenvolvimento sustentável para a região Amazônica”, que se tornaria um dos objetivos do Sínodo para a Amazônia, novos caminhos para uma ecologia integral.

O documento fala de “impactos sociais”, que são especificados no aumento de homicídios, tráfico de drogas, grande sofrimento para as populações, através do tráfico de pessoas, trabalho forçado e assassinatos. Ele também faz uma declaração que parece não preocupar os detentores de poder político e econômico, “a Amazônia como um todo está perto do ponto de inflexão para seu colapso”. De fato, o documento observa que ” a segurança hídrica e energética, a produtividade agrícola, a segurança alimentar e a biodiversidade” estão sendo ameaçadas.

O texto faz referências à Encíclica Laudato Si’, que fala de uma “dívida ecológica” com a Amazônia, uma consequência de más práticas históricas. Essa é uma manifestação de “uma globalização da indiferença”, que se traduz em “tráfico de seres humanos, escravidão moderna, trabalho forçado, prostituição e tráfico de órgãos”.

Os cientistas que prepararam o documento, fizeram algumas recomendações, dirigiram-se “a governos, empresas, sociedade civil e povos de boa fé em todos os lugares, para que se juntem em um esforço comum em prol da humanidade e da Terra hoje e no futuro“. Essas propostas estão incorporadas em nove princípios, que falam de respeito à soberania nacional, dignidade e direitos dos povos, ajuda internacional, atenção ao conhecimento científico e tradicional, monitoramento, controle de recursos locais, reflexão e busca de caminhos alternativos para o desenvolvimento sustentável.

Junto com isso, eles desenvolveram um arcabouço científico de onze pontos, que se refere ao:

  • controle de incêndios florestais;
  • fim do desmatamento;
  • apoio a agências de monitoramento;
  • controle de impactos ambientais causados pelas infraestruturas;
  • reativação e expansão do Fundo Amazônia;
  • proteção de todos os povos e comunidades de todas as ameaças;
  • controle do respeito pela sustentabilidade dos elementos da produção;
  • proteção e expansão do monitoramento científico em tempo real das condições da floresta amazônica.

O documento é um bom elemento para ajudar no trabalho da assembleia sinodal, bem como uma boa contribuição de dados que podem ajudar diferentes participantes em suas reflexões. Junto com isso, o documento do Sínodo poderá encontrar neste documento uma boa fonte de dados para sua elaboração, do ponto de vista técnico e científico.

Veja aqui a íntegra do documento: 

Marcos Científicos para Salvar a Amazônia

Leia abaixo as propostas do documento:

Nós, cientistas da Amazônia e cientistas que estudamos a Amazônia, apresentamos nossas recomendações com um apelo a governos, empresas, sociedade civil e povos de boa fé em todos os lugares, para que se juntem em um esforço comum em prol da humanidade e da Terra hoje e no futuro“.

Veja os 11 pontos para se preservar a Amazônia:

1. Ações imediatas e urgentes para deter a propagação de incêndios florestais e controlá-los através de intervenções científicas e técnicas de monitoramento. Ações imediatas e urgentes para prevenir a degradação florestal e apoiar atividades estratégicas de restauração.

2. O fim imediato de todas as mudanças de uso da terra e do desmatamento legal e ilegal nas florestas tropicais em todos os países da Amazônia. Isso deve incluir a extração de madeira, mineração, agricultura e pecuária sob as legislações nacionais existentes. Também deve-se considerar a retirada de subsídios e outros incentivos indiretos para atividades predatórias, restringindo o acesso a crédito público e assistência internacional dos desmatadores ilegais e das empresas que se beneficiam diretamente ou compram de áreas desmatadas ilegalmente na Amazônia.

3. Um retorno do financiamento total para todas as agências nacionais de fiscalização e monitoramento. Não pode haver sustentabilidade sem o estímulo ao cumprimento das leis ambientais.

4. Promover a gestão baseada em evidências através do estabelecimento imediato de um “Painel de Ciência para a Amazônia” (PCA). Formas de conhecimento locais, tradicionais e indígenas devem ser integradas ao PCA.

5. Um relatório será produzido pelo PCA, até julho de 2020, com métricas, marcos e diretrizes detalhados para o gerenciamento sustentável da Amazônia, com base em ciência e incluindo novas oportunidades para negócios sustentáveis.

6. Revisão dos principais projetos de infraestrutura em relação a impactos ambientais.

7. Compromisso, de até o final de 2020, fornecer evidências para suportar a atualização dos códigos e leis florestais nos oito Países Amazônicos e na Guiana Francesa, com base nas recomendações do PCA e na proteção constitucional dos direitos humanos e da sustentabilidade da Amazônia.

8. Apoiar a reativação e expansão do Fundo Amazônia para cobrir toda a Bacia Amazônica, com aumento do financiamento internacional de pelo menos US$ 1 bilhão por ano.

9. A proteção de todos os povos e comunidades indígenas contra a apropriação ilegal, não autorizada, ou não documentada de suas terras, bem como contra a extração de madeira, mineração, agricultura e pecuária em territórios indígenas e todos os atos de violência e crimes de ódio contra povos indígenas e povos da floresta, e conclusão rápida e precisa de todas as demarcações de terras indígenas pendentes. Garantir que todas as áreas protegidas sejam efetivamente gerenciadas contra extração ilegal, não autorizada ou não documentada de madeira, mineração, agricultura e pecuária dentro de seus perímetros e zonas de amortecimento.

10. Monitoramento e certificação de todas as cadeias produtivas originárias da Floresta Amazônica (incluindo soja, café, carne, madeira e produtos não madeireiros, minerais, entre outros) para cumprimento de acordos nacionais e internacionais de sustentabilidade, com divulgação pública e disponibilidade de dados sobre todas as empresas envolvidas em atividades de cadeias produtivas globais em conexão com países não membros da Amazônia.

11. A proteção e expansão do monitoramento científico em tempo real das condições da Floresta Amazônica (incluindo dados de satélite, sensoriamento remoto e observações de solo) para permitir a implementação de uma plataforma para alerta precoce de riscos para a Floresta e rios.

Fonte:

IHU

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Sínodo para a Amazônia é debatido na XXIII Assembleia Geral do Cimi https://observatoriodaevangelizacao.com/sinodo-para-a-amazonia-e-debatido-na-xxiii-assembleia-geral-do-cimi/ Fri, 20 Sep 2019 20:13:57 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=31738 [Leia mais...]]]> O Sínodo na Amazônia não é apenas para a Amazônia: fala ao mundo”, afirmou na quarta-feira (11/09/2019) o teólogo Paulo Suess à XXIII Assembleia Geral do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Em outros momentos da Assembleia, a hipótese da periferia levar ao centro do mundo soluções a problemas que afligem a humanidade revelou alternativas à extinção. Afinal, é disso que se trata a afirmação do assessor teológico do Cimi: “a Amazônia vem com essas reflexões para o centro: tanto na questão pastoral quanto da ecologia”.

Em outubro próximo, em Roma, na Itália, o Sínodo acontece, depois de convocado pelo papa Francisco, sob o lema Amazônia: Novos Caminhos para a Igreja e para uma Ecologia Integrada. Segundo Paulo Suess:

Para poder ser uma Igreja da Amazônia é preciso ser uma Igreja descolonizada; na descolonização, precisamos dar atenção para o que podemos fazer porque a descolonização começa em nossas paróquias, em nossas periferias. Não por causa de concorrência, mas por conta da vida do evangelho precisamos estar presentes nas periferias.

Para o teólogo indigenista, a visão macro da ecologia no Sínodo funciona como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho. “Qual a contribuição desta convenção? A escuta. O Sínodo bate na mesma tecla, o Papa pediu a escuta”, explica Suess.

Cerca de 87 mil pessoas indígenas, quilombolas, ribeirinhas, pescadoras e demais comunidades amazônicas foram consultadas para a Igreja saber quais caminhos seguir caminhando junto. “Mas podemos escutar e continuar como estava planejado antes”, alerta o teólogo.

Este Sínodo é a concretização do pontificado do papa Francisco (…) Três fios puxam o barco de São Pedro nas águas do Sínodo:

  • somos uma Igreja sinodal e a sinodalidade como método: a Igreja que escuta o povo;
  • a evangelização como mensagem;
  • a ecologia integral como método que une o social ao ecológico porque o desastre ecológico é sempre precedido por um social

Paulo Suess lembrou trecho da obra Tristes Trópicos, de Claude Lévi-Strauss. “Ele nos lembra que o mundo começou sem o ser humano e acabará sem ele. A humanidade acabar antes é um perigo real”, analisa Suess.

O papa Francisco deu em uma entrevista, em 29 de agosto, uma nota importante. No dia 29 de julho acabamos com os recursos que o planeta consegue regenerar em um ano. É muito grave, é uma situação de emergência mundial. Nosso Sínodo será de urgência. Trata-se da sobrevivência da humanidade”, afirma.

O foco da Igreja sinodal segue o estado permanente de missão e o Sínodo busca introduzir numa nova etapa de evangelização. “A nova evangelização é a exaltação apostólica do papa Francisco que muda o foco para o estado permanente de missão, sem a ideia de conversão. Não, não queremos converter ninguém. Quem converte é Jesus, diz Francisco”. Suess ressalta aspectos do serviço episcopal: ser mestre e discípulo do povo de Deus. “O conjunto do povo de Deus não pode enganar-se na fé. Temos de abrir novas estradas que revelam a Igreja a partir de amplas escutas e dar voz ao povo. Essa é a essência do Sínodo, dar voz ao povo de Deus e caminhar junto”.

