Pedro A. Ribeiro de Oliveira – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Sat, 04 May 2019 10:00:25 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.4 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 Pedro A. Ribeiro de Oliveira – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 Análise de conjuntura: uma mediação necessária para a ação evangelizadora https://observatoriodaevangelizacao.com/analise-de-conjuntura-uma-mediacao-necessaria-para-a-acao-evangelizadora/ https://observatoriodaevangelizacao.com/analise-de-conjuntura-uma-mediacao-necessaria-para-a-acao-evangelizadora/#comments Sat, 04 May 2019 10:00:25 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=30422 [Leia mais...]]]> A tradição pastoral da Igreja latino-americana, em sua busca de lucidez, consagrou o método VER-JULGAR-AGIR. Isso porque a ação evangelizadora (AGIR) precisa de mediações, ou seja, ela deve ser precedida de uma boa análise de conjuntura, de estudos da realidade, pesquisas, debates e rodas de conversa… em busca de maior compreensão possível da complexidade da realidade em que estamos inseridos (VER). Esta etapa dever ser seguida de uma boa leitura dessa mesma realidade à luz da fé cristã, das Escrituras, da tradição… em busca de profundo discernimento das vontade de Deus, das urgências e desafios que emergem de nosso contexto, bem como de pistas para as ações (JULGAR).

Por isso, a seguir, propomos a leitura reflexiva da provocante análise de conjuntura do contexto em que vivemos feita pelo sociólogo cristão Pedro Ribeiro de Oliveira. Vale a pena deixar-se interpelar:

Análise de conjuntura em tempos de guerra

Nota prévia

O título talvez cause estranheza, por referir-se a “tempos de guerra”. O problema é que a guerra ganhou uma nova forma – guerra de 4ª geração, ou guerra híbrida – e ainda não sabemos como lidar com ela. Estamos em situação semelhante à dos povos originários que não sabiam como defender-se dos europeus que chegaram protegidos por vestes metálicas e armas de fogo. Esta análise tem por objetivo desvendar as atuais estratégias de dominação econômica, política e cultural a serviço das grandes empresas transnacionais e seus efeitos na realidade da América Latina e Caribe.

A análise de conjuntura deve partir dos acontecimentos recentes, mas ir além deles e buscar a lógica do processo histórico no qual se inserem. Por isso a análise de conjuntura deve situar os fatos (visíveis) no plano das estruturas (invisíveis). É o que tento fazer aqui, para decifrar o sentido profundo do que está acontecendo em Nossa América, particularmente no Brasil.

Distingo três planos estruturais: o sistema de vida da Terra, o sistema-mundo com seu modo de produção e consumo capitalista, e o sistema (social, político, cultural e econômico) dos países da América Latina e Caribe, que são o foco de nosso interesse imediato. Sabemos, porém, que só podemos entender sua realidade considerando a história da Terra e o sistema-mundo em crise. Por isso, farei breve menção às mudanças conjunturais em cada um deles.

Lembro que não existe neutralidade na análise de fatos históricos. Por isso explicito que esta análise é feita na perspectiva de quem se identifica com as classes trabalhadoras, os povos originários e os grupos socialmente discriminados em suas lutas por um mundo de Paz, Justiça e Vida da Terra.

1. O sistema de vida Terra

Tornaram-se frequentes os sinais de mudanças estruturais no sistema Terra. Ao abrir a reunião da COP-24, no final de 2018 na Polônia, disse o secretário-geral da ONU: “Estamos em apuros. Estamos em grandes apuros com as mudanças climáticas”. Porque ele tem uma visão global, sabe avaliar o significado de uma catástrofe climático-ambiental. E sabe que ela poderá acontecer ainda antes de 2050, caso não sejam tomadas as medidas recomendadas pela comunidade científica internacional – medidas que as empresas rejeitam porque prejudicariam seus lucros. A situação se agrava porque os Estados nacionais dão mais prioridade aos lucros das empresas do que ao equilíbrio climático e ecológico. O caso do presidente dos EUA é emblemático, mas são muitos os governantes que, para não desagradar as empresas poluidoras, negam o fator humano no aquecimento global.

Aqui reside uma grave deficiência de nossa metodologia de análise: não entender a questão ambiental como questão política. É preciso ampliar nossas categorias de pensamento para incluir a Terra – ou, pelo menos, sua comunidade de vida – como sujeitoda história, e não mais como coisa. Ela está sofrendo e esse sofrimento certamente atinge a espécie humana, embora o instrumental científico disponível não consiga explicar essa conexão.

Tudo se passa como se espécie homo sapiens esteja a pressentir sua extinção e isso provoca comportamentos opostos. Num polo estão práticas que destroem a sociabilidade própria de nossa espécie, como o ódio ao diferente, a voracidade do consumo, o refúgio no mundo virtual e tantas outras; no polo oposto, esse mesmo pressentimento favorece a emergência da consciência da Terra como sujeito de direitos e ser vivo do qual a espécie humana faz parte, como bem expressou a Carta da Terra, publicada em 2000. Essa nova consciência recupera concepções ancestrais – como o Sumak Kawsay (Bem-Viver) – que só entendem os seres humanos em comunhão com a Mãe-Terra, seus filhos e filhas de outras espécies e com o espiritual.

Atenção: Essa realidade de âmbito planetário precisa ser seriamente considerada, porque ainda é possível ao menos amenizar a catástrofe ambiental que se anuncia. No mínimo, ela precisa ser considerada como um obstáculo intransponível ao crescimento econômico de médio e longo prazo. O próprio megaprojeto chinês da nova rota da seda, que prevê investimento de US$5 trilhões até 2049, fracassará se desconsiderar as mudanças ambientais.

2. O sistema-mundo do capitalismo em crise/guerra.

A crise de 2008 fecha o ciclo de acumulação do capital puxado pelos EUA no século 20. Acaba o desenvolvimentismo no terceiro mundo e as economias avançadas se protegem fechando-se. Enquanto o capitalismo mundial manteve aquele ciclo de crescimento, gerou ao mesmo tempo megaempresas transnacionais e diminuição da pobreza e da miséria no mundo; depois da crise de 2008, porém, a pobreza e a miséria retornam ao patamar anterior, enquanto o poderio das megaempresas se manteve, provocando superconcentração da riqueza mundial. O resultado é a financeirização típica dos processos de transição no interior do capitalismo: o capital se torna mais lucrativo no mercado financeiro do que na produção de bens e serviços.

