Pe. Matias Soares – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Sat, 27 Apr 2024 13:54:33 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.3 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 Pe. Matias Soares – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 O presbítero, homem de coração dilatado https://observatoriodaevangelizacao.com/o-presbitero-homem-de-coracao-dilatado/ Sat, 27 Apr 2024 13:54:33 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.com/?p=49842 [Leia mais...]]]> Segundo Matias Soares, “os desafios que estão sendo postos à Igreja, que precisam ser enfrentados, têm sido causa de escândalo e muita tristeza, principalmente na dimensão humano-afetiva dos ministros ordenados. A atenção dada à formação humana é mais do que indispensável. É urgente. Essa dimensão da existência sacerdotal foi tratada com desconfiança por séculos… Depois de Sigmund Freud (1856-1939), Carl Gustav Jung (1875-1961) e outros mestres da psicologia do profundo, novos questionamentos surgem acerca dos dramas existentes na formação da identidade da pessoa, marcada na sua história por alegrias e tristezas. A Igreja tentará assumir caminhos novos. O humanismo integral e o personalismo serão a base antropológica do Concílio Vaticano II e, com estes, a atenção que será dada à subjetividade humana, colocando a pessoa no centro, como protagonista da própria formação… Na atualidade, estamos a falar de pós-humanismo, inteligência artificial, pós-secularismo e, depois da pandemia, questões na área de doenças mentais, que colocam desafios novos à própria formação permanente dos presbíteros. A Igreja volta o seu olhar para esta urgência… Na nossa hipermodernidade, o humano é definitivamente apresentado como fragmentado e com possibilidades de ser transumanizado, buscando novas formas de ser e agir, a partir de suas subjetividades… Na formação dos futuros presbíteros e para a formação permanente dos atuais, como nos encontramos numa mudança de época e numa época de mudanças, os métodos precisam ser ressignificados e mudados.

Confira o provocante artigo do pe. Matias Soares que nos convida a um outro olhar para os presbíteros, a grande parcela dos ministros ordenados na Igreja Católica. O mesmo olhar pode ser feito para os bispos e diáconos, e também para pastores e pastoras das outras igrejas cristãs.

 

Arquidiocese de Fortaleza volta a celebrar caminhada penitencial; confira  data | Ceará | G1
             Registro da caminhada penitencial em Fortaleza, em 2023.

 

O presbítero, homem de coração dilatado

O papa Francisco, recentemente, num discurso feito aos participantes de um congresso realizado em Roma, sobre a formação permanente dos presbíteros, assim admoestou aos presentes:

A graça pressupõe sempre a natureza, e por isso temos necessidade duma formação humana integral. Na verdade, ser discípulo do Senhor não é um revestimento religioso, mas um estilo de vida e por conseguinte requer o cuidado da nossa humanidade. O contrário disto é o padre ‘mundano’. Quando a mundanidade entra no coração do padre, estraga-se tudo. Peço-vos para investir o melhor das vossas energias e recursos neste aspeto: o cuidado da formação humana. E também o cuidado por viver de maneira humana”.

O presbítero não pode ser alguém que tenha medo de sua humanidade. Sua história, seus afetos, anseios existenciais e sonhos de realização pessoal devem ser cuidados e ordenados por uma capacidade humana e evangélica de amar. A vocação deve estar situada numa condição humana integral e integrativa.