Nesta escuta recíproca, cada um tem algo a aprender. Devemos caminhar unidos nas diferenças. Por outro lado, o Sínodo também não pode centralizar porque atrapalha a dinâmica missionária. O processo sinodal é um processo de partida, mas um também de chegada. Na região precisamos saber o que vamos assumir e o que vamos fazer”. Suess conclui que é importante cuidar da Casa comum, mas também “cuidar de todos e todas na Casa comum”.

Indígenas dão o caminho do Sínodo

Os indígenas deram os caminhos para o Sínodo da Amazônia, aponta o presidente do Cimi, Dom Roque Paloschi, arcebispo de Porto Velho (RO):

Nós não podemos esperar um Sínodo que resolverá todos os problemas. Existe uma parte em que vamos colocar em prática logo, outra necessitará de um processo e mais uma outra parte é horizonte. Esse será o trabalho de encontrar perspectivas para a Igreja na Amazônia e a ecologia integral.”

Dom Roque segue com sua análise: “essa comparação que o padre Paulo (Suess) faz em relação à Convenção 169 não é para os outros, mas para nós mesmos do Cimi que estamos transitando por esses rios, por essas florestas. Quem participou das escutas – os quilombolas, ribeirinhos e indígenas – foram muito claros. Disseram, lá em Porto Velho, ‘nós não queremos mais uma Igreja colonial, mas companheira e de escuta’. Sínodo é caminhar junto”, definiu Dom Roque.

Caminhar juntos: um longo percurso

Na etimologia, a palavra sínodo vem do latim e significa caminhar juntos. O percurso da Igreja Católica na Amazônia, a partir do Concílio Vaticano II e da Conferência de Medellín, ambos ocorridos na década de 1960, fez uma opção sinodal, em um estado de permanente missão e mobilização.

O bispo do Xingu, dom Erwin Kräutler, lembrou aos presentes na XXIII Assembleia Nacional do Cimi que na Amazônia essa opção pastoral vem sendo atualizada de forma periódica. A partir da década de 1960, se criou um novo jeito de ser Igreja. “Se tratava de uma evengelização libertadora. Formação de agentes de pastoral, comunidades cristãs de base, núcleo eclesial, pastoral indigenista, porque no mesmo ano foi fundado o Cimi”. O contexto era de ditadura militar e empreendimentos que rasgavam a Amazônia, como a Transamazônica, diversas outras estradas, abertura de cidades precárias e a chegada de centenas de milhares de pessoas para colonizar e explorar as riquezas da região.

Na reunião de Santarém (PA), em 1972, os bispos falaram pela primeira vez em uma Igreja com rosto amazônico. Isso não é de hoje. A preocupação dos bispos é ajudar a criar e a formar uma Igreja com rosto amazônico. O papa Paulo VI mandou uma mensagem dizendo que Cristo aponta para a Amazônia, que virou o lema dessa reunião de 1972”, explica dom Erwin.

O Sínodo da Amazônia, programado para o próximo mês de outubro, em Roma, após convocação do papa Francisco, ocorrida em 15 de outubro de 217, traz em suas tramas mais de meio século de uma Igreja que busca caminhar junto aos povos indígenas, quilombolas, pescadores e comunidades tradicionais.

Na década de 1970, “os bispos escolheram duas diretrizes: encarnação na realidade pelo conhecimento e convivência com o povo. Não se ama quem não se conhece. O conhecimento pela convivência. E acrescentaram: na simplicidade. Os bispos precisam se misturar com o povo simples, pé no chão e pé na lama”, diz dom Erwin. Já entre 23 e 24 de maio de 1990, em Assis, a reunião dos bispos saiu com o manifesto Grito da Igreja em Defesa da Vida na Amazônia. Naquele mesmo ano ocorre outra reunião em Belém, Iguracy, em 1990, os bispos publicaram um documento em defesa da vida da Amazônia. “Foi uma responsabilidade profética. Já dizíamos que a tragédia era para além das fronteiras, atingia todo o mundo”, aponta dom Erwin.

Construção do Sínodo

O Papa chegou ao Brasil logo após assumir o pontificado, com a renúncia de Bento XVI. Falou, em 27 de julho de 2013, que a Amazônia era o teste para a Igreja no Brasil e para a sociedade brasileira. Foi o início da caminhada sinodal.

Após isso, nos reunimos (bispos) em Belém. Falamos sobre a situação da Amazônia e imaginamos que seria possível Francisco convocar um Sínodo. Muitos não acreditavam que seria possível, mas decidimos enviar uma carta ao Papa. Se colocássemos no correio, podia ser que não chegaria a Francisco. Então buscamos apoio para fazer a carta chegar às mãos de Francisco”, conta dom Erwin.

Dom Cláudio Hummes levou ao Papa a carta dos bispos da Amazônia. Em 15 de outubro de 2017, poucos meses depois, Francisco se dirigia aos fiéis e peregrinos na Praça São Pedro, Vaticano, quando anunciou a convocação de uma Assembleia Especial de Bispos para a Região Pan-Amazônica. “Daquele momento em diante começamos a construir o Sínodo. O Papa sempre frisou que a Igreja precisa ouvir a voz do povo. Foi o que fizemos: passamos a escutar os povos e comunidades para identificar novos caminhos para a evangelização daquela porção do povo de Deus, especialmente dos indígenas. Também por causa da crise da Amazônia”.

Quando os bispos enviaram a Roma a síntese da escuta, realizada junto a 87 mil pessoas, a paranoia militar do general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), entrou em cena. “O general começou a cismar que estávamos convocando a Igreja para a internacionalização da Amazônia. Como o Sínodo estava um tanto esquecido, de repente estava todo mundo interessado”, brinca dom Erwin. O general fez inúmeras declarações afirmando que o Sínodo vem sendo monitorado pelo governo e cogitou enviar infiltrados ao encontro.

Quando essa síntese foi para Roma começou essa revolta do ministro do GSI, com seu pavor de que toda essa movimentação poderia afetar a soberania nacional. Uma invenção, evidente. Chegou a pedir intervenção do governo da Itália no Sínodo em nome da reciprocidade por conta da extradição do Cesare Battisti”, diz dom Erwin. Nada disso tem demonstrado intimidar os bispos da Amazônia, sendo que muitos deles enfrentaram a ditadura militar e toda sorte de ameaças de morte e atentados pela decisão evangélica pela Igreja sinodal, que caminha junto aos povos e comunidades.

Texto e foto: Assessoria de Comunicação – Cimi

Fonte:

www.repam.org.br

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Diante da grave situação, CNBB convoca o movimento: “Levante a voz pela Amazônia” https://observatoriodaevangelizacao.com/diante-da-grave-situacao-cnbb-convoca-o-movimento-levante-a-voz-pela-amazonia/ Sat, 24 Aug 2019 15:17:50 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=31270 [Leia mais...]]]> Em comunhão com o papa Francisco, com a Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM) e com os anseios de nossa sociedade, diante da gravidade da situação de nosso país, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) convoca para assumirmos juntos o movimento: “Levante a voz pela Amazônia”

A CNBB emitiu profética nota sobre a situação de nosso país. Ela classifica os incêndios e as depredações em curso na Amazônia e contra os povos indígenas como absurdas e criminosas. Estas atitudes, segundo o documento, requerem posicionamentos urgentes adequados:

É urgente que os governos dos países amazônicos, especialmente do Brasil, adotem medidas sérias para salvar uma região determinante no equilíbrio ecológico do planeta – a Amazônia. Não é hora de desvarios e descalabros em juízos e falas”.

No documento, a CNBB ressalta que Sínodo dos Bispos sobre a Amazônia, convocado pelo papa Francisco para outubro próximo, no cumprimento de sua tarefa missionária e da evangelização, é sinal de esperança e fonte de indicações importantes no dever de preservar a vida, a partir do respeito ao meio ambiente.

Confira, abaixo, a íntegra o documento:

Nota da CNBB 

O povo brasileiro, seus representantes e servidores têm a maior responsabilidade na defesa e preservação de toda a região amazônica. O Brasil possui significativa extensão desse precioso território, com o rico tesouro de sua fauna, flora e recursos hidrominerais. Os absurdos incêndios e outras criminosas depredações requerem, agora, posicionamentos adequados e providências urgentes. O meio ambiente precisa ser tratado nos parâmetros da ecologia integral, em sintonia com o ensinamento do papa Francisco, na sua Carta Encíclica Laudato Si’, sobre o cuidado com a casa comum.

“Levante a voz pela Amazônia” é um movimento, agora, indispensável, em contraposição aos entendimentos e escolhas equivocados. A gravidade da tragédia das queimadas, e outras situações irracionais e gananciosas, com impactos de grandes proporções, local e planetária, requerem que, construtivamente, sensibilizando e corrigindo rumos, se levante a voz.

É hora de falar, escolher e agir com equilíbrio e responsabilidade, para que todos assumam a nobre missão de proteger a Amazônia, respeitando o meio ambiente, os povos tradicionais, os indígenas, de quem somos irmãos. Sem assumir esse compromisso, todos sofrerão com perdas irreparáveis.

O Sínodo dos bispos sobre a Amazônia, em outubro próximo, em sintonia amorosa e profética com a convocação do Papa Francisco, no cumprimento da tarefa missionária e da evangelização, é sinal de esperança e fonte de indicações importantes no dever de preservar a vida, a partir do respeito ao meio ambiente.