Nesse contexto, as previsões apontam a transferência do polo econômico mundial do Ocidente (EUA – Europa), para a Ásia (China – Índia – Rússia). O projeto da nova rota da seda visa construir a infraestrutura para essa transferência. Enquanto esse projeto não se torna realidade, o capitalismo permanece em crise, deixando conturbada a situação econômica mundial. Fator relevante dessa crise é o US$ ainda ser a moeda de referência das transações internacionais, apesar da enorme dívida externa dos EUA.

A disputa geopolítica entre as grandes potências envolve o controle sobre suas áreas de influência e a conquista de novas áreas. Os investimentos chineses na África, por exemplo, assim como o retorno da doutrina Monroe “A América para os Americanos” devem ser entendidos na perspectiva geopolítica: cada Estado busca estender seu poder além do próprio território nacional para assegurar o acesso ao petróleo, a matérias-primas ou realizar alianças estratégicas com outros Estados. Além dos meios políticos e diplomáticos, a geopolítica usa também a força militar. Ao fazê-lo, surgem as guerras.

Há hoje muitas guerras no mundo: são guerras civis, étnicas, religiosas, contra drogas ou terrorismo – todas respaldadas pelas grandes potências. Não se pode descartar o risco de tais guerras evoluírem para uma guerra nuclear que liquidaria a espécie humana. A essas modalidades já conhecidas, acrescenta-se atualmente a guerra de 4ª geração ou guerra híbrida. Para explicar muito abreviadamente o que são elas, recorro a A. Korybko: Guerras híbridas: Expressão Popular, São Paulo, 2018.

Toda guerra é uma combinação de ações que visam destituir um poder definido como hostil e substituí-lo por um poder amigável. Desde milênios a guerra visa eliminar um governante ou regime que se recusa a submeter-se aos ditames de outro governo. A novidade da guerra de 4ª geração reside no tratamento da informação como arma de combate. O uso metódico, racional e sistemático da informação, associado a experiências empíricas, como meio de enfraquecimento do “poder hostil”. Trata-se de produzir informações parcialmente verdadeiras (pós-verdade) ou falsas (fake-news), mas plausíveis para quem as recebe, e difundi-las pela combinação da mídia corporativa (TVs, rádios e jornais), mídias digitais (whatsapp, facebook e twitter) e instituições com credibilidade, como Igrejas cristãs, ONGs ou institutos de pesquisa.

Ao receber uma informação que corresponde a seu desejo, a pessoa é levada a replica-la em sua rede de contatos. Isso aumenta sua credibilidade, porque as pessoas tendem a dar crédito à informação proveniente de fontes diferentes. Esse processo funciona como o vírus que infecta o sistema. Quando se trata de derrubar um governo “hostil”, as informações devem abalar sua legitimidade (geralmente acusando-o de corrupto) a tal ponto que bastará uma ofensiva local liderada por algum setor militar, político ou do judiciário para liquidá-lo. Esse processo de ataque é blindado pela tática de desqualificação das fontes de informação não-alinhadas contra o “poder hostil” como não-fidedignas por serem a favor da corrupção.

Atenção. Diante dessa forma de guerra, não basta indignação ética: se não aprendemos a combatê-las, seremos facilmente derrotados pelas armas ideológicas produzidas por Steve Bannon e outros manipuladores de opinião a serviço do liberalismo de mercado.

Antes que a suspeição de teoria conspiratória dificulte a compreensão dessa realidade, é preciso ter claro que a guerra de 4ª geração não é o resultado de decisão tomada em alguma assembleia secreta por dirigentes de fundações, empresas petrolíferas, bancos, ONGs, agentes da NSA, FBI, embaixadores, procuradores e Secretários de Estado. Tampouco teria um comando centralizado na CIA ou alguma agência governamental dos EUA. Ela é o resultado objetivo de diferentes fluxos de dinheiro, de poder ou de conhecimento, que se conectam direta ou indiretamente em laços de retroação, conformando uma grande rede. Nessa rede cada ator – no campo econômico, político, cultural e militar – age tendo em vista apenas seus interesses particulares ou da instituição que representa.

Agências governamentais e fundações privadas financiam o treinamento de atores locais para aprenderem a atuar em parceria com atores dos EUA na aplicação de suas normas e leis, no emprego de suas técnicas ou na difusão de seus valores e ideologia. É a conexão desses fluxos – materiais, de poder e conhecimento – em laços de retroalimentação, que faz surgirem atores, singulares ou coletivos, como nodos dessa rede. Assim como surgem, os nodos podem ser desligados após gerarem os resultados esperados, simplesmente pelo corte do fluxo de recursos, de poder ou de informação que os alimentava. (Adaptação livre do que diz Euclides Mance em O Golpe)

3. Guerra de 4ª geração em Nossa América

A análise da situação geopolítica atual aponta para a ocorrência de uma guerra latente entre as grandes potências mundiais hoje polarizadas por EUA e China. Embora se mantenham as relações diplomáticas e as transações comerciais e financeiras entre esses dois polos do capitalismo contemporâneo, as tensões eclodem em forma descontínua e localizada. Examinarei aqui dois exemplos – Brasil e Venezuela – para mostrar como essa tensão geopolítica se desdobra em guerras de 4ª geração na América Latina e Caribe.

3. 1 Brasil

A hipótese desta análise é que a derrubada do governo de Dilma Rousseff, em 2016, faz parte de uma estratégia de guerra de 4ª geração iniciada nos primeiros meses de 2014 e que se estende pelo menos até a posse do atual governo. Sua causa está no conflito de interesses entre os governos liderados pelo Partido dos Trabalhadores – PT – e grupos petroleiros e financeiros dos EUA. A divergência era a exploração do petróleo do pré-sal e o alinhamento do Brasil com o bloco formado por Rússia, China, Índia e África do Sul – BRICS. No quadro geopolítico resultante da crise financeira de 2008, o controle do petróleo (e de seu preço) e a manutenção do US$ como moeda de referência mundial representam pontos de grande importância. Por isso, ao defender o monopólio estatal na exploração do petróleo e favorecer a aproximação com a China, aqueles governos passaram a ser tratados como uma forma de poder “hostil” e, por conseguinte, alvo da guerra de 4ª geração.

Fundamental para o êxito dessa guerra é a aliança das megaempresas com as classes dominantes do Brasil: cerca de 71.500 pessoas com rendimentos mensais superiores a 160 salários mínimos e patrimônio (bens e direitos) médio de R$17,7 milhões (Dados de Receita Federal de 2013). Em meio à crise econômica e política de 2013, esses muito-ricos romperam o pacto informal feito com o PT, que em troca da governabilidade postergou as reformas estruturais (agrária, fiscal, política) e a auditoria da dívida pública. Assim, o projeto social-desenvolvimentista foi trocado pelo programa de Temer Ponte para o futuroque favorecia a política de subordinação aos interesses dos EUA. Seu apoio à eleição de Bolsonaro para dar cobertura à política econômica ultraliberal de P. Guedes, é o coroamento daquela aliança entre os muito-ricos do Brasil e os dos EUA.