Os desafios que estão sendo postos à Igreja, que precisam ser enfrentados, têm sido causa de escândalo e muita tristeza, principalmente na dimensão humano-afetiva dos ministros ordenados. A atenção dada à formação humana é mais do que indispensável. É urgente. Essa dimensão da existência sacerdotal foi tratada com desconfiança por séculos. A teologia que tinha suas bases no neoplatonismo penetrou na espiritualidade cristã e, ainda mais, no ordenamento formativo dos ministros ordenados. O tratamento dado aos sacerdotes, como homens do sagrado, principalmente depois do Concílio de Trento (1545-1563), mesmo com seus avanços para a época, pouco a pouco foi sendo superado e surgindo novas necessidades e demandas de atualizações. Envolvidos pela mística da ascese e do sacrifício, como sinal da mortificação das pulsões humanas, o sacerdote do antes do Vaticano II é o homem que deve ter como marcas distintivas: a sabedoria, a saúde e a santidade. Essa integração, nem sempre foi tratada com tanta clarividência e contando com as possibilidades ofertadas pelas ciências humanas, especialmente a psicanálise. Depois de Sigmund Freud (1856-1939), Carl Gustav Jung (1875-1961) e outros mestres da psicologia do profundo, novos questionamentos surgem acerca dos dramas existentes na formação da identidade da pessoa, marcada na sua história por alegrias e tristezas. A Igreja tentará assumir caminhos novos. O humanismo integral e o personalismo serão a base antropológica do Concílio Vaticano II e, com estes, a atenção que será dada à subjetividade humana, colocando a pessoa no centro, como protagonista da própria formação.

Um novo cenário se nos é posto. Na atualidade, estamos a falar de pós-humanismo, inteligência artificial, pós-secularismo e, depois da pandemia, questões na área de doenças mentais, que colocam desafios novos à própria formação permanente dos presbíteros. A Igreja volta o seu olhar para esta urgência. Um novo humanismo pode ser elaborado. Com o neotomismo, tão em voga ainda nas proposições conciliares, a pessoa ainda era tida como realidade integral, que precisava ser integrada. Na nossa hipermodernidade, o humano é definitivamente apresentado como fragmentado e com possibilidades de ser transumanizado, buscando novas formas de ser e agir, a partir de suas subjetividades. Com a determinação de ‘ser no tempo e instantaneamente’, com a confirmação dos pressupostos heiddegerianos. Isso está visível nas novas manifestações do ‘Ser’. Esse (Dasein) é o homem contemporâneo, tão simplesmente, com suas escolhas e autodeterminações.

Nessa conjuntura do estilo de ser e estar no tempo, encontra-se a Igreja que ainda não encontrou um método equilibrado de se relacionar com essas subjetividades. Pois sempre foi aquela que, basicamente dos séculos IV ao XIX, impôs, e não propôs o modo de agir da cultura ocidental. Na formação dos futuros presbíteros e para a formação permanente dos atuais, como nos encontramos numa mudança de época e numa época de mudanças, os métodos precisam ser ressignificados e mudados. A formação, como os ensina o papa Francisco, também precisa absorver a perspectiva da ‘sinodalidade’. Com menos disciplinamento e mais autoconsciência.

Ouso a dizer que a pedra de toque desse modo de ‘ser Igreja’ é o acolhimento das diferenças, por meio da capacidade de escuta de todos. É o respeito e reconhecimento dos sujeitos que são envolvidos no processo formativo. O que é de interesse de todos deve ser participado por todos. Mais confiança que gera responsabilidade e promove a adesão consciente e personalizada do processo formativo. Basta a percepção dos sinais, que estão aí, na maioria dos que são ordenados atualmente. A vida de oração está sendo substituída pelas mídias, os livros estão sendo trocados pelos smartphones e vaidades nas vestimentas, que refletem mais o anseio de autoafirmação, na maioria dos casos, a comunhão presbiteral é distorcida pelos lobbies e, ainda, a proximidade ao povo fiel de Deus, especialmente com os que estão nas periferias geográficas e existenciais, que é trocada pelas relações de conveniências. Esses sinais são fenômenos que dizem muito das motivações e problemáticas humanas dos ministros ordenados e de como as nossas estruturas formativas não estão preenchendo os hiatos existentes nos variados perfis individuais. Está faltando paixão presbiteral e missionária. Uma grande parcela está se tornando despreparada e agindo como simples ‘funcionários do sagrado’.