“Levante a voz” para esclarecer, indicar e agir diferente, superar os descompassos vindos de uma prolongada e equivocada intervenção humana, em que predominam a “cultura do descarte” e a mentalidade extrativista. A Amazônia é uma região de rica biodiversidade, multiétnica, multicultural e multirreligiosa, espelho de toda a humanidade que, em defesa da vida, exige mudanças estruturais e pessoais de todos os seres humanos, Estados e da Igreja.

É urgente que os governos dos países amazônicos, especialmente o Brasil, adotem medidas sérias para salvar uma região determinante no equilíbrio ecológico do planeta – a Amazônia. Não é hora de desvarios e descalabros em juízos e falas. “Levante a voz” na voz profética do Papa Francisco ao pedir, a todos os que ocupam posições de responsabilidade no campo econômico, político e social: “Sejamos guardiões da criação”.

Vamos construir juntos uma nova ordem social e política, à luz dos valores do Evangelho de Jesus, para o bem da humanidade, da Panamazônia, da sociedade brasileira, particularmente dos pobres desta terra. É indispensável para promovermos e preservarmos a vida na Amazônia e em todos os outros lugares do Brasil. Em diálogos e entendimentos lúcidos, que se “levante a voz”!

Brasília-DF, 23 de agosto de 2019


Dom Walmor Oliveira de Azevedo

Arcebispo de Belo Horizonte – MG
Presidente da CNBB

Dom Jaime Spengler, OFM
Arcebispo de Porto Alegre – RS
1º Vice-Presidente da CNBB

Dom Mário Antônio da Silva
Bispo de Roraima – RR
2º Vice-Presidente da CNBB

Dom Joel Portella Amado
Bispo Auxiliar de S. Sebastião do Rio de Janeiro – RJ
Secretário-Geral da CNBB

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A importância de haver ministros que celebrem a Eucaristia nas comunidades indígenas https://observatoriodaevangelizacao.com/a-importancia-de-haver-ministros-que-celebrem-a-eucaristia-nas-comunidades-indigenas/ Tue, 06 Aug 2019 12:58:14 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=31055 [Leia mais...]]]> “Se sem participação na Eucaristia falta algo essencial no ser igreja e se sem comer na mesa eucarística a comunidade fraterna e a unidade da Igreja se fragilizam, desmoronam e correm o risco de se dissolver, a questão é: as comunidades cristãs, como podem ser Igreja em sentido pleno da palavra, se não participam regularmente na celebração eucarística? Sem a Eucaristia, não lhes falta algo, não falta a elas o centro, não carecem do essencial do ser Igreja? Como é possível lhes negar, então, o direito à Eucaristia?

Confira a reflexão do teólogo Walter Kasper em seu artigo completo a seguir:

Munus Sanctificandi: Ministros nas comunidades indígenas e o direito de acesso à Eucaristia

Por Walter Kasper

É uma alegria para mim ser convidado para contribuir com o Sínodo para a Amazônia. Contudo, preciso dizer que nunca fui a esta região. Portanto, seria presunção de minha parte fazer propostas concretas para a pastoral deste território. Só posso oferecer uma humilde contribuição como teólogo europeu, mas acredito que não sou “eurocêntrico”. Neste sentido, gostaria de explicar minha tese integrando-a em um contexto teológico mais amplo.

Começarei destacando o elo entre a celebração da Eucaristia, a santificação da vida e o cosmos. Na sequência, explicarei como a Eucaristia, centro e cume da estrutura sacramental da Igreja, requer um direito à Eucaristia. Na terceira parte, gostaria de esclarecer o que significa o direito à Eucaristia e, ao final, concluirei com três breves respostas à pergunta inicial concreta sobre os ministros de cultura indígena.

O cosmos e a natureza em sua beleza e harmonia reluzem e refletem a santidade de Deus e são algo sagrado” – Walter Kasper Tweet

I. A Eucaristia dominical: santificação do cosmos e da vida

Para entender o que significa o munus sanctificandi, precisamos integrá-lo no marco da teologia bíblica fundamental: Deus é santo e a santidade é seu atributo fundamental. A santidade é, por assim dizer, a expressão de seu ser Deus e uma expressão de sua superioridade frente a todo o mundo que é criado, o que é muito importante tanto para a Bíblia como para os povos indígenas: Deus não é uma realidade distante, é onipresente. Assim, o cosmos e a natureza em sua beleza e harmonia reluzem e refletem a santidade de Deus e são algo sagrado, que demanda respeito.

Neste sentido, é possível dizer que o munus sanctificandi é parte da ordem cósmica e do ser humano e, portanto, o momento de celebração do sábado não é apenas um preceito positivo, mas corresponde à própria ordem da criação (Gn 2,3). Com a santificação do sétimo dia, Deus deu uma ordem e um ritmo ao tempo que está inscrito na própria realidade [1] e, portanto, se tornou um direito humano, baseado em sua própria natureza [2]. A esta altura surge minha PRIMEIRA PERGUNTA: como não podemos conceder este direito de criaturas aos povos da Amazônia?

No Segundo Testamento, o dia do sábado foi substituído pelo primeiro dia, o domingo, o dia da ressurreição do Senhor, que é o começo da nova criatura e, portanto, o cumprimento do dia do sábado (Mt 28,1; Mc 16.2; Lc 24.1; Jo 20.1). Nos domingos, abençoamos o pão e o vinho, os frutos da terra e do trabalho do homem, para que estas realidades naturais e culturais se transformem e se convertam no corpo e o sangue de Cristo, e indiretamente também se transfiguram todas as criaturas incluídas nesta transfiguração. Na celebração e transformação eucarística começa a transfiguração escatológica de todo o cosmos. Começa também a transformação do trabalho do homem e sua cultura, porque o pão e o vinho não são somente natura, são também frutos da cultura humana.

Como não podemos reconhecer (texto original: conceder) este simbolismo eucarístico aos povos que o compreendem melhor que nós e que necessitam dele para sua vida diária geralmente dura?” – Walter Kasper Tweet

Este é, em minha opinião, um aspecto não irrelevante para povos como os da Amazônia que estão intimamente ligados a seu habitat e a sua cultura e, ao mesmo tempo, têm um sentimento pelo sagrado da natureza e do cosmos. Para eles, a Eucaristia tem uma relevância e uma dimensão que lamentavelmente, muitas vezes, perdemos em nossa cultura urbana moderna. Portanto, surge minha SEGUNDA PERGUNTA: como não podemos reconhecer (texto original: conceder) este simbolismo eucarístico aos povos que o compreendem melhor que nós e que necessitam dele para sua vida diária geralmente dura? Como podemos lhes negar a celebração da Eucaristia com formas e canções apropriadas a sua cultura?

Esta pergunta se torna ainda mais urgente e significativa se olhamos para a tradição imediatamente pós-bíblica e pós-apostólica. Já na Carta aos Hebreus, temos uma primeira indicação para a assembleia dominical (10, 25), que é reforçada pelo filósofo e mártir Justino (+165), em sua primeira Apologia, onde diz: “Nos domingos, temos um pacto. Porque é o primeiro dia, em que Deus através da transfiguração das trevas e a matéria primordial criou o cosmo, e porque Jesus Cristo, nosso salvador, neste dia, ressuscitou da morte” (1, 67).

Inácio de Antioquia (+115/117), na Carta aos Magnésios, escreve: “Sendo assim, se os que haviam caminhado em práticas antigas alcançaram uma nova esperança, já sem observar os sábados, mas, moldando suas vidas segundo o dia do Senhor, no qual nossa vida brotou por meio d’Ele e por meio de sua morte que alguns negam […], como poderemos viver longe d’Ele [?]” (9, 1s). Caso se leve em consideração que para Inácio o cristão vive segundo o domingo, o domingo não é um dia como qualquer outro, o domingo molda e forma toda a vida cristã. A esta altura podemos acrescentar a famosa frase dos mártires de Abitina (+180). Eles responderam ao juiz pagão: “Não podemos ficar sem a ceia do Senhor”. E uma das mártires confessou: “Sim, fui à assembleia e celebrei a ceia do Senhor com meus irmãos, porque sou cristã” [3].

Como fazer toda uma igreja local, como a da Amazônia, ser uma igreja na tradição apostólica, sem a regular celebração eucarística dominical? – Walter Kasper Tweet

Destes testemunhos, surgiu o mandamento de acordo com o qual os fiéis devem participar da Missa todos os domingos e dias de festa [4]. Este mandamento é formalmente apenas um mandamento eclesial, mas se o Catecismo da Igreja Católica afirma que obriga sob pecado grave [5], declara então que se trata de um mandamento do qual depende a salvação e a vida eterna da pessoa. Tal mandamento, sob a ameaça da perda da vida eterna, não apenas pode ser um mandamento da Igreja, como também necessita de fundamento no mandamento divino. Sendo assim, faço-me uma TERCEIRA PERGUNTA: como fazer toda uma Igreja local, como a da Amazônia, ser uma Igreja na tradição apostólica, sem a regular celebração eucarística dominical?

II. A Eucaristia na economia da salvação

Tomemos o incipit da Bíblia, porque a Bíblia é a alma de toda a teologia (OT 16). Notamos: a Bíblia não é a norma da qual se extraem as conclusões, nem o fundamento sobre o qual se constrói uma arquitetura especulativa. Ao contrário, a Bíblia é a alma, ou seja, a fonte inspiradora que dá o alento e impulso à vida cristã e é a fonte inspiradora e vivificante nas diferentes situações culturais, como já demonstrado pelos diferentes relatos bíblicos da última ceia de Jesus, que apresentam traços de inculturação.