Pelo menos temporariamente, as classes dominantes conseguiram a adesão das classes médias e os votos da massa popular. Para isso contam com a colaboração da mídia corporativa, de militares, Igrejas neopentecostais e setores conservadores das Igrejas Evangélicas e Católica. Embora seu ideário político-social dependa de pensadores do quilate de Olavo Carvalho, isso parece bastar para conquistar a adesão da grande massa de insatisfeitos com o sistema atual, que atiça o desejo de consumo mas não o satisfaz. Na ânsia de uma nova política, essa massa deixa-se levar pela propaganda que recobre e disfarça as velhas práticas da politicagem nacional.

Desde a vitória eleitoral de Bolsonaro os grupos no poder têm recorrido à agressividade para eliminar – ou ao menos enfraquecer – os instrumentos de que dispõem as classes trabalhadoras e setores subalternos para se expressar ou se organizar (como os Partidos de esquerda, Movimentos como MST, MTST, de Indígenas, negros, mulheres, LGBT e outros). Essa agressividade estende-se a setores de Igrejas, da intelectualidade e de universidades vistas como forças de oposição ao novo governo. Mais grave ainda é a permissividade à violência (policial-militar ou miliciana) contra povos originários e a defensores e defensoras de Direitos Humanos, na cidade como no campo. É típica do fascismo essa atitude de pretender eliminar toda oposição, sem ceder espaço à luta política dentro da institucionalidade democrática.

Atenção. Esta análise indica que as classes trabalhadoras e os setores populares ou nacionalistas foram derrotados pela guerra de 4ª geração. Sintomas dessa derrota é a fragilização das instituições republicanas – os Poderes Judiciário, Executivo e Legislativo – e a estagnação da economia, que não voltou a crescer significativamente desde 2014. Mas ainda é prematuro avaliar até que ponto suas forças foram exauridas e até que ponto têm capacidade de reação com real possibilidade de reverter a situação.

Convém pensar o Brasil atual como um país derrotado numa guerra de 4ª geração e com um governo a serviço dos muito-ricos e subordinado aos interesses das grandes empresas petrolíferas e financeiras dos EUA. Esse quadro, porém, não pode deixar de fora os sinais de vitalidade dos setores populares: (1) uma bancada suficientemente forte na Câmara para evitar aprovação de PECs, desde que construa um arco de alianças com partidos democráticos, significativa presença no Senado e conquista de Governos estaduais; (2) Movimentos Sociais organizados, Povos Indígenas, Partidos de esquerda, Sindicatos e novos coletivos dão mostras de resiliência e capacidade de reorganização desde as bases; (3) as propostas antidemocráticas do governo sofrem oposição da maioria da intelectualidade, de artistas e da população universitária; (4) CEBs e Pastorais sociais, bispos e padres católicos e pastores evangélicos, embora minoritários em sua Igreja, mantém vivo o Cristianismo da Libertação; (5) as pequenas unidades de economia solidária, cooperativas populares e assentamentos são alternativas à economia capitalista.

3.2 Venezuela

A estratégia de guerra de 4ª geração usada no Brasil – informações que descrevem o governo como corrupto – foi reforçada na Venezuela pelo bloqueio econômico que estrangula a economia nacional. Também ali está em jogo o controle do petróleo (e de seu preço) e a aproximação com China e Rússia. Fosse a Venezuela produtora de cacau ou café, provavelmente desenvolveria seu projeto bolivariano com autonomia.

Sinal evidente dessa estratégia de guerra é sustentação dada pelos EUA e meia centena de governos aliados ao inexperiente suplente de deputado eleito presidente da Assembleia e autoproclamado presidente da República. A ascensão política de J. Guaidó como expressão do descontentamento popular certamente foi possibilitada pela política econômica de Chávez e Maduro, que beneficiou antes a nova burguesia bolivariana e seus comandantes militares, do que o empoderamento econômico popular. Mas ela seria inexplicável se não considerasse a importância geopolítica de um país que, sendo grande exportador de petróleo e tendo enorme potencial para mineração, encontra-se a menos de 4.000 km do território estadunidense.

Apagões de eletricidade (provavelmente causados por ataques cibernéticos) e a recente intensificação do bloqueio a toda compra de petróleo sinalizam que a guerra vai continuar e intensificar-se em 2019. É verdade que a Venezuela conta com aliados poderosos – Rússia, Turquia, Irã e China – mas todos estão do outro lado do Atlântico. É bem diferente da guerra de 4ª geração contra a Síria, cujo regime sofreu igual ataque acompanhado de intervenção militar, mas ali a vizinha Rússia interveio militarmente e não permitiu que seu aliado fosse derrotado. No caso do regime bolivariano a situação é diferente, pois os principais vizinhos da Venezuela – Brasil e Colômbia – querem derrubá-lo.

Conclusão

A solução a ser encontrada pela Venezuela em conjunto com outros países de Nossa América será muito valiosa para aprendermos a lidar com essa nova forma de guerra, mas ainda não se consegue sequer vislumbrar qual será ela.

Cuba, Venezuela e a Bolívia são hoje os únicos regimes latino-americanos que resistem à hegemonia dos EUA, acompanhados até certo ponto por México, Uruguai e Nicarágua. Se os EUA conseguirem impor seus interesses geopolíticos sobre a Venezuela, o próximo alvo de guerra de 4ª geração será provavelmente a Amazônia, dada a ambição de empresas pelas reservas de água, biodiversidade e minerais contidas em seu enorme território.

Percebe-se, então, a intuição genial do Papa Francisco ao escolher a Amazônia como tema do próximo sínodo da Igreja Católica. Ela pode ser a instituição multinacional mais adequada à defesa da vida na Amazônia, dada a fragilidade atual da ONU, cujas resoluções são sujeitas a vetos das grandes potências. O Sínodo, reunindo bispos de todo o mundo, poderá despertar e mobilizar novas energias capazes de assegurar a Paz naTerra e com a Terra. Que o teor de fidelidade ao Evangelho no episcopado mundial seja suficientemente forte para resistir às pressões que virão dos poderosos!

