Penha Carpanedo – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Tue, 13 Mar 2018 01:12:57 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.4 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 Penha Carpanedo – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 O louvor de Deus na boca do povo  https://observatoriodaevangelizacao.com/o-louvor-de-deus-na-boca-do-povo/ Tue, 13 Mar 2018 01:12:57 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=27573 [Leia mais...]]]> O Ofício Divino das Comunidades a partir da Sacrosanctum Concilium

Por Penha Carpanedo

Em dezembro de 1988, foi publicado no Brasil o Ofício Divino das Comunidades, uma versão popular da Liturgia das Horas para as comunidades cristãs. Agora, quase 30 anos depois de sua primeira edição, já é bem conhecido em várias regiões do país, em comunidades rurais e de periferia, catedrais e igrejas de centros urbanos, comunidades religiosas inseridas, pastoral da juventude e comunidades do povo da rua. Com o Ofício Divino das Comunidades o povo pode de novo beber da fonte onde bebeu o povo de Israel, onde beberam Jesus e as primeiras comunidades cristãs. Depois de séculos, os salmos voltam a ser uma referência para a espiritualidade cristã, uma escola de oração, como diziam os antigos. O Ofício Divino das Comunidades é uma resposta concreta à grande intuição do Concílio Vaticano II que propôs a reforma do Ofício Divino e pediu que ele voltasse a ser celebrado pelo povo de Deus como era nos inícios das comunidades cristãs.

1. BROTO DE UMA ANTIGA RAIZ

Nos três primeiros séculos, os cristãos rezavam regularmente, em particular e em comunidade. As orações eram constituídas de louvor a Deus por meio dos salmos, hinos e cânticos espirituais, associadas às horas do dia. Do IV século do cristianismo, temos diversos testemunhos de uma liturgia organizada em diferentes Igrejas, composta de salmos, hinos e orações, tendo como eixo o mistério pascal associado às horas do dia. Eram liturgias populares, nas quais o povo participava, sobretudo de manhã e de tarde.

Esse costume cristão de celebrar nas horas do dia é uma herança que vem das comunidades judaicas. Seria impossível imaginar o Ofício Divino sem os pressupostos da liturgia judaica, com sua sinagoga, os salmos e com o seu costume de prestar reverência a Deus em determinadas horas do dia, com uma liturgia de escuta, louvor e intercessão.

Na tradição judaica, a oração da manhã (shahrit), privilegiada pelo povo de Israel, é tempo, por excelência, de orar. “É a hora de Deus se compadecer dos humanos (Ex 16,7s; Sl 4,4; 17,11). As orações da manhã são liturgias de adoração e louvor a Deus que renova, no início do novo dia, a luz da natureza e as forças dos crentes para o seu serviço. A comunidade entrega ao Senhor o dia, para que todas as ocupações sejam abençoadas por ele. Pelo entardecer, ofereciam-se no Templo o sacrifício vespertino e o sacrifício de incenso. Soava a hora em que terminava a impureza legal, se por acaso alguém tivesse incorrido durante o dia, e findava o jejum quando era prescrito. A oração da tarde simboliza o fim do sofrimento e das provações que sobrevêm ao justo (Is 17,14)”.

As comunidades cristãs, assumindo os mesmos horários dos judeus, foram imprimindo-lhe sentido e características próprias, a partir da revelação de Deus na pessoa e na missão de Jesus Cristo, no mistério de sua morte-ressurreição. Viram na luz do sol que nasce e se põe símbolo da ressurreição ao redor do qual organizaram os ofícios da manhã e da tarde, acrescentando as vigílias, sobretudo aos domingos e nas grandes festas. Outras horas foram estabelecidas como tempo de oração: as nove horas, ao meio dia, as três da tarde. Com a consagração de determinadas horas à oração, a Igreja entendia traduzir, de forma concreta, o ensinamento de Jesus sobre a oração contínua.

 

2. A REFORMA DO CONCÍLIO VATICANO II

A Constituição conciliar Sacrosanctum Concilium (SC), sobre a liturgia, dedicou o capítulo IV ao Ofício Divino, afirmando os fundamentos teológicos e pastorais, propondo uma reforma que servisse de base para devolver ao povo o que lhe pertencia.

