Projeto Pastoral Construir a Esperança – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Sun, 16 Dec 2018 10:00:19 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.4 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 Projeto Pastoral Construir a Esperança – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 Memória do Projeto pastoral “Construir a Esperança” (III) https://observatoriodaevangelizacao.com/memoria-do-projeto-pastoral-construir-a-esperanca-iii/ Sun, 16 Dec 2018 10:00:19 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=29593 [Leia mais...]]]> O Projeto Pastoral “Construir a Esperança” representa um marco importante na caminhada da Igreja Particular de Belo Horizonte. Vale a pena revisitá-lo com olhar prospectivo e atento aos desafios e urgências pastorais de nosso tempo. O Observatório da Evangelização disponibiliza aqui uma preciosa memória: a análise do projeto e dos dados coletados nas pesquisas pelo olhar penetrante do teólogo pastoralista João Batista Libanio.

Confira:

A Igreja e sua capacidade de satisfazer às demandas religiosas Projeto “Construir a Esperança”

Fizeram-se na Arquidiocese de Belo Horizonte amplo levantamento do perfil do católico que a frequenta (1) e uma pesquisa por amostragem sobre as opiniões religiosas das pessoas, procurou-se analisar os resultados numa consideração teológico-pastoral (2) e tentou-se traçar um primeiro esboço do rosto da Igreja presente nesse projeto (3). Outra pesquisa de relevo foi feita, no primeiro semestre de 1991, foram entrevistadas 40 pessoas em cada paróquia, assim distribuídas: 10 católicos militantes, 10 católicos praticantes, 10 católicos não-praticantes e 10 não-católicos (sem ou de outras religiões) de diversas faixas etárias acima de 15 anos, homens e mulheres. Somente 9% das paróquias não entregaram os questionários. Somaram-se 6.440 questionários preenchidos. As 4 perguntas feitas foram as seguintes:

  • 1. Para você a religião é importante? Pessoalmente, o que procura na religião?
  • 2. O que lhe satisfaz ou grada mais na Igreja Católica?
  • 3. O que não lhe satisfaz ou desagrada mais na Igreja Católica?
  • 4. Que sugestões gostaria de dar à Igreja de Belo Horizonte? O que ela deveria fazer?

Os entrevistadores das paróquias foram treinados e orientados pela profª. Leticia Barreto. A organização das respostas através de palavras-chave mostrou-se difícil. Houve a colaboração de voluntários orientados pela Comissão Central do Projeto e pela Profª. Letícia Barreto e pelo Pe. Pedro Leboulanger.

Há uma dificuldade fundamental na análise. Os termos escolhidos para a tabulação não são unívocos e deixam espaço para muita imprecisão de intelecção. São vagos e cobrem-se frequentemente um ao outro em vez de oporem-se. Isso quase impossibilita uma análise. Por isso toda a reflexão que se segue está pisando sobre ovos e goza de certa fluidez e inexatidão. Entretanto, ela pode servir para, ao menos, despertar dúvidas, discussões (4).

1. Relevância da religião

O resultado geral, já que não está indicada a qualidade religiosa de quem respondeu, mostra a alta vinculação entre religião e relação com Deus (63,6%). É o conceito fenomenológico mais difundido. Dentro dessa classificação, percebem-se alguns matizes interessantes. Na relação com Deus, o aspecto de “elo, sintonia, conhecimento (não intelectual), amor de Deus” domina (1.136 respostas) (5) enquanto a dimensão de palavra, de conhecimento intelectual é menor (343 respostas), mas com certa relevância. Isso significa que o trabalho dos círculos bíblicos e toda a renovação bíblica têm produzido efeito, ainda que não se possa compará-lo com a tradição antiga e mais longa de uma religião objetiva de atos. A relação carismática (louvar, rezar, pedir, agradecer: 86 respostas) não tem muita força, como o crescimento de tal movimento poderia fazer imaginar. Nem também aparece tão claro, como aparecera na pesquisa anterior do Instituto “Opinião — Consultoria e Pesquisa”, a predominância de uma relação com Deus, “força e energia superior” (cotação relativamente baixa: 109 respostas). Evidentemente o primeiro item não decide sobre que tipo de ideia de Deus está por trás. Por isso, esta reflexão fica prejudicada. Vai uma simples suspeita.

Podia-se imaginar que o afã de busca de salvação fosse muito relevante. O número é relativamente pequeno (223 respostas) sobretudo se se pensa que a evangelização romanizante se centrou fundamentalmente no “salva a tua alma”. Será que a resposta mais valorizada reflete uma certa dose de gratuidade na religião? Seria já sinal de uma pureza religiosa maior?

São surpreendentemente escassas as respostas (13,7%) que apontam para o encontro com o irmão, já que esta dimensão é fundamental e original no cristianismo. Talvez das nossas pregações apareça a ideia de que a caridade fraterna seja antes consequência de nossa fé cristã. Falta-nos dar um salto em maior profundidade, mostrando que o amor ao irmão é elemento constitutivo da própria fé cristã numa identidade indestrutível. Não há encontro com Deus sem mediação do irmão e não há encontro verdadeiro com irmão sem encontro com Deus.

De certa maneira, é ainda mais surpreendente a baixa pontuação dos ritos e símbolos (1,6%). É sabido que a religiosidade popular está impregnada de ritos, símbolos, gestos externos. Por que então aparece tão pequena referência?

Avento a hipótese de que esses ritos e símbolos, no caso, cumprem bem sua função de mediação da relação com Deus. Essa relação está no centro. Com isso, fica descartada a interpretação mágica dos ritos. Eles não são buscados em si, mas enquanto ligam o fiel com Deus. E se no fundo a ação é de Deus, o rito passa para segundo lugar. E a dimensão mágica também.

Já aparece uma preocupação moderna e pós-moderna presente na religião: a “função terapêutica” individual, a busca de sentido para a vida. a auto-realização, a harmonia interior etc. É sabido que sempre os ritos desempenharam certa função terapêutica, sobretudo o da confissão. Mas não eram nem buscados explicitamente, nem entendidos como tal. Já a pesquisa indica esta busca terapêutica da religião como fonte de paz. tranquilidade, alívio. Entende-se sobretudo por causa da crescente agressividade da vida moderna para todos os segmentos sociais, ainda que de maneira diferente.

É muito positivo que o aspecto repressivo da religião apenas seja mencionado (2%). Pode ser que ela cumpra essa função inconsciente e tal aspecto esteja escondido nos outros itens. Entretanto, de maneira explícita, ela não é vista como Voltaire queria: um freio da sociedade.

Concluindo, apesar de todo o fenômeno de secularização a religião obtém um altíssimo índice de importância (94%). Somente 5,5% se dispensam da religião. Dado um pouco inferior àqueles que se declararam explicitamente sem religião (6,8%) na pesquisa sobre religiões em BH. 94% acham-na importante.

Da maneira como as respostas estão tabuladas não se consegue perceber a importante distinção entre religião e fé. Ambas estão sob as mesmas categorias. Assim não é possível saber se a especificidade da fé cristã é, de fato, colhida e vivida ou ela se perde na generalidade religiosa. Fica esta questão para ulteriores pesquisas. Contudo dois dados apontam para a fé especificamente cristã (Jesus Cristo e Igreja, e conhecimento da Bíblia) e significam 663 respostas em 2.673.

2. A Igreja católica e sua capacidade/ possibilidade de satisfazer a demanda das pessoas

Já estamos num campo mais concreto. Já não se trata da religião em geral, mas da forma católica. Os resultados permitem algumas hipóteses explicativas que ficam à espera de ulterior verificação.

A Igreja pode ser vista na sua dupla face da vida interna (ad intra) e de presença na sociedade (ad extra). É uma instituição que cultiva uma vida interna e que alimenta com ela seus fiéis. É também um corpo social que atua na sociedade segundo a especificidade de sua natureza. Apesar de todo o esforço de a Igreja depois do Concílio Vaticano II e sobretudo de Medellin-Puebla ter uma presença crítica na sociedade, o que ainda mais agrada nela é sua vida “ad intra”. Se somarmos os itens relativos à vivência, celebrações e doutrina, temos 4.244 respostas (6) que dizem respeito portanto à vida interna da Igreja. Por sua vez, as respostas que se referem à atuação da Igreja na sociedade somam 371. A referência aos valores humanos não reflete uma presença da Igreja na sociedade, já que tais valores são de natureza estritamente pessoal (silêncio, conforto, ânimo, alegria). Vê-se a enorme desproporção entre a satisfação vinda pelos elementos “ad intra” e a pelos “ad extra”.

Avento três hipóteses:

  • Às pessoas não agrada que a Igreja se meta nos assuntos sociopolíticos sem mais;
  • Não concordam com a maneira como o faz;
  • Algumas pela primeira razão e outras pela segunda.

Se se trata da primeira hipótese, estamos diante de um público típico da ideologia liberal capitalista que quer ver a Igreja confinada ao reduto religioso. Tais respostas refletiriam já uma verdadeira secularização em nível institucional, em que cada esfera social e cultural reivindica sua autonomia, de um lado, e, de outro, não aceita que outra lhe invada o campo. Cabe à esfera religiosa cuidar dos bens espirituais e ponto final.

Se se trata da segunda hipótese, podemos ter pessoas das mais diversas visões culturais. Pessoas conservadoras que se desagradam com as posições sociais progressistas da Igreja; pessoas de esquerda que não concordam com posições conservadoras da Igreja em certos assuntos e momentos. Torna-se quase impossível deduzir algo consistente desse dado.

E, ainda se complica mais a interpretação se os números exprimem a confluência de pessoas dos diversos universos culturais da ideologia liberal, conservadora e progressista, a cujos interesses a Igreja não responde, mas por razões diametralmente opostas.

Descendo aos elementos mais específicos que agradam na vida interna da Igreja, percebe-se que o item mais salientado são as celebrações (901) a que se podem somar os itens da eucaristia, sacramentos, expressões da religiosidade popular frequentemente vinculadas a ritos celebrativos. Nesse caso teríamos 1.564 respostas. Tal dado revela a capacidade celebrativa da Igreja que consegue agradar às mais diversas pessoas.

Apesar de certa tradição autoritária da Igreja e dos atuais recuos no momento presente, ou, quem sabe, por causa disto, o número de pessoas que apontam a liberdade ou itens semelhantes (abertura para os leigos, acolhimento, capacidade de se renovar) é relativamente alto: 813. Isso indica que a Igreja, se quiser responder a esses anseios, deve ficar muito atenta a evitar medidas autoritárias e continuar um esforço de manter o clima de liberdade no seu interior.

O aspecto doutrinal permite constatação relevante. A Igreja tridentina pusera enorme empenho no ensinamento de catecismos de cunho dogmático-doutrinal e em pregações moralizantes. Entretanto, o que agrada, segundo a maioria das respostas deste item, é precisamente o fenômeno mais recente da valorização da Escritura (509 respostas). As respostas que refletem mais diretamente o aspecto dogmático são menos numerosas (205 respostas). O item catequese (115 respostas) não permite saber a que tipo de catequese se refere. O mesmo vale de termos como atualização, formação (95 respostas) e presença verdadeira de Deus (72 respostas).

A presença da Igreja na sociedade recebe, como já vimos, uma marcação relativamente pequena. Analisando os itens aí indicados, podemos avançar a hipótese de que esta presença é mais apreciada nos seus aspectos assistencialistas (165) que de movimentos de base e comunitários (127 respostas). Este dado reforça a outra pesquisa em que se via que a presença crítico-social da Igreja ainda é relativamente fraca.

Isso nos leva mais uma vez a perceber que a orientação de Medellín-Puebla está longe de ser a consciência comum da Igreja. Antes reflete uma minoria. Ou está ausente, ou provoca resistência, de maneira que não aparece entre os fatores que agradam e satisfazem. Temos no campo social ainda uma tarefa enorme a cumprir, enquanto alguns pensavam, apressadamente, que tínhamos saturado os fiéis. Ainda não os atingimos em profundidade. Estamos ainda longe da posição de Paulo VI na Evangelii Nuntiandi, onde ensina que há laços profundos entre promoção humana — desenvolvimento, libertação — e evangelização (EN 31) e do Sínodo de 1974 que fala da libertação como parte integrante da fé. Alguns bispos sinodais usaram a expressão “parte essencial”.

3. A Igreja e as críticas

Universo muito diversificado (7). Difícil de tirar conclusões ou mesmo levantar hipóteses qualificadas.

Nas críticas, os interrogados se mostram mais sensíveis aos aspectos negativos das pessoas (fiéis e clero: 2.465 respostas) do que aos da instituição e estrutura da Igreja (1.836 respostas). O juízo tipicamente crítico-institucional é menos forte do que o feito às pessoas, ainda que tenha seu peso sobretudo no universo da prática sacramental (506 respostas). Na prática sacramental a crítica se refere às homílias e à maneira mecânica de conduzir o rito (371 respostas) além do aspecto econômico das taxas e de igreja de portas fechadas (135 respostas).