Pedro A. Ribeiro de Oliveira - Membro da Coordenação Nacional
Pedro A. Ribeiro de Oliveira – Membro da Coordenação Nacional – Juiz de Fora MG

Fonte:

www.fepolitica.org.br

]]>
https://observatoriodaevangelizacao.com/analise-de-conjuntura-uma-mediacao-necessaria-para-a-acao-evangelizadora/feed/ 7 30422
Outra análise crítica da posição da CNBB frente à crise sociopolítica brasileira https://observatoriodaevangelizacao.com/outra-analise-critica-da-posicao-da-cnbb-frente-a-crise-sociopolitica-brasileira/ Thu, 26 Apr 2018 13:58:58 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=27896 [Leia mais...]]]> O prof. Pedro A. Ribeiro de Oliveira é cristão leigo, doutor em sociologia, ex-assessor da CNBB e é membro da coordenação do Movimento de Fé e Política. Neste texto, o autor faz uma análise crítica da postura da CNBB frente à atual crise sociopolítica brasileira a partir do conteúdo das duas mensagens enviadas ao povo de Deus no dia 19/04/2018. Depois de analisar o conteúdo, de explicitar o que julga estar nas entrelinhas das afirmações dos bispos e as lacunas ou silêncios, conclui dizendo:

Esses documentos me fizeram pensar na mensagem da CNBB logo após o golpe de 1964. É um documento de louvor a Deus que, por meio das Forças Armadas, livrou o País do risco do comunismo. O episcopado brasileiro daquela época viu no golpe militar a resposta divina ao pedido das senhoras católicas marchando pelas ruas com o terço nas mãos. Surpreendentemente, porém, o mesmo documento tinha em sua página final uma crítica sutil mas contundente ao regime militar que então se instaurava. Ficava claro para qualquer leitor atento que aquela posição do episcopado não era unânime. Um resto profético liderado por Dom Helder Câmara recusava aquele alinhamento político porque não condizia com os rumos que João XXIII traçava para a Igreja católica. E foi esse resto profético que identificou mais tarde a CNBB com a defesa dos Direitos Humanos.

Hoje os bispos optaram por um pronunciamento que apoia envergonhadamente o regime resultante do golpe de 2016, sem que os bispos-profetas – que existem! – se manifestassem publicamente. É hora de vê-los se manifestando, porque isso é que reforça a Esperança dos leigos e leigas que estão nas lutas por um Mundo justo, pacífico, e cuidador da Casa Comum. Que sigam o exemplo do bispo de Roma, nosso Papa Francisco, que não se envergonha de clamar por Terra, Teto e Trabalho para os pobres deste mundo.”

A seguir, você pode ler as duas mensagens da CNBB ao povo de Deus e a íntegra do provocante texto do sociólogo cristão Pedro A. Ribeiro de Oliveira:

 

Duas Mensagens da CNBB: para quê?

Pedro A. Ribeiro de Oliveira [1]

Ao terminar sua assembleia geral deste ano, a CNBB difundiu duas mensagens: uma, ao Povo de Deus, convidando-o a associar-se à reflexão sobre sua missão e outra ao Povo Brasileiro, diante das eleições de 2018. Provocado por um programa radiofônico para emitir minha opinião sobre esses pronunciamentos, fiz uma análise do seu conteúdo para descobrir o que os bispos católicos do Brasil têm a dizer sobre a posição da Igreja Católica face à realidade política brasileira. Neste breve texto procuro desvendar os subentendidos presentes nessas mensagens[i], porque à primeira leitura elas parecem nada dizer.

 

Primeiramente, uma análise da Mensagem ao Povo de Deus.

Ela abre-se declarando, sem falsa modéstia, ser a “CNBB dom de Deus para a Igreja e para a sociedade brasileira”. Há uma referência a “polêmicas (difundidas) pelas redes sociais (que) atingem a CNBB”, mas nada é dito sobre elas.

Seguem-se três parágrafos autolaudatórios. Os bispos identificam-se, é claro, com a Igreja fundada por Cristo e afirmam que ela “é, na história, o povo de Deus, o corpo de Cristo, e o templo do Espírito Santo”. Em seguida, afirmam que “nós, Bispos da Igreja Católica, sucessores dos Apóstolos, estamos unidos entre nós”. E terminam louvando “a CNBB (que) vem servindo à sociedade brasileira”, e que “não se identifica com nenhuma ideologia ou partido político (…) evitando assim os erros de “transformar o cristianismo numa espécie de ONG, sem levar em conta a graça e a união interior com Cristo” e de “viver entregue ao intimismo”.

Depois dos louvores a uma Igreja autoreferenciada, os bispos chegam enfim ao momento atual: “Não podemos nos calar quando a vida é ameaçada, os direitos desrespeitados, a justiça corrompida e a violência instaurada.” Aqui eles poderiam dar alguns exemplos da realidade atual, como o desmonte do SUS, a violação dos direitos dos Povos Originários, a nova legislação trabalhista que legaliza a injustiça social, a impunidade de assassinatos de defensores e defensoras dos Direitos Humanos. Mas preferiram evitar esses fatos desagradáveis.

Seguem-se duas advertências. A primeira a algum bispo que se manifeste de modo diferente: “A Conferência Episcopal, como instituição colegiada, não pode ser responsabilizada por palavras ou ações isoladas”. A outra, aos fiéis que são chamados a construir “uma sociedade impregnada dos valores do Reino de Deus”, mas “devem ser pautados pela verdade, fortaleza, prudência, reverência e amor para com aqueles que, em razão do seu cargo, representam a pessoa de Cristo”. Nada mais nada menos do que a pessoa de Cristo.

Em suma, trata-se de um sermão que reforça a autoridade divina dos bispos. Não é surpreendente que tenha despertado tão pouco interesse.

 

Vejamos, então, como a CNBB se refere à situação político-eleitoral.

Seu ponto de partida é que os bispos “preocupados com a defesa integral da vida e da dignidade da pessoa humana, especialmente dos pobres e excluídos” chamam “todos os cristãos, incluindo os Pastores (…) a preocupar-se com a construção de um mundo melhor”. Ao aplicar esse princípio à realidade de hoje, os bispos dizem que o “Brasil vive um momento complexo, alimentado por uma aguda crise que abala fortemente suas estruturas democráticas e compromete a construção do bem comum.”

Esse diagnóstico genérico especifica-se no parágrafo seguinte, que aponta “um cenário desolador, no qual a corrupção ganha destaque.” Ninguém discordaria, mas caberia explicitar o tipo de corrupção ao qual se referem, porque a grande mídia associou corrupção e governos do PT, e seria ótimo lembrar outras formas de corrupção – muito mais danosas ao Brasil – como a transferência de dinheiro para paraísos fiscais, o perdão das dívidas do agronegócio e a sonegação da contribuição ao INSS por grandes empresas e bancos.