Comecemos pela última ceia de Jesus e a véspera de sua morte (Mt 26, 26-29 par; 1Co 11, 23-25). Esta ceia deriva da tradição da Páscoa judaica em memória do Êxodo e da libertação de Israel da casa de escravidão no Egito (Ex 20, 2; Dt 5, 6). Se os textos no livro do Êxodo forem lidos cuidadosamente, é possível ver que não se trata somente de uma libertação política. Nas disputas de Moisés com o faraó, evidencia-se que Moisés pediu ao faraó a liberdade para adorar a seu Deus (Ex 4, 22; 5, 1; 7, 16.26 e. a.) que havia se revelado a ele, no deserto, na sarça ardente (Ex 3). Em termos modernos, é possível dizer que se trata da demanda pela liberdade de culto, que é fundamento da liberdade política.

O Êxodo começou com a ceia do cordeiro pascal, que depois, por ordem de Deus por meio de Moisés, terá que ser celebrada todos os anos pelo Povo de Israel como ceia Pascal judaica. Esta celebração da Páscoa se junta ao rito de circuncisão e a observância do dia de sábado se tornou uma vinculação constitutiva da solidariedade do Povo de Israel e permaneceu até hoje em dia, especialmente na diáspora.

A ceia eucarística não é um acessório, mas, ao contrário, é constitutiva do Povo neotestamentário de Deus, para sua sobrevivência e solidariedade” – Walter Kasper  Tweet

Nesta tradição do Povo da Primeira Aliança, Jesus celebrou sua última ceia com os Doze, a quem escolheu como representantes das doze tribos de Israel no Povo escatológico do Segundo Testamento. Naquele momento, estabeleceu a nova tradição: “Façam isto em memória de mim” (Lc 22,19; 1Co 11, 24s). Assim como a ceia pascal judaica torna presente o Êxodo e a libertação do Egito, também a Ceia Pascal neotestamentária torna realidade o Êxodo e a libertação do pecado e da morte. Constitui-se o começo da nova vida no Reino de Deus (Lc 22.16 par.). Portanto, a ceia eucarística não é um acessório, mas, ao contrário, é constitutiva do Povo neotestamentário de Deus, para sua sobrevivência e solidariedade.

O momento constitutivo também é destacado pelo evangelho de João no discurso de Jesus após a multiplicação dos pães. Primeiro Jesus disse: “Eu sou o pão da vida” (6:35. 48.51), e depois: “eu dou o pão para a vida do mundo (Jo 6.47). “Se alguém come deste pão viverá para sempre” (6.59). “Se não comem a carne do Filho do Homem e não bebem o seu sangue, não há vida em vocês” (6:53). “Aquele que come minha carne e bebe meu sangue, permanece em mim e eu nele” (6:56).

São palavras fortes, categóricas e inequívocas. Se não comemos o pão eucarístico, não participamos de Cristo e não temos vida eterna. Sem a ceia eucarística, um cristão não pode sobreviver. A participação eucarística é uma questão de vida ou morte para os cristãos. Portanto, há uma intimação do Senhor aos Doze: “Deem-lhes vocês algo para comer” (Mt 14,16). Esta intimação também vale para os sucessores dos apóstolos!

Para o apóstolo Paulo, a Eucaristia não é apenas alimento individual, mas é alimento eclesial que edifica a Igreja. Paulo sabe que graças ao nosso batismo, tornamo-nos membros do corpo de Cristo de uma vez para sempre (Rm 6,3-11). No entanto, o batismo é apenas o princípio e o fundamento da nova vida em Cristo. Esta deve crescer e amadurecer. Sem o viático da Eucaristia, o Povo de Deus se cansa em seu caminho, se fragiliza, se vai e corre o perigo de morrer de fome e sede.

Portanto, a participação no corpo de Cristo deve se fortalecer mediante a participação na mesma mesa. “O cálice de benção que nós abençoamos, não é comunhão com o sangue de Cristo? E o pão que partimos, não é comunhão com o corpo de Cristo? E como há um único pão, nós, embora sendo muitos, somos um só corpo, pois participamos todos do mesmo pão” (1Co 10.16s).

A teologia dos Padres da Igreja tomou as palavras de Paulo para expressar o caráter de comunhão eucarística. Santo Agostinho define a Eucaristia “sacramentum unitatis et vinculum caritati” [6]. Inclusive, afirma que na Eucaristia a Igreja celebra o que é: “vosso mistério está no altar” [7]. Tomás e Boaventura resumem esta tradição e dizem que a Eucaristia é um sinal e instrumento da unidade da Igreja [8]. Ferramenta, porque a Igreja celebra a Eucaristia. Sinal, porque a Igreja vive da Eucaristia.

O ensinamento do Concílio Vaticano II é claro: a participação na Eucaristia é a fonte e o ápice de toda vida cristã (LG 11). É símbolo dessa unidade do corpo místico, sem a qual não pode haver salvação (LG 26). É o centro e o cume de toda a vida da comunidade cristã (CD 30). A Eucaristia contém todo o bem espiritual da Igreja. É a fonte e o cume de toda a evangelização (PO 5). O papa João Paulo II e o papa Bento fizeram ecoar a famosa frase de Henri de Lubac: “A Eucaristia constrói a Igreja e a Igreja faz a Eucaristia” (26) [9].

Dizer que a Eucaristia é central e ápice significa dizer que é o centro e o cume de toda a ordem dos sacramentos que acompanham a vida, do início ao fim. O batismo ao nascer, a confirmação na adolescência, o sacramento da penitência quando a vida cristã é ferida, e na hora da doença grave e a morte, a unção dos enfermos. Os sacramentos centrados na Eucaristia acompanham e santificam toda a vida humana, em seus momentos cruciais, e não fazem isso apenas por meio das palavras, mas também por meio dos símbolos que os povos indígenas compreendem melhor que nós que vivemos em uma civilização mais ou menos secularizada.

Na encíclica Laudato Si’ (2015), o papa Francisco expressou esta dimensão integral e cosmológica: “Na Eucaristia a plenitude já se realizou, e é o centro vital do universo, o centro cheio de amor e vida inesgotável. Unido ao Filho encarnado, presente na Eucaristia, todo o cosmos dá graças a Deus. Com efeito, a Eucaristia é em si mesma um ato de amor cósmico” (236). Portanto, a Eucaristia tem sua relevância para o respeito e a preservação da integridade da criação.

As comunidades cristãs, como podem ser Igreja em sentido pleno da palavra, se não participam regularmente na celebração eucarística?” – Walter Kasper Tweet

Permitam-me terminar estas reflexões com outra pergunta. Se sem participação na Eucaristia falta algo essencial no ser igreja e se sem comer na mesa eucarística a comunidade fraterna e a unidade da Igreja se fragilizam, desmoronam e correm o risco de se dissolver, a questão é: as comunidades cristãs, como podem ser Igreja em sentido pleno da palavra, se não participam regularmente na celebração eucarística? Sem a Eucaristia, não lhes falta algo, não falta a elas o centro, não carecem do essencial do ser Igreja? Como é possível lhes negar, então, o direito à Eucaristia?

III. O que significa direito à Eucaristia?

Alguns acreditam que na economia da salvação não pode haver direito, porque tudo é graça. De alguma maneira isto está correto, mas tudo depende do que venha a significar o termo “direito”. É óbvio que não há direito no sentido de pretensão subjetiva, mas este não é o significado original do termo “direito”. “Direito” no sentido etimológico (em italiano diritto, em francês droit, em inglês, right, em alemão, richtig) significa o que é “reto” no sentido comum, o que é justo e equânime, ou melhor, conforme diz a liturgia, o que “vere dignum et iustum est”.

Nas religiões dos povos, tal justiça provém de uma ordem sagrada cósmica. A Bíblia, por outro lado, fala em hebreu de mispat, em grego de dike, ou seja, de uma ordem estabelecida por Deus na criação e na revelação histórica da salvação. Na teologia, falamos de um ius divinum [10]. No entanto, este ius divinum nunca o temos quimicamente puro, só o temo na linguagem humana.

“Na Sagrada Escritura, pois, manifesta-se, salva sempre a verdade e a santidade de Deus, a admirável “condescendência (synkatabasis) da sabedoria eterna” – conforme disse o Concílio Vaticano II – “para que conheçamos a inefável benignidade de Deus, e de quanta adaptação de palavras usou, tendo providência e cuidado com nossa natureza” (DV 13).

A condescendência final teve lugar na encarnação do Logos em Jesus Cristo (Jo 1,14). Mas, Jesus não nos deixou apenas palavras. Para não nos deixar como órfãos, deixou-nos outro Paráclito, o Espírito da Verdade, que sempre permanece conosco (Jo 16,8. 26; 15.26) para nos recordar tudo o que Jesus disse (Jo 14, 26). Este Espírito (como afirma o Concílio) está sempre em diálogo com a esposa de Cristo, que é a Igreja, para a introduzir em toda a verdade (Jo 16,13) (DV 8). O Espírito não é um Espírito de inovação, mas um Espírito que nos ajuda a descobrir a eterna novidade na nunca esgotada e jamais exaustiva riqueza do mistério divino revelado em Cristo.