O ponto mais vulnerável na conduta dos fiéis apontado pela pesquisa se refere ao seu procedimento dentro da igreja, no sentido de templo (desatenção, desrespeito, vestimentas: 415 respostas). Tais críticas revelam ainda um sentido sagrado do nosso povo que não pode ser descuidado. O sagrado necessita guardar certa dignidade, hieraticidade. Uma modernização dos ritos não pode ser confundida com sua banalização. vulgarização, que se manifesta na maneira de conduzir o rito e de estar das pessoas. A pesquisa serve de alerta para a maneira de levar à frente as reformas litúrgicas. sempre necessárias e sempre em processo. Nunca acabadas.

A conduta pessoal dos católicos — já não mais dentro do templo, mas no cotidiano — também tem peso no descrédito da Igreja: hipocrisia (268 respostas), ignorância religiosa (239 respostas). Merece breve consideração a problemática dos leigos que colaboram na Igreja. 233 respostas criticam a qualidade de sua presença (fechados, donos da igreja, acúmulo de tarefas, desunião, fofoca). Uma sempre maior participação dos leigos pode vir obviar tais questões, que acontecem onde somente poucos leigos participam. Portanto não se trata de colocar em questão a participação do leigo, antes de ampliá-la. O risco é de alguns deles clericalizarem-se demasiadamente, assumindo os defeitos do clero, sem talvez ter as suas qualidades e capacidade.

Certa inércia do fiel é também sentida (229 respostas). O projeto pode ser ocasião para obviar parte dessa dificuldade, abrindo-lhe novas possibilidades na pastoral.

Diante das falhas pessoais do clero, aparece uma atitude compreensiva e tolerante das pessoas. Elas são mais rigorosas diante da negligência dos mesmos na realização dos ritos sagrados [371 respostas) do que nos seus comportamentos pessoais irregulares (namoro, corrupção: 20 respostas), incoerência (164 respostas). Entre seus defeitos o mais sentido é a falta de acolhida e caridade para com os fiéis (232 respostas). Se a esta falha se acrescenta o estilo autoritário e discriminativo (106 respostas) e a estrutura piramidal e autoritária temos uma avaliação um pouco mais elevada (425 respostas).

A conclusão pode ser de que os fiéis esperam do clero muito mais acolhimento, aceitação das pessoas, bom trato. O caráter conservador e antiquado não impressiona quer a respeito da instituição eclesial [93 respostas) quer referente aos padres (54 respostas), seja porque já existem poucos padres e instituições deste tipo, seja porque o povo não se importa muito com essa atitude.

A divisão interna na Igreja tem uma repercussão negativa (124 respostas) maior, ainda que não exageradamente.

Uma preocupação que tem agitado muito a teologia e pastoral modernas no referente à adaptação da linguagem e comunicação a ponto de falar-se do maior problema da pregação atual não recebe na pesquisa esta importância. Queixam-se da linguagem difícil e falta de comunicação somente 66 pessoas.

4 . As sugestões

A maior preocupação se refere à formação dos leigos (1.221 respostas) (8) com uma menção especial ao conhecimento da Bíblia (625 respostas). Nesse sentido, o projeto tem procurado responder com as inúmeras iniciativas de cursos de formação para leigos e clero em 1992 a essa expectativa maior.

Infelizmente o relatório sobre a pesquisa não oferece, como nos itens anteriores, os números para os diferentes subitens. Estamos desarmados no referente à prioridade, a não ser a respeito do item geral.

Assim a temática genérica da renovação da Igreja recolhe depois da formação as mais numerosas sugestões. Dentro desse item, há questões que vão desde a união do clero e unidade da pastoral até a valorização da mulher. Fala-se de criar mais comunidades de base, de adotar a teologia da libertação, como também de deixar o celibato opcional, de implantar o dízimo, de instituir novos ministérios ou de estabelecer a eleição, rodízio e escolha dos padres. Entretanto, não temos a porcentagem em cada uma dessas sugestões. O conjunto delas constituí um universo de 1.204 respostas.

Prescindindo, portanto, do peso numérico e só considerando a qualidade das sugestões, observa-se uma tendência a duas orientações fundamentais: unidade e abertura a novas situações. A unidade se refere ao clero e à pastoral. A abertura visa à estrutura ministerial da Igreja (celibato, eleição do clero, novos ministérios, papel da mulher, papel do leigo).

Estas sugestões estão a pedir, portanto, um trabalho maior de diálogo entre as forças vivas da Igreja em busca de pontos de consenso. Esta união e unidade não pode vir em detrimento da criatividade e pluralismo, tão necessários no mundo moderno. Por sua vez, a estrutura ministerial da Igreja está carente de uma revisão em profundidade. Contudo, ela defrontará com os limites da catolicidade, romanidade e das leis canônicas.

A renovação litúrgica é um desideratum de sempre. Aparece aqui mas em números menores (614 respostas), pois nesse campo já se têm feito muitos progressos. Já não é como nos anos do Vaticano II o cavalo de batalha. Já se tem caminhado muito e os frutos já se fazem sentir.

O campo social recebe um número médio de sugestões (533 respostas). Levando em consideração os outros dados, confirma-se a hipótese de que ainda não entrou na consciência do católico médio que a problemática social pertence intrinsecamente à vivência da fé cristã e portanto à prática da Igreja. Parece antes um ato supletivo e assislencialista. As opções e orientação de Medellín-Puebla necessitam continuar sendo reforçadas e nem de longe minoradas.

Sobre a comunicação social, que está quase no mesmo pé de igualdade que a pastoral social (513 respostas), vale a observação anterior. Tem-se progredido, mas é ainda um campo aberto a iniciativas. A criatividade do projeto necessita concentrar-se mais nesse campo.

Como último ponto explicitado, está a questão da juventude. Recebe um conjunto de 390 respostas. Sendo um campo bem específico e que, de certo modo, está presente também nos anteriores, os números já mostram uma séria preocupação. Neste ano com a campanha da fraternidade sobre a “Juventude – Caminho aberto” há mais possibilidades de dar grande avanço nessa pastoral. Em outras análises se tinham constatado a fraca presença jovem e o seu êxodo da Igreja. As sugestões vêm de encontro a esta constatação e apontam um caminho a ser trilhado pelo projeto: criar sempre mais iniciativas que envolvam os jovens.

Conclusão

As reflexões carecem de maior densidade e objetividade por se tratar de uma pesquisa aberta e de difícil estruturação. Entretanto, algumas pistas já surgem, como tentamos assinalar.

Notas:

1. Religião na Grande BH. Primeiro relatório das pesquisas promovidas pela Arquidiocese de BH, Projeto Construir a Esperança, 1991; Ver também: Construir a Esperança. Informativo do Projeto Pastoral da Arquidiocese de Belo Horizonte. nº 2 (jan.1991). nº 3 (março 1991>.

2. J. B. LIBANIO. “Projeto pastoral ‘Construir a Esperança'”. PT 24 (1992) 77-92.

3. J. B. LIBANIO. “Rosto da Igreja de Belo Horizonte a partir do projeto ‘Construir a Esperança'”. PT 24 (1992) 237-246.

4. Elaborações dos dados foram apresentadas em: Construir a Esperança. Informativo do Projeto Pastoral da Arquidiocese de Belo Horizonte, nº 9 (nov. 1991) e nº 12 (março 1992).

5. O total das respostas neste subitem “Encontro com Deus” é de 2673. Portanto os números indicados devem ser interpretados em relação a este número.

6. Estamos trabalhando sobre um total de 5.236 rescostas. As respostas nesse item não são exclusivas. Isso significa que uma mesma pessoa pode ter dado varias respostas.

7. Nessa item trabalhamos com um universo de 4130 respostas.

8. O número de respostas que apresentarr sugestões é de 5.107, Portanto as respostas parciais se entendem em confronto com esse número.

João Batista Libanio, S.J.
(1932-2014)

Doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana (Roma), Libanio foi um grande teólogo da libertação, pastoralista, professor de teologia sistemática e da práxis cristã, escritor, orientador de estudos, conferencista, assessor da CNBB, da CRB, das CEBs, de grupos de jovens e de muitos outros grupos, movimentos e pastorais. Além disso, foi vigário paroquial. 

(os grifos são nossos)

Fonte:

Perspectiva Teológica 

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29593
Memória do Projeto pastoral “Construir a Esperança” (II) https://observatoriodaevangelizacao.com/memoria-do-projeto-pastoral-construir-a-esperanca-ii/ https://observatoriodaevangelizacao.com/memoria-do-projeto-pastoral-construir-a-esperanca-ii/#comments Fri, 14 Dec 2018 10:00:02 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=29612 [Leia mais...]]]> Quando revisitamos O ROSTO DA IGREJA CATÓLICA DE BELO HORIZONTE que se delineou a partir do Projeto Pastoral “Construir a Esperança” – examinando os dados coletados nas pesquisas há 30 anos atrás, os passos que foram dados, as opções tomadas, as ações realizadas e o amplo processo de envolvimento das pessoas – perguntamo-nos:

  • hoje que impactos o projeto de evangelização provocou nos rumos da caminhada?
  • o tipo de Igreja que estava em marcha na Arquidiocese de Belo Horizonte vingou?
  • que podemos aprender desse projeto pastoral e da caminhada concretizada para que hoje, possamos responder com fidelidade e criatividade aos desafios e urgências de nosso tempo?

O Observatório da Evangelização disponibiliza aqui o Rosto da Igreja de Belo Horizonte traçado pelo teólogo pastoralista João Batista Libanio em 1992. Confira:

Rosto da Igreja de Belo Horizonte a partir do projeto “Construir a Esperança”

Introdução

O Projeto Pastoral “Construir a Esperança” está em andamento. À medida que ele caminha, delineia-se o rosto da Igreja que o realiza. Examinando os passos dados, as opções tomadas, as ações realizadas, o envolvimento das pessoas, pode-se descobrir como está em marcha um determinado tipo de Igreja. É uma Igreja em ato, em ação, cuja expressão teológica não está explicitada nem é consciente para as pessoas que a vivenciam, a realizam.

Mais que em nenhum outro momento vale o axioma teológico de que a teologia é “ato segundo” de uma realidade concreta, de uma vida, de uma práxis, que é “ato primeiro”. O ato primeiro da Igreja de Belo Horizonte no Projeto Pastoral “Construir a Esperança”  vem sendo realizado por todos que estão empenhados nele. O “ato segundo” vem sendo feito por todos os que se têm debruçado sobre tal caminhada e têm procurado verbalizá-la. Aqui vai mais um esforço nessa linha (cf. PT 24 [1992] 77-94).

Este quadro eclesiológico faz-se mais inteligível, se o consideramos no movimento e na posição da Igreja de Belo Horizonte. Por sua posição geográfica e pela importância de estar na capital de um dos mais importantes estados do país, a Igreja de Belo Horizonte exerce forte influência dentro do regional Leste II da CNBB e de todo o país.

Esta Igreja caracterizou-se nos seus inícios por enorme vitalidade e por presença significativa na sociedade. Alimentou projetos audazes. Foi sede de um Congresso Eucarístico em 1936, irradiando uma piedade eucarística profunda e esclarecida. O movimento litúrgico encontrou aqui amplo espaço de atuação. O mesmo vale da Ação Católica que foi muito ativa, pioneira.

A Igreja de Belo Horizonte albergou desde o início acentuado pluralismo. Aqui estavam tanto a vanguarda litúrgica e do apostolado leigo, como grupos extremamente conservadores. Por ocasião do golpe militar de 1964, evidenciou-se em Belo Horizonte esta presença de extremos religiosos e políticos.

O trabalho persistente, paciente e conciliador do arcebispo anterior (Dom João Resende Costa) foi construindo uma unidade no clero e na diocese. Significou em contrapartida um tempo de certo refluxo daquele primeiro momento mais inovador, criador e, por isso mesmo, mais tenso e conflitivo.

Com o novo arcebispo (Dom Serafim Fernandes de Araújo), sentiu-se que já se estava no momento de iniciar nova fase. Construída uma base de consenso, podia-se pensar então, de novo, num momento de maior criatividade, novidade, originalidade, sem provocar conflitos dilacerantes.

Busca-se esta renovação tanto no âmbito interno da Igreja como da sua atuação na sociedade:

a) Pretende-se encontrar melhor articulação das pastorais, abrir novos campos para a presença e atuação do leigo, renovar em profundidade a estrutura paroquial, pensar novas estruturas eclesiais mais condizentes com a atual conjuntura social.

b) Em relação à sociedade, a Igreja procura ser uma presença mais significativa e ativa, especialmente no mundo da política, num momento de extrema gravidade social. O próprio nome do projeto aponta para o horizonte fundamental em que ele se coloca: Construir a esperança dentro e fora da Igreja.

1. A Igreja é participação criativa de todos

Logo de início o projeto encontrou-se em face a uma primeira escolha: levar um processo em ordem a convocar um Sínodo diocesano ou iniciar um processo em aberto que pode terminar numa assembleia?