É apontada também “a carência de políticas públicas consistentes, (que) está na raiz de graves questões sociais, como o aumento do desemprego e da violência que, no campo e na cidade, vitima milhares de pessoas, sobretudo, mulheres, pobres, jovens, negros e indígenas.” Não há dúvidas sobre a realidade dessas questões sociais. Minha dúvida está em sua “raiz”.

Políticas públicas podem amenizar esses graves problemas sociais, como mostram os resultados do aumento real do salário-mínimo e sua manutenção como piso dos benefícios do INSS, bem com o programa bolsa-família, mas sua “raiz” é outra: a desigualdade estrutural da sociedade brasileira. A impressionante concentração de riqueza e renda nas mãos de menos de cem mil famílias muito ricas, sim, está na “raiz” do desemprego, da violência e da miséria. Mas isso fica sob obsequioso silêncio na Mensagem da CNBB.

Sem referir-se – nem mesmo indiretamente – ao governo resultante do impedimento da Presidente Dilma, os bispos denunciam que “a perda de direitos e de conquistas sociais, resultado de uma economia que submete a política aos interesses do mercado, tem aumentado o número dos pobres e dos que vivem em situação de vulnerabilidade. Inúmeras situações exigem soluções urgentes, como a dos presidiários.” A denúncia, porém, não dá lugar a alguma proposta de sua superação como a convocação de referendos revogatórios dessas políticas.

Chega então o momento de se falar das eleições de 2018, que “devem garantir o fortalecimento da democracia e o exercício da cidadania da população brasileira, (…) passo importante para que o Brasil reafirme a normalidade democrática, supere a crise institucional vigente, garanta a independência e a autonomia dos três poderes constituídos – Executivo, Legislativo e Judiciário – e evite o risco de judicialização da política e de politização da Justiça.” É fantástico o otimismo dos bispos! Tudo se passa como se até hoje o País vivesse a “a normalidade democrática”, e a “judicialização da política” e a “politização da Justiça” não fossem mais do que um “risco”!

De todo modo, a CNBB afirma ser “imperativo assegurar que as eleições sejam realizadas dentro dos princípios democráticos e éticos”. Para isso, o processo eleitoral deve seguir “as leis que o regem, particularmente, a Lei 9840/1999 de combate à corrupção eleitoral mediante a compra de votos e o uso da máquina administrativa, e a Lei 135/2010, conhecida como “Lei da Ficha Limpa”, que torna inelegível quem tenha sido condenado em decisão proferida por órgão judicial colegiado.” Invocar a “Lei da Ficha Limpa” hoje significa dizer que Lula não pode se candidatar a nenhum cargo político. O recado está dado.

Pena que não dessem outros recados, como, por exemplo, a importância da sigla partidária nas eleições legislativas. Os bispos só falam da importância de “conhecer e avaliar as propostas e a vida dos candidatos, procurando identificar com clareza os interesses subjacentes a cada candidatura.” Parece não lembrarem das votações televisadas em que os deputados e senadores condenaram Dilma e absolveram Temer alegando seguir as decisões tomadas pelas respectivas direções partidárias. As raras exceções só fizeram confirmar a regra de que no Congresso o partido conta mais do que o indivíduo.

E o documento conclui com uma piedosa exortação para que abandonemos “os caminhos da intolerância, do desânimo e do desencanto.” Alertando contra os fake news, incentivam “as comunidades eclesiais a assumirem, à luz do Evangelho, a dimensão política da fé, a serviço do Reino de Deus.” Outro sermão. Não mais do que isso.

* * *

Esses documentos me fizeram pensar na mensagem da CNBB logo após o golpe de 1964. É um documento de louvor a Deus que, por meio das Forças Armadas, livrou o País do risco do comunismo. O episcopado brasileiro daquela época viu no golpe militar a resposta divina ao pedido das senhoras católicas marchando pelas ruas com o terço nas mãos. Surpreendentemente, porém, o mesmo documento tinha em sua página final uma crítica sutil mas contundente ao regime militar que então se instaurava. Ficava claro para qualquer leitor atento que aquela posição do episcopado não era unânime. Um resto profético liderado por Dom Helder Câmara recusava aquele alinhamento político porque não condizia com os rumos que João XXIII traçava para a Igreja católica. E foi esse resto profético que identificou mais tarde a CNBB com a defesa dos Direitos Humanos.

Hoje os bispos optaram por um pronunciamento que apoia envergonhadamente o regime resultante do golpe de 2016, sem que os bispos-profetas – que existem! – se manifestassem publicamente. É hora de vê-los se manifestando, porque isso é que reforça a Esperança dos leigos e leigas que estão nas lutas por um Mundo justo, pacífico, e cuidador da Casa Comum. Que sigam o exemplo do bispo de Roma, nosso Papa Francisco, que não se envergonha de clamar por Terra, Teto e Trabalho para os pobres deste mundo.

[1] Leigo católico, nascido em 1943, doutor em sociologia, foi professor nos Programas de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Federal de Juiz de Fora e da PUC-Minas. É membro de Iser-Assessoria e da Coordenação do Movimento Nacional Fé e Política.

[i] Os trechos entre aspas são dos bispos. As palavras entre parênteses são minhas, para restaurar o sentido dos trechos que resumi.

(Os grifos são nossos)

Fonte:

IHU

]]>
27896
Diante de um sistema falido urge reconstruir as utopias https://observatoriodaevangelizacao.com/um-sistema-falido-que-tem-que-nos-levar-a-reconstruir-utopias/ Wed, 31 Jan 2018 18:32:00 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/2018/01/31/um-sistema-falido-que-tem-que-nos-levar-a-reconstruir-utopias/ [Leia mais...]]]> Artigo sobre a análise de conjuntura feita pelo prof. Pedro Ribeiro de Oliveira, e o olhar sobre os desafios da cidade apresentados pela profª. Raquel Rolnik, na manhã do segundo dia (24/01/2018), do 14º Encontro Intereclesial das CEBs.

 

Um sistema falido tem que nos levar a reconstruir utopias

Conhecer a realidade nos leva a nos abrirmos às problemáticas comuns, atitude inseparável de quem se diz cristão e ainda mais de quem vive sua fé nas comunidades eclesiais de base. Não podemos nos fechar, pensar em resolver só aquilo que nos atinge diretamente, somos obrigados a olhar longe, tanto no espaço como no tempo.