A tradição não é como uma peça de arte antiga conservada em uma caixa de vidro para que não seja tocada. Não é uma lagoa estancada, mas, ao contrário, um manancial do qual brota água doce” – Walter Kasper  Tweet

Portanto, o “ius divinum” não é um código de normas, nem sequer uma coletânea da chamada “ipsissima vox” de Jesus, que os exegetas reconstruíram historicamente a partir dos quatro Evangelhos. Isso não cria um fundamentalismo bíblico, nem cria um fundamentalismo dogmático. A tradição não é como uma peça de arte antiga conservada em uma caixa de vidro para que não seja tocada. Não é uma lagoa estancada, mas, ao contrário, um manancial do qual brota água doce. É uma carta escrita não em tinta e em papel, não em tabuinhas de pedra, mas, sim, escrita pelo Espírito no coração dos fiéis, para que o Apóstolo possa dizer: a carta são vocês, e porque está escrita nos corações, a carta é lida e conhecida por todos os homens (2Co 3. 1-3).

Todos os fiéis receberam o Espírito no batismo e na confirmação. Todos constituem o Povo santo de Deus (1 Pd 2, 4-10; Ap 1.6; 5.9s) (LG 10). Todo o Povo de Deus, em razão do ‘sensus fidei’, goza da infalibilidade in credendo (LG 12: EG 119) e participa da função profética de Cristo (LG 13). Neste sentido, John Henry Newman pôde publicar sua famosa contribuição: “On consulting faithful in matters of faith” (Sobre a consulta aos fiéis em matéria doutrinal). Em seu tempo, não agradou a todos. No entanto, em algumas semanas será canonizado.

Não há magistério sem compartilhar a fé vivida do Povo de Deus. A introdução do Espírito em toda a verdade se dá caminhando juntos na fé (Papa Francisco). Isto é o sentido de um sínodo” – Walter Kasper Tweet

Para conhecer e compreender a autotradição de Cristo, que é sua autocomunicação no Espírito à Igreja, é necessário ‘sentire ecclesiam’, viver a Igreja e viver na Igreja, que às vezes também pode ser um sofrer com a Igreja. Não há magistério sem compartilhar a fé vivida do Povo de Deus. A introdução do Espírito em toda a verdade se dá caminhando juntos na fé (Papa Francisco). Isto é o sentido de um sínodo. O termo grego synodos significa estar juntos no caminho, ser “synodoi” [11], ou seja, companheiros no caminho e escutar juntos o que o Espírito disse às igrejas (Ap 2,7. 11.17.29 e.a.).

IV. Três conclusões concretas

1. O direito canônico conhece os direitos individuais e comunitários, mas nunca fala explicitamente do direito à Eucaristia das comunidades. A Instrução da Congregação para o Culto Divino Redemptoris sacramentum (2004) insiste em que os fiéis desfrutem do direito a ter a celebração da Santa Missa tal como se estabelece nos livros litúrgicos e normas litúrgicas. Contudo, parece estranho falar do direito a celebrar uma Missa segundo o prescrito, por não falar do direito mais fundamental de acesso à Missa para todos.

Se em circunstâncias normais as comunidades de uma região têm espaços e distâncias que permitem o acesso à Eucaristia apenas uma ou duas vezes ao ano, carecem de algo essencial para ser Igreja” – Walter Kasper via  Tweet

Segundo tudo o que dissemos, existe tal direito não só subjetivo, não só por uma reivindicação individual, mas por um direito comunitário que deriva da essência da Eucaristia e de seu lugar na economia da salvação. Pode haver circunstâncias extraordinárias, como situações de perseguição, guerra, desastres naturais, acidentes graves etc., que tornam impossível a celebração eucarística, mas se em circunstâncias normais as comunidades de uma região têm espaços e distâncias que permitem o acesso à Eucaristia apenas uma ou duas vezes ao ano, carecem de algo essencial para ser Igreja. Estas comunidades têm o direito de que o bispo faça tudo o que for possível, de sua parte, para mudar esta situação.

2. A razão principal desta situação é a escassez de sacerdotes e candidatos ao sacerdócio na Amazônia. Há muitas razões para esta escassez, mas a maior razão para os povos indígenas, conforme afirmam aqueles que têm experiência, é a vida no celibato, considerada pela Igreja como altamente adequada para o sacerdócio (LG 42; PO 16; OT 10) [12]. O celibato é sem dúvida um valor e uma riqueza da Igreja que é necessário defender e promover, mas há uma hierarquia de valores. O celibato não é o valor supremo, que tem prioridade sobre todos os valores de iure divino, como a estrutura sacramental da Igreja. O celibato é um carisma, um dom gratuito de Deus, que quer ser aceito e vivido em plena liberdade. Portanto, não é possível fazer da teologia do celibato, por mais louvável que seja, uma ideologia. A Igreja deve impetrar a Deus, mas não pode forçá-lo.

O celibato pode ajudar e facilitar o ministério pastoral, mas não deve nos levar a uma Igreja de visitas, em vez de uma Igreja que permanece, acompanha, está presente e divide a vida cotidiana e serve para a santificar” – Walter Kasper Tweet

O celibato pode ajudar e facilitar o ministério pastoral, mas não deve nos levar a uma Igreja de visitas, em vez de uma Igreja que permanece, acompanha, está presente e divide a vida cotidiana e serve para a santificar. Portanto, é preciso escutar o que o Espírito sugere às Igrejas, refletir e meditar a consciência se nesta situação é desejável, com o consentimento do Papa, ordenar para o sacerdócio homens de fé provada, que vivem a vida matrimonial e de família (chamados viri probati). Da mesma maneira, é necessário identificar que tipo de ministério oficial é possível conferir às mulheres, levando em consideração o importante papel que já desempenham nas Comunidades Eclesiais indígenas.

Pede-se com toda a legitimidade uma inculturação da celebração sacramental e, por conseguinte, também dos celebrantes que vivem nesse ambiente natural e na cultura indígena” – Walter Kasper Tweet

3. Os dons eucarísticos são “fruto da terra e do trabalho do homem”, ou seja, fruto da cultura que o Criador confiou ao homem (Gn 2,15). Sendo assim, a Eucaristia se entrelaça com toda a natureza, o cosmos e a cultura indígena. Portanto, pede-se com toda a legitimidade uma inculturação da celebração sacramental e, por conseguinte, também dos celebrantes que vivem nesse ambiente natural e na cultura indígena, ou seja, que ao menos estejam dispostos a mergulhar, entender, estimar e amar esta cultura.

Aqui, não posso me aprofundar na teologia da inculturação (ver E.G. 115-118). Contudo, há a oportunidade de recordar que a inculturação não é só uma aculturação, ou seja, uma adaptação que introduz alguns elementos da cultura indígena na liturgia cristã. A inculturação vai além e é mais profunda. Implica uma penetração interior e uma transformação da cultura por dentro. Em certo sentido, podemos falar de uma transformação da cultura através de um processo Pascal.

Concluo com o desejo de que Deus abençoe com esta prudência e com esta sabedoria, juntas com o valor necessário à parresia bíblica, o sínodo iminente para o bem dos povos da Amazônia e talvez profético para a Igreja universal” – Walter Kasper Tweet

À pergunta sobre como se deve realizar concretamente uma inculturação deste tipo, não se pode responder em abstrato. Na prática, as respostas concretas não podem ser deduzidas teoricamente dos princípios gerais, mas somente através da virtude da sabedoria e a prudência, iluminadas pelo amor [13]. Inclusive, Deus governa o mundo não como uma máquina que se encarrega mecanicamente, mas com sabedoria e providência. A prudência e a sabedoria são as virtudes fundamentais de qualquer governo, seja civil ou eclesiástico. Portanto, concluo com o desejo de que Deus abençoe com esta prudência e com esta sabedoria, juntas com o valor necessário à parresia bíblica, o sínodo iminente para o bem dos povos da Amazônia e talvez profético para a Igreja universal.

Como perguntei ontem, quero dizer algumas palavras sobre os ministérios da mulher, uma questão muito importante, que não é possível resolver com duas palavras. É claro, a promoção é hoje, como já sabia o papa João XXIII, um dos temas mais urgentes. Não há dúvida disso.

Se o papa Francisco decidisse, hoje, permitir a ordenação das mulheres, nas circunstâncias que hoje, infelizmente, são uma realidade, isto seria um suicídio papal” – Walter Kasper Tweet

Contudo, pergunto-me se podemos nos concentrar e inclusive entrar no ministério sacerdotal. Segundo a minha experiência, agora de trinta anos, parece contraproducente e bloqueia os passos que são imediatamente possíveis, ao passo que ao menos hoje, e pelo tempo que posso humanamente prever, um consenso sacerdotal e episcopal na Igreja universal sobre a ordenação das mulheres me parece pouco realista e, de fato, nos levaria a um cisma, que já ocorreu na Comunidade Anglicana, e seria mais ou menos o final do diálogo frutífero com todas estas Igrejas orientais ortodoxas. Se o papa Francisco decidisse, hoje, permitir a ordenação das mulheres, nas circunstâncias que hoje, infelizmente, são uma realidade, isto seria um suicídio papal.