A primeira possibilidade responderia mais à atual conjuntura. Os passos de um Sínodo já estão bem definidos pelo Direito Canônico. Seria um processo decidido de cima e as pessoas seriam convidadas a dar sua colaboração segundo as normas sinodais.

A segunda possibilidade, a que foi escolhida, permite maior criatividade. Acredita-se mais na vida latente da Igreja; espera-se que de dentro dela se vejam melhor as decisões a serem tomadas. Houve, portanto, uma opção que implica uma Igreja-participação criativa de todas as forças vivas. Entende-se a comunhão eclesial como algo que vem sendo tecido lentamente de baixo para cima. Nas bases está atuando o Espírito Santo e esta atuação vem sendo captada ao longo do processo, sem pré-definições ou pré-determinações. Procura-se nesse projeto levantar os problemas e ouvir as aspirações e propostas das pessoas e dos grupos.

Este modelo de Igreja é muito exigente de todos. Das bases, porque se espera delas uma atuação e corresponsabilidade real. Do clero, porque se pede que seja coerente com a opção e vá assumindo as mudanças na maneira de atuar conforme surjam das bases eclesiais novas exigências.

O projeto tem criado amplo espaço de liberdade e participação de todos. Abre-se para incorporar as aspirações apostólicas pessoais e comunitárias. Mais. Ele tem incentivado e motivado o surgimento de tais aspirações e esperanças. Um mundo de sonhos tem nascido no coração de muitos do clero e do laicato.

Entretanto, riscos ameaçam ambos os segmentos envolvidos no processo: clero e leigos:

a) Os leigos podem não ver a curto prazo resultados e desanimar, cansar-se. Ou mesmo por causa da dureza da vida atual podem não ter energia e tempo para empenhar-se no projeto. Se eles capitularem durante o percurso, fracassará o projeto como vem sendo levado.

b) O clero pode, por sua vez, assustar-se diante da liberdade e, às vezes, ousadia dos leigos. Pode sofrer do medo do “aprendiz de feiticeiro”, que inicia um processo que termina por devorá-lo. Se ele não tiver a liberdade e coragem de repensar muitas de suas atitudes e maneira de atuar como clero, o projeto poderá chegar a um impasse. E inevitavelmente terminará a autoridade resolvendo, se for preciso, autoritariamente.

c) Além disso, membros do clero e do laicato já vêm vivendo sua vida eclesial dentro de uma rotina, de um ritmo bem cadenciado. De repente, são agitados por uma nova onda de solicitações e exigências. E pode acontecer não se sentirem bem com esta inquietação e desejarem a paz inerte do momento anterior. Nesse caso, suas atitudes podem ser de omissão, de lentidão ou até mesmo de boicote. Perdem então esse “kairós” do Espírito que visita nossa Igreja particular.

d) Pode também acontecer uma defasagem de ritmos. Os leigos, mais livres em face a muitas estruturas eclesiásticas e mais metidos no mundo temporal, podem deixar-se embalar mais rápida e vitalmente pelo projeto, empenhando-se nele com esperanças e sonhos, enquanto o clero, mais calejado e desconfiado, imprime movimento mais lento. Temos então a anomalia automotora de um pé no acelerador e outro no freio, deixando atrás de si o rasto da lona queimada.

2. A renovação da palavra

Logo de início, o projeto constatou uma carência grande na compreensão dos fiéis em relação a dados fundamentais da revelação. Enveredou pelo caminho de lançar programas unificados e comuns de evangelização por meio de roteiros de homilia. Tal aconteceu em vários momentos. É sua intenção prosseguir nessa linha. 

Examinando os roteiros percebe-se que a dimensão bíblica é a mais impor-tante. Não se trata de um endoutrinamento dogmático nem moralista, ainda que haja preocupação com uma correta visão de Deus, da escatologia. Mas tal correção de visão se tem pensado a partir da Escritura e da vivência litúrgica. Entretanto, há, sem dúvida, uma insistência na “palavra”. Neste ponto é uma Igreja da “modernidade” e menos “pós-moderna”. Com isso, quero dizer que é uma Igreja que acentua o aspecto intelectual da fé (que não quer dizer intelectualista). Além disso há uma crescente preocupação levantada e alimentada pelo projeto de propiciar cursos teológicos para leigos. Isso mostra a relevância da dimensão intelectual da fé para a nossa Igreja. Resposta-antídoto aos surtos emocionais, quer no interior da própria Igreja, quer fora. Os “movimentos de leigos”, em geral, são pouco sensíveis a este aspecto intelectual. Preferem a dimensão emocional da fé e nisso pagam maior tributo à pós-modernidade.

A tendência da pós-modernidade liga-se mais ao emocional, ao simbólico, ao estético, aos sentimentos. Nesse sentido, a face pós-moderna de nossa Igreja ainda não aflorou como orientação. Pelo contrário, esta face que surge em alguns setores não se integra e até conflita com a orientação assumida pelo projeto.

No nível da análise crítica, pode-se perguntar se o projeto não tem considerado pouco o aspecto simbólico, estético da vida cristã (sobretudo nas celebrações), sem naturalmente querer com isso assumir um carismatismo desregrado. É verdade que o projeto tem programado uma grande celebração para as crianças de 1ª Comunhão e tinha pensado também para os crismandos. Mas é um campo até agora pouco trabalhado, que deixa em descoberto um anseio do homem pós-moderno.

3. Uma Igreja preocupada com as expectativas dos fiéis

Nesse ponto a Igreja de BH é pós-moderna. A Igreja tradicional tinha certeza sobre o que pregar e não perguntava a ninguém. A Igreja moderna tinha também a mesma certeza sobre o conteúdo, mas desconfiava da sua linguagem. Por isso estava preocupada em conhecer a experiência do homem/mulher moderno para falar-lhe mais adequadamente. A Igreja pós-moderna renuncia, num primeiro momento, esta certeza. Numa atitude pós-moderna, a Igreja de BH detém-se para ouvir das pessoas o lhes que agrada ou desagrada na Igreja e que sugestões têm para dar-lhe. Esta ausculta das pessoas se estende não só aos católicos militantes, praticantes mas também aos não praticantes e não católicos. Esta última pesquisa vem exatamente revelar essa face preocupada da Igreja em responder às aspirações, anseios, perguntas do homem/mulher atual.

Evidentemente não está claro ainda se o fato de perguntar para saber significa uma disposição de querer realmente mudar conforme as respostas forem chegando e sendo interpretadas. Há, sem dúvida, um movimento de abertura inicial. Como o alcance das exigências não se pode prever e só aparecerá através de todo o processo, ver-se-á então até onde a Igreja de BH assumirá as transformações adequadas.

4. Uma Igreja de comunidades pequenas (grupos)

O projeto tem sugerido e provocado enorme crescimento de grupos de reflexão para discutirem os roteiros que têm sido elaborados. O projeto começou com a criação de grupos para discutirem quatro roteiros sobre o projeto e a responsabilidade do cristão, sobre os sinais de vida e de morte na sociedade e sobre a missão da Igreja. Já este primeiro roteiro indica uma orientação eclesial de pôr toda a Igreja a refletir em grupos com um duplo olhar. Um olhar para dentro e outro para fora. O olhar para dentro consiste em perguntar-se cada fiel, cada grupo pela tomada de consciência desse novo apelo da Igreja e sua consciência de responsabilidade. Um segundo olhar se volta sobre a sociedade para aí descobrir os sinais de vida e de morte. E cruzando esses dois olhares, surge a missão da Igreja no mundo atual.

Reflete tal processo uma consciência dupla de Igreja. De um lado, consciente e responsável em relação à vocação batismal e, de outro, atenta e sensível aos apelos da realidade, para só assim definir sua missão. Este projeto assume criativamente, quer o movimento do Concilio Vaticano II de uma Igreja mais consciente de sua vocação batismal, quer de Medellín-Puebla mais atento aos sinais dos tempos da nossa sociedade.

De novo, trata-se de uma eclesiologia de desejo, de perspectiva. Ainda não se têm provas suficientes para verificar se os resultados de tais pesquisas vão confirmar essa intenção inicial, no momento em que tanto a consciência batismal mais explicitada como as exigências dos sinais da realidade exigirem, sobretudo do clero, mudanças maiores em seu comportamento, na organização paroquial etc.

Apesar de o projeto valorizar muito a reflexão em grupo, deixou desde o início o campo aberto a que pessoas individualmente pudessem também dar sua colaboração. Também essas vozes podem trazer rica colaboração. Há, por conseguinte, uma consciência do valor de cada pessoa e da ação do Espírito nela e através dela.

5. Uma Igreja presbiteral com crescente participação dos leigos, mas não bem integrada com a vida religiosa

É uma característica da Igreja de BH, e que o projeto está reforçando, a relevância dada à participação dos presbíteros. O arcebispo e os bispos auxiliares têm ouvido, consultado os padres em todos os momentos. A gestação do projeto se deu no Conselho Presbiteral. As assembleias do clero com crescente e ativa participação dos padres têm sido momentos altos de decisão, de tomada de rumo, de sondagem a respeito do projeto.

Há, além disso, um esforço constante, paciente e programado com a finalidade de envolver todos os padres, especialmente os diretamente presentes na pastoral, vencendo as resistências e descrenças, tão normais em iniciativas dessa nataureza.

Prescindindo dos religiosos que têm participação direta na pastoral paroquial, quer porque assumiram paróquias, quer porque colaboram em caráter permanente com obras pastorais integradas no projeto, há ainda muitos religiosos e sobretudo religiosas que estão ou/e se sentem à margem. Desde o início da vida da arquidiocese, os religiosos desempenharam papel relevante assumindo inúmeras e importantes paróquias. Depois vieram outros que se dedicaram a obras educacionais ou assistencialistas. Em relação a esses últimos, a integração com a Igreja local não tem sido fácil. E o projeto continua revelando essa dificuldade.

A presença do leigo na Igreja de BH tem passado por vicissitudes. Houve desde o início leigos de presença significativa e criativa na Igreja em irradiação cultural relevante — basta lembrar o grupo que levou o jornal “O Diário” e os membros da Ação Católica — e não têm faltado até hoje essas pessoas leigas. Entretanto, não é uma marca da Igreja de BH esta presença leiga consistente. Os “movimentos” que procuram ser a forma nova de presença de leigos têm-se restringido ao seu âmbito interno e não raras vezes conflitam com orientações arquidiocesanas ou paroquiais.

O leigo fiel simples tem dado sua participação tradicional de presença e de sustento, mas sem muita criatividade, por sentir-se despreparado. O projeto tem tentado inverter tal situação, colocando entre suas maiores prioridades a formação do leigo. Nesse ano de 1992, o programa mais desenvolvido, rico e criativo situa-se nesse campo da formação do leigo.

Com isso, a face da Igreja presbiteral de BH vai receber uma complementação que certamente trará tensões, esperemos, ricas e inovadoras. Os próximos anos vão definir mais claramente esse rosto da nossa Igreja. A entrada mais significativa e participativa do leigo na vida da Igreja obrigará a reestruturação de algumas estruturas tradicionais, a criação de outras. Por isso o projeto já está prevendo a criação de um Conselho Arquidiocesano de Pastoral e uma comissão para repensar o problema da paróquia. Nesses dois projetos, a figura e presença do leigo se faz imprescindível e trará consequências para toda a Igreja de BH.

Os próprios leigos entre si deverão encontrar uma articulação de presença e ação. Pois a “grosso modo” pode-se dizer que há quatro tipos de fiéis ativos na Igreja:

  • Há o fiel comum, tradicional, cuja ação mais importante é a presença nas celebrações e contribuição para a manutenção das obras de Igreja;
  • Há um outro tipo que é o cristão das pastorais, sobretudo sociais, mais engajado. Cristãos críticos, envolvidos com a vida da Igreja, mas desde o ponto de vista de seu compromisso social;
  • Um terceiro grupo são os que pertencem a “movimentos” em crescimento, mas ainda muito mais preocupados com os próprios movimentos transnacionais que com a igreja local;
  • Enfim, há o leigo participante nos círculos bíblicos, nas comunidades eclesiais de base.

O desafio da Igreja de BH é articular criativa e apostolicamente esses diversos tipos de leigos, evitando sectarismos, unilateralismos. Até hoje tem sido uma característica da Igreja de BH a sua enorme capacidade de suportar a diversidade, quer no mundo dos presbíteros, quer no universo dos movimentos leigos. O projeto ainda não tem definido uma linha pastoral que enfrente tal problema. Até agora a maneira da participação dos leigos têm sido tanto através de assembleias como de pessoas escolhidas para as comissões em todos os níveis: paroquial, forania e arquidiocese.

6. Os traços dos grupos temáticos

O projeto criou 5 grupos temáticos:

  • formação de leigos;
  • pastoral social;
  • liturgia e vida;
  • evangelização  e comunicação;
  • juventude.