 

A vida de oração está sendo substituída pelas mídias, os livros estão sendo trocados pelos smartphones e vaidades nas vestimentas, que refletem mais o anseio de autoafirmação, na maioria dos casos, a comunhão presbiteral é distorcida pelos lobbies e, ainda, a proximidade ao povo fiel de Deus, especialmente com os que estão nas periferias geográficas e existenciais, que é trocada pelas relações de conveniências. Esses sinais são fenômenos que dizem muito das motivações e problemáticas humanas dos ministros ordenados e de como as nossas estruturas formativas não estão preenchendo os hiatos existentes nos variados perfis individuais. Está faltando paixão presbiteral e missionária. Uma grande parcela está se tornando despreparada e agindo como simples ‘funcionários do sagrado’

 

O presbítero dos nossos dias, considerando estas manifestações, precisa ser um ‘homem com um coração dilatado para o amor’. E num horizonte de fé, isso só pode acontecer a partir de uma profunda experiência de Deus. Algumas indagações precisam ser respondidas pelos ambientes formativos e demais casas religiosas da Igreja, a saber:

  • Estamos formando homens e mulheres de Deus?
  • Percebemos pessoas performadas segundo o Espírito?
  • Há mais preocupação com o que é mundano nas casas de formação, do que com o que é próprio da ação missionária?
  • Existe desejo de conversão permanente, com a abertura ao que é proposto pelo Evangelho?
  • Quais as motivações que estão levando as pessoas a buscarem as nossas casas de formação?
  • Por que e para que estamos formando padres, religiosos e religiosas?
  • Os formandos e formandas, como também os que já estão ordenados e consagrados, estão inseridos, sendo sal e luz, pastores com cheiro das ovelhas, na vida e na história do povo fiel de Deus?
  • Os nossos métodos formativos estão servindo para que o discernimento evangélico e espiritual aconteça neste processo de maturidade humana e vocacional? Etc…

Os fechamentos ao que pode ser aprofundado é, talvez, a principal dificuldade que temos para avançarmos. Enquanto não nos confrontarmos com a nossa verdade, inclusive enquanto instituição, não conseguiremos falar e agir com ‘parresia’, ou seja, com coragem de encarar a verdade no encontro com nossas fragilidades internas e diferenças externas. Por isso, o fechamento em bolhas e a grande dificuldade de dialogar e agir neste mundo hipermoderno que nos desafia e desacredita constantemente. Na Igreja, ainda temos muito medo da verdade; por isso, não conseguimos ser livres. Com frequência, nos esqueçamos que só ela pode nos dar a liberdade (cf. Jo 8,32). Ou ela é endógena a vida da Igreja e, para isso, precisa ‘acontecer’ na existência de cada um de nós, ou teremos a impressão de que somos uma composição, ou uma simples instituição, na qual muitos ainda não viveram o encontro pessoal com Jesus Cristo e, desta forma, ainda não se tornaram cristãos. A seguinte afirmação do papa Bento XVI sintetiza bem essa reflexão à qual me proponho neste momento:

Nós cremos no amor de Deus — deste modo pode o cristão exprimir a opção fundamental da sua vida. ‘Ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo’. No seu Evangelho, João tinha expressado este acontecimento com as palavras seguintes: ‘Deus amou de tal modo o mundo que lhe deu o seu Filho único para que todo o que n’Ele crer (…) tenha a vida eterna’” (cf. DCE 1).  

 

Papa Francisco, bispos, padres, religiosos e religiosas, leigos e leigas caminham juntos no Sínodo para a Amazônia.

 

Enfim, instigados a formar um coração dilatado ao amor, sem jaulas e correntes, verdadeiros e sinceros, ternos e misericordiosos, podemos amadurecer. O papa Francisco tem nos provocado positivamente. Para os que ainda vivem no ‘país das maravilhas’, com uma mentalidade pré-moderna e com odor de cristandade, se chega a afirmar que “este Papa não gosta dos ministros ordenados”. Penso que esta não seja a questão! Ele denuncia a mentalidade clericalista e mundana de muitos de nós, que estamos ainda protegidos pela força de uma instituição que vem sendo desafiada a repensar seu modo de ser no mundo de hoje. Numa realidade na qual todos estamos “desnudados”. Numa sociedade do cansaço e do digital (cf. Byung-Chul Han), na qual tudo é visto e todos se veem sem conhecimento profundo e personalizado. Nós estamos inseridos neste tempo e nessa história. Temos que sair das nossas casinhas e construções oníricas. Só conseguiremos ser fortes e perseverantes, como ministros ordenados e consagrados, se tivermos corações dilatados para amar e ser amados. Assim o seja!