As decisões conciliares deram lugar, depois do Concílio, à reforma da Liturgia das Horas que durou cerca de oito anos. Antes da primeira publicação definitiva, uma parte do Ofício foi concedida em via experimental aos países de língua francesa, e depois aos de língua inglesa, alemã e portuguesa. A aceitação foi surpreendentemente favorável.

Em 1971, foi publicada a Introdução Geral à Liturgia das Horas (IGLH), documento que oferece a chave de interpretação da Liturgia das Horas renovada. É, ao mesmo tempo, um texto doutrinal, pastoral e disciplinar, uma síntese completa que visa a compreensão das linhas da reforma, do sentido do Ofício, de cada hora e dos diversos elementos, bem como a sua celebração.

A primeira frase dessa Introdução exprime claramente o novo enfoque que se tentou dar ao Ofício Divino: “Oração pública e comum do povo de Deus” (IGLH 1). A “Liturgia das Horas” veio à luz, em edição típica latina, no advento do mesmo ano com o primeiro volume e, sucessivamente, em 1972, com os outros três volumes, todos traduzidos para o Brasil.

 

2.1 O Ofício Divino ação de Cristo e do Espírito

A peculiaridade da “oração litúrgica” está no fato de ser sacramento da oração de Cristo através da assembléia litúrgica, sinal sensível da sua presença e do seu corpo que é toda a Igreja. A assembléia litúrgica é sacramento da Igreja, porque nela Cristo está ativamente presente com seu Espírito (Cf. SC 7; Mt 18,20).

A Constituição litúrgica Sacrosanctum Concilium expressou com palavras poéticas e densas a presença de Cristo no Ofício Divino: “O Sumo Sacerdote da nova e eterna aliança, Jesus Cristo, ao assumir a natureza humana, trouxe para este exílio da terra aquele hino que se canta por toda a eternidade na celeste morada. Ele une a si toda a humanidade e associa-a a este cântico divino de louvor” (SC 83).

Esse hino é expressão da reverência filial do próprio Verbo de Deus, em diálogo de amor com o Pai desde o princípio, e que manifestou-se na plenitude dos tempos. “Encarnando-se, o Filho não interrompe o seu hino, mas o introduz em nossa terra e a ele associa a Igreja”.

A prece de Jesus que a Igreja continua não é apenas a que se canta nas moradas do céu, mas também a prece que ressoa de dentro de sua vida cotidiana e da sua atividade missionária (cf. IGLH 4 e 5); nas noites que Jesus passava em oração (cf. Mt 14,23.25; Mc 6,46.48), na oração dirigida a Deus antes de curar um doente, no grito da cruz, na grande oração sacerdotal antes da sua morte (cf. Jo 17). “Durante a sua vida terrena, Jesus ofereceu orações e súplicas com grande clamor e lágrimas àquele que o podia salvar da morte, e foi atendido por sua obediência (Hb 5,7).

Jesus, antes de passar deste mundo ao Pai, confiou à Igreja, não somente a memória da ceia, mas também a sua oração, pois ele não pode mais separar-se do seu corpo que é a Igreja. De tal maneira formamos uma única realidade com Cristo, que quando a Igreja ora e salmodia, é o Cristo orando na voz da Igreja (cf. SC 7). A sua oração, como o seu sacrifício, prolonga-se na Igreja. Cristo continua em nós, povo sacerdotal que somos, sua atitude de gratidão, de contemplação, de louvor ao Pai, na exultação do Espírito Santo. É o Espírito que nos faz entrar na relação filial de Jesus com o Pai, porque “Deus enviou aos nossos corações o Espírito do seu filho que clama: Abba, Pai!” (Gl 4,6). “O Espírito socorre a nossa fraqueza, pois não sabemos o que pedir como convém, mas o próprio Espírito intercede por nós com gemidos inefáveis” (Rm 8,26).

 

2.2 Ofício Divino, ação da Igreja

A Sacrosanctum Concilium afirma que “Cristo continua a sua missão sacerdotal por meio da Igreja que louva o Senhor sem cessar e intercede pela salvação do mundo, não só com a celebração da Eucaristia, mas de vários outros modos, especialmente pela recitação do Ofício Divino (SC 83).

