Protagonismo juvenil – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Thu, 25 Apr 2024 14:04:05 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.4 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 Protagonismo juvenil – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 Diálogo intergeracional 3: Pois é, Frei Betto. Por Ruan de Oliveira Gomes https://observatoriodaevangelizacao.com/dialogo-intergeracional-3-pois-e-frei-betto-por-ruan-de-oliveira-gomes/ Wed, 24 Apr 2024 15:27:35 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.com/?p=49752 [Leia mais...]]]> Queria alargar nossas reflexões e sim, acredito que sim, muitas das ideias da sua geração, ideias que construímos para fazer pastoral e movimentos com propostas políticas já não tocam mais nossos corações e não dizem mais nada a nossos jovens. (…) ainda que jovens podemos ensinar, ocupar e ser. Precisamos construir juntos, rever nossas práticas, ter a coragem de abrir espaços às novas lutas e participarmos da construção do futuro. Nossos cabelos, brancos ou não, denunciam o inverno que nos acomete. Ainda estamos no inverno, mas pode ser primavera se construirmos juntos e eu com meus cabelos pretos ainda acredito nisso. Se a juventude não sonha, a culpa [se há culpa] não é da juventude.

Confira o artigo de Ruan de Oliveira Gomes (os grifos são nossos):

Pois é, Frei Betto.

Meus cabelos são pretos. Acho que isso já seja suficiente para uma apresentação e início de conversa.

Eu também estava no Fé e Política, ou ao menos em quase todo ele, e também me entristeci ao olhar para o lado e não me sentir representado em nenhuma mesa. Mas, não ser representado é o menor dos problemas e talvez seja somente o sintoma de um problema muito maior.

Eu sou apenas um jovem e ainda me atrevo a te responder do lado de cá das lutas populares em prol da libertação. Eu estou do mesmo lado da trincheira, mas sinto que estou mais sozinho que a sua geração.

Talvez o senhor saiba que quase não há nas nossas muitas juventudes projetos a serem abraçados, talvez alguém nos lembre o que Lyotard chamou de fim das metanarrativas e talvez alguém apressado venha dizer que esse é o motivo pelo qual você viu poucos jovens e muito cabelo branco naquele encontro e pode ser que alguém nos recorde que nossos jovens estão enveredados até o pescoço em um tradicionalismo ou reacionarismo ora comendo e bebendo a cotidianidade da vida comum, sem fazer história como nos recorda Samir Amin.

Isso tudo é verdade, mas queria alargar nossas reflexões e sim, acredito que sim, muitas das ideias da sua geração, ideias que construímos para fazer pastoral e movimentos com propostas políticas já não tocam mais nossos corações e não dizem mais nada a nossos jovens. Se não breguice e cacofonia.

Encontros dessa natureza são feitos com quem e para quem? Vejo o 12º Encontro nacional de Fé e Política como um encontro para demarcar um território, construir um caminho de organização e trazer a tona uma memória construída. Porque se ele quisesse fazer uma imersão na vida das juventudes não seria feito nesses moldes.

Se a esquerda está acuada, isto deve-se porque ela se acuou e achou suficiente estar em clubinhos dos iluminados tecnocratas que não conseguem sair de suas discussões entre pares. O movimento Fé e Política sediar seu 12º encontro num dos shoppings de Belo Horizonte é extremamente imagético e pouco acidental.

Do alto da Torre de Marfim, no símbolo do neoliberalismo, estávamos criticando o mesmo sistema enquanto muitos daqueles do encontro estavam indo embora em seus confortáveis assentos de uber e os outros que conseguiram estacionar seus automóveis pagaram em um dia o que muitos dos nossos jovens ganham em um mês.

Sim, Frei Betto, eu concordo. Se a esquerda acuou isso deve-se a ausência da coerência entre práxis e teoria.

Sim, Frei Betto. Eu também senti falta dos jovens e também me senti sozinho naquele e em muitos outros encontros (nada) populares que eu tenho participado. O fato de a esquerda “ainda ser a mesma” não me parece acidental, quando eu não vejo nenhum jovem dividindo a mesa e com a palavra falando das nossas lutas, esperanças e sonhos.

Não estamos porque não nos sentimos parte-com e esse sentimento se dá pela falta de protagonismo dado a jovens e a seus coletivos. Embora houvesse jovens em grupos temáticos, isso é marginal. Queremos mais que estar, queremos ser respeitados e ser aquilo que somos.