 

Pe. Matias Soares

Pároco da paróquia de Santo Afonso Maria de Ligório, Natal-RN

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“Um protagonismo diferenciado”, com a palavra pe. Matias Soares https://observatoriodaevangelizacao.com/um-protagonismo-diferenciado-com-a-palavra-pe-matias-soares/ Mon, 20 Sep 2021 16:32:11 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=40893 [Leia mais...]]]>

O papa Francisco tem se mostrando um especialista em impulsionar processos. A nossa cidadania cristã, no mundo, não pode ser só a de ocupar espaços. Esta redução seria uma postura que se mostra obsoleta, ultrapassada e anacrônica. No entanto, infelizmente, é o que percebemos em muitas situações de realidades humanas, nas quais quem está à frente, não guia; mas, sim, é carregado nas costas de quem deveria ser liderado.

Quando só procuramos ocupar espaços, somos carregados pelos indivíduos e pelas instituições das quais fazemos parte. Vivemos em função e por causa do que os outros construíram. Não desenvolvemos, nem fazemos história; mas somos arrastados pelos ventos, assim como penas lançadas ao vento.

O que fazer para construirmos um protagonismo diferenciado, se temos consciência de viver hoje nestes tempos difíceis? Somos interpelados a buscar e a testemunhar um outro protagonismo possível e necessário. Quem toma a iniciativa de dinamizar os processos de transformação eclesial para sermos mais fieis a Deus precisa dar atenção à escuta e ao discernimento, à oração e ao estudo; discernir os sinais dos tempos e acolhê-los com coragem profética; quem perceber, entender e acolher o novo que estamos a viver precisa dialogar e envolver para “caminhar juntos”; cultivar a dimensão espiritual e, de certa forma, se reinventar diante do novo… Assim teremos mais condições de fazer a diferença neste momento complexo da história da Humanidade.

Na vida eclesial essa exigência de sinodalidade – fraternidade, unidade e comunhão – é fundamental e estruturante. Precisa ser melhor cuidada, intensificada e potencializada. Temos que assumir, com a força do Espírito Santo, essa responsabilidade de batizados, nas comunidades que fazemos parte. Somente assim seremos o corpo de Cristo, sacramento do Reino na história.

Mas atenção, aqui não podemos esquecer que nossa estrutura mental tende a nos colocar numa situação de comodidade e conforto. Olha como aconteceu e continua a acontecer em nossa caminhada eclesial: muitas vezes nos contentamos com uma evangelização sacramentalista. Celebramos os sacramentos e acreditamos que tudo já está pronto. Passamos a viver um cristianismo de exigências mínimas. Vivendo uma vida cristã apequenada e sem acolher e enfrentar os grandes desafios da vida atual. Muitos de nós, ainda que a reflexão teológica e pastoral tenham avançado, ainda agimos, diante dos sacramentos, como se fossem os canais da graça de Deus. Há ministros, infelizmente, que coisificam os “sinais sacramentais”, com fins econômicos e espírito mundano.

No entanto, enquanto houver fé sobre a terra e abertura do coração a Deus, poderemos nos converter ao projeto salvífico de Deus. Poderemos aproveitar as oportunidades – como a do Sínodo sobre a Sinodalidade, a Assembleia Eclesial Latino-americana e caribenha, dentre outras – para intensificar a nossa abertura de coração para Deus e de escuta e diálogo fraterno entre nós.

A pandemia tem nos provocado a fazer uma séria revisão de vida. Não podemos continuar a viver do mesmo modo e a cultivar atitudes pueris. A desestruturação sanitária gerou muitas outras decomposições: na economia, na política, na vida religiosa, na familiar e nas subjetividades. É neste sentido que a ideia do Papa sobre a importância da “iniciação de processos” de transformação precisa encontrar “eco” nas mentes e nos corações de todos nós, especialmente, de quem está à frente do serviço da liderança com suas responsabilidades específicas.