Muitos se perguntam pelos motivos da situação que o mundo e o Brasil passa e podemos dizer, como reconhecia Pedro Ribeiro de Oliveira, que no fundo da crise está a “falência” do sistema capitalista, que está acabando nem só com a vida das pessoas, como de um Planeta que já está doente, chegando a se perguntar com preocupação: em que mundo vão viver nossos netos? As CEBs são desafiadas a tomar consciência da situação e pedir perdão pelos pecados que cometemos contra a natureza, que está em guerra contra as grandes empresas e que nos torna em vítimas.

26952226_773847742804244_646020647263903138_o.jpg
Pedro Ribeiro de Oliveira – Apresentando sua análise de conjuntura no 14º Intereclesial das CEBs. Londrina, 24/01/2018.

O golpe que o Brasil sofreu, e que já se deu anteriormente em outros países da América Latina, foi promovido pelos interesses do capital, de olho nos recursos naturais, no minério, no petróleo, na água… O Brasil chegou numa situação que até a própria Constituição é mudada segundo os desejos da classe dominante.

Não podemos fechar os olhos, temos que ser conscientes que a concentração da riqueza em poucas pessoas tem concentrado o poder, onde hoje tem um papel determinante o controle da informação, sobretudo pelos Estados Unidos, que gera noticias segundo o próprio interesse, mesmo que para isso seja preciso agir desde a mentira, inclusive sabendo que isso provoca guerras, uma das realidades mais presentes no mundo atual, diante da qual as CEBs são desafiadas a procurar e fomentar caminhos de paz.

Vivemos num mundo que tem mudado os valores, provocando um câmbio de ideais. Hoje é valorizado a competição, o progresso, a eficiência, o avanço, deixando de ser importante outros aspectos como democracia ou justiça. Diante de situações como o julgamento do Lula, se percebe essa mudança, até o ponto de poder dizer que estamos diante de um processo próprio da Santa Inquisição, com uma sentença já determinada.

Segundo Pedro de Oliveira, se faz necessário empreender ações a curto e longo prazo, começando por um processo de conscientização, que ajude a superar um sistema de alienação, onde o único que interessa é ter dinheiro no bolso, aspecto em que também insistia Raquel Rolnik. Para isso as CEBs contam com o método de Paulo Freire e a leitura popular da Bíblia como instrumentos. Junto com isso é preciso descobrir as escravidões de hoje, recuperar as lutas e escutar os gemidos da Mãe Terra e dos pobres.

Isso pode ajudar a construir novos caminhos, pois esse é o desafio, segundo Raquel Rolnik. Em sua análise, ela mostrava que na cidade se concentra o poder, mas também aqueles que lutam para fazer parte da sociedade, para ter acesso à riqueza. Nesse sentido, a migração para a cidade tem marcado a vida do Brasil nos últimos 60 anos. No primeiro intereclesial esse fenômeno marcava a sociedade brasileira, gente do interior que ia para a cidade em busca de oportunidades, muitas vezes forçados por processos de expulsão, fenômeno que hoje continua presente na Amazônia ou no Centro Oeste.

27500214_773848652804153_5088410352014802098_o.jpg
Raquel Rolnik – Apresentando os desafios da complexa realidade urbana para a luta dos movimentos populares por cidadania e dignidade humana Londrina, 24/01/2018..

Foi esse povo da base quem foi construindo a cidade a partir da solidariedade, tendo a Igreja um papel fundamental nessa construção do tecido sociopolítico. O povo era explorado como mão-de-obra barata pelas multinacionais, situação que hoje se repete. Diante disso, o povo foi para a luta, se concretizando esses desafios na Constituição de 1988. Podemos falar, segundo Rquel Rolnik, de uma época de cidadania insurgente, que procurou a conquista de direitos.

Nesse sentido, temos que ser conscientes que conhecer o passado nos ajuda entender o presente. A professora da USP, destaca alguns fenômenos que mudaram essa realidade, como as novas igrejas evangélicas, que promoveram outros valores ou a mudança nos partidos políticos que construídos a partir das lutas mudaram e se colocaram ao serviço dos grandes interesses e que teve como consequência a corrupção, fazendo que o destino da cidade continue nas mesmas mãos. Podemos dizer, segundo ela, que os “territórios populares” foram invadidos pelos corruptores.

A sociedade atual está determinada pelo capital, que circula livremente, enquanto as pessoas cada vez têm mais dificuldades para ir de um lugar a outro, especialmente os mais pobres. Hoje os fundos de investimento se tornaram em elemento que decide a vida social. Diante disso, onde fica o papel do Estado? Muitos chegam a afirmar que não precisamos mais de Estado.

Isso tem que nos levar a descobrir que é momento de voltar para os territórios, para comunidades organizadas, que constroem sua vida desde um espaço de debate, que gera um movimento de popular de autodeterminação, que faz desfrutar dos pequenos, daquilo que nos leva às mudanças. Essa é a utopia onde queremos chegar, mas para isso devemos construir novamente a sociedade a partir do aprendido das lutas ao longo da historia, vamos chegar na utopia.

JBYTUm_f.jpgLuis Miguel Modino é presbítero e missionário católico na Amazônia, Diocese de São Gabriel da Cachoeira. É correspondente no Brasil para o site Religión Digial e organizador do Blog blogs.periodistadigital.com. Participou ativamente do 14º Encontro Intereclesial das CEBs.

]]>
27244
A perda de capilaridade social e a desafeição dos católicos. Desafios da Igreja no Brasil em tempos de Papa Francisco. https://observatoriodaevangelizacao.com/a-perda-de-capilaridade-social-e-a-desafeicao-dos-catolicos-desafios-da-igreja-no-brasil-em-tempos-de-papa-francisco/ Sat, 22 Apr 2017 15:10:15 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=16745 [Leia mais...]]]> Uma entrevista que faz pensar, pois, ao analisar, caracterizar e levantar sérios questionamentos sobre o contexto atual eclesial, o autor apresenta pistas concretas provocativas para os rumos da caminhada da Igreja. Vale a pena conferir e deixar-se interpelar:

Entrevista com Pedro Ribeiro de Oliveira

“O problema do laicato é que nós somos e queremos ser Igreja, isto é, membros de pleno direito como são os ministros ordenados – bispos, presbíteros e diáconos –, mas esses parecem não levar a sério a definição da Igreja como Povo de Deus… muitos leigos e leigas se submetem a uma Igreja clerical, desde que o clero abençoe seu estilo de vida (no caso dos ricos) ou os console em seu sofrimento (no caso dos pobres)… movimentos de santificação pessoal convivem bem com o clericalismo, enquanto as CEBs e Pastorais sociais não se submetem a ele”.