Parece-me que, muitos dos cabelos brancos até que querem falar com a gente, mas falar enquanto dinâmica própria dos cabelos brancos. Quer que os jovens entrem na dança e não querem entrar na dança deles

Tratar sobre juventudes não é um adereço e o senhor sabe. Seria como chamar mulher para falar sobre ser mulher e jovem para falar como é ser jovem. Não é isso, e isso é muito pouco; é ver a partir destes corpos como corre a utopia e o entusiasmo de construção de alternativas globais.

Embora tenha tido uma fala circunstancial para demarcar a presença rarefeita de jovens, eu vejo poucos deles sentados ao lado dos gigantes que nos precederam na luta. Naquele e em outros momentos, enquanto a extrema direita não somente dá esse espaço, como também o usa para chamar mais jovens para suas fileiras.

Sim, Frei Betto, respeitar a memória de vocês cabelos brancos é importante e esse respeito deveria comportar que fizéssemos e estivéssemos em muitos dos lugares que embora cerceados, são nossos. Não pedimos apenas falas circunstanciais, porque vocês também não estavam satisfeitos somente com falas circunstanciais quando os cabelos ainda não eram brancos.

Queremos falar das nossas utopias, que ainda trazem muitas das suas e dos outros cabelos brancos, mas que são as nossas e não uma extensão das gerações anteriores.

“Ainda há teólogos da libertação?” foi uma das perguntas que me fiz naquele e em muitos outros encontros que tenho participado.

Sim, Frei Betto. Nós somos poucos, mas ainda estamos aqui: as juventude libertadoras que ousam sonhar apesar e contrária a muitos, inclusive gente do nosso lado e se estamos aqui, isso se dá porque vocês nos inspiram.

Fiquei feliz de naquele encontro do Fé e Política encontrar muitos daqueles que são referências pastorais e de militância popular e queria mesmo ter contado para os meus amigos como foi interessante tudo aquilo, mas eles também não os conhecem. Já não há mais heróis a serem propagados e aqueles que se colocam para nós são tão estranhos que não os reconhecemos como referências, há um problema geracional, mas há também um problema de linguagem.

Sim, Frei Betto, ainda estamos aqui, naqueles lugares populares que muitos das gerações passadas abandonaram. Não vejo as mãos de muitos cabelos brancos sujas, embora vejo e acompanho todas as críticas de como a sujeira é de rapina. Os cabelos brancos tiveram medo de sujar e calejar suas mãos de intelectuais, mas ainda estamos aqui. Seja em cursinhos populares, em assentamentos de terra, em pastorais sociais, em movimentos e coletivos.

Queremos aprender, não de forma financeira, se é que ainda nos lembramos de Paulo Freire. Mas também, ainda que jovens podemos ensinar, ocupar e ser.

Precisamos construir juntos, rever nossas práticas, ter a coragem de abrir espaços às novas lutas e participarmos da construção do futuro. Nossos cabelos, brancos ou não, denunciam o inverno que nos acomete. Ainda estamos no inverno, mas pode ser primavera se construírmos juntos e eu com meus cabelos pretos ainda acredito nisso.

Se a juventude não sonha, a culpa [se há culpa] não é da juventude.

Ruan de Oliveira Gomes

Membro da Articulação Brasileira pela Economia de Francisco e Clara e seminarista da Diocese de Luz – MG

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Diálogo intergeracional 2: Cabelos grisalhos, por Jorge Alexandre Alves https://observatoriodaevangelizacao.com/dialogo-intergeracional-2-cabelos-grisalhos-por-jorge-alexandre-alves/ Wed, 24 Apr 2024 14:34:54 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.com/?p=49742 [Leia mais...]]]> Diante dessa realidade, como sonhar com um amanhã melhor? Para muitos jovens de camada popular, o futuro inexiste. Sem futuro não há utopia. Resta matar um leão por dia para ter o que comer e o que vestir. Vemos poucos jovens nestes eventos em que estamos presentes porque a moçada tá “no corre da vida defendendo um qualquer”, como eles dizem. Não há mais uma comunidade de fé ou um movimento social que financie essas experiências. Quem o fará em um mundo social reduzido a duas instituições – família e Estado –pelo neoliberalismo? E um detalhe: a maioria destes jovens não são católicos. Não deveríamos pensar que estamos em uma bolha geracional formada por nós mesmos ao longo do tempo? Não estaríamos nós hermeticamente fechados em nossas verdades e metodologias a ponto de não conseguirmos mais escutar os mais novos? Queremos ceder o protagonismo às novas gerações?