Há na Sacrosanctum Concilium uma insistência para que o Ofício seja feito em comum, ao menos em parte (cf. SC 99), que a oração comunitária seja preferível à oração individual (cf. IGLH 33). A Introdução Geral aplica à Liturgia das Horas a determinação conciliar que afirma ser as ações litúrgicas não ações privadas, mas celebrações da Igreja (…), ações que pertencem a todo o corpo da Igreja (cf. SC 26; IGLH 20) e que, por isso, não pode ficar “reservada” a alguns. Por isso, a Sacrosanctum Concilium recomendou que “também os leigos recitem o Ofício Divino” (SC 100).

A expressão oração da Igreja “tinha, num passado recente, um sentido prioritariamente jurídico. O Ofício era a oração da Igreja porque era organizado e regulamentado pela Igreja, reconhecido oficialmente e confiado como obrigação a alguns delegados para isso, os quais oravam “em nome da Igreja”. No entanto, com a renovação conciliar, devolve-se o Ofício Divino ao povo de Deus, à comunidade dos batizados. É da Igreja porque a Igreja realiza a ação. Parte-se do mistério da Igreja, povo sacerdotal pelo batismo, animado pelo Espírito Santo, com direito e obrigação de celebrar (cf. SC 14 e cf. IGLH n. 6-7)), de formar “assembléia para louvar a Deus…” (SC 10). O caráter eclesial da Liturgia das Horas é garantido, quando é realizada pela comunidade com seus ministros ou mesmo por uma pequena assembléia formada por leigos (cf. IGLH 27) ou por religiosas que “representam a Igreja orante” (IGLH 24).

O sacerdócio de Jesus, chave de compreensão do seu ministério, participado por todos os cristãos mediante o batismo, confere fundamento, razão e valor à prece dos filhos e filhas de Deus. Temos na teologia do sacerdócio dos fiéis, e em sua consequente habilitação para o culto divino, fundamento do direito e da obrigação de todos os fiéis de participarem da prece da Igreja. Não se trata de delegação exterior e de caráter apenas jurídico. Trata-se de habilitação teologal. Todo fiel e qualquer pequena comunidade pode converter sua oração eclesial em autêntica liturgia das horas, sem necessidade de qualquer outro título externo que se possa acrescentar.

 

2.3 A memória da páscoa associada à hora

Embora a Liturgia das Horas leve em conta o ciclo anual e o ciclo semanal do ano litúrgico, ela se inscreve fundamentalmente no ritmo diário. A Introdução Geral à Liturgia das Horas, assumindo o que diz a Sacrosanctum Concilium de “consagrar, pelo louvor, o curso diurno e noturno do tempo” (cf. SC 84), define como finalidade da Liturgia das Horas a santificação do dia e de toda a atividade humana (cf. IGLH 10-11).

Para que todos possam celebrar melhor e mais perfeitamente o Ofício Divino nas circunstâncias atuais, o Concílio estabeleceu dois momentos principais: laudes (manhã) e vésperas (tarde), “tidas como os dois pólos do ofício cotidiano, consideradas como as horas principais” (SC 89). Recomendou também que sejam mais solenemente celebrados, principalmente aos domingos e festas, que sejam cantados (cf. SC 99) e que a eles os fiéis sejam mais especialmente convidados (cf. SC 100). Teve-se o cuidado de torná-los populares, colocando neles as “preces”, a recitação comum do Pai-nosso e evitando atribuir-lhes salmos muito difíceis.

 

Fonte:

Revista de Liturgia, publicado no blog do pe. Luis Renato, SJ, Caminhos de formação

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Conversas sobre o Ofício Divino das Comunidades – Penha Carpanedo https://observatoriodaevangelizacao.com/i-conversas-sobre-o-oficio-divino-das-comunidades/ Wed, 28 Feb 2018 13:00:54 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=27448 [Leia mais...]]]> Apresentaremos uma série de entrevistas denominadas “Conversas sobre o Oficio Divino das Comunidades“. Em cada postagem, uma pessoa nos dará um testemunho ou uma reflexão em torno deste assunto. A intenção dessa produção é trazer à tona a experiência da Liturgia das Horas na forma do Oficio Divino das Comunidades, cuja prática oferece importantes elementos para a teologia e espiritualidade da Liturgia das Horas e para a sua inculturação.