Confira a entrevista.

1. Por quais razões o senhor afirma que a Igreja perdeu a “capilaridade social” que teve à época da ditadura?

Para explicar a capilaridade social, uso a comparação com as raízes da árvore: elas penetram no solo, absorvem a umidade e a fazem chegar até o alto da copa. Nas raízes reside o segredo do vigor da planta: à medida que elas perdem a capilaridade, a árvore seca. A Igreja católica teve grande capilaridade social até meados do século passado, quando as associações piedosas – Apostolado da Oração, Congregação Mariana, Liga Católica, Vicentinos, Irmandades etc. – congregavam grande quantidade de fiéis. A modernização esvaziou aquelas associações, mas a Igreja recuperou a capilaridade social por meio das dezenas de milhares de Comunidades Eclesiais de Base – CEBs presentes nas zonas rurais e periferias urbanas. Dinamizadas pelas Pastorais Sociais – como a Pastoral da Terra, Operária, Indigenista, da Juventude e outras – elas penetravam o tecido social brasileiro e funcionavam como artérias de ligação entre as bases populares e os dirigentes eclesiásticos. Se uma liderança de CEB sofria ameaças por sua luta em defesa dos Direitos Humanos, logo essa informação chegava ao conhecimento da CNBB, que se mobilizava em sua defesa. No sentido inverso, quando a CNBB propunha uma campanha em favor dos pobres ou da ordem democrática, podia contar com a mobilização de toda a rede de comunidades espalhadas pelo País para pressionar o governo militar, o Congresso e a sociedade.

A perda dessa capilaridade social deveu-se à orientação imprimida à Igreja pelos pontificados de João Paulo II e de Bento XVI, no sentido de conter o avanço das reformas decorrentes do Concílio Vaticano II. Eles implementaram o projeto de restauração identitária, que fez a Igreja refluir para o campo propriamente religioso e perder muito da sua incidência nas lutas de transformação social.

2. Como o senhor caracteriza esse projeto de restauração identitária? Ele ainda se mantém na Igreja, direcionada pela CNBB, diante da atual conjuntura nacional?

Esse conceito refere-se a um conjunto de medidas que reforçam a centralidade romana em detrimento da presença diversificada no mundo. As medidas mais importantes foram:

  • nomeação de bispos alinhados a essa orientação centralizadora para as dioceses mais importantes;
  • a adoção do Código de Direito Canônico, reformado pela Cúria, como norma pastoral para todas as dioceses;
  • a adoção do Catecismo da Igreja como norma doutrinal;
  • o retorno do modelo de seminário exclusivo para a formação do clero;
  • normas litúrgicas para coibir inovações posteriores ao Concílio;
  • apoio a Movimentos Religiosos de santificação pessoal.

Essas medidas são verdadeiramente estratégicas, porque configuram uma instituição eclesiástica monolítica: centralizada no Papa e nos padres (paróquias), retira a autonomia do bispo (tanto na sua diocese quanto nas Conferências episcopais) e privilegia leigas e leigos interessados apenas em sua salvação. É certo que a renúncia de Bento XVI tirou a força do projeto de restauração identitária, mas aquelas medidas enrijeceram de tal forma a Igreja católica, que acabaram por impedir não só a renovação iniciada durante o Concílio Vaticano II como também as propostas pastorais de Francisco.

3. O papa Francisco tem insistido no discurso de que a Igreja deve ser pastoral e uma “Igreja em saída”. Na prática, o que isso significa?

Sua proposta é clara como um cristal bem lapidado: se a missão da Igreja é levar ao mundo todo a Boa-notícia do Reinado de Deus, seu movimento deve ser para fora dos templos e sacristias. O espaço principal de atuação do Povo de Deus é o lugar onde vivem as pessoas, independentemente de sua confissão religiosa. Os cristãos e cristãs devem anunciar com alegria o Evangelho e colaborar com o projeto de construção do Reino de Deus na história. Francisco é enfático: antes correr o risco de se sujar por ter ido às praças e ruas, do que definhar por não sair da sacristia. Em suma, trata-se de juntar-se aos movimentos sociais, respeitando sua laicidade, para que “não haja família sem casa, camponês sem terra, trabalhador sem direitos”. É o que ensina e faz o Papa.

Infelizmente, o projeto de colocar a Igreja em saída tem sido interpretado de maneira a perder seu caráter inovador. Tomo como exemplos dessa deturpação os eventos religiosos de massa destinados a encher as ruas e praças de católicos, ou o padre que leva o confessionário para a praia alegando que assim a Igreja vai onde estão os turistas. É um pouco ridículo, mas assim é…

4. Como essas propostas de Francisco têm repercutido na Igreja brasileira? Quais são as estruturas sociais e eclesiais que potencializam ou inibem uma Igreja em movimento?

O setor eclesial mais afinado com a proposta de Igreja em saída é o de quem se identifica com as CEBs e Pastorais Sociais. Nele estão bispos, padres, religiosas, leigos e leigas. Esse setor tem certa influência na Igreja devido a sua capilaridade social, embora seja numericamente pequeno. Mas está havendo mudança. Nos dois primeiros anos do pontificado de Francisco, a maior parte da Igreja (pelo menos no Brasil) apenas fez de conta que estava em sintonia com ele, porque sua linha pastoral continuou a mesma de outros tempos. Passados dois anos e três documentos pontifícios de grande impacto, é cada vez mais clara a mudança de rumo que Francisco imprime à Igreja e isso repercute no Brasil. Constato, por exemplo, a mudança na posição política da CNBB desde a visita da presidência da CNBB ao Papa, em 2016: ela ganhou coragem e voltou a pronunciar-se sobre o momento político sem poupar críticas a Temer e seu governo, mostrando sua distância em relação à atitude dos dois cardeais que foram visitá-lo no palácio da Alvorada.