Que passos são possíveis? Talvez o diaconato. Mas, mais importante seriam:

1. Estruturas sinodais em todos os níveis da Igreja que garantam a corresponsabilidade e o direito à consulta, mas também de decisões do Povo de Deus;

2. Há muitos ministérios de alto nível na igreja (também na Cúria Romana), que não precisam em absoluto da ordenação;

3. Hoje em dia, muitas mulheres já são doutoras e professoras e, de fato, já têm um magistério.

Notas

  • 1. Cf. carta apostólica do Papa João Paulo II Dies Domini (1998) e o Catecismo da Igreja Católica, n. 2168-2195;
  • 2. Tomás de Aquin, S. th II-II, q. 122 a. 4.;
  • 3. Acta SS. Saturnini, Dativi et aliorum plurimorum martyrum in Africa 7, 9, 10: PI 8, 707.709-710, ct.;
  • 4. Cic enlatar. 1247;
  • 5. Catecismo n. 2181;
  • 6. Agostinho, Em Jo 26,13.;
  • 7. Agostinho, Sermões, 272.;
  • 8. Tomás de Aquino, S. th III, q. 73 a. 6; Boaventura, Sent. IV d. 8 p. 2 a.q. 1.;
  • 9. João Paulo II, Ecclesia de Eucharistia, 26; Bento XVI, Sacramentum caritatis, 14 (2007);
  • 10. Cf. K. Rahner, Über den Begriff des “Jus divinum” mi katholischen Verständnis, in Schriften zur Thologie, Bd. 5, Einsiedeln 1962, 249.277; LthK 5 (1966) 697-699;
  • 11. Ver Inácio de Antioquia, Ad Eph 9.1. Sobre o tema do Sínodo: o Papa Francisco com motivo do 50º aniversário do sínodo dos bispos, em: AAS 107 (2015) 1139; Constituição Apostólica sobre o Sínodo dos Bispos Episcopalis communio (2018);
  • 12. Paulo VI, encíclica, Sacerdotalis caelibatus (1967).
  • 13. Tomás de Aquino, S. Th. II/III q. 47 a. 1-3.

Fonte:

IHU

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Documento de Trabalho do Sínodo é lançado em Roma https://observatoriodaevangelizacao.com/documento-de-trabalho-do-sinodo-e-lancado-em-roma/ Mon, 17 Jun 2019 13:29:17 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=30735 [Leia mais...]]]> A Pan-Amazônia pede à Igreja que seja sua aliada: esta é a alma do Documento de Trabalho (Instrumentum Laboris) publicado na manhã desta segunda-feira (17 de junho) pela Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos e apresentado à imprensa, no Vaticano.

O Documento é fruto de um processo de escuta que teve início com a visita do Papa Francisco a Porto Maldonado, no Peru, em janeiro de 2018. A escuta ao Povo de Deus em toda a Região Amazônica prosseguiu por todo o ano e foi concluído com a II Reunião do Conselho Pré-Sinodal, em maio passado.

A voz da Amazônia

A primeira parte do Documento, “A voz da Amazônia”, apresenta a realidade do território e de seus povos. E começa pela vida e sua relação com a água e os grandes rios, que fluem como veias da flora e fauna do território, como manancial de seus povos, de suas culturas e de suas expressões espirituais, alimentando a natureza, a vida e as culturas das comunidades indígenas, camponesas, afrodescendentes, ribeirinhas e urbanas.

A vida na Amazônia está ameaçada pela destruição e exploração ambiental, pela violação sistemática dos direitos humanos elementares de sua população. De modo especial a violação dos direitos dos povos originários, como o direito ao território, à autodeterminação, à demarcação dos territórios e à consulta e ao consentimento prévios.

Segundo as comunidades participantes nesta escuta sinodal, a ameaça à vida deriva de interesses econômicos e políticos dos setores dominantes da sociedade atual, de maneira especial de empresas extrativistas. Atualmente, a mudança climática e o aumento da intervenção humana (desmatamento, incêndios e alteração no uso do solo) estão levando a Amazônia rumo a um ponto de não-retorno, com altas taxas de desflorestação, deslocamento forçado da população e contaminação, pondo em perigo seus ecossistemas e exercendo pressão sobre as culturas locais.

Ecologia Integral: o clamor da terra e dos pobres

Na segunda parte, o Documento examina e oferece sugestões às questões relativas à ecologia integral. Hoje, a Amazônia constitui uma formosura ferida e deformada, um lugar de dor e violência, como o indicam de maneira eloquente os relatórios das Igrejas locais recebidos pela Secretaria Geral do Sínodo. Reinam a violência, o caos e a corrupção.

“O território se transformou em um espaço de desencontros e de extermínio de povos, culturas e gerações.”

Há quem se sente forçado a sair de sua terra; muitas vezes cai nas redes das máfias, do narcotráfico e do tráfico de pessoas (em sua maioria mulheres), do trabalho e da prostituição infantil. Trata-se de uma realidade trágica e complexa, que se encontra à margem da lei e do direito.

Os povos amazônicos originários têm muito a ensinar-nos. Reconhecemos que desde há milhares de anos eles cuidam de sua terra, da água e da floresta, e conseguiram preservá-las até hoje a fim de que a humanidade possa beneficiar-se do usufruto dos dons gratuitos da criação de Deus. Os novos caminhos de evangelização devem ser construídos em diálogo com estas sabedorias ancestrais em que se manifestam as sementes do Verbo.

O Documento de Trabalho analisa também a situação dos Povos Indígenas em Isolamento Voluntário (PIAV). Segundo dados de instituições especializadas da Igreja (por ex., CIMI) e outras, no território da Amazônia existem de 110 a 130 diferentes “povos livres”, que vivem à margem da sociedade, ou em contato esporádico com ela. São vulneráveis perante as ameaças… do narcotráfico, de megaprojetos de infraestrutura, e de atividades ilegais vinculadas ao modelo de desenvolvimento extrativista.

Amazônia se encontra entre as regiões com maior mobilidade interna e internacional na América Latina. De acordo com as estatísticas, a população urbana da Amazônia aumentou de modo exponencial; atualmente, de 70 a 80% da população reside nas cidades, que recebem permanentemente um elevado número de pessoas e não conseguem proporcionar os serviços básicos dos quais os migrantes necessitam. Não obstante tenha acompanhado este fluxo migratório, a Igreja deixou no interior da Amazônia vazios pastorais que devem ser preenchidos.

Igreja profética na Amazônia: desafios e esperanças

Enfim, a última parte do Documento de Trabalho chama os Padres Sinodais da Pan-amazônia a discutirem o segundo binário do tema proposto pelo Papa: os novos caminhos para a Igreja na região.

Por falta de sacerdotes, as comunidades têm dificuldade de celebrar com frequência a Eucaristia. “A Igreja vive da Eucaristia” e a Eucaristia edifica a Igreja. Por isso, pede-se que, em vez de deixar as comunidades sem a Eucaristia, se alterem os critérios para selecionar e preparar os ministros autorizados para celebrá-la. As comunidades pedem ainda maiores apreciação, acompanhamento e promoção da piedade com a qual o povo pobre e simples expressa sua fé, mediante imagens, símbolos, tradições, ritos e outros sacramentais. Trata-se da manifestação de uma sabedoria e espiritualidade que constitui um autêntico lugar teológico, dotado de um enorme potencial evangelizador. Seria oportuno voltar a considerar a ideia de que o exercício da jurisdição (poder de governo) deve estar vinculado em todos os âmbitos (sacramental, judicial e administrativo) e de maneira permanente ao sacramento da ordem.

Para além da pluralidade de culturas no interior da Amazônia, as distâncias causam um problema pastoral grave, que não se pode resolver unicamente com instrumentos mecânicos e tecnológicos. É necessário promover vocações autóctones de homens e mulheres, como resposta às necessidades de atenção pastoral-sacramental. Trata-se de indígenas que apregoem a indígenas a partir de um profundo conhecimento de sua cultura e de sua língua, capazes de comunicar a mensagem do Evangelho com a força e a eficácia de quem dispõe de uma bagagem cultural.

“É necessário passar de uma “Igreja que visita” para uma “Igreja que permanece”, acompanha e está presente através de ministros provenientes de seus próprios habitantes.”

Afirmando que o celibato é uma dádiva para a Igreja, pede-se que, para as áreas mais remotas da região, se estude a possibilidade da ordenação sacerdotal de pessoas idosas, de preferência indígenas, respeitadas e reconhecidas por sua comunidade, mesmo que já tenham uma família constituída e estável, com a finalidade de assegurar os Sacramentos que acompanhem e sustentem a vida cristã.

É pedido que se identifique o tipo de ministério oficial que pode ser conferido à mulher, tendo em consideração o papel central que hoje ela desempenha na Igreja amazônica. Reclama-se o reconhecimento das mulheres a partir de seus carismas e talentos. Elas pedem para recuperar o espaço que Jesus reservou às mulheres, “onde todos/todas cabemos”. Propõe-se inclusive que às mulheres seja garantido sua liderança, assim como espaços cada vez mais abrangentes e relevantes na área da formação: teologia, catequese, liturgia e escolas de fé e de política.

Propõe-se promover uma vida consagrada alternativa e profética, intercongregacional, interinstitucional, com um sentido de disposição para estar onde ninguém quer estar e com quantos ninguém quer estar. Aconselha-se que a formação para a vida religiosa inclua processos formativos focados a partir da interculturalidade, inculturação e diálogo entre espiritualidades e cosmovisões amazônicas.

O Documento não deixa de relevar o importante fenômeno importante a ter em consideração é o vertiginoso crescimento das recentes Igrejas evangélicas de origem pentecostal, especialmente nas periferias: “Elas nos mostram outro modo de ser Igreja, onde o povo se sente protagonista, onde os fiéis podem expressar-se livremente, sem censuras, dogmatismos, nem disciplinas rituais”.