Com a palavra à Penha Carpanedo, que fez parte da equipe que elaborou o Oficio Divino das Comunidades (ODC), e apresentou dissertação de mestrado sobre a sua inculturação. Ela partilha conosco o resultado do seu encontro, com grupos e comunidades, celebrando e aprofundando a teologia e a espiritualidade do Oficio Divino das Comunidades.

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Penha Carpanedo, da Rede Celebra

Versão inculturada da oração da Igreja

Por Penha Carpanedo

1. Desde o surgimento do Oficio Divino das Comunidades (ODC), até agora, como você sente evoluir a inculturação da Liturgia das Horas no Brasil?

Penha: O Oficio Divino das Comunidades possibilita uma oração cotidiana conforme a tradição da Igreja, de rezar com salmos e outros cânticos bíblicos, no ritmo das horas e dos tempos do ano litúrgico, com uma linguagem acessível às nossas comunidades. Depois de 20 anos desde a primeira edição, tornou-se uma referência reconhecida nas comunidades eclesiais do nosso país. E de certa forma ele cresceu com a prática das comunidades.

2. Quais elementos destacaria na proposta ritual do ODC como inculturadas?

Penha: Destaco dois elementos que me parecem fundamentais. O primeiro é a preocupação de adequar a linguagem dos textos, os ritos e o estilo da celebração ao modelo eclesial (teologia e prática) assumido por nossas comunidades a partir do Concílio Vaticano II e de Medellin. Parte-se do princípio que a inculturação da liturgia não é uma tarefa isolada, mas tem a ver com a inserção da Igreja no mundo, com a sua missão. Como bem formulou o liturgista filipino, Anscar Chupungco, a inculturação “não é apenas problema antropológico, mas também teológico, pois tange tudo o que toca o relacionamento entre Deus e o seu povo”. Esta preocupação perpassa todo o Oficio. Aparece nos hinos, nas orações, nas preces, nas introduções aos salmos etc. Aparece especialmente na Recordação da vida, introduzida para explicitar a relação entre o mistério pascal vivido no dia a dia e a celebração litúrgica. Outro importante destaque é a inclusão de elementos da piedade popular, realizando concretamente a ‘mútua fecundação’ entre liturgia e religião popular. E não apenas incorporando elementos externos, mas procurando corresponder à piedade e ao “fervor espiritual” do povo; aos “anseios de oração e de vida cristã”, tão característicos da piedade popular.

3. Poderia dar exemplos de repercussões da piedade popular no ODC?

Penha: As repercussões da piedade popular podem ser percebidas no próprio estilo do oficio. A ritualidade e a singeleza da celebração, com seu tom coloquial, sem muitas palavras explicativas, centrada no mistério pascal de Jesus, com seus salmos, hinos e orações em linguagem acessível, encontra eco na piedade do povo, com sua capacidade contemplativa e sua atitude de confiança em Jesus. Além disso, um exemplo concreto são as aberturas: com seu conteúdo bíblico e estrutura dos benditos populares em formato de repetição, traduzem com muita propriedade o sentido teológico do invitatório.

Respeitando sua forma responsorial, possibilita o diálogo e conduz à oração. A repetição foi bastante valorizada na elaboração dos diversos elementos que compõem o ODC, libertando a oração do papel e dando razão ao aspecto oral da piedade popular. É um dos elementos que mais agrada o povo e realmente convida a entrar na oração. Outro exemplo são os hinos – “cai a tarde o sol se esconde”, “pecador agora é tempo” e outros mais — tomados do repertório popular. Poderíamos ainda falar da dimensão relacional, de aliança, que cria um clima orante, comum à liturgia e à piedade popular.

4. Em que medida esta ritualidade tão presente na prática celebrativa do ODC responde à exigência de inculturação.

Penha: Sendo o Oficio Divino uma ação litúrgica como as demais celebrações da Igreja, tem dimensão comunitária e sacramental, pois se compreende como ação simbólica que expressa a salvação de Deus (oficio divino), mediante sinais sensíveis, que significam e que realizam o que significam (cf. SC 7). E quando é que um sinal é sensível? Quando atinge a pessoa em sua corporeidade, culturalmente situada. No ODC não há muitas indicações e detalhes a respeito dos gestos, símbolos e ritos. Entretanto, na prática, foi nascendo um estilo de celebração coerente com o jeito de celebrar de nossas comunidades, como resultado da relação entre liturgia e modelo eclesial e da ‘mútua fecundação’ entre liturgia e religiosidade popular.