Tudo indica um significativo avanço do projeto de Francisco entre os bispos e no laicato. Não sei avaliar exatamente a correlação de forças entre os setores identificados com o projeto de Igreja em saída e os setores identificados com a restauração identitária, mas tudo indica um significativo avanço do projeto de Francisco entre os bispos e no laicato. Ainda não vejo igual avanço entre os padres, que parecem se contentar ao ver igrejas cheias, ainda que seja para “missas de cura e libertação”. É claro que na sociedade a figura e a mensagem de Francisco têm grande aceitação, mas isso pouco representa em termos de força transformadora na Igreja católica. Nessa conjuntura, ainda não são muitos os bispos e padres que ousam seguir o exemplo de Francisco na construção de uma “Igreja pobre para os pobres”. É preciso mais criatividade de quem apoia o projeto de Francisco para desempatar esse jogo…

5. Quais são os potenciais de ressurgimento das CEBs no atual contexto?

Prefiro falar de refundação das CEBs, porque em sua maioria elas perderam o antigo vigor, mas não morreram. Prova disso é a preparação do 14º Encontro Intereclesial, previsto para janeiro de 2018, em todas as regiões do país. Realisticamente, temos que considerar o nítido envelhecimento de seus membros e a sua perda de prestígio na Igreja, porque as celebrações das CEBs não enchem igreja como os cultos de louvor, cura e libertação.

Refundar as CEBs significa retomar e atualizar a intuição teológica que lhes deu origem, ou seja:

  • celebração dominical na comunidade local conduzida por seus animadores e animadoras;
  • incentivo à leitura bíblica na ótica do oprimido (como faz o CEBI, por exemplo);
  • coordenação pastoral colegiada, desde as bases comunitárias até os organismos paroquiais e diocesanos;
  • articulação com Pastorais sociais que façam a mediação entre o campo eclesial e o sócio-político.

Uma refundação assim está em total sintonia com o projeto de Francisco, mas requer ousadia do bispo para governar a diocese segundo o Evangelho, sem deixar-se prender pelas proibições do Direito Canônico.

6. O Papa tem estimulado a participação dos leigos na Igreja e tem chamado atenção para que eles não sejam clericais. Como os leigos têm atuado no Brasil? Que avaliação faz do Conselho Nacional do Laicato do Brasil – CNLB? Eles são muito clericais? Qual é a origem desse clericalismo?

O problema do laicato é que nós somos e queremos ser Igreja, isto é, membros de pleno direito como são os ministros ordenados – bispos, presbíteros e diáconos –, mas esses parecem não levar a sério a definição da Igreja como Povo de Deus. Parecem ainda acreditar que são os representantes de Cristo, como se Ele não tivesse ressuscitado e precisasse de mediadores para se fazer presente na história humana. Daí o clericalismo, tão criticado por Francisco. Lembro que ser contra o clericalismo não é negar a importância do presbítero e do bispo como agentes da unidade eclesial, mas sim opor-se aos privilégios que cercam os clérigos como se fossem dotados de poderes divinos.

É claro que muitos leigos e leigas se submetem a uma Igreja clerical, desde que o clero abençoe seu estilo de vida (no caso dos ricos) ou os console em seu sofrimento (no caso dos pobres). Clericalismo e conservadorismo caminham de braços dados. Movimentos de santificação pessoal convivem bem com o clericalismo, enquanto as CEBs e Pastorais sociais não se submetem a ele.

A Igreja católica do Brasil somente retomará o rumo libertador depois do susto que ela tiver, ao constatar no censo demográfico de 2020 o grande aumento da desafeição dos católicos. Se a Igreja quer mesmo ser Povo de Deus atuante na história humana, tem que suprimir o clericalismo.

Francisco tem dito isso, mas sabe que não é fácil passar do ideal à prática. Penso que uma medida eficiente para promover essa mudança é fechar os seminários e colocar os vocacionados na pastoral, oferecendo-lhes a formação na ação. Esse modelo foi implementado por Dom Helder Câmara, quando arcebispo de Olinda e Recife. Os vocacionados viviam como qualquer jovem leigo, sendo acompanhados por professores e professoras que ensinavam a Teologia a partir da reflexão sobre sua experiência de vida, utilizando para isso os sábados e os períodos de férias. Com um custo muito inferior ao dos atuais seminários – que são viveiros do clericalismo – a Igreja poderá formar presbíteros, diáconos e diaconisas seguindo o método “ver, julgar, agir e celebrar”. E assim formar agentes da unidade eclesial para as necessidades do mundo atual.

7. Como avalia os quatro anos do pontificado de Francisco? Quais diria que são as três questões mais positivas do pontificado e os seus três desafios?

Ele retomou a proposta de aggiornamento de João XXIII atualizando-a e fundamentando-a com a Teologia do Concílio Vaticano II. A isso chama de projeto de Igreja em saída. Mas a oposição clerical adotou a estratégia da inércia: fazer de conta que as normas dadas por João Paulo II e Bento XVI ainda estão em vigor.

Penso que o projeto de Francisco só conseguirá avançar sob duas condições. A primeira é fazer seu sucessor na mesma linha pastoral. Por isso está dando formato mais universalista ao colégio de cardeais. A segunda condição é conquistar o apoio efetivo das bases da Igreja. Esta condição é mais complicada, porque depende de bispos com ousadia para substituir as velhas estruturas curiais e paroquiais por estruturas participativas, padres que abandonem o clericalismo e leigos e leigas com coragem e competência para assumir sua missão na Igreja e no Mundo. Francisco dá exemplo de liberdade e criatividade, mas ainda tem sido pouco seguido.

Não sei definir quais seriam as questões mais e menos positivas de seu pontificado. Mas com certeza seu maior desafio é o de convencer a Igreja católica que o mundo está em estado de guerra: guerras localizadas, étnicas, contra a droga ou o terrorismo, mas todas mortíferas, dentro do quadro maior da guerra da espécie humana contra a Terra, nossa casa comum. Francisco já abordou esse tema por várias vezes, mas ainda não conseguiu convencer as bases da Igreja que não basta falar de paz nos corações enquanto a violência está solta pelo mundo, produzindo miséria, refugiados, mutilações e mortes. De Roma ele percebe a realidade global, mas as Igrejas locais continuam olhando para dentro delas mesmas e, no máximo, o que ocorre na sua vizinhança. Imagino o grau de angústia do Papa!

8. Deseja acrescentar algo?

Sim. Não creio que de um momento para o outro a Igreja católica do Brasil retome o rumo libertador que a caracterizou nas décadas de 1970 e 80. Acredito que isso só acontecerá depois do susto que ela tiver, ao constatar no censo demográfico de 2020 o grande aumento da desafeição dos católicos.

(Adaptação: Observatório da Evangelização. Os grifos são nossos.)

Pedro Oliveira na Unisinos, em 2012 (Foto: Acervo IHU)

Pedro Ribeiro de Oliveira é doutor em Sociologia, professor aposentado dos PPGs em Ciências da Religião da Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF e da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas. É membro do ISER-Assessoria, da Equipe de Formação da Prelazia de São Félix do Araguaia e da Coordenação Nacional do Movimento Fé e Política.

Fonte:

IHU

]]>
16745