A criação dos grupos pode revelar simultaneamente coisas opostas. Pode expressar a vida já existente e que se quer reforçar, mas também pode refletir uma carência, que se quer suprir. Provavelmente significa as duas coisas no nosso caso.

Entretanto, creio que os grupos temáticos refletem mais uma preocupação com lacunas de nossa Igreja.

a) Sobre a formação do leigo, já me referi várias vezes no texto.

b) A pastoral social vem de  encontro aos graves problemas sociais de uma megápole como BH. A Igreja tem já uma presença real nesse mundo. Julga-se insuficiente e quer-se aumentar sobretudo num momento de enorme descrença. A pergunta se levanta sobre a nova maneira de a Igreja fazer-se presente nesse campo. Já não pode ser da mesma maneira que durante os regimes militares. O projeto tem mais diante de si que atrás de si esse percurso no campo social.

As atuais ciências sociais nos permitem visualizar melhor o funcionamento da sociedade superindustrializada de que fazemos parte em alguns setores. Doutro lado, o Brasil tem estruturas arcaicas. E a presença da Igreja deve levar em conta não só a existência desse duplo tipo de estrutura, mas também do movimento hegemônico nessa sociedade. Além disso, é importante perceber a relação, influência desses “sistemas e subsistemas” que estruturam a sociedade sobretudo no referente à produção dos bens sobre o “mundo vivido”. A presença da Igreja deve ser diversificada quando enfrenta esses sistemas e quando procura interferir no mundo vivido das pessoas, no grande reservatório cultural em que elas encontram sentido para viver e relacionar-se.

O projeto tem já ensaiado passos na direção de definir esta nova presença da Igreja na atual sociedade. A iniciativa do programa “Economia popular solidária” já se situa claramente no sentido de uma presença e colaboração da Igreja no universo do sistema de produção, articulando-o com a dimensão do “mundo vivido” dos pobres.

c) O grupo de “liturgia e vida” vem reforçar um esforço constante na maioria das paróquias de liturgias que respondam às expectativas dos fiéis. Os resultados das pesquisas apontavam uma deficiência na acolhida e no conteúdo das pregações. O projeto tem orientado a uma modificação da relação do ministro com o povo e da pregação.

Evidentemente a Igreja de BH continua sendo fundamentalmente uma Igreja sacramental, portanto vinculada estreita e insubstituivelmente ao ministro ordenado. Os esforços de culto sem ministro ordenado, os ministros da eucaristia etc. são ainda incipientes para configurar uma face nova na Igreja. Tem-se percebido que o problema do ministério necessita um repensamento mais profundo. A face da Igreja de BH dependerá muito de como ela vai equacionar para o futuro tal questão.

d) Evangelização e comunicação corresponde a uma tradição de nossa Igreja. Foi pioneira com o jornal “O Diário”, luta para manter o “Jornal de Opinião”, ocupa espaços nas rádios, especialmente na rádio da arquidiocese e também tem certa presença nos canais de TV. Além disso, desenvolve intenso trabalho de comunicação visual através de cartazes, videos etc. É, sem dúvida, uma Igreja aberta ao mundo da comunicação, sabendo, porém, que ainda lhe resta longa e interminável via.

e) A coincidência com o ano da Campanha da Fraternidade sobre a Juventude deu maior relevância ao grupo de juventude. Se a face estatística de nossa Igreja de fiéis e também do clero é relativamente de jovens, a importância deles está longe de corresponder ao número. Além do mais, as estatísticas permitiram perceber uma realidade preocupante, ao mostrar que os rapazes começam a deixar a Igreja na faixa de 14-18 anos e as meninas ainda mais cedo, entre os 10-14 anos. A pastoral da juventude não tem sido pujante. Antes tem havido dificuldades nesse setor.

Falta muito a nossa Igreja de BH assumir um rosto mais jovem no sentido de uma presença viva, significativa, criativa e ativa dos jovens. Nesse sentido, o grupo temático exprime mais desejo que realidade, mais esperança que realizações, mais projeto que presença.

7. Desafio da espiritualidade e da consciência missionária

Um projeto revela-se não só pelas afirmações como pelos silêncios. A face da Igreja de BH retrata o que nela existe, mas também as lacunas. O campo da espiritualidade e da consciência missionária ainda não assumiu a relevância que o momento atual demanda. É verdade que o projeto dum centro de espiritualidade no alto da Serra da Piedade está em andamento e pode tornar-se um sério pólo de irradiação espiritual. Há iniciativas, em curso, de retiro na vida com pessoas de classe letrada e popular com enorme fruto de renovação espiritual. Há várias casas de encontro, que são focos de espiritualidade. Mas são experiências que não parecem integradas no projeto. Por isso não revelam de si a face da Igreja do projeto, ainda que pertençam ao rosto já configurado de nossa Igreja.

Nesse campo da espiritualidade, há várias expressões. Já me referi à expressão inaciana com o retiro na vida cotidiana. Nas CEBs, trabalha-se uma espiritualidade bíblica através sobretudo dos círculos bíblicos. Espiritualidade muito articulada com a vida que segue a metodologia elaborada por Frei Carlos Mesters. É uma espiritualidade de compromisso com as lutas do povo.

Os “movimentos de leigos” também desenvolvem uma espiritualidade. Esta, por sua vez, volta-se mais para o interior do grupo. Visa ao aperfeiçoamento dos membros do movimento e à vida do movimento. Nem sempre ela consegue articular-se com a vida pastoral e social.

As experiências missionárias ainda são também escassas. O projeto não tem trabalhado iniciativas nessa direção. Pode-se pensar uma visão missionária dentro da Igreja local e para fora dela. Dentro da Igreja local, os “movimentos” desempenham uma tarefa missionária de conquista e repesca. É um proselitismo para o movimento. As CEBs também desempenham uma atividade missionária noutro sentido. Procuram formar outras comunidades que adquirem sua autonomia e já não dependem do missionário. E há também em nossa Igreja uma percepção, ainda não muito cultivada, de uma missão para fora dela e/ou do país.

8. Traços a serem definidos

O projeto está ainda no começo. Já tem dado seus frutos, permitindo esse esboço eclesiológico. Mas pairam ainda no ar dúvidas, expectativas, incertezas. Algumas já apontadas nos parágrafos anteriores. Entretanto, o projeto ainda não tocou algumas áreas mais sensíveis e conflitivas, tais como a reorganização da estrutura paroquial, a criação de mecanismos e estruturas eclesiásticas estáveis com participação real e ativa de leigos. Nesse momento, pôr-se-á à prova a base de consenso que se tinha conseguido nessa diocese para um novo e mais rico patamar. Este salto qualitativo está ainda para ser dado.

Além disso, o processo é como um deslizar de trem. Os vagões seguem o ritmo, a velocidade, o trajeto que a locomotiva seguir sobre os trilhos de suas possibilidades concretas. O presente projeto tem procurado que a locomotiva não seja uma pessoa, nem um grupo bem definido de antemão, mas que se constitua de representantes das forças vivas da Igreja. Essa locomotiva já está em funcionamento com mecânicos ainda montando-lhe as peças fundamentais para seu trafegar.

Acostumados que estão tanto o clero como os leigos a terem já uma locomotiva toda completa desde o início da viagem, sentem-se algo inseguros diante de um projeto em que a própria locomotiva se constrói no trajeto. Aberração mecânica, mas realidade pastoral.

A Comissão Central é parte dessa locomotiva. Mas pertencem a ela os grupos temáticos, as assembléias do clero e dos leigos, as reuniões de regiões e de forania etc. Este conjunto complexo está levando o projeto para frente.

Conclusão

Esta visão de Igreja latente na realidade viva vai-se transformando à medida que novas práticas surgirem, decisões forem tomadas. Além disso, a explicitação dela responde aos limites de quem a faz. Por isso outras leituras são possíveis e encontrarão traços nessa Igreja que não foram descritos e indicarão também carência de elementos ainda não desenvolvidos. Todas essas análises refletem um determinado momento, o conhecimento limitado de dados e a perspectiva escolhida e percebida pelo analista. Mas podem provocar ulteriores reflexões e críticas. Eis o seu sentido.

João Batista Libanio, S.J.
(1932-2014)

Doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana (Roma), Libanio foi um grande teólogo da libertação, pastoralista, professor de teologia sistemática e da práxis cristã, escritor, orientador de estudos, conferencista, assessor da CNBB, da CRB, das CEBs, de grupos de jovens e de muitos outros grupos, movimentos e pastorais. Além disso, foi vigário paroquial. 

(os grifos são nossos)

Fonte: 

Perspectiva Teológica 

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https://observatoriodaevangelizacao.com/memoria-do-projeto-pastoral-construir-a-esperanca-ii/feed/ 1 29612
Memória do Projeto pastoral “Construir a Esperança” (I) https://observatoriodaevangelizacao.com/memoria-do-projeto-pastoral-construir-a-esperanca/ Thu, 06 Dec 2018 17:33:35 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=29489 [Leia mais...]]]> O Projeto Pastoral “Construir a Esperança” representa um marco importante na caminhada da Igreja Particular de Belo Horizonte. Vale a pena revisitá-lo com olhar prospectivo e atento aos desafios e urgências pastorais de nosso tempo. O Observatório da Evangelização disponibiliza aqui uma preciosa memória: a análise do projeto e dos dados coletados nas pesquisas pelo olhar penetrante do teólogo pastoralista João Batista Libânio.

Confira:

Projeto pastoral “Construir a Esperança”


Histórico do projeto

A Arquidiocese de Belo Horizonte vinha pensando, há algunn tempo, em iniciar um processo de reflexão pastoral mais abrangente. Num primeiro momento, parecia ser importante decidir se o término do processo deveria ser um Sínodo ou uma Assembleia, com as vantagens e desvantagens de cada uma dessas formas. Contudo, preferiu-se, num segundo momento, colocar tal questão entre parênteses, e simplesmente iniciar o processo, esperando que de dentro do seu próprio desenrolar surgissem as melhores decisões e opções.

Diferentemente de outras dioceses, não se quis orientar tal processo na linha de uma avaliação pastoral no sentido estrito, em que o olhar para o passado seria prioritário. Antes se preferiu partir do presente em vista do futuro.

A idéia-mestra consiste em mobilizar todas as forças vivas da Igreja particular de Belo Horizonte numa tomada de consciência dos atuais desafios em busca de pistas de orientação para o futuro.

Em homilia/mensagem que foi lida em todas as igrejas da Arquidiocese no dia 19 de agosto de 1990, Festa da Assunção de Maria Santíssima e da Padroeira de Belo Horizonte, Nossa Senhora da Boa Viagem, D. Serafim Fernandes de Araújo convocou “os católicos e todas as pessoas de boa vontade para compreenderem melhor os desafios do presente, as aspirações das pessoas e comunidades e assim participarem mais ativamente da construção de uma nova sociedade, à luz de  Cristo“. Continuando, disse: “Sintetizamos tudo isso num projeto pastoral que se expressará pelo lema: ‘Construir a Esperança‘”.

Para criar em toda a Arquidiocese um clima de consciência do projeto, em vista da preparação da série de pesquisas e da constituição de grupos de reflexão, programou-se uma série de homílias dominicais (para as quais foram oferecidos subsídios em nível de Arquidiocese) a partir do domingo seguinte ao lançamento do projeto (26 de agosto de 1990) até o domingo 23 de setembro.

Trata-se de um projeto participativo que teve data para começar, mas que não tem data para terminar. Está aberto a sempre novos passos, conforme o processo em andamento o exigir.

Ver a realidade

Num primeiro momento, procurou-se ver a realidade. Diversas pesquisas foram organizadas. Entre agosto e novembro de 1990, centenas de grupos refletiram em torno de quatro roteiros previamente distribuídos, nos quais se perguntava sobre o apelo do arcebispo a participar no projeto, sobre a consciência da própria missão de batizado, sobre os “sinais de vida” e “sinais de morte” na sociedade atual e sobre a missão da Igreja e do cristão hoje. Os grupos enviaram suas reflexões ao secretariado do projeto, que as devolveu, em forma sintética, num boletim, criado especialmente para ser instrumento do projeto.

Destes resultados, emergiram algumas constantes:

  • criação de um clima de esperança, expectativa e disponibilidade de participação;
  • sensação por parte dos católicos de perda de gente e terreno ante o mundo, as seitas;
  • constatação de enorme pluralidade de atividades e missões da Igreja com desejo de valorizá-las ainda mais;
  • dificuldade de motivar e mobilizar as pessoas na sua inércia de práticas costumeiras;
  • percepção do despreparo do cristão/leigo para a missão de hoje;
  • visão realista da gigantesca problemática da sociedade/cidade de Belo Horizonte nos diversos campos;
  • clara tomada de consciência de sinais de vida na sociedade e na Igreja ao lado de sinais de morte;
  • por fim, percepção da importância de se incentivar a vocação missionária na Igreja local.