Nas celebrações do ODC se valoriza a gestualidade, o movimento, o cuidado com o espaço e com os diversos elementos que o compõem, o bom desempenho dos ministérios (presidência, leitores/as, cantores/as, acólitos/as…) A verdade dos sinais tem como exigência, entre outras coisas, a incultaração, para que o povo possa se reconhecer na oração e de fato possa acompanhar as palavras com a mente atenta e participar com consciência, ativa e frutuosamente (cf. SC 11).

5. A inculturação leva a situar o ODC numa cultura e num tempo, isso não limita a experiência litúrgica?

Penha: O Concílio Vaticano II estabeleceu princípios teológicos e pastorais que estão na base de toda a reforma da Igreja e da Liturgia. Um destes princípios é o da adaptação aos tempos modernos e às culturas de cada povo. Compreendeu que para ser universal precisa ser capaz de adequar-se ao particular, naturalmente sem perder a referência da tradição. O ODC reproduz de maneira simples e inculturada, acessível ao povo de nossas comunidades, os mesmos elementos e estrutura da Liturgia das Horas, a mesma teologia e espiritualidade.

O ganho é imenso: a oração da Igreja se torna popular, e a oração do povo se enriquece com a herança da tradição bíblica e eclesial. Pensemos por exemplo na música. Grande parte das músicas tem sua inspiração nas raízes melódicas da nossa cultura. Muitas foram recolhidas do repertório musical produzido a partir da reforma do Concílio Vaticano II, que representa grande conquista em busca da música ritual em ritmo e estilo brasileiros. O próprio Geraldo Leite, um dos autores das músicas do ODC, escreveu: “Nossa música é toda uma mistura de melancolia e esperança, de ritmos e saudades, de alegria e de dores, de África e de Brasil”. As composições não estão sujeitas aos modismos, pois são de grande qualidade melódica e textual, permanecendo válidas pela sua autenticidade. Portanto, a inculturação não representa limitação, mas enriquecimento mútuo, pois descobre na cultura local o que existe de mais precioso e valoroso.

6. Como a experiência inculturada da Liturgia das Horas pode colaborar na vivência espiritual do mistério de Cristo em nossas comunidades?

Penha: Com séculos de separação entre espiritualidade e liturgia é preciso aprender de novo a viver a liturgia como fonte de espiritualidade (cf. SC 14); é preciso aprender a participar, prestando atenção nas palavras ditas ou cantadas, nas palavras que acompanham as ações simbólicas; é preciso aprender de novo a guardar no coração o que recebemos de Deus na assembléia litúrgica para viver existencialmente em nosso cotidiano. Ao mesmo tempo vamos redescobrindo que a liturgia, para além da razão, vai misteriosamente moldando e transformando o coração das pessoas e a vida de comunidade.

Não tenho dúvida de que o ODC caminha nesta direção. Reproduzindo a Liturgia das Horas, valendo-se da linguagem do nosso universo simbólico, o ODC constitui uma experiência vital do mistério pascal, e desta maneira torna-se alimento da oração e da devoção pessoal conforme pedia a Constituição sobre a liturgia (Cf. SC 90) e como recomendou Paulo VI, na Constituição Apostólica Laudis Canticum: que a celebração do Oficio pudesse “adaptar-se, quanto possível, às necessidades de uma oração viva e pessoal” (cf. n. 8).

Fonte: Revista de Liturgia – 217 – Janeiro/Fevereiro de 2010, organizada e publicada pelo Pe. Renato, SJ, em seu blog Caminhos de Formação.