Enfim, esta é uma preocupação que tenho em meu íntimo e quero compartilhar com vocês e, quem sabe, torná-la comum entre nós cristãos batizados. Não podemos “cansar no exercício de pensar”. A Igreja nos trouxe um integral e consistente ensinamento conciliar sobre o protagonismo de todos os fiéis batizados. Na relação entre ministros ordenados e demais membros do povo de Deus, a relação e a dinâmica deste protagonismo são diferenciadas. É importante que os fiéis todos tenham clareza sobre esse aspecto do modo de ser e agir da Igreja em sua catolicidade. Estamos a nos preparar para a realização da Assembleia Eclesial Latino-americana e caribenha e o Sínodo sobre a sinodalidade. O papa Francisco sabe que está iniciando processos. Sabe que não é alguém que só ocupa lugar, mas alguém preocupado com a Igreja como um todo. No momento, é quem tem sido uma mediação criativa do Espírito Santo, no seio da Igreja e no Mundo. Assim o seja!

Sobre o autor:

Pe. Matias Soares

Pe. Matias Soares é pároco da Paróquia de Santo Afonso Maria de Ligório, em Mirassol, Natal e é colaborador do Observatório da Evangelização PUC Minas.

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“Combater o Clericalismo e investir na Igreja Povo de deus”, com a palavra pe. Matias Soares https://observatoriodaevangelizacao.com/combater-o-clericalismo-e-investir-na-igreja-povo-de-deus-com-a-palavra-pe-matias-soares/ Thu, 25 Mar 2021 19:25:01 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=39033 [Leia mais...]]]> O papa Francisco, desde que iniciou o seu pontificado, tem insistido em denunciar a existência e a combater frontalmente o clericalismo eclesiástico, pois, segundo ele, é uma espécie de câncer maligno, “é uma perversão na Igreja”. Para um maior alcance do que o sucessor de Pedro quer dizer com esta e tantas outras admoestações semelhantes, basta acompanhar as suas falas, os seus gestos e o projeto de reforma profunda da Igreja que vem animando em seu magistério nos últimos oito anos.

Quem conhece minimamente a teologia patrística e os documentos do Concílio Vaticano II, logo percebe o quanto o magistério do papa Francisco está enraizado no ensinamento dos primeiros padres da Igreja e no último grande Concílio. A Palavra de Deus e, de modo particular, os documentos do Concílio Vaticano II oferecem, na atualidade, importante parâmetro para quem estuda teologia. A teologia é o esforço de quem, movido pela fé, busca compreensão sistemática e crítica do que crê e experimenta, do conteúdo da Palavra de Deus, da Tradição vivida ao longo da história e da experiência que se dá no tempo presente. Ter acesso a uma boa teologia tornou-se um pressuposto importante e mesmo decisivo para quem deseja colocar-se a serviço nos ministérios de epíscopo, presbítero, diácono, religioso ou religiosa, leigo ou leiga na vida da Igreja.

Conhecer, internalizar e assumir a identidade e a autocompreensão da Igreja enquanto Povo de Deus (Cf. LG, cap. II), visão assumida e aprofundada no Concílio Vaticano II, faz a diferença na concretização do ser Igreja no mundo contemporâneo. Interessante que a metáfora utilizada para apresentar a nova autocompreensão da Igreja no Concílio é a de uma “pirâmide invertida”. Isso significa que a base comum nos irmana e faz, pela graça do Batismo, com que todos sejam reconhecidos, de fato, como membros do mesmo corpo místico de Cristo. Pelo Batismo somos todos enraizados em Jesus Cristo e participantes do projeto salvífico e do mistério pascal, como sacerdotes, profetas e reis.

Dentre tantos os ensinamentos ofertados aos fiéis acerca do que é a Igreja no Concílio, o destinado especificamente aos presbíteros como “colaboradores do bispo diocesano” é inovador. Numa passagem emblemática, assim ensina o Concílio:

O Bispo, porém, considere os sacerdotes, seus colaboradores, como filhos e amigos, à imitação de Cristo que chamou seus discípulos não servos, mas amigos (Cf. Jo. 15,15). Todos os sacerdotes, tanto os diocesanos como os religiosos, em razão da Ordem e do ministério, estão unidos com o Corpo dos Bispos e segundo sua vocação e graça, devem servir ao bem de toda a Igreja. Em virtude da comum ordenação sacra e missão, todos os Presbíteros estão unidos entre si por íntima fraternidade, que espontânea e livremente se manifesta no mútuo auxílio, tanto espiritual como material, tanto pastoral como pessoal, em reuniões e na comunhão de vida, de trabalho e caridade.”