Em novembro de 1990, fez-se um levantamento paroquial em todas as missas sobre o perfil daquele que frequenta nossas igrejas. Foram aplicadas umas 270.000 fichas, em que se perguntava pelo sexo, idade, estado civil, moradia, nível de instrução, ocupação, frequência à missa, participação na confissão individual e/ou comunitária, tipo de engajamento na Igreja e na vida social/ política, nível de assistência à TV, audiência de rádio e leitura de jornal e finalmente se estaria disposto a dedicar mais tempo ao serviço da comunidade.

P. Alberto Antoniazzi apresentou de maneira clara, didática e sucinta comentários pertinentes sobre o resultado de tal pesquisa, ressaltando o perfil do católico que frequenta nossa missa dominical (Religião na Grande BH. Primeiro relatório das pesquisas promovidas pela Arquidiocese de BH, Projeto Construir a Esperança, 1991, pp. 26-51). Cada paróquia apurou seus resultados e várias delas devolveram de maneira didática a seus fiéis o retrato emergido da pesquisa.

Em janeiro e fevereiro de 1991, o Instituto Opinião, Consultoria e Pesquisa Antônio C. Guimarães realizou por amostragem uma pesquisa de opinião sobre a “Fé e práticas religiosas” do habitante da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Sobre os resultados dessa pesquisa, o próprio Instituto e o P. Alberto Antoniazzi fizeram uma leitura interpretativa.

Uma terceira pesquisa foi feita em todas as paróquias à base de perguntas abertas. Depois de rápida identificação, perguntou-se ao pesquisado:

  • se a religião é importante para ele;
  • o que procura nela;
  • o que o satisfaz ou agrada mais na Igreja Católica;
  • o que não lhe satisfaz ou desagrada na Igreja Católica;
  • e que sugestões gostaria de dar à Igreja em Belo Horizonte.

Foram perguntadas 40 pessoas em cada paróquia assim distribuídas: 10 católicos militantes, 10 católicos praticantes, 10 católicos não-praticantes e 10 não-católicos. Os resultados dessa pesquisa estão sendo processados.

O P. Pedro Leboulanger ofereceu já algumas observações e sugestões no referente à problemática da forma religiosa do tradicionalismo em suas manifestações e consequências e também da migração dos católicos para outras religiões, quer no nível das classes pobres, quer no nível das classes média-alta e alta.

Esta mesma pesquisa foi aplicada ao clero na assembléia da Arquidiocese.

A partir das pesquisas constatou-se uma deficiência generalizada na catequese básica. Para responder a esta necessidade, lançou-se um pequeno programa de evangelização através das homílias dominicais. Para isso, foram preparados subsídios para os textos bíblicos para os domingos de 18 de agosto de 1991 até 24 de novembro. Para cada roteiro, elaborou-se uma folha volante com algumas perguntas e pistas de aprofundamento que eram distribuídas a todos os fiéis que frequentavam a missa, a fim de aprofundarem o tema em família ou em grupos especialmente criados para isto.

Em vez de abordar toda a complexa temática que está surgindo das pesquisas, optou-se por escolher cinco temas de reflexão e campos de ação com a finalidade de serem aprofundados nos diversos níveis de paróquia, de forania e de Arquidiocese. Nos níveis de paróquia e forania, a forma depende da criatividade dos párocos e vigários forâneos. Em nível de Arquidiocese, criaram-se cinco grupos temáticos para refletir, propor sugestões e oferecer pistas. Os temas são os seguintes:

  • Liturgia e vida;
  • Comunicação e evangelização;
  • Pastoral social;
  • Formação sobretudo do leigo;
  • e Juventude.

Estes grupos estão já em funcionamento no sentido de ir refletindo e analisando a realidade da Arquidiocese no campo específico de seu tema, aproveitando os dados já disponíveis pelas pesquisas. Desta reflexão surgem problemas aos quais se devem oferecer pistas pastorais de soluções. Espera-se que desses grupos surjam sugestões para os diversos níveis da vida da Arquidiocese nesses campos tão relevantes para a pastoral.

Estão previstos, como os próximos passos do Projeto, dois programas de evangelização com subsídios para as homílias, cursos de atualização para o clero e cursos de formação teológico-pastoral para leigos, quer em nível de Arquidiocese, quer de forania, quer de paróquia. E os grupos temáticos continuarão seus trabalhos de análise, levantamento de problemas e de pistas pastorais.

A equipe de liturgia já elaborou, a partir das necessidades descobertas pela pesquisa e com a intenção de não deixar nem o tempo de férias sem algum estímulo pastoral, uma série de subsídios sobre os fundamentos da liturgia (a celebração do mistério pascal no ano litúrgico, no domingo, na missa e na vida cotidiana). Eles giraram em torno das leituras dos domingos de 12 de janeiro até 1° de março. O método do uso dos subsídios foi semelhante ao empregado nos programas de evangelização. Publicaram-se um folheto de orientação para os encontros de grupos para uso do coordenador e folhas volantes para cada fiel. Aconselhou-se a criação de cada vez mais grupos de reflexão na paróquia onde se podiam aprofundar os roteiros preparados pelo grupo temático de liturgia.

Em termos de pastoral da juventude, estão previstos dois grandes encon-tros de todos os jovens crismados em 1991 e a serem crismados em 1992 no Mineirinho em abril e outro, também no Mineirinho, de todas as crianças que fizeram a Primeira Comunhão nos dois últimos anos.

Como o ano pastoral está iniciando, outras iniciativas irão surgindo dos grupos temáticos e da Comissão Central. Trata-se de um projeto que se vai construindo à medida que vão aparecendo os primeiros resultados, sem ter de esperar um momento somente para planejar. Planeja-se no caminho do próprio processo com pequenas iniciativas. O perfil do planejamento aparecerá, não de uma vez, mas vai-se configurando lentamente e sem término predeterminado. Esta é a originalidade de tal projeto: participativo, progressivo, sem término pré-fixado.

Comentário sobre as pesquisas

Levando em consideração os dados e os primeiros comentários das pesquisas, tentei captar algumas tendências e oferecer já algumas sugestões teológico-pastorais iniciais.

1. Da indefinição para uma definição mais nítida: Deus e escatologia: dimensão pessoal com repercussão definitiva

Chama a atenção certa porosidade teológica dos entrevistados católicos a respeito, quer de Deus, quer da dimensão escatológica da vida.

a) Sobre a experiência trinitária de Deus

É verdade que se afirma, em números altos, a fé em Deus, na Trindade, na divindade de Jesus Cristo. Entretanto ao descrever o conteúdo de Deus, a dimensão pessoal sofre detrimento em relação à ideia de Deus “Tudo, o Todo, O Todo-poderoso” (49,3%). Relacionar Deus com a Trindade recebe 1,5%. Não tenho os dados dos católicos, mas do geral. Entretanto isso já revela a predominância da religiosidade geral à custa de uma Trindade atuante na história.

Apesar de a Bíblia receber alta aceitação (84,1%), parece que a visão que ela dá de Deus ativo na história (AT) e trinitário (NT) não vem configurando a fé do católico. Isso pode significar que esta fé não vem sendo alimentada por uma leitura e assimilação do conteúdo bíblico. É inegável o enorme esforço que a Igreja católica tem feito depois do Concilio Vaticano II na valorização da leitura bíblica e na produção de inúmeros subsídios para aumentar o amor e conhecimento da Escritura. Mas o resultado de tais atividades é mais lento do que se pode imaginar. As socializações mais antigas e tradicionais ainda predominam.

Por isso parece acertado que se continue insistindo nos círculos bíblicos, na leitura e meditação da Escritura. Pode-se perguntar até onde a maneira de pregar da maioria dos padres ainda não salienta suficientemente a dimensão de ação de Deus pessoal e trino na história, corrigindo uma versão mais anímica e difusa de Deus.

Vale como alerta para uma maior exatidão teológica no falar de Deus, recordando que “Deus” sem outro epíteto na Escritura e na liturgia significa a pessoa de Deus Pai e não a essência divina. Este cuidado litúrgico e bíblico devia ser mais explicitado para que os fiéis se conscientizem mais da Trindade.

Como o único acesso que temos à vida íntima da Trindade se faz pela ação de Deus na história, é importante que tal acesso seja mais explicitado e que não se fale da vida interna de Deus a modo do tratado tradicional de Deus uno. Quanto mais trinitárias forem a pregação, as interpretações da Escritura, as orientações bíblicas, as explicações litúrgicas, tanto mais se estará ajudando a superar uma consciência vaga da divindade, e portanto firma-se mais claramente a especificidade cristã.

b) Sobre a escatologia cristã

Reflexão semelhante vale da escatologia. Os parcos dados indicados pela pesquisa revelam uma dificuldade de entender como 72% acreditam na eternidade da alma, mas somente 59,7% acreditam na vida depois da morte. E também 54,8% acreditam na reencarnação. Isso leva a pensar que reina uma confusão sobre a temática escatológica. O “salva tua alma” tradicional convive com dúvidas sobre a vida depois da morte e sobre a reencarnação. Este último dado deve-se naturalmente à influência espírita também no universo católico.

Pastoralmente significa que a temática da escatologia, muito esquecida depois de ter sido objeto central das tradicionais missões populares e pregações moralizantes antigas, necessita ser retomada sob nova luz. Poucos temas teológicos avançaram tanto como os referentes à escatologia. Reina provavelmente certa insegurança nos pregadores a respeito dessas questões. De um lado, sentem que já não podem pregar como antigamente, mas também não sabem como fazê-lo de outro modo. Esse silêncio na pregação e catequese propicia a entrada de outras visões nesse campo.

Um combate frontal à reencarnação não parece ser a via mais aconselhada num mundo cada vez mais pluralista e infenso às apologéticas agressivas. A pregação mais insistente sobre a presença de Jesus ressuscitado, sobretudo na liturgia, pode oferecer excelente acesso à temática escatológica. No tempo pascal, poder-se-ia privilegiar, nas pequenas introduções litúrgicas, a presença nova do Senhor ressuscitado na assembléia. A partir da presença de Jesus ressuscitado, vai-se criando a consciência de uma nova maneira de viver para além da morte, que é a resposta cristã à reencarnação. Participar dessa vida nova de Jesus é todo o sentido da vida cristã.

A problemática da reencarnação poderia também ser abordada sob o ângulo da responsabilidade pessoal. Ponto muito sensível ao homem de hoje, que uma visão reencarnacionista poderia esvaziar.

2. A dialética entre empenho assíduo (19%) e ativo (9,8%) = (28,8%) e a frequência rara (49,9%) ou nula (29,9%) = (70,8%): entre o militantismo interno e a influência externa.O desafio da religião individualista e do indiferentismo

 A qualidade da frequência do católico também é questionante. 70,8% refletem uma fraca frequência, nula (20,9%) ou rara (49,9%). Consideram-se militantes somente 9,8%. Assíduos são 19,5%, de modo que uma boa presença cobre a faixa de 28,8%.

Aparece o fenômeno da busca de religião individualista, sem participação comunitária. Atualmente acusam tal prática 26,2%, mas a faixa dos participantes esporádicos — raramente (42,5%) — pode aumentar tal tendência.

Portanto enfrenta-se o sério problema do enfraquecimento crescente da frequência com uma tendência a uma religiosidade individual, não vinculada à instituição eclesial. E no extremo existe certo indiferentismo religioso.

Sendo a Igreja católica majoritária, não causa, sociologicamente falando, nenhuma estranheza que sua prática religiosa seja mais baixa proporcionalmente ao número de adeptos. Realiza-se a clássica dialética da massa e minoria, tão bem elaborada por J. L. Segundo. A partir da reflexão de J. L. Segundo, podem-se pensar dois tipos de atividade pastoral:

a) Uma que se concentre nos católicos de maior empenho (9,8%), mas de modo que esses sejam irradiadores de presença evangélica para os 70,8% de pouca participação. Em geral, falha-se trabalhando com os de maior empenho que praticamente consomem seu tempo no interior da Igreja. Esses deveriam, pelo contrário, diminuir seu trabalho em estruturas eclesiásticas e aumentar sua presença fora do ambiente eclesial. As minorias são pensadas para favorecerem uma síntese religiosa mais perfeita que atinja as massas. Isso se faz, quer criando estruturas de difusão e influência, quer mecanismos ágeis de contacto com essa massa periférica.

Por conseguinte, o maior esforço dessa minoria deveria concentrar-se para fora das estruturas que só alcançam os católicos e criar portanto estruturas e mecanismos de maior alcance cristão. Uma vez que o amor, a justiça social, a liberdade são os grandes valores do Reino e realmente fazem a história da salvação alcançar densidade concreta, é nessa direção que os esforços dessa minoria deveriam ser orientados. E não diretamente num proselitismo de frequência eclesial. As massas sempre serão massas. E elas avançam por causa das sínteses novas e ricas das minorias. Estas sínteses são as descobertas de valores que a minoria consegue consubstanciar em estruturas e mecanismos históricos.

b) As pesquisas falam da relevância da influência familiar na transmissão dos valores religiosos católicos. Esta é uma estrutura de massa que permite difundir valores e comportamentos, que necessitam ser transmitidos a ela por essas minorias conscientes e ativas. Nesse sentido, investir na socialização familiar parece ser um campo prioritário. Tal se dá pela difusão de conhecimentos, experiências e comportamentos que alertem as famílias para a relevância do momento socializador dos filhos. A catequese massiva batismal, a preparação para o matrimônio, campanhas mais amplas de divulgação podem ajudar em tal atividade conscientizadora.

