Pecado ecológico – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Wed, 05 Mar 2025 19:21:02 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.8 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 Pecado ecológico – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 Vale do Jequitinhonha e a ecologia integral https://observatoriodaevangelizacao.com/vale-do-jequitinhonha-e-a-ecologia-integral/ Wed, 05 Mar 2025 19:19:23 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.com/?p=49908 [Leia mais...]]]> “Exigimos, em nome de Deus, responsabilidade social, investimentos na saúde, na educação, na moradia, na preservação dos mananciais, no cuidado com nossa gente e os povos originários do Vale – quilombolas e indígenas –, no cuidado com nossos rios, nossa fauna e nossa flora… E por amar o Vale, queremos que ele continue a ser vale, chapada, grande sertão e veredas, respeitando suas terras, sua vegetação, suas nascentes e rios, seus povos originários e sua gente, mantendo sua qualidade de vida e de harmonia… Não somos contrários ao desenvolvimento. O que exigimos é desenvolvimento sustentável, sem desequilibrar a harmonia da ecologia integral. O nosso olhar precisa ter o verde da esperança e nossas palavras não podem perder a força da profecia.” Confira o texto de dom Geraldo dos Reis Maia, bispo da diocese de Araçuaí:

 

Vale do Jequitinhonha e a ecologia integral

Por Dom Geraldo dos Reis Maia

Crise socioambiental

E por amar o Vale, queremos que ele continue a ser vale, chapada, grande sertão e veredas, respeitando e seus biomas.

No princípio houve o encontro de dois rios. O rio das “Araras Grandes” (Araçuaí), generosamente, despejava suas águas no rio “Largo cheio de Peixes” (Jequitinhonha). Desse encontro de águas, formava-se o grande e belo Vale do Jequitinhonha. Também este Vale se fez vizinho de outros dois importantes vales: o Mucuri e o Rio Pardo, formando a variedade e exuberância da fauna e flora dessas terras.

Banhado por importantes bacias hidrográficas e localizado em região estratégica do Nordeste do estado de Minas Gerais, o Vale do Jequitinhonha presencia o encontro de biomas: Mata Atlântica, Cerrado e o início da Caatinga no Semiárido. É composto por regiões mais férteis e por outras menos férteis, a depender da vegetação, do clima e do tipo de suas terras. Ainda que prevaleçam altas temperaturas em algumas localidades, o clima varia em outras localidades, com temperaturas amenas.

Em décadas anteriores, o Vale do Jequitinhonha era conhecido como Vale da Miséria, Vale da Pobreza, Vale do Subdesenvolvimento. Graças à resistência e determinação de sua gente, ao compromisso sociotransformador da Igreja Católica, e às políticas públicas ali destinadas, o Vale do Jequitinhonha superou desafios socioeconômicos e passou a ser conhecido pelas riquezas de sua biodiversidade, pluralidade cultural, saborosa culinária, finos artesanatos, religiosidade popular e alegria de sua gente. A riqueza dessas terras é o seu povo, que procura unir fé e vida, religiosidade e cultura, história e arte.

Historicamente, habitavam as terras desses vales os povos Tocoiós e Botocudos. Até que começaram a chegar aventureiros, garimpeiros e tropeiros, em busca de ouro e pedras preciosas. Iniciava-se a formação de povoados e cidades. Dizimados os indígenas daquele tempo, a região conta hoje com a presença dos povos Aranã Caboclo, Machacali, Aranã Indío e Pankararu. Instalaram-se nessa região, quilombos formados por escravizados que fugiam das fazendas e garimpos. Encontram-se no território da Diocese de Araçuaí, hoje, 97 comunidades quilombolas, que procuram resistir com suas culturas e tradições.

As fontes de renda mais incidentes na região, de acordo com a sondagem feita nas paróquias da diocese são: agricultura familiar, pecuária, prestação de serviços básicos autônomos (pedreiros, carpinteiros, serventes de pedreiros, pintores), benefícios sociais, aposentadorias e pensões, funcionalismo público e comércio local. Com menos incidência: cerâmica industrial, artesanato, garimpos, monocultura do eucalipto, da banana, plantação de café, extrativismo em áreas de preservação e conservação e empregados em grandes empresas e mineradoras.

A realidade da migração ainda está presente em todo o território da diocese, com números significativos. A incidência maior é para o trabalho na construção civil, para a colheita do café, para o comércio no litoral e, em alguns lugares, ainda, para o corte de cana, jovens que partem para outros lugares, a fim de dar continuidade aos estudos. Com a atividade de mineradoras, tem acontecido um movimento de acolhida de migrantes vindos de outras partes para a região do Vale do Jequitinhonha.