Lumen Gentium, 28

O que caracteriza a relação entre o bispo e os presbíteros e a que acontece entre estes não é a dominação ou a submissão de uns sobre os outros, mas o amor compartilhado, a comunhão no anúncio e testemunho do Evangelho, o serviço assumido para o bem da Igreja e da humanidade, a fraternidade solidária na mesma missão.

Importa, por isso, avaliarmos o modo de se concretizar a relação entre o bispo e os presbíteros e entre os próprios presbíteros. No entanto, importa igualmente avaliarmos a relação que os presbíteros estabelecem com os leigos e leigas. Isso porque bispos, presbíteros e diáconos encontram a sua razão de ser no serviço prestado ao Povo de Deus. Acontece que, muitas vezes, esta relação, tal como se concretiza, pode ser caracterizada como de subserviência e não de cooperação; de infantilismo e não de maturidade corresponsável fundada na igual dignidade batismal – afinal todos somos membros do Povo de Deus e chamados a ser discípulos e discípulas de Jesus. É lamentável, que as relações eclesiais sejam tão marcadas por interesses, vaidades, dominações e jogos de poder.

A estrutura e a hierarquia eclesiásticas são historicamente um bem e um serviço para a constituição da engrenagem eclesial; todavia é, infelizmente, também fonte de muitas perversões humanas: Jogos de interesses, carreirismos, desonestidades, mentiras, falta de transparência, falsidades, brigas pelo poder, pelo dinheiro e, mais recentemente, o ‘lobby gay’, tão disseminado e problemático dentro desta ordem sistêmica. Não precisa ir muito longe. Basta uma breve pesquisa e veremos como os fatos recentes da história da Igreja confirmam estes fatos. Os crimes de pedofilia são os mais recorrentes e hediondos que são noticiados.

O clericalismo favorece todos estes fenômenos humanos e pérfidos. Ele desqualifica o real sentido e o valor do poder dentro da Igreja, que deve ter na prática de Jesus Cristo o seu maior e mais belo exemplo (Cf. Jo 13,12-17). O poder quando não é para o serviço, ofusca a ação do Espírito de Deus no corpo eclesial e desfigura o rosto materno da Igreja. O Clericalismo é uma forma humana, mas demasiadamente desumanizante, de renegar e trair o ministério episcopal, presbiteral, diaconal e laical como serviços e ministérios eclesiais. Dentro da Igreja, infelizmente, há muitos clérigos que se tornam novos ‘Judas Iscariotes’ que fazem com que a Igreja de Jesus Cristo seja envergonhada. Há bispos, presbíteros, diáconos, religiosas/os e leigas/os profundamente clericalistas.

Nesta preparação para bem celebrarmos a Páscoa, peçamos ao Senhor a graça da conversão para todos nós. Sabemos que há bispos, presbíteros e diáconos que vivem mergulhados em situações adversas à natureza da vocação que um dia abraçou e que a Igreja confirmou, como Sacramento de Salvação. Criemos espaços de diálogo e busca de compreensão do sofrimento psíquico de tantos clérigos. Rezemos juntos para que tais situações se transformadas. No entanto, não podemos esquecer que o remédio purgativo do clericalismo na Igreja e, especificamente, na vida e no ministério de bispos, presbíteros, diáconos, religiosas e religiosos, leigas e leigos é o seguimento de Jesus e o anúncio-testemunho do Evangelho. Voltemos a Jesus! Recuperamos o frescor e a alegria do Evangelho do Reino! Importa trilharmos juntos o Caminho da Sinodalidade e da corresponsabilidade na Missão!