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Uma palavra sobre Ofício Divino das Comunidades https://observatoriodaevangelizacao.com/uma-palavra-sobre-oficio-divino-das-comunidades/ Sun, 25 Feb 2018 19:50:55 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=27435 [Leia mais...]]]> Por Penha Carpanedo
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Penha Carpanedo, da CELEBRA – Rede de Animação Litúrgica, fala sobre o Ofício Divino das Comunidades

As Comunidades Eclesiais de Base – CEBs valorizam as celebrações como momentos de louvor a Deus em Jesus Cristo e no Espírito, no meio da caminhada da vida e das lutas. Dão testemunho de um louvor que nasce da pobreza e do sofrimento sem deixar de ser amoroso, bonito e cheio de esperança.

No esforço por uma liturgia fiel à tradição, mas com o rosto de nossas raças, têm reconhecido no Ofício Divino das Comunidades (ODC) importante referência de oração. De fato, o Ofício das Comunidades é uma herança que abraça a tradição antiga da Igreja e a espiritualidade latino-americana. É uma fonte onde beberam Jesus e as primeiras comunidades cristãs, e onde buscam água ainda hoje muitas pessoas que gostam de orar com salmos à luz da Páscoa de Jesus: as CEBs do campo e da cidade, as pastorais da juventude, o povo da rua, os círculos bíblicos, os grupos de novena do natal etc.

O Ofício Divino é uma celebração comunitária da fé, uma liturgia. Por meio dela continuamos a oração de Jesus ao Pai, fazendo memória da sua Páscoa nas horas do dia e nas horas da vida, intercedendo com ele, por toda a humanidade, e em comunhão com todos e todas que crêem.

Qualquer celebração comunitária precisa de um mínimo de estrutura. Em todas as religiões há ritos para expressar as suas crenças. No Ofício Divino das Comunidades a estrutura de cada celebração (ofício) é bem simples:

  • inicia-se com uma invocação de Deus através de versos de um salmo;
  • abre-se para a recordação da vida;
  • propõe-se o hino que explicita o sentido do mistério celebrado;
  • depois vem o salmo;
  • uma leitura bíblica, meditação e partilha;
  • cântico evangélico;
  • preces, Pai nosso e oração;
  • a bênção final.

Cada um destes elementos mudam de acordo com a hora do dia, o tempo litúrgico e as circunstâncias da vida.

1. O sentido de cada elemento do rito

A Chegada é o momento de preparação imediata que tem como finalidade criar o silêncio para a oração pessoal. Responde à necessidade de cada pessoa “reunir o coração” para que se possa constituir a assembléia em oração… Pode ajudar neste momento: iluminação reduzida, música ambiente, toques de atabaque que leve à concentração, um refrão contemplativo…

A Abertura é o começo do ofício com versos bíblicos de invocação de Deus, sem qualquer comentário. Expressa a gratuidade da oração e a iniciativa de Deus.

A Recordação da vida é o momento em que afirmamos a relação entre a celebração e a vida, entre a paixão e morte do Senhor e a paixão e morte do povo. Em toda a celebração, a vida está como que “latente”, mas na recordação da vida explicitamos mais claramente fatos de alcance e impacto nacional, situações e experiências trazidas pelos participantes, memória dos mártires que serão depois retomados no salmo, na meditação, nas preces.

O Hino é um canto diferente do salmo, cantos que nasceram da experiência da Igreja de ontem ou de hoje. Tem como finalidade expressar a oração da assembléia, a partir do mistério celebrado de acordo com a hora do dia e hora da vida.

O Salmo é um dos elementos centrais no Ofício Divino. São poemas, cânticos, preces… que acompanharam o povo de Deus a caminho da terra prometida e são ainda hoje muito importantes na espiritualidade judaica. Por um lado, eles são símbolos de tudo o que o ser humano carrega em seu coração: alegrias e sofrimentos, angústias e esperanças, docilidade e indignação, amor e ódio… Por outro lado, eles são símbolo que revelam o próprio Deus, atento ao grito dos pobres, pronto a manifestar seu amor e sua compaixão.

Os salmos foram a oração de Jesus, de Maria, das primeiras comunidades cristãs. Por isso, na tradição das Igrejas cristãs, um salmo é sempre rezado a partir de Jesus e da sua vitória pascal. Com essa chave, somos convidados a entrar na oração do salmo fazendo dele a nossa própria oração. Depois de cada salmo há um tempo de silêncio e de repetição de alguma palavra que nos tocou. Isso nos permite curtir e saborear a palavra de Deus e deixar que ela se torne a palavra da nossa oração.