Ser Igreja na Amazônia de maneira realista significa levantar profeticamente o problema do poder, porque nesta região o povo não tem possibilidade de fazer valer seus direitos face às grandes corporações econômicas e instituições políticas. Atualmente, questionar o poder na defesa do território e dos direitos humanos significa arriscar a vida, abrindo um caminho de cruz e martírio. O número de mártires na Amazônia é alarmante (por ex., somente no Brasil, de 2003 a 2017, foram assassinados 1.119 indígenas por terem defendido seus territórios).

“A Igreja não pode permanecer indiferente mas, pelo contrário, deve contribuir para a proteção das/dos defensores de direitos humanos, e fazer memória de seus mártires, entre elas mulheres líderes como a Irmã Dorothy Stang.”

Durante o percurso de construção do Instrumentum Laboris, ouviu-se a voz da Amazônia à luz da fé com a intenção de responder ao clamor do povo e do território amazônico por uma ecologia integral e por novos caminhos para uma Igreja profética na Amazônia. Estas vozes amazônicas exortam o Sínodo dos Bispos a dar uma resposta renovada às diferentes situações e a procurar novos caminhos que possibilitam um kairós para a Igreja e o mundo.

Fonte: REPAM

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Sínodo amazônico: dimensão regional e universal em debate no Vaticano https://observatoriodaevangelizacao.com/sinodo-amazonico-dimensao-regional-e-universal-em-debate-no-vaticano/ Mon, 25 Feb 2019 19:27:37 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=29962 [Leia mais...]]]> O presidente da Rede Eclesial Pan-Amazônica/REPAM, Cardeal Cláudio Hummes, participa do seminário no Vaticano e foi recebido pelo Papa Francisco na manhã desta segunda-feira.

Bianca Fraccalvieri – Cidade do Vaticano

“Rumo ao Sínodo especial para a Amazônia: dimensão regional e universal”: este é o título do seminário de três dias que teve início esta manhã (25/02) em Roma.

Organizado pelo Secretaria Geral do Sínodo, o evento se realiza no Instituto Maria Bambina, ao lado da colunata de Bernini, com a participação dos presidentes das Conferências Episcopais da região amazônica, bispos e especialistas provenientes também de outras áreas geográficas.

Com a presença de representantes de outros países, será possível evidenciar a relação entre a situação eclesial e ambiental específica da Amazônica e outros contextos territoriais semelhantes.

No primeiro dia, serão examinados alguns aspectos eclesiais e pastorais à luz da Exortação Apostólica Evangelii Gaudium; no segundo dia, serão debatidas questões relacionadas com a promoção da ecologia integral no horizonte da Encíclica Laudato si’; no último dia, será feita uma síntese das perspectivas emergidas e uma comunicação sobre o caminho de preparação ao Sínodo de outubro.

O tema do seminário, “dimensão regional e universal”, foi o aspecto ressaltado pelo presidente da Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam), Cardeal Cláudio Hummes, entrevistado por Cristiane Murray:

Eu creio que realmente é muito importante porque estamos preparando agora já mais de perto o Sínodo. Já terminou a fase da consulta, já fizemos as sínteses e agora se trata de aprofundar. E como sabemos que o Papa acentuava, é necessário fundamentar bem cientificamente, teologicamente, biblicamente, culturalmente. Então este seminário aqui é realmente especializado para isso. Creio que será um bom contributo e também universaliza cada vez mais o próprio Sínodo, que deve ser também universal, mas em primeiro lugar diretamente para a Pan-amazônia, e tem sua repercussão universal.

Audiência e data

Esta manhã, Dom Cláudio e os membros da Repam foram recebidos em audiência pelo papa Francisco. No final da manhã, foi divulgada a data do evento em outubro:

A Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos comunica que o Santo Padre Francisco convocou a Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Região Pan-Amazônica de domingo 6 a domingo 27 de outubro de 2019, para refletir sobre o tema ‘Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral’.

Fonte:

www.vaticannews.va

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Revista Ecoteologia: reflexões para mudar nossa vida e nosso trabalho pastoral https://observatoriodaevangelizacao.com/revista-ecoteologia-reflexoes-para-mudar-nossa-vida-e-nosso-trabalho-pastoral/ Tue, 31 Jul 2018 18:01:51 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=28615 [Leia mais...]]]> Ecoteologia.png

Durante dois dias, no mês de agosto 2017, convocados pela Rede Igrejas e Mineração e pela Rede Eclesial Panamazônica (REPAM), com o apoio da Comissão Episcopal para a Amazônia da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e do Grupo de Trabalho Igreja e Mineração da CNBB, tivemos um encontro de reflexão e partilha de saberes sobre a Ecoteologia e a Mineração.

Homens e mulheres, leigos e religiosos, de vários estados do Brasil, conversaram, compartilharam, refletiram e celebraram o dom da vida e da luta por justiça e paz. Paz entre nós e paz com a Terra. Hoje, sabemos, é uma e a mesma paz: pois tudo está interligado!

A publicação dos textos apresentados por assessores e assessoras pretende contribuir para fortalecer nosso caminhar! São textos profundos e simples, falam de ecoteologia a partir do lugar das mulheres, dos que lutam pela terra, dos que atuam com os povos indígenas, dos que resistem ao avanço da mineração. Falam, também, a partir do lugar dos que estudam e ensinam. Falam, ainda, como teólogos e teólogas.

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A Encíclica Laudato Si`, este “documento extraordinário” oferecido ao mundo pelo papa Francisco, nos inspirou e iluminou nos debates. A revista ECOTEOLOGIA, valiosa iniciativa da REPAM – Brasil, publica estes textos com a vontade de contribuir na reflexão, na vida y no trabalho pastoral de nossos agentes pastorais.

“A Ecologia integral abarca: ecologia ambiental, econômica e social (LS 138-142), ecologia cultural (LS 143-146) e ecologia da vida cotidiana (LS 147-155). Relaciona-se com o Bem Comum, clássico princípio da Doutrina Social da Igreja, e a opção preferencial pelos pobres (LS 156-158). Inclui ainda um princípio emergente consensual: a justiça intergeracional, compromisso para com as futuras gerações”, (LS 159-162).

Você está convidado a ler e partilhar a ECOTEOLOGIA-Revista

Fonte:

iglejasymineria.org

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Dia decisivo na 56ª Assembleia da CNBB https://observatoriodaevangelizacao.com/dia-decisivo-na-assembleia-da-cnbb/ Thu, 19 Apr 2018 13:24:43 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=27836 [Leia mais...]]]>

Assembleia da CNBB se manifestará sobre as eleições e o momento nacional. Na quarta (18/04/2018), falaram três bispos que são o rosto da Igreja que, no Brasil, caminha com o Papa: dom Claudio Hummes,  dom Roque Paloschi e dom Guilherme Werlang. Dom Paloshi foi contundente sobre a criminalização dos movimentos sociais e daqueles que atuam ao lado dos mais pobres: “Temos consciência de que se a Igreja não falar, as pedras vão falar”.

Por Mauro Lopes, com informações da CNBB

Nesta quinta (19/04/2018), a 56ª Assembleia Geral da CNBB, reunida em Aparecida, divulgará duas manifestações importantes, sobre as eleições e o momento nacional. Elas darão o norte da Igreja Católica no país nos próximos tempos: haverá profetismo ou será mantida a linha de concessões aos integristas com uma posição dúbia e silente diante dos atentados às democracia, aos assassinatos e prisões injustas?

Ontem falaram à assembleia três bispos que são o rosto da Igreja que, no Brasil, caminha ao lado do Papa. Eles participaram da entrevista coletiva diária organizada pela CNBB (você pode clicar no link abaixo e assistir).

O cardeal dom Claudio Hummes, presidente da REPAM (Rede Eclesial Pan-Amazônica) falou sobre o Sínodo da Amazônia, que acontecerá em 2019. Voltando de um encontro com o Papa, ele afirmou:

Segundo o Papa, os primeiros interlocutores desse Sínodo são os indígenas e o povo simples, como os ribeirinhos e todos aqueles que trabalham no interior da Amazônia… queremos passar de uma Igreja indigenista a uma Igreja indígena”.

O presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e arcebispo de Porto Velho (RO), dom Roque Paloschi, fez uma contundente denúncia da situação dos indígenas no país: “O sofrimento dos indígenas nunca passa da sexta-feira Santa, eles são sempre vilipendiados e vítimas de escárnio no Brasil”. Ele falou ainda sobre a sequência de assassinatos, prisões e perseguições como as que vitimaram irmã Dorothy Stang (assassinada por ruralistas em 2005) e padre José Amaro (preso desde 27 de março último a mando dos mesmos ruralistas), ambos em Anapu (PA):

Há uma ação muito articulada para excluir, desmoralizar e criminalizar todos aqueles que se colocam ao lado dos menos favorecidos, seja ao lado dos quilombolas, indígenas, desempregados, pescadores, quebradoras de coco. Mas temos consciência de que se a Igreja não fala, as pedras vão falar.

Dom Guilherme Werlang, bispo de Lages (SC) e presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Ação Social Transformadora da CNBB, falou sobre o desejo de uma nova Semana Social Brasileira (a última foi em 2013) e da edição 2018 do Grito dos Excluídos. Para ele,

toda ação social feita pela Igreja deve ser transformadora a partir dos valores do Evangelho. Deus sempre olha e ouve o grito do seu povo, os mais pobres e oprimidos, desce para libertar e devolve a dignidade de filiação divina a todos os seus filhos e filhas”.