Não podemos desanimar. Não somos anjos, mas também não podemos ser discípulos do Promotor da divisão e da mentira. Quem entra por esse caminho, renega o amor de Deus e cancela a luz que é chamada a reluzir como presbítero do Senhor. Que Deus nos conceda a liberdade dos Filhos de Deus, para passar longe e dizer não à tentação do clericalismo.

Assim o seja!

(Os grifos sãos nossos)

Sobre o autor:

Pe. Matias Soares

Pe. Matias Soares é pároco da Paróquia de Santo Afonso Maria de Ligório, em Mirassol, Natal e é colaborador do Observatório da Evangelização PUC Minas.

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“Conquistar Maturidade na fé”, com a palavra pe. Matias Soares https://observatoriodaevangelizacao.com/conquistar-maturidade-na-fe-com-a-palavra-pe-matias-soares/ Sat, 27 Feb 2021 13:34:49 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=38432 [Leia mais...]]]>

Os tempos sombrios que estamos vivendo precisam ser iluminados pela nossa fé no Deus Emanuel, sempre conosco, e com a esperança de que nosso Deus age em nossas vidas. Como cristãos, carregando a memória de Jesus, somos chamados enfrentar qualquer travessia, mesmo no breu das noites escuras.

Como cristãos, não podemos olvidar, acolhemos na pessoa de Jesus, o Mistério da Encarnação – o abaixamento de Deus que vem até nós, assumindo a nossa vida e se fazendo caminho de salvação – e o Mistério da Páscoa – a fidelidade de Jesus até as últimas consequências da cruz, foi acolhido por Deus que ressuscita Jesus dos mortos. Acolhemos os Mistérios da Encarnação e da Páscoa porque, juntos, formam uma unidade que lança luz sobre o amor de Deus por nós e seu projeto salvífico revelado em Jesus.

Como assinalavam os Padres da Igreja: “O que é redimido é o que fora assumido”, ou seja, o Verbo de Deus, pela vida de Jesus, em tudo igual a nós menos no pecado, concretiza a nossa redenção: agora temos clareza do Caminho a seguir: cultivar uma vida na qual procuramos amar e fazer o bem dentro de nossa condição humana. Jesus assumiu em plenitude a nossa condição humana e a redimiu. E a sua ressurreição revelou-nos nosso destino último de amor: a comunhão com Deus. Desse modo, dois mistérios centrais da fé cristã – Encarnação e Ressurreição – se completam e revelam a glória de Deus e de seu projeto de amor: Jesus comunica o amor primeiro e incondicional de Deus por nós e a nossa redenção-salvação pelo cultivo do dinamismo do amor. Nele, em Jesus Cristo, encontramos um caminho de salvação a seguir.

Por meio deste mistério de amor singular que cada a vida de Jesus revela, cada cristão é iniciado na vida da graça, chamado a enraizar, pelo Batismo, a sua vida em Cristo e procurar concretizar o seguimento de Jesus Cristo no contexto de seu viver. Como cristãos somos chamados a celebrar e a testemunhar a fé de forma adulta e responsável. Percebemos como tenaz preocupação da catequese catecumenal dos Primeiros Cristãos, o educar para a conquista da maturidade da fé. No Concílio Vaticano II, a nossa Igreja conduzida pelo Espírito Santo voltou às suas fontes e assumiu, de forma decisiva, a busca de renovação da catequese, tendo como referencial, verdadeiro paradigma, o que era vivido pelos primeiros cristãos na Iniciação à Vida Cristã.

Urge, no contexto em que vivemos, pensarmos e concretizarmos um itinerário de crescimento na caminhada da fé que auxilie os membros de nossas comunidades conquistarem a maturidade na vida cristã na Igreja e na sociedade. Muitos dos entraves e problemas atuais na vida eclesial, poderiam ser superados se conseguirmos garantir a todos o processo de uma catequese mistagógica: que ajude a cada cristão aprofundar a experiência do Mistério da presença amorosa de Deus sempre conosco, em todas as situações da vida. Esse é um dos fatores mais decisivos no crescimento e conquista da fé adulta. Muitos cristãos infelizmente têm uma experiência e compreensão estreita e rasa da fé cristã e de suas ricas possibilidades. Por isso, frequentemente, voltam-se mais para o secundário do que para o primário; permanecem mais no periférico do que no central; mais no acidental do que no essencial.