Entretanto esse empenho deve ter a lucidez de saber que a tendência da modernização é diminuir a força socializadora da família e acentuar a dos meios de comunicação social. Por isso a via familiar, que tem sido a principal transmissora da fé para os católicos, vai perder força e vamos sofrer o impacto negativo de tal processo.

As pesquisas apontam também o risco da religião individualizante e o crescimento do indiferentismo religioso, pelo menos, no sentido institucional. Para responder a tal problemática da sociedade moderna, tem-se elaborado uma saída pastoral que procura tocar o ponto central do fenômeno, a saber, a subjetivização da religião e a relativização das instituições religiosas. É um fenômeno paradoxal. Pois, de um lado, deixa enorme espaço para a experiência religiosa e, de outro, possui frio indiferentismo diante das formas oficiais religiosas. A religião reflui para a esfera da intimidade individual. Talvez nesse paradoxo consista fundamentalmente a secularização nessa fase pós-moderna.

A solução que algumas paróquias e/ou movimentos têm buscado vai na linha de modificar a linguagem global religiosa. Com linguagem global quer-se exprimir não somente a palavra falada ou escrita, mas todos os meios de comunicação. Busca-se encontrar uma nova linguagem que fale a esse homem moderno. O programa de TV da Rede Bandeirantes aos domingos tem sido um desses exemplos mais claros. A renovação carismática, com seus encontros, tem procurado inserir-se nesse movimento de uma pastoral de superação do indiferentismo e insertar dentro da instituição eclesial o elã carismático individualista.

Outro caminho pastoral possível é partir desse desejo individualista do religioso, como dado crescente. Ao falar-lhe, intenta orientá-lo para uma linha do compromisso com o irmão necessitado e da busca de vivenciá-lo em comunidade estável. Com isso, evita-se, quer o aspecto puramente compensatório e alienante de tal surto religioso, quer o reforço da tendência individualista, quer mesmo uma busca difusa de experiências comunitárias sem nenhum vínculo e compromisso de comunidade. Pois uma das características desse surto religioso individualista é a busca de ter encontros, mas que não perturbem os interesses individuais e sejam simplesmente momentos de satisfação individual, sem nenhum laço e engajamento permanente, como comunidade. E a exigência cristã e eclesial fundamental significa, pelo contrário, uma saída da busca de si, da auto-satisfação como norma absoluta, do girar em torno dos próprios interesses individuais, em direção ao irmão, ao outro, à comunidade como compromisso permanente.

3. Da via familiar para a eclesial

Além dessa atividade de massa por meio das minorias, pode-se também aumentar, num segundo momento, o trabalho de comunitarização, celulização do catolicismo familiar. Isso significa que se pode pensar uma pastoral que favoreça o multiplicar-se de comunidades vivas de cristãos, não necessariamente vinculados orgânica e organizadamente à paróquia.

Essas comunidades vivas seriam o lugar natural onde aquela religiosidade familiar poderia encontrar certo aprofundamento, ultrapassando, portanto, a esfera da religiosidade vaga. Essa celulização pode ser pensada naturalmente em dois níveis:

a) Quer em comunidades mais populares, onde o círculo bíblico pode exercer papel importante;

b) Quer em comunidades de gente letrada, onde o aprofundamento teórico da fé e a celebração da vida poderiam revitalizar uma fé genérica.

Dois dados levantam um desafio para a nossa pastoral. O primeiro é o pequeno número de comunidades eclesiais de base – CEBs. A porcentagem de participação em CEBs na Arquidiocese é de 3,2%. O maior grupo está, como era de esperar, na Cidade Industrial e o mais fraco na Região Sul. Como o futuro duma presença mais profunda, consciente e resistente da Igreja no mundo popular, vai provavelmente depender do vigor das CEBs, cabe aqui uma reflexão séria sobre essa insuficiência de nossa pastoral. O segundo ponto importante se refere aos círculos bíblicos e sua atuação. Segundo a experiência de muitas Igrejas do país, o círculo bíblico é a fonte mais importante da criação de CEBs. Muitos evoluem naturalmente para verdadeiras comunidades de base. Ora, pelas estatísticas, o número de participantes em círculos bíblicos é relativamente alto (9,7%) em relação ao da participação em CEBs (3,2%), isto é, três vezes mais. Isso quer dizer que este tipo de círculo bíblico não está evoluindo em direção à comunidade de base.

O que permite pastoralmente tal evolução é um tipo de círculo bíblico, em que a reflexão sobre a Palavra de Deus se articula com a problemática social, do trabalho e de lutas políticas da comunidade. De muitos círculos bíblicos nascem lutas da comunidade. Esta se reúne com a dupla finalidade de organizar-se em vista da luta e de refletir sobre sua fé. Dessa articulação vai nascendo as  CEBs. Pode-se perguntar se os círculos bíblicos não têm ficado num aspecto puramente de intelecção do texto bíblico e pouco articulados com a luta da comunidade. Por isso eles não têm sido germes de comunidades de base.

Outra forma de celulização da Igreja podem ser os grupos de oração. Eles têm um bom peso de presença: 17,0%. Podem transformar-se em verdadeira comunidade, de caráter e dimensão mais espiritualista. Mas mesmo assim podem ser início de uma vida comunitária mais intensa e profunda, ampliando para outros setores da vida o interesse do grupo. E desses grupos de oração, se de nível popular, podem surgir CEBs; se de classe média, podem favorecer comunidades de vida cristã mais intensa e consciente. Pois é este tipo de comunidade que resiste ao esfacelamento da sociedade moderna e ao processo secularizante das instituições religiosas.

Estas comunidades correm o risco de descolarem-se da comunidade maior de Igreja. Por isso um outro movimento deveria ser desencadeado, em que essas comunidades pudessem criar meios de encontrarem-se entre si. Não se trata necessariamente de uma paroquialização das mesmas, mas de constituir-se uma rede de comunidades. Atualmente, fora da paróquia, não se tem nenhuma estrutura capaz de fazer isso. É talvez momento de pensar se a única possibilidade de articulação das comunidades deva ser a paróquia ou já é tempo de ir “superando” esse monopólio paroquial com novas estruturas.

Nesse contexto, cabe tratar da questão da motivação predominante entre os fiéis católicos e a tendência previsível de seu comportamento futuro. As duas motivações mais indicadas na pesquisa por parte dos católicos são a fé e a tradição. Pode-se mesmo perguntar se por fé não se deve entender fé tradicional. Em outras palavras, a principal motivação de ser católico é a tradição. Só depois vêm motivações de caráter mais existencial: paz de espírito, situação de solidão ou carência etc. Ora, um dos efeitos mais claros do fenômeno de secularização é a diminuição da força da tradição religiosa em troca de um reforço das atitudes pessoais de decisão. Se tal fato é verdade, prevê-se que a secularização vai levar à diminuição da adesão à Igreja católica e favorecer o fluxo para outras denominações religiosas que respondam a situações existenciais. De fato, a adesão às Igrejas pentecostais e neopentecostais  tem como motivações principais a fé e a autoprocura ou a procura de um sentido para a vida. Pode-se entender o termo “fé” em sentido subjetivo. E portanto o motivo de adesão às Igrejas pentecostais e neopentecostais  corresponde mais à atual situação subjetivizante e menos tradicional.

A família sendo fundamentalmente o lugar de transmissão da tradição é também o lugar da veiculação da fé católica. À medida que a família perder sua função tradicional, também a transmissão da fé católica se ressentirá negativamente. Tudo leva a crer portanto dever-se trabalhar numa pastoral, como se tem feito aliás, de maior incentivo às motivações pessoais, às decisões livres e conscientes. A linha pastoral sacramental que vem sendo conduzida depois do Vaticano II vai exatamente na direção de uma fé assumida em liberdade e consciência. Por isso se multiplicaram os cursos, criaram-se condições para a recepção dos sacramentos. Isso significará certamente uma queda estatística, já que a própria motivação tradicional predominante não é incentivada nem mesmo pela Igreja.

4. Do imaginário rural para o urbano

A pesquisa mostra que os católicos são os que têm um pouco mais gente de origem rural ou do interior. Pode significar que a mensagem católica está mais vazada em modelo rural e mantém uma prática de ritmo rural e por isso responde mais a este tipo de gente. Sua pregação pode passear mais no imaginário rural que urbano. O clero ainda deve refletir na sua pregação tal universo simbólico. A urbanização violenta que a nova geração sofre numa grande cidade como Belo Horizonte está a pedir uma mudança, quer no imaginário da pregação, quer no ritmo das práticas. Sem dúvida, a liturgia já introduziu modificações nessa linha. A pergunta é se foram suficientes ou ainda requerem-se mais modificações.

As homílias devem ser vistas nessa perspectiva. Será que elas refletem antes imagens, valores, modo de exprimir correspondentes ao mundo rural? Ou já assumiram a problemática realmente urbana com seus desafios?

A formação de um imaginário social coletivo é lento. O principal fator hoje gerador de imagens é a TV com seus programas, sobretudo novelas [Atenção: Libanio aqui fala do contexto de 1992, portanto, há 26 anos atrás. Hoje este lugar é ocupado pela Internet e pelas redes sociais acessadas pelos smartphones]. Há, porém, uma relação dialética. As aspirações do povo condicionam também o mundo da TV [da Internet]. As necessidades, os desejos, os sonhos do povo estão aí disponíveis. Quem souber captá-los, traduzi-los em imagem e símbolos, consegue falar-lhes. E, por sua vez, tais símbolos necessitam ser decodificados em ação para que se produza alguma mudança real.

O desafio da pregação, da liturgia, das práticas eclesiais consiste precisamente em traduzir em imagens e símbolos as necessidades e aspirações do povo, mas não simplesmente para satisfazê-las ou aproveitar-se delas. Isso não significaria evangelização, mas para confrontá-las com a mensagem evangélica na linha de conversão e de práxis.

5. Da atmosfera religiosa para o compromisso secular

Este ponto parece bastante problemático na pesquisa. A mensagem social da Igreja não é um aspecto que ela pode ou não anunciar, segundo a maior ou menor receptividade. É intrínseca ao Evangelho. Portanto não tem nenhum sentido falar que a Igreja a adentrou no social e agora deve refluir para o mundo da religiosidade. O alcance social do Evangelho é inegociável. Evangelho sem práxis, sem compromisso, não é Evangelho.

A religião ainda exerce forte influência no comportamento pessoal, individual, no campo da moral. Não quer dizer que se sigam os ensinamentos oficiais da Igreja católica, mas que o sentimento religioso está presente nas decisões morais de 84,7% (55,9% muito importante; 28,8% importante), ao julgá-lo importante para tais decisões. Para o cotidiano, 82,3% retêm sua importância (56,4% muito importante; 27,9% importante).

Diferentemente se dá no campo político. Aí a relevância da religião vale para 45,9% (20% muito importante; 25,9% importante), enquanto 32,6% a julgam sem importância e 12,1% pouco importante (44,7%) nesse campo.

Sobre a atuação da Igreja católica no campo social, 20,5% acham-na ótima, 43,2% boa (total: 63,7%). Enquanto no campo político, 6,1% acham-na ótima e 26,7% boa. Por sua vez 44,5% consideram a ação política por parte da instituição eclesiástica regular, ruim ou péssima.

Entre os defeitos mais criticados, estão a politicagem (5,2% dos entrevis-tados) e a discórdia (4,7%). A dispersão de opiniões foi enorme. Cruzando com essas informações os dados sobre o tipo de participação em atividades pastorais, associativas e sociais dos católicos, percebe-se que no campo político a presença dos católicos é fraca. 2,6% responderam afirmativamente à pergunta sobre o exercício duma militância política. A participação sindical e/ou em asso-ciações de bairro é um pouco maior: 4,5%. A presença em pastorais mais comprometidas socialmente não se consegue saber, já que as respostas atravessam todo tipo de pastoral. Em todo caso, permanece a evidência de que os católicos não primam em nossa Arquidiocese por uma presença significativa no mundo da luta sindical e política.

A relevância do Evangelho sobre a vida parece reduzir-se aos campos alheios ao social e à política para bom número dos entrevistados. Isso mostra a exatidão da observação de J. Comblin, dizendo que o problema da evangelização não é a redução da dimensão transcendental à imanente, mas o contrário. A Igreja teve e ainda tem muito que fazer para articular essas duas dimensões. Os entrevistados revelam a consciência que eles criaram precisamente por causa da pregação da Igreja até então, e o empenho das últimas décadas ainda não deu seus frutos.