Assista às entrevistas, elas revelam uma faceta da CNBB herdeira do melhor da tradição aberta por dom Helder Câmara:

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maxresdefault (1)Mauro Pereira Lopes – Jornalista, psicanalista, poeta e teólogo. É o autor do blog Caminho pra Casa. Trata-se de uma proposta, projeto nunca acabado de apresentar e conversar uma visão sobre a vida, o cotidiano e as questões que me atravessam a partir de um olhar particular – assentado no encontro com o cristianismo, particularmente com a Igreja Católica.

Fonte:

Caminho pra Casa

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No dia internacional da mulher, Papa nomeia a brasileira Ir. Irene Lopes https://observatoriodaevangelizacao.com/papa-francisco-nomeia-ir-irene-lopes-para-o-conselho-pre-sinodal-para-a-pan-amazonia/ Thu, 08 Mar 2018 18:43:44 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=27537 [Leia mais...]]]> No Dia Internacional da Mulher, a religiosa brasileira recebeu a notícia de um importante convite:  integrar o Conselho pré-Sinodal para a Pan-Amazônia, cuja primeira Assembleia será no Vaticano, em abril, com a presença do Papa Francisco.

Irmã Irene Lopes dos Santos, assessora da Rede Eclesial Pan-Amazônica – REPAM, fala de sua alegria pela nomeação, como representante da Confederação Latino-Americana e Caribenha de Religiosos e Religiosas – CLAR, para o Conselho pré-sinodal.

Ir. Irena declara que será a voz de todas as pessoas da Amazônia, principalmente das mulheres:

“Seremos os portadores das vozes de todos os povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e urbanos da área que representa mais de 60% do território nacional”.

Por Cristiane Murray – Cidade do Vaticano

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REPAM foi criada em 2014 pelo Card. Cláudio Hummes

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Repam lança nota de repúdio pela extinção da reserva nacional de cobre e associados – RENCA https://observatoriodaevangelizacao.com/repam-lanca-nota-de-repudio-pela-extincao-da-reserva-nacional-de-cobre-e-associados-renca/ Tue, 29 Aug 2017 20:28:22 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=24091 [Leia mais...]]]> Evangelizar implica cuidar da nossa Casa Comum “para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10). Diante do entreguismo e do descaso do governo Temer, a Rede Eclesial Pan-Amazônica – REPAM – lançou no dia 28/08/2017 uma nota de repúdio diante do decreto de Temer que extingue a reserva nacional da RENCA:

NOTA DE REPÚDIO DA REPAM

À EXTINÇÃO DA RESERVA NACIONAL DE COBRE E ASSOCIADOS (RENCA)

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A Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM) divulgou nota nesta segunda-feira, 28/08/2017, na qual repudia a extinção da Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca), feita pelo Governo Federal na última quarta-feira, dia 23/08/2017. No texto, o organismo vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) considera que o decreto baixado pelo Executivo

“vilipendia a democracia brasileira, pois com o objetivo de atrair novos investimentos ao país o Governo brasileiro consultou apenas empresas interessadas em explorar a região”.

De acordo com a Repam, nenhuma consulta aos povos indígenas e comunidades tradicionais foi realizada, como manda o Artigo 231 da Constituição Federal de 1988 e a Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Le-se no texto:

“O Governo cede aos grandes empresários da mineração que solicitam há anos sua extinção e às pressões da bancada de parlamentares vinculados às companhias extrativas que financiam suas campanhas”.

A manifestação da Repam ainda cita como consequências à extinção da área:

  • o aumento do desmatamento;
  • a perda irreparável da biodiversidade;
  • a impossibilidade de garantir a proteção da floresta, das unidades de conservação e das terras indígenas;
  • além de representar uma ameaça política para o Brasil inteiro, “impondo mais pressão sobre as terras indígenas e Unidades de Conservação”.

Leia o texto na íntegra, que é assinado pelo presidente da Comissão Episcopal para a Amazônia da CNBB e também da Repam, cardeal Cláudio Hummes, e pelo Presidente da Repam-Brasil e Secretário da Comissão Episcopal para a Amazônia da CNBB, dom Erwin Kräutler:

Brasília, 28 de agosto de 2017

Nota de repúdio ao Decreto Presidencial que extingue a RENCA

Ouvimos o grito da terra e o grito dos pobres

A Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM), ligada ao Conselho Episcopal Latino-Americano e do Caribe (CELAM), e no Brasil organismo vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), juntamente com a Comissão Episcopal para a Amazônia, da CNBB, por meio de sua Presidência, unida à Igreja Católica da Pan-Amazônia e à sociedade brasileira, em especial aos povos das Terras Indígenas Waãpi e Rio Paru D’Este, vem a público repudiar o anúncio antidemocrático do Decreto Presidencial, altamente danoso, que extingue a Reserva Nacional de Cobre e seus Associados (RENCA) na última quarta-feira (23/08/2017).

A RENCA é uma área de reserva, na Amazônia, com 46.450 km2 – tamanho do território da Dinamarca. A região engloba nove áreas protegidas, sendo três delas de proteção integral: o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, as Florestas Estaduais do Paru e do Amapá; a Reserva Biológica de Maicuru, a Estação Ecológica do Jari, a Reserva Extrativista Rio Cajari, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Iratapuru e as Terras Indígenas Waiãpi e Rio Paru d`Este. A abertura da área para a exploração mineral de cobre, ouro, diamante, ferro, nióbio, entre outros, aumentará o desmatamento, a perda irreparável da biodiversidade e os impactos negativos contra os povos de toda a região.

O Decreto de extinção da RENCA vilipendia a democracia brasileira, pois com o objetivo de atrair novos investimentos ao país o Governo brasileiro consultou apenas empresas interessadas em explorar a região. Nenhuma consulta aos povos indígenas e comunidades tradicionais foi realizada, como manda o Artigo 231 da Constituição Federal de 1988 e a Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O Governo cede aos grandes empresários da mineração que solicitam há anos sua extinção e às pressões da bancada de parlamentares vinculados às companhias extrativas que financiam suas campanhas.

Ao contrário do que afirma o Governo em nota, ao abrir a região para o setor da mineração, não haverá como garantir proteção da floresta, das unidades de conservação e muito menos das terras indígenas – que serão diretamente atingidas de forma violenta e irreversível. Basta observar o rastro de destruição que as mineradoras brasileiras e estrangeiras têm deixado na Amazônia nas últimas décadas: desmatamento, poluição, comprometimento dos recursos hídricos pelo alto consumo de água para a mineração e sua contaminação com substâncias químicas, aumento de violência, droga e prostituição, acirramento dos conflitos pela terra, agressão descontrolada às culturas e modos de vida das comunidades indígenas e tradicionais, com grandes isenções de impostos, mas mínimos benefícios para as populações da região.

Riscos ambientais e sociais incalculáveis ameaçam o “pulmão do Planeta repleto de biodiversidade” que é a Amazônia, como nos lembra papa Francisco na carta encíclica Laudato Si, alertando que “há propostas de internacionalização da Amazônia que só servem aos interesses econômicos das corporações internacionais” (LS 38). A política não deve submeter-se à economia e aos ditames e ao paradigma eficientista da tecnocracia, pois a prioridade deverá ser sempre a vida, a dignidade da pessoa e o cuidado com a Casa Comum, a Mãe Terra. Em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, em 9 de julho de 2015, o papa Francisco não hesitou em proclamar: “digamos não a uma economia de exclusão e desigualdade, onde o dinheiro reina em vez de servir. Esta economia mata. Esta economia exclui. Esta economia destrói a mãe terra”.

Na LS, o papa Francisco alerta ainda que “o drama de uma política focalizada nos resultados imediatos (…) torna necessário produzir crescimento a curto prazo” (LS 178).

Ao contrário, para ele “no debate, devem ter lugar privilegiado os moradores locais, aqueles mesmos que se interrogam sobre o que desejam para si e para os seus filhos e podem ter em consideração as finalidades que transcendem o interesse econômico imediato” (LS 183).

A extinção da Renca representa uma ameaça política para o Brasil inteiro, impondo mais pressão sobre as terras indígenas e Unidades de Conservação, e abrindo espaço para que outras pautas sejam flexibilizadas, como a autorização para exploração mineral em terras indígenas, proibida pelo atual Código Mineral.

Por todos esses motivos, nos unimos às Dioceses locais do Amapá e de Santarém, aos ambientalistas e à parcela da sociedade que, por meio de manifestações nas redes sociais e de abaixo-assinados, pedem a imediata sustação do Decreto Presidencial que extingue a Reserva.

Convocamos as senhoras e os senhores parlamentares a defenderem a Amazônia, impedindo que mais mineradoras destruam um dos nossos maiores patrimônios naturais.

Não nos resignemos à degradação humana e ambiental! Unamos esforços em favor da vida dos povos que vivem no bioma amazônico. O futuro das gerações vindouras está em nossas mãos!

Que Deus nos anime no mais fundo de nossos corações e nos ilumine e confirme na busca da tão sonhada Terra Sem Males.

 

Dom Cláudio Cardeal Hummes

Presidente da REPAM e da Comissão Episcopal para a Amazônia

Dom Erwin Kräutler
Presidente da REPAM-Brasil e Secretário da Comissão Episcopal para a Amazônia

(Os grifos são nossos)

Fonte:

CNBB

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