A atividade mineradora se caracteriza por: extração de granito, grafite, lítio, pedras preciosas e semipreciosas, via dragas em rios. As comunidades são atingidas pela poluição das águas dos rios por produtos químicos, poluição da atmosfera, danificação das construções, e poluição auditiva por uso de explosivos. A questão da monocultura do eucalipto e da banana é também relevante e traz impacto no lençol freático, diminuindo as águas das nascentes e contaminando as águas com o uso de agrotóxicos.

 

Fraternidade e ecologia integral

“E Deus viu que era tudo muito bom” (Gn 1,31). Com este lema, aprofundamos o tema da Campanha da Fraternidade proposto para este ano: “Fraternidade e Ecologia Integral”. A partir do texto-base dessa campanha, constatamos a tarefa deixada ao ser humano: “descobrir a beleza, a bondade, a singularidade, a diversidade e a agradabilidade de todos os seres. Sendo assim, qualquer tipo de destruição da obra criacional torna-se algo contrário à ótica bíblica da criação” (Texto-base CF 2025, 69).

Num importante documento, chamado Laudato Sì, encíclica sobre o cuidado da Casa Comum, lançada em 2015, o papa Francisco nos assegura que tudo está conectado: “se tudo está em relação, também o estado de saúde das instituições de uma sociedade comporta consequências para o ambiente e para a qualidade da vida humana […] Em tal sentido, a ecologia social é necessariamente institucional e atinge progressivamente diversas dimensões que vão do grupo social primário, a família, até a vida internacional, passando pela comunidade local e a Nação” (LS, 142).

Várias empresas têm investido no Vale do Jequitinhonha, interessadas em extrair suas riquezas naturais, olhos fixos em seus lucros. Exigimos, em nome de Deus, que essas empresas assumam compromissos sociais, como orienta um dos princípios da Igreja: “Sobre toda propriedade privada pesa uma responsabilidade social”. Se levam as riquezas do Vale, que não nos deixem somente crateras e resíduos, águas poluídas e matas destruídas.

Queremos ver acontecer essa responsabilidade social, no respeito pela ecologia integral: investimentos na saúde, na alimentação, na educação, na moradia, na preservação dos mananciais, no cuidado com nossa gente e os povos originários do Vale – quilombolas e indígenas –, no cuidado com nossos rios, nossa fauna e nossa flora.

 

Vale, que vale cantar

Como compôs Verono, na canção imortalizada pela voz de Rubinho do Vale, cantamos com alegria e esperança, os encantos e belezas de nossa esplêndida região: “Vale que vale cantar/ Vale que vale viver/ Vale do Jequitinhonha/ Vale, eu amo você”.

E por amar o Vale, queremos que ele continue a ser vale, chapada, grande sertão e veredas, respeitando suas terras, sua vegetação, suas nascentes e rios, seus povos originários e sua gente, mantendo sua qualidade de vida e de harmonia, pois “tudo está em relação”, “tudo é coligado”, “tudo está conectado”, como diz o refrão que perpassa a Laudato Sì.

Não somos contrários ao desenvolvimento. O que exigimos é desenvolvimento sustentável, sem desequilibrar a harmonia da ecologia integral. O nosso olhar precisa ter o verde da esperança e nossas palavras não podem perder a força da profecia. “Mesmo com a deterioração da nossa relação com a sociedade e a natureza, a esperança nos move a unir os esforços das ciências ao profetismo da fé, acreditando que, fazendo a experiência dos limites do planeta, poderemos superar o impasse existencial e ambiental em que vivemos” (Texto-base CF 2025, 136).

Conclamamos a todos que, nesta Quaresma, busquemos a nossa conversão ambiental, acreditando que “outro mundo é possível”.

Dom Geraldo dos Reis Maia é bispo de Araçuaí, Vale do Jequitinhonha (MG)

]]>
49908
Pecado ecológico, com a palavra o teólogo Élio Gasda, SJ https://observatoriodaevangelizacao.com/pecado-ecologico/ Fri, 01 Nov 2019 00:57:17 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=32853 [Leia mais...]]]> A devastação da natureza não é somente um problema ético, é também um problema religioso.

“Em seis dias fez o Senhor os céus e a terra, o mar e tudo que neles há” (Ex 20,11). A terra é um presente de Deus, que logo apresenta seu termo de Aliança com o povo israelita: os dez mandamentos. Entre eles a determinação: “Não matarás” (Ex 20,13). Qualquer pessoa entende que é pecado matar. Então, podemos considerar a partir de uma perspectiva cristã pecado a destruição do planeta?