A conclusão não parece dever ir na linha de diminuir a pregação social, mas antes de aumentá-la para que tal distância, refletida na pesquisa, diminua. Evidentemente pode-se perguntar pela maneira de fazê-lo. Certamente em Minas Gerais deve-se levar em consideração uma longa presença da Igreja na política de extrema ambiguidade, apoiando grupos oligárquicos. E agora, ao apoiar grupos opostos, produz a oposição dos entrevistados.

A articulação da mensagem evangélica com o social e a política tem de ser de uma maneira que guarde a sua especificidade numa linha de crítica, de motivação do cristão a causas libertárias e de sinalizar elementos utópicos.

6. Considerações sobre o perfil do nosso fiel

A pesquisa ajuda-nos a perceber, sobretudo de forma comparativa com outras denominações religiosas, o tipo médio do católico sob diversos ângulos e permite assim reflexões pastorais preliminares.

Alguns traços. A freqüência é mais feminina que masculina. Os jovens na faixa de 15-19 anos diminuem fortemente sua presença. Quanto às meninas, começa tal queda mais cedo, entre 10-14 anos. A frequência cresce depois dos 40 anos e atinge a média máxima entre 60-69 anos.

Os extremos da escala social, quanto à instrução, frequentam menos. Os analfabetos e os mais letrados estão mais ausentes. A taxa de desempregados atualmente é alta na sociedade, mas entre os que frequentam a missa é pequena. Logo eles não estão em nossas Igrejas.

O tipo mais pobre, favelado, descamisado, frequenta antes as Igrejas pentecostais e neopentecostais  que nossa Igreja. Significa que nossa presença junto a eles é menor. Isso tem a ver sem dúvida com a estrutura ministerial da Igreja e a possibilidade de contato da Igreja com eles. Ao tratar do fenômeno das Igrejas pentecostais e neopentecostais vamos ampliar essa consideração sobre a impossibilidade de a Igreja ter uma presença ministerial junto à massa pobre das periferias e, pelo contrário, a abundância de pastores permite-a às Igrejas pentecostais e neopentecostais.

Há uma indicação da pesquisa que permite perceber um deslocamento da elite para o espiritismo ou ateísmo. Podem ser pensadas várias causas:

— o espiritismo desenvolve uma atividade assistencialista, confortadora para a consciência moral da elite e que a Igreja numa perspectiva mais libertadora já se nega a favorecer; o ateísmo é compatível com um humanismo sem transcendência, que responde ao senso ético do homem;

— o espiritismo tem um aspecto esotérico que sacia, em parte, esta sede crescente de espiritualismo dessa classe; o ateísmo deixa a pessoa disponível para as mais diversas experiências, sem vinculações dogmáticas;

— o espiritismo com a reencarnação alivia a responsabilidade de única existência, vindo de encontro a anseios de tais classes e a sua má consciência; a não-existência da Transcendência, mesmo que não se queira, diminui o senso de responsabilidade de nossos atos.

7. A dimensão sacramental

A pesquisa oferece dados sobre a confissão individual e comunitária, além da frequência às missas. Sobre a confissão, não sei se se pode arriscar uma reflexão pastoral a partir da comparação entre a confissão individual e comunitária, já que não se trata de frequência exclusiva de uma das formas. Mas simplesmente pelos números, parece acontecer o oposto daquilo que os críticos da confissão comunitária costumam dizer, a saber, que ela favorece um laxismo espiritual. Avento a hipótese contrária. Aqueles cristãos que frequentam mais raramente as missas, são os que se confessam, também raramente, mas individualmente. Os que frequentam mais a eucaristia são os que também preferem a confissão comunitária. Parece que esta atrai pessoas de maior nível espiritual, de maior compromisso e vivência eclesial. Parece que ela consegue criar um clima de maior exigência espiritual que a confissão individual. Não se trata de uma comparação em abstrato, mas como se pratica na atual Igreja. Levanto a suspeita de que a confissão individual se faz em geral em momentos de mutirão, com certa rapidez, e por isso ela não proporciona o mesmo clima de tranquilidade e piedade que uma confissão comunitária preparada pelo sacerdote com mais esmero.

O P. Alberto Antoniazzi observara que “parece evidente que onde foi multiplicado o número de Missas (ou de cultos), a porcentagem dos participantes é mais elevada” (p. 48). Partindo desse dado, pode-se perguntar se não é possível pensar de maneira mais consistente na formação e organização dos ministros do culto . No momento, não há condições de pensar uma ampliação significativa do quadro de sacerdotes. A tendência é de que quanto mais viva se tornar a nossa Igreja local, mais surgirão lugares de cultos, para os quais não se têm sacerdotes ordenados. E quanto mais lugares de culto se criarem, mais viva se tornará a Igreja.

Surge então a questão, se não seria momento de pensar num “ministério instituído não-ordenado” do celebrante de culto, dando-lhe maior relevo e significação eclesial, que se confere atualmente ao ministro da eucaristia. Poder-se-ia pensar em cursos breves ou mesmo numa escola de preparação para ministros de culto. Durante esse curso, haveria um acompanhamento espiritual e intelectual que permitisse uma escolha do candidato a ser constituído “ministro do culto” numa celebração litúrgica por determinado tempo. De ambos os lados, do ministro e da Igreja hierárquica, haveria um compromisso de fidelidade. Superar-se-ia um puro espontaneísmo e aumentaria a legitimidade do ministro, ao ser reconhecido pela Igreja de maneira oficial. O desejo de que a comunidade participe na escolha de seus ministros não é no momento viável em relação ao ministro ordenado. Mas poder-se-ia começar tal prática com o ministro de culto. Portanto a escolha e designação final para receber o envio passaria de certo modo pela mediação da comunidade em que ele iria exercer sua função. Além do mais, seria uma resposta ao desafio ministerial levantado pelas Igrejas pentecostais e neopentecostais, viável na atual situação de Igreja.

A institucionalização do ministro do culto não deveria esgotar as outras possibilidades de ministérios instituídos não-ordenados, nem também o surgimento de formas mais carismáticas de ministérios espontâneos. A vitalidade duma Igreja particular manifesta-se também na pluralidade de ministérios. Basta recordar Paulo VI na Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi, que trata diretamente dos ministérios não-ordenados como “aptos para assegurar um especial serviço da mesma Igreja” e que estão em continuidade com “experiências vividas pela Igreja ao longo de sua existência” (n- 73).

Um dado da pesquisa pode animar-nos nessa linha de ampliar os ministérios instituídos e/ou espontâneos, a saber, o enorme número (44,3%) de pessoas que se declararam disponíveis a dar mais tempo para servir à comunidade.

8. O fenômeno das Igrejas pentecostais e neopentecostais

Inegável seu crescimento. A pesquisa já acusa tal fenômeno ao dizer que entre 20% a 40% das pessoas apontam o fato de algum membro de sua família ter deixado a Igreja. Não especifica que seja para uma entre as  Igrejas pentecostais e neopentecostais. Mas certamente irá nessa direção. 46% dos crentes foram católicos. A maioria dos pertencentes às outras religiões vieram das hostes católicas.

O crescimento do fenômeno pentecostal é visível aos olhos de quem passeia pelas periferias de nossa cidade e pelas estradas do Estado. Nascem templos como cogumelos depois de chuva.

Este fenômeno assenta-se sobre o tripé da cura, do exorcismo e da promessa de prosperidade econômica. Três forças extremamente apelativas para o nosso povo, sobretudo no momento atual.

A prática da cura encontra, antes de tudo, um desejo vindo de matrizes religiosas arquetípicas, que nós mesmos introjetamos no povo com nossas pregações tradicionais. O catolicismo milagreiro penetrou as camadas populares e mesmo não populares até o mais profundo da psique. As Igrejas pentecostais e neopentecostais simplesmente tocam tal tecla menos manuseada pelos católicos depois do Concilio Vaticano II. Além disso, a situação precária do sistema de saúde do país não é a causa, mas agrava tal desejo e necessidade de cura. Somando esses dois fatores, as massas correm em busca de milagre, onde este se oferece, quer nos templos pentecostais e neopentecostais, quer junto às imagens milagrosas de Igrejas católicas.

A situação das camadas mais pobres torna-se cada vez mais precária. Vive–se numa atmosfera de “tentação” contínua, de violência extremada, de penúria, de pressão psicológica, que, em muitos casos, provocam desequilíbrio físico e mental nas pessoas. Comportamentos esquisitos surgem, quer para as próprias pessoas, como para os outros. Nesse momento, interfere a interpretação do pastor pentecostal ou neopentecostal  duma presença do demônio. O demônio também pertence à matriz psíquica profunda do povo. Nós semeamos esse arquétipo. Agora ele eclode na forma de exorcismos nas Igrejas pentecostais e neopentecostais. A dramaticidade da vida real permite que os exorcismos assumam o mesmo grau dramático. Onde se oferece um exorcismo, lá correm as pessoas acabrunhadas por misteriosas forças internas, que são a condensação psíquica de uma contínua violência a que estão submetidas no cotidiano.

Envolvendo o clima propício para a cura e/ou para o exorcismo, cria-se um verdadeiro êxtase coletivo. Ora tal sensação é altamente terapêutica para pessoas submetidas a pressões psíquicas violentas, como é a maioria de nosso povo pobre na sociedade moderna, sobretudo nas grandes cidades. Nesses êxtases, experimentam as pessoas um sentimento de solidariedade, sem necessidade do peso de criar uma comunidade estável com exigências constantes.

As Igrejas pentecostais e neopentecostais prometem prosperidade. Quem não a deseja, sobretudo quando vive na carência absoluta de tudo? Não se trata da promessa aleatória das loterias, que são frequentadas certamente cada semana por um público gigantesco. É uma promessa que se vai cumprindo cada dia e de maneira verdadeiramente constatável. De fato, na sua pobreza muitos se entregam à bebida e a outros gastos supérfluos que os mergulham em miséria maior ainda. Uma lenta recuperação moral, produzida pela pregação das Igrejas pentecostais e neopentecostais, leva a um duplo efeito. De um lado, consegue-se um mínimo de poupança evitando esses gastos do vício e, de outro, muitos se empenham mais seriamente no trabalho produzindo naturalnmente melhora de rendimento. Essas duas pequenas fontes econômicas terminam produzindo o efeito de melhoria na vida material, identificada com a bênção de Deus e a generosidade nas esmolas dadas no templo.

Estas razões referem-se à estrutura interna da evangelização das Igrejas pentecostais e neopentecostais. Elas explicam, em parte, esse sucesso enorme das pregações e ações dos pastores. Entretanto há uma agilidade ministerial das Igrejas pentecostais e neopentecostais que lhes permite uma presença crescente junto às populações, sobretudo urbanas e concentradas. Para formar um pastor pentecostal bastam alguns meses. O campo de escolha é amplíssimo, já que não se exige nada mais do que o desejo de sê–lo e a consagração à obra. Além disso, nem faltam compensações econômicas. Com esse espectro gigantesco de escolha, os pastores são produzidos às dezenas e centenas por ano numa única cidade e lançados no mercado espiritual das Igrejas pentecostais e neopentecostais.

Esta abundância de pastores traz uma consequência altamente propícia para o crescimento das Igrejas. Os pastores podem demonstrar e praticar uma acolhida mais personalizada às pessoas. As comunidades podem ser menores, já que podem subdividir-se progressivamente e encontrar um pastor. Num país de extrema carência humana, em que as pessoas pobres são aviltadas e humilhadas praticamente em todos os ambientes, sentir-se gente numa Igreja é uma experiência muito gratificante.

Além disso, o pastor consegue articular duas atitudes aparentemente antitéticas, mas que produzem um efeito de sucesso. De um lado, esta acolhida e de outro um virulento autoritarismo. Este, porém, é apresentado como um encargo divino, fruto de uma iluminação e vocação. Ele vem responder à necessidade que pessoas pobres desfeitas e desestruturadas pela violência da vida moderna sentem de um ponto de referência seguro, firme. E o pastor filhos oferece.

O ministro católico, por sua vez, é escolhido unicamente entre os celibatários. Aí já vai uma seleção enorme. É submetido a uma longa formação espiritual, intelectual e moral. E no percurso da mesma, muitos desistem. E na vida pastoral o ministro ordenado, por maior que seja a participação do leigo, ainda é o centro e motor. O pequeno número dos ministros ordenados deixa-os na impossibilidade de demonstrar acolhida personalizada a seus fiéis, criando comunidades muito formais e sem calor humano de proximidade. A formação atual dos ministros e as opções pastorais da Igreja impedem de usar do jogo do milagre, do exorcismo, do autoritarismo despótico, como o fazem as Igrejas pentecostais e neopentecostais. Portanto, evidentemente ante esse duplo quadro ministerial, não há por que estranhar que as Igrejas pentecostais e neopentecostais tenham muito mais possibilidade de crescimento.