Confira o artigo do Jorge Alexandre Alves (os grifos são nossos):

CABELOS GRISALHOS
(em resposta a “CABELOS BRANCOS”, de Frei Betto)

Caríssimo Frei Betto,

Acabei de ler seu mais recente texto, “CABELOS BRANCOS”, que traz uma série de reflexões importantes. Seu olhar aguçado e perspicaz nos interpela sobre um fenômeno que não é exatamente novo, mas que agora salta aos nossos olhos.

Provocado pelo artigo de sua autoria, tomo a ousadia de fazer essa resposta. Quem sabe não posso também dar alguma contribuição para a questão que você nos trouxe?

Estivemos juntos algumas vezes ao longo dos últimos anos, em encontros e palestras. Tive a honra de conversar longamente contigo em um carro, a caminho do bairro de Santa Cruz, no Rio de Janeiro, quando sua biografia foi lançada em uma comunidade no extremo da periferia da outrora Cidade Maravilhosa.

Frei Betto, entendo que sua indagação a respeito do envelhecimento das ideias é provocativa. Ora, somos discípulos de um prisioneiro político executado sumariamente pelas forças de um império há 2 mil anos. Se as ideias que levaram Jesus à cruz tivessem morrido no Calvário, não estaríamos aqui, não é mesmo?

Da mesma forma, as ideias de Marx não morreram com a derrubada do Muro de Berlim. Basta vermos nas redes digitais (que não são nada sociais, diga-se) o trabalho feito por jovens como Sabrina Fernandes ou o Chavoso da USP. Olhemos para a experiência de videocasts como o Podpah… A gente sequer consegue fazer algo semelhante ou mesmo ser convidado por esse pessoal que tem canal aberto com as juventudes.

Sou exatamente três gerações mais novo que o senhor. No meio do ano completo 50 anos e meus cabelos já estão grisalhos. Arrisco-me a dizer que minha geração pegou o finalzinho daquela época áurea das Comunidades Eclesiais de Base, da Teologia da Libertação, daquela grande geração de bispos comprometidos com as causas da vida, como dizia Pedro Casaldáliga.

Na Igreja, fui testemunha ocular do ponto de virada destes tempos de esperança primaveril para o deserto frio de uma Igreja autorreferencial. Pouco a pouco foi censurando, punindo que apoiava as lutas populares e se retirando ela mesma dessas lutas. As milícias da Zona Oeste agradeceram.

O catolicismo perdeu capilaridade social no Rio de Janeiro. Eu vivo aqui desde que nasci. A cidade, tão pujante em sua cultura, sempre foi um terreno muito degradado em termos eclesiais.

A arquidiocese carioca sediou a experiência-piloto da restauração romana, do clericalismo, do reacionarismo que caracterizou o projeto da “volta à grande disciplina”, como bem advertiu o saudoso João Batista Libânio. Quarenta anos mais tarde, o que era um experimento diocesano tornou-se a regra na maior parte do Brasil.

Tendo passado pela Pastoral da Juventude nos anos 1990, minha fé libertadora e meu corpo sentiram o peso da instituição eclesial quando o nosso modo de ser Igreja Jovem naquele tempo foi perseguido e proibido. Vivi algo semelhante na minha vida profissional, ao passar mais de duas décadas na educação católica. Neste caso até mais grave porque era perpetrado por gente de discurso progressista e libertador. Ou seja, o cancelamento e o assassinato de reputação não é monopólio do neofascismo nem coisa recente criada pelo fundamentalismo cristão no Brasil. Entre nós, ele sempre esteve presente de alguma forma, talvez não fosse tão agressivo e acintoso como é hoje.

Evidentemente que essa coisa fascistóide precisa ser denunciada e combatida, mas anda difícil dizer algumas verdades incômodas em certo círculos do campo progressista. Tem sido essa a experiência que nós, professores da rede federal, temos vivido porque resolvemos entrar em greve, quando somos acusados de querer prejudicar o governo.

Nossas disputas internas, nossos expurgos e fratricídios por vezes são tão ou mais dolorosos que os ataques da extrema-direita. Será que os mais jovens já não perceberam isso e o quanto é difícil ser escutado pelos “cabeças-brancas” a ponto de preferirem simplesmente não estar?