Além dos salmos, escutamos uma leitura bíblica que pode ser dos evangelhos ou de outro livro do antigo ou do novo testamento. Em geral, as comunidades seguem as leituras indicadas na liturgia diária da missa. Se for evangelho é precedido por uma aclamação. Se for outra leitura é seguida de versos bíblicos de meditação. “Deve ser lida e ouvida como verdadeira proclamação da Palavra de Deus.” (IGLH n. 45).

Faz em parte do roteiro do ofício divino os três Cânticos Evangélicos, tirados do evangelho de Lucas:

  • No ofício da manhã, canta-se o Cântico de Zacarias ao raiar o sol; evoca a memória de Jesus o sol nascente;
  • À tarde, ao findar o dia, entoa-se o Cântico de Maria nos faz agradecer a Deus pela salvação;
  • À noite é a vez do Cântico de Simeão, que proclama a força da luz que brilha para todos os povos. É o ponto alto do ofício, por isso podemos dar ênfase a este momento: com passos de dança acompanhando o ritmo, com incenso…

Nas Preces unindo-nos à oração de Jesus, exercemos nossa vocação de povo sacerdotal, louvando, agradecendo e intercedendo pelas necessidades da humanidade e urgências do mundo.

O ofício termina com a invocação da bênção de Deus sobre a assembléia convidada a prolongar o louvor no ofício que deve continuar em todo o tempo e lugar, em cada gesto de amor e de serviço. Por fim, um refrão que funcione como “saideira”, prolongando a bênção.

2. Símbolos e ministérios

Sabemos o quanto o espaço bem arrumado e harmonioso é decisivo para o bom êxito de uma celebração. O espaço de celebração das CEBs é símbolo da sua identidade profética, expressão de uma Igreja povo de Deus, pobre e servidora do reino. Queremos cuidar para que nossos espaços sejam bonitos, ao mesmo tempo simples, refletindo a cultura local, bem coerente com a sua finalidade de abrigar uma assembléia de irmãos e irmãs para fazer memória da páscoa do Senhor.

Faz parte do espaço: a mesa para a santa ceia, a estante da Palavra, o suporte para a vela (menorá), a cruz, toalhas e o lugar da assembléia (de preferência em círculo). A mesa permanece no local, em todas as celebrações e não só quando há eucaristia. É um sinal permanente da entrega do Senhor.

Símbolos importantes no Ofício: o sol que nasce e se põe; o acendimento das velas especialmente no ofício de vigília do domingo e festas; a reunião da assembléia; elementos cósmicos (jarro com água, bacia com terra, sementes, flores, pedras…)

Uma palavra sobre os gestos.

  • Todos participam de pé, durante a abertura, o hino, o cântico evangélico, as preces, o Pai-nosso e a oração conclusiva (IGLH, n. 263).
  • Todos participam sentados na proclamação das leituras (exceto o Evangelho), dos salmos e demais cânticos com suas antífonas (IGLH, nn. 264-265).
  • Faz-se o sinal da cruz sobre os lábios no verso da abertura da manhã: “Estes lábios meus vem abrir Senhor”. O sinal da cruz sobre o corpo, acompanha o verso da abertura da tarde:  “Vem, ó Deus da vida…” e o início dos cânticos evangélicos.
  • Quem desempenha o ofício de leitor, proclamará em pé, do lugar apropriado, as leituras longas ou breves (IGLH,n. 259).

Os ministérios no ofício são a coordenação (uma ou mais pessoas), os leitores e os cantores. Quem coordena dá início ao ofício com o verso introdutório; introduz as preces (cf. IGLH n. 190) e a oração do Senhor; profere a oração conclusiva, a bênção e a saudação (cf. IGLH n. 256) e indica em cada caso a página do livro, quando for o caso. Cabe aos leitores cabe proclamar as leituras bíblicas e aos cantores entoar os refrões, salmos e demais cantos (cf. IGLH n. 260). Outros serviços: acender o círio no início; entrar com o estandarte, apresentar os fatos na recordação da vida etc.

Para aprofundar:

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CARPANEDO, Penha. Oficio Divino das Comunidades. Uma Introdução. São Paulo: Paulinas, 2015.

 

 

Fonte:

Rede Celebra

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