O conceito de “pecado ecológico” foi debatido durante o Sínodo para a Amazônia. Desde o início de seu pontificado Francisco vem sinalizando a necessidade de um exame de consciência, arrependimento e confissão dos males causados à natureza: “Somos participantes de um sistema que impôs a lógica do lucro a todo o custo, sem pensar na exclusão social nem na destruição da natureza. Arrependamo-nos do mal que estamos fazendo à nossa casa comum”.

A devastação da natureza não é somente um problema ético, é também um problema religioso, pois se opõe à vontade de Deus. Somente Deus pode revelar até que ponto sua obra é destruída pelo ser humano. São muitas as causas da maior crise ecológica da história, porém na sua raiz se encontra o pecado, tanto em seu aspecto pessoal como no próprio modelo de civilização. Os mecanismos perversos do sistema econômico funcionam contra o bem comum, contra a obra da criação e contra o bem do próximo. O pecado da avareza leva ao pecado ecológico. Uns poucos acumulam riquezas às custas da devastação da natureza.O pecado contém uma configuração pessoal, interpessoal, comunitária, social e cósmica, afeta a humanidade e a criação.

Devastar a natureza é pecar. A crise ecológica é, essencialmente, um problema espiritual. O bom relacionamento entre a humanidade e a Terra foi quebrado e essa ruptura é pecado. Como toda forma de pecado, o ecológico incomoda quem o pratica: ruralistas, o agronegócio que desmata e queima, as mineradoras predatórias como a Vale, a invasão de territórios indígenas, uso irresponsável de agrotóxicos. Ospecados ecológicos também precisam ser confessados. Exigem penitência e conversão. A reconciliação com Deus passa pelo respeito e preservação da natureza. A urgência da conversão ecológica revela a gravidade do pecado contra o meio ambiente como um pecado contra Deus, contra o próximo e as futuras gerações. O pecado espalha a morte e rouba o futuro.

Crime, ecocídio, pecado ecológico são marcas do capitalismo. “Este sistema impôs a lógica do lucro a todo o custo, sem pensar na exclusão nem na destruição da natureza. Este sistema é insuportável: não o suportam os povos. Nem sequer o suporta a irmã Mãe Terra. Por trás de tanto sofrimento, morte e destruição, sente-se o cheiro daquilo que Basílio de Cesareia chamava ‘o esterco do diabo’: reina a ambição desenfreada de dinheiro” (Papa Francisco).

Tudo quanto agride a terra e agride os filhos da terra. Diz o documento final: “Propomos definir o pecado ecológico como uma ação ou omissão contra Deus, contra o próximo, a comunidade e o ambiente. É um pecado contra as futuras gerações e se manifesta em atos e hábitos de contaminação e destruição da harmonia do ambiente, transgressões contra os princípios da interdependência e a ruptura das redes de solidariedade entre criaturas e contra a virtude da justiça. Também propomos criar ministérios especiais para o cuidado da ‘casa comum’ e a promoção da ecologia integral em nível paroquial e em cada jurisdição eclesiástica, que tenham como funções, entre outras, o cuidado do território e das águas, assim como a promoção da encíclica Laudato si. A defesa da vida da Amazônia e de seus povos requer uma profunda conversão pessoal, social e estrutural… Nesse sentido, é importante estarmos cientes da força do neocolonialismo que está presente em nossas decisões diárias e do modelo de desenvolvimento predominante que se expressa no crescente modelo de monocultura agrícola, nossos modos de transporte e no imaginário do bem-estar… O consumo que vivemos na sociedade tem implicações diretas e indiretas na Amazônia….queremos abraçar uma espiritualidade de ecologia integral, a fim de promover o cuidado da criação”.

O Sínodo da Amazônia reforça a “esperança de abraçar e praticar o novo paradigma da ecologia integral, o cuidado da “casa comum” e a defesa da Amazônia”. O documento final faz um convite a conversão integral, pastoral, cultural, ecológica e sinodal, pois “tudo está intimamente relacionado” (Laudato si, 16). Somos todos responsáveis por esse modelo de desenvolvimento predatório, dessa economia que mata. Permitimos a destruição e consentimos a criminalização dos que lutam pela casa comum e pelos direitos dos povos.

O documento lembra que o respeito a vida e aos direitos humanos não são mera opção, dever político ou tarefa social, para os cristãos é “exigência de fé”. Por isso precisamos nos converter e colocar em prática o projeto, nada fácil, mas possível, para modificar o atual modelo de desenvolvimento. O pior pecado é aquele ao qual nos acostumamos.

Sobre o autor:

Prof. Élio Gasda, S.J.

Élio Gasda é doutor em Teologia, professor e pesquisador na FAJE. Autor de: Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja (Paulinas, 2001); Cristianismo e economia (Paulinas, 2016).

Fonte:

www.domtotal.com

]]>
32853