Em um tempo marcado pelas doenças da alma, para quê adoecer onde você deveria alimentar a esperança? Tem sido melhor ficar e lutar nos territórios. Ação local para pensar global. Talvez um primeiro exercício nosso de revisão de práxis fosse escutar mais do que ter algo a dizer.

Aqui no Rio tenho sido chamado para falar em alguns lugares também. Seja na Baixada Fluminense, ou em assessorias para o CEBI ou para o Movimento Fé e Política. Não falo para milhares de pessoas como o senhor, mas em grupos menores onde tenho falado a presença raramente é jovem.

Desde antes da pandemia observo o mesmo fenômeno indicado em seu texto. Onde estão nossos jovens? Eu me refiro à turma da PJ, das Comunidades de Base, catequistas, agentes de pastoral… Mas esse não é um problema isolado do catolicismo progressista.

Semana passada, fui ver o José Dirceu que fez uma fala no auditório do Sindicato dos Bancários, no Centro do Rio. Estava bem cheio, deveria ter umas 250 pessoas. Pois bem, eu com quase 50 anos deveria ser um dos vinte mais jovens no evento. Nos sindicatos, não é diferente. Talvez a exceção seja apenas o MST.

Essa parafernália digital que nos cerca também roubou a ideia de futuro, de amanhã. Tudo é aqui e agora. O que aconteceu há meia hora pode ter ficado envelhecido e ultrapassado. Soma-se a isso mudanças no mundo do trabalho que precarizam os raros empregos formais e a condição de abandono da escola básica.

Diante dessa realidade, como sonhar com um amanhã melhor? Para muitos jovens de camada popular, o futuro inexiste. Sem futuro não há utopia. Resta matar um leão por dia para ter o que comer e o que vestir.

Vemos poucos jovens nestes eventos em que estamos presentes porque a moçada tá “no corre da vida defendendo um qualquer”, como eles dizem. Não há mais uma comunidade de fé ou um movimento social que financie essas experiências. Quem o fará em um mundo social reduzido a duas instituições – família e Estado –pelo neoliberalismo? E um detalhe: a maioria destes jovens não são católicos.

Não deveríamos pensar que estamos em uma bolha geracional formada por nós mesmos ao longo do tempo? Não estaríamos nós hermeticamente fechados em nossas verdades e metodologias a ponto de não conseguirmos mais escutar os mais novos? Queremos ceder o protagonismo às novas gerações?

Para não dizer que tudo são espinhos, vejo alguns sinais de esperanças. Aqui no Rio de Janeiro, todas as vezes que evangélicos progressistas promovem debates e encontros, há uma grande quantidade de jovens muito envolvidos com a luta por uma sociedade justa.

Os dois últimos em que estive, organizados pelo ISER, tinham esse perfil. Não valeria a pena prestar atenção no que eles – os evangélicos progressistas – estão fazendo para entender onde estamos errando?

Vale também ressaltar o bonito diálogo feito Marcelo Barros e Rose Costa com jovens muito comprometidos na organização do Encontro de Juventudes e Espiritualidades Libertadoras (ENJEL). Na preparação de seu próximo evento, uma coisa me chamou a atenção: a programação é toda feita a partir de rodas de vivência e de conversa.

Diferentes de outros formatos a que estamos acostumados, onde apenas vamos ouvir muita coisa boa, mas de forma passiva. Ao contrário, este encontro propõe uma metodologia baseada no diálogo e na escuta e, sobretudo, oferece protagonismo aos jovens, algo que ainda se resiste muito em acontecer em certos ambientes.

Precisamos sair do planalto e descer para a planície das juventudes. Ou se preferir, sair dos centros e partir para as periferias, sair do asfalto e subir os morros, entrar nas favelas onde estão os jovens com quem queremos dialogar, se de fato desejamos esse diálogo e suas consequências.

Afinal, como bem o senhor lembra, a cabeça pensa onde os pés pisam. Será que estamos pisando os mesmos terrenos das juventudes?

Frei Betto, finalmente peço que me perdoe se lhe pareço impertinente ao responder seu artigo. Não foi minha intenção. Receba como um diálogo que alguém de cabelos grisalhos dirige a alguém de cabelos brancos.

Um grande abraço,

Jorge Alexandre Alves é professor do IFRJ e do Movimento Fé e Política.

Foto: Registro do 12º Encontro Nacional de Fé e Política

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