A razão, que ultimamente se tem alegado, de que o crescimento das Igrejas pentecostais e neopentecostais vem do fato de a Igreja ter-se dedicado mais ao campo social que religioso, não convence. A menos que com isso se queira dizer que a Igreja oficial abandonou o incentivo às duas coordenadas espirituais, acima elencadas, do cultivo do milagre e do exorcismo. Mas tal mudança não veio por causa da dimensão social, mas simplesmente por influência da modernidade ilustrada, assumida no Concilio Vaticano II.

Há uma outra componente importante no crescimento das Igrejas pentecostais e neopentecostais. Elas atuam principalmente sobre pessoas oriundas do campo e sobre donas de casa. A respeito das donas de casa, parece mais simples entender tal influência por causa da massiva e maciça presença dos crentes através dos programas de rádio e de TV. As donas de casa durante o dia de trabalho ouvem muito o rádio. E as estatísticas apontam, de fato, uma maior audiência em relação ao rádio por parte dos membros das Igrejas pentecostais e neopentecostais.

No caso das pessoas do campo, as razões se referem provavelmente ao desarrimo que elas sentem ao chegar na cidade. E as Igrejas pentecostais e neopentecostais oferecem apoio, quer material, quer psicologicamente. Ambas ajudas favorecidas pela abundância de pastores, que podem acolher as pessoas diretamente, explicam esse fluxo.

De fato, quando essas pessoas estavam no campo tinham na presença mais forte da Igreja católica, suas tradições, festas, costumes, uma referência clara. Ao vir para a cidade, tal referência desaparece. Além disso, a falta de padres católicos, a sua posição menos autoritária, a dificuldade do contacto pessoal com essa massa de migrantes deixam as pessoas entregues à ação das Igrejas pentecostais e neopentecostais.

Com efeito, muitos frequentadores das Igrejas pentecostais e neopentecostais são pessoas que vieram do interior. Lá elas tinham na Igreja católica, claramente configurada pela posição física do edifício da Igreja e da pessoa do pároco, sua segurança. Ao virem para a cidade, perdem referências e são bombardeadas pelos meios de comunicação, pela sedução dissolvente da grande cidade. Desestruturam-se, tornam-se inseguras. Ora, o pastor, com seu autoritarismo, dogmatismo, firmeza e convicção inabaláveis, surge para essas pessoas como um ponto firme de referência e segurança, como dissemos acima.

Os crentes confirmam tal hipótese ao darem como motivação de sua participação nas Igrejas a busca e recebimento de apoio, amparo. Encontram nelas a tábua de salvação, que buscam na desorientação causada pela mudança para a vida urbana.

É de prever, portanto, que tal fluxo migratório da Igreja católica para as Igrejas pentecostais e neopentecostais continue crescendo, a não ser que haja uma profunda mudança na estrutura ministerial da Igreja católica — não previsível a curto prazo — ou se estanque o êxodo rural. Além disso, a pastoral na zona rural também deveria adaptar–se a essa nova problemática.

Falsa saída pastoral: Pastoral de conservação e reconquista

Estes e outros fatos mais têm reforçado uma pastoral de conservação de cunho tradicional ou renovado, organizada sobretudo pela paróquia.

A paróquia tradicional tem aproveitado o êxodo para as seitas de muitos fiéis para criticar a pastoral social da Igreja, o empenho nas comunidades de base e nas pastorais específicas. Julga-se que tal tem sido a principal causa da saída dos fiéis. Propugna-se um empenho nas práticas devocionais tradicionais que, segundo esta pastoral, têm ainda força de reter os fiéis e atrair os tresmalhados. Ou se é tentado até mesmo a usar as mesmas armas do milagre e exorcismo com a finalidade de atrair fiéis que emigraram. Naturalmente está por debaixo de tal pastoral uma teologia profundamente equivocada no seu sentido profundo. Transporta-se para o mundo da religião o mesmo espírito de concorrência comercial da sociedade capitalista, esquecendo-se da mais elementar teologia da graça e da salvação.

A imagem, que a grande imprensa quis veicular da última Assembleia da CNBB, vai precisamente na direção de uma Igreja arrependida de seu empenho pelo social e desejosa de voltar a favorecer o extraordinário na religião. No fundo, significa entrar na concorrência com as seitas valorizando os elementos maravilhosos do êxtase coletivo, dos exorcismos, das curas e milagres.

Além disso, conservam-se naturalmente os movimentos tradicionais de piedade, organizados (Apostolado da Oração, Filhas de Maria, Vicentinos etc.) e esporádicos (romarias, procissões, festas da padroeira etc.). Com isso pensa-se enfrentar o desafio das seitas, mas certamente não se responde às questões levantadas pela pesquisa a respeito do perfil do fiel.

A paróquia renovada tenta responder de modo diferente. É mais sensível à problemática levantada pelo novo perfil do fiel e seus questionamentos. Assume o desafio da pastoral urbana. Entende que o fiel está cada vez mais tocado pelo espírito da modernidade: desejo de participação e de valorização de suas experiências pessoais, subjetivas. Além disso, este fiel já não se sente mais vinculado tanto ao âmbito territorial da paróquia. Tem a mobilidade das cidades.

Nesse sentido, a paróquia pretende, pela renovação de suas estruturas internas, proporcionar muito maior participação do leigo nos ministérios, na administração etc. Além disso, em nível transparoquial, estão os movimentos modernos de espiritualidade e apostolado dos leigos. A pastoral urbana vive certo impasse e cada vez maior conforme cresce a cidade. E um dos nós de estrangulamento está na sua concepção paroquial-territorial. O homem urbano se define, não pelo território onde mora, mas pelos interesses que tem. Se quer fazer esporte, não vai ao clube de seu bairro, mas ao de seu interesse, status etc. O mesmo vale de todas as suas atividades humanas. E cada vez mais valerá também das atividades religiosas. Reúne-se para rezar ou freqüenta os ritos sagrados onde estes lhe respondem melhor às necessidades espirituais.

Ora, de maneira intuitiva, ainda que talvez não claramente consciente, os movimentos vêm responder a essa nova configuração da cidade moderna. São transparoquiais, transdiocesanos, transnacionais. Quanto mais se desenvolve a sociedade urbana, mais “trans” ela fica. E nesse sentido os movimentos são, como estrutura, uma resposta, ao que parece, adequada. Não se trata aqui de seu conteúdo, mas da sua estrutura de atuação. Os movimentos tentam também ir na linha de serem criadores e articuladores de comunidades de vida cristã. Uma Igreja de comunidades no nível popular — CEBs — e no nível de classes letradas — movimentos, coordenação de comunidades de vida cristã — pode estar anunciando um novo modelo de Igreja. As atuais estruturas de organização deverão ser profundamente modificadas para darem conta dessa imensa rede de comunidades vivas de fé, de vivência e de práxis cristã, sem as violentarem e sem também deixarem perder a referência unitária da catolicidade.

Conclusão

Muitas leituras dos dados da pesquisa são possíveis. E as conclusões e pistas pastorais vão brotando à medida que elas forem feitas. Algumas pistas aqui indicadas necessitam ser mais fundamentadas. Ter iniciado este processo é o grande sinal dos tempos de nossa Igreja particular. É realmente empenhar-se em “Construir a Esperança” contra toda esperança. O campo da inviabilidade de dados estatísticos abre o espaço da esperança teologal e pode mover muitos cristãos a acreditarem na causa da Igreja de comunidades

João Batista Libanio, S.J.
(1932-2014)

Doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana (Roma), Libanio foi um grande teólogo da libertação, pastoralista, professor de teologia sistemática e da práxis cristã, escritor, orientador de estudos, conferencista, assessor da CNBB, da CRB, das CEBs, de grupos de jovens e de muitos outros grupos, movimentos e pastorais. Além disso, foi vigário paroquial. 

(os grifos são nossos)

Fonte:

Perspectiva Teológica 

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Alberto Antoniazzi: vida em missão https://observatoriodaevangelizacao.com/alberto-antoniazzi-vida-em-missao/ Fri, 22 Dec 2017 02:42:59 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=27154 [Leia mais...]]]>  

Padre Alberto desempenhou um papel fundamental na formação e atualização sacerdotal, tanto na Igreja de Belo Horizonte quanto em nível nacional. Era presença constante nos Encontros Nacionais de Presbíteros. Sempre morou no seminário arquidiocesano e foi braço direito dos reitores. Desde 1990 esteve inteiramente dedicado ao Projeto Pastoral Construir a Esperança. Eu diria, na verdade, que padre Alberto foi a mente e o coração do PPCE.

                                                           Cardeal Dom Serafim Fernandes de Araújo  Arcebispo Emérito de Belo Horizonte

 

Se o próprio Dom Serafim afirma que Alberto Antoniazzi “foi a mente e o coração do PPCE”, monsenhor Éder Amantéa, na segunda parte da entrevista a nós concedida, irá narrar a gênese da I Assembleia do Povo de Deus (I APD), que emerge justamente como consequência do Projeto Pastoral Construir a Esperança (PPCE). Ao ouvir sua narrativa compreende-se porque tantos declaram que padre Alberto Antoniazzi era um homem de Igreja e para a Igreja.

Antoniazzi foi um sacerdote atento aos apelos de renovação eclesial do Concílio Ecumênico Vaticano II. Por isso mesmo, percebia que a presença da Igreja na sociedade precisava se dar a partir de sua missão enquanto Povo de Deus. Isso mudava completamente a eclesiologia piramidal anterior, pois todo o Povo de Deus – não só o clero – experimenta-se, então, com uma mesma missão e dignidade pelo Batismo. Refletia assim sobre o ministério ordenado e sobre o laicado tanto na perspectiva intra-eclesial quanto na importância da atuação cristã para a transformação social.

O PPCE foi a forma encontrada por padre Alberto para dinamizar a vida da Igreja na arquidiocese de Belo Horizonte. Incentivar e fortalecer o protagonismo laical; criar equipes para fazer da pastoral catequética de BH uma referência nacional; apoiar a reforma litúrgica… “o que aconteceu de pastoral no episcopado de Dom Serafim, foi iniciativa do padre Alberto”, segundo o depoimento de seu grande amigo, monsenhor Éder.

Além desse testemunho entusiasmado, Éder Amantéa contextualiza os fatos narrados e assevera: “O Concílio chegou com toda a força. Toda a Igreja estava esperando a reforma, mas depois de 50 anos de Concílio, muitas reformas não foram implementadas ainda. Há muita coisa pra mudar…” Vale a pena conferir!

Professora Tânia Jordão.

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Alberto Antoniazzi: vida em relação https://observatoriodaevangelizacao.com/alberto-antoniazzi-vida-em-relacao/ Wed, 20 Dec 2017 02:04:25 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=27133 [Leia mais...]]]>  

 

A Igreja no Brasil lhe deve muito. Muitíssimo! Todos os documentos da CNBB, nos últimos 30 anos, têm a participação de padre Alberto. Seu trabalho no Projeto Pastoral Construir a Esperança, inclusive, inspirou a CNBB nos projetos de evangelização nos períodos de 1998-2000 e 2001-2003.

Da mesma forma como ele conseguia mobilizar a Igreja através de seus pensamentos e palavras, também agora, com sua morte, ele conseguiu sacudir o país inteiro. Desde o dia de sua morte, venho recebendo mensagens e telefonemas dos quatro cantos do Brasil, de pessoas que o admiravam, que o tinham como amigo, que lhe queriam bem.

As palavras acima, de Dom Serafim Fernandes de Araújo, arcebispo emérito de Belo Horizonte que acompanhou muito de perto o padre Alberto Antoniazzi, nos traz um pouco do teor e da dimensão do trabalho desse homem que engendrou uma nova face para nossa Igreja.

O Observatório da Evangelização teve a oportunidade de entrevistar monsenhor Éder Amantéa, com quem padre Alberto viveu seus últimos meses, quando já estava debilitado por um câncer que o levaria em dezembro de 2004. Registramos, com gratidão, esse histórico depoimento em três vídeos, os quais lhes apresentamos neste momento em que celebramos os 13 anos de sua partida para abraçar o Criador.

Padre Éder nos conta de sua convivência com o amigo: como o conheceu; seu incansável trabalho do qual nasceu o Projeto Pastoral Construir a Esperança (PPCE); seu empenho em trabalhar pela revitalização da vida presbiteral à luz dos documentos da Igreja (do Concílio Vaticano II, das Conferências de Medellín e de Puebla); sua disponibilidade para atender demandas de dioceses diversas e, principalmente, assessorar a própria CNBB em aspectos pastorais; sua presença no Sínodo sobre a Catequese; sua convivência afetuosa com outros intelectuais… 

Por fim, nesse depoimento sensível e próximo, padre Éder afirma que Alberto Antoniazzi foi um “presente da Igreja de Milão à Igreja de Belo Horizonte”, o que nos ajuda a entender a proximidade de padre Alberto ao Papa Paulo VI…

Para entender a beleza com que foi tecida a teia daquela saudosa vida, assista a primeira parte de nossa entrevista. Há, mesmo, homens que são imprescindíveis!

Professora Tânia Jordão.

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