Não é o que explica esses conflitos em relação à Campanha da Fraternidade Ecumênica? O que estamos vendo nesse jeito imaturo e apequenado de se viver a fé cristã não seria resultante da certa formação do clero e das lideranças, com posturas incoerentes com o Evangelho e pregações incapazes de provocar crescimento na conversão a Deus e ao seu projeto libertador? Não é fruto da falta de investimentos contínuos na catequese e na formação continuada do povo de Deus?

Parecem não contemplar a pessoa de Jesus Cristo e a missão da Igreja em sua totalidade. A julgar pelo que vemos, ficam apenas com o que lhes convém. Certamente não contemplam e nem acolhem, com profundidade, a verdade dos mistérios da fé em sua totalidade e unicidade; mas sim o que convém aos interesses particulares. Não há, em seu agir, uma mística da Encarnação e da Páscoa de Jesus. O jeito de ser de Jesus não é assumido como critério central.

Vejamos do ponto de vista prático. Muitos não querem compromisso com o que é próprio dos valores do Reino de Deus: fraternidade, justiça, partilha, comunhão, compaixão, misericórdia, defesa do direito e da dignidade da vida dos mais pobres e excluídos… O que vemos, ao contrario, prevalecer é o cultivo do individualismo, do indiferentismo social, do consumismo hedonista e não responsável, da felicidade materialista, do pragmatismo imediatista, do virtualismo e de tantos outros. Tudo isso é sinal de uma cultura que nega a igual dignidade do outro, a necessidade da busca da convivência, da partilha e da inclusão de todos.

É triste admitir que o que está emergindo do contexto dessa longa pandemia e das perspectivas que estão se concretizando para o advento da pós-pandemia, ampliará as névoas – desafios e urgências – que tornaram o nosso contexto ainda mais sombrios que os dias atuais. A julgar pelas posturas dos cristãos, perguntemo-nos com seriedade, a fé cristã continuará a perder credibilidade? Deixará de ser luz e fermento na massa? A aposta numa “pastoral de manutenção” e as estruturas de uma “fé acreditada” que vínhamos supondo ou transmitindo, com seus métodos e narrativas próprios serão repensadas? A nossa ação evangelizadora, pela força do Espírito Santo e a presença do Ressuscitado, será reinventada?

Preparemo-nos para os dias que virão e apostemos, confiantes no Deus estradeiro conosco, na formação crítica e autocrítica das juventudes, numa formação libertadora nos nossos seminários, numa catequese comprometida com uma mistagogia que favoreça uma fé adulta e uma vida cristã corresponsável, com mais liberdade e corresponsabilidade, no seguimento de Jesus Cristo, para a sua Igreja e para a vida em sociedade.

Enfim, como a Igreja precisou tomar ares novos no pós-guerra, com o Concílio Vaticano II; oxalá, tenhamos que viver outro, ou outros eventos, no depois desta famigerada pestilência, para que tenhamos cristãos mais amadurecidos na fé e comprometidos na dinâmica própria da vida da Igreja e da vida em sociedade Assim o seja!

(Grifos e adaptação para o Observatório da Evangelização – Edward Guimarães)

Sobre o autor:

Pe. Matias Soares

Pe. Matias Soares é pároco da Paróquia de Santo Afonso Maria de Ligório, em Mirassol, Natal e é colaborador do Observatório da Evangelização PUC Minas.

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A esperança em tempos de pandemia https://observatoriodaevangelizacao.com/a-esperanca-em-tempos-de-pandemia/ Thu, 24 Dec 2020 19:14:00 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=37352 [Leia mais...]]]> Não podemos tratar a esperança como mero sinônimo de utopia, sonho ou quimera. Ela é uma dimensão concreta presente na vida humana. Tem seu lugar próprio em nosso existir. Se somos movidos por desejos, é o amor, a fé e a esperança que nos sustentam nas diversas travessias.

Confira a reflexão do pe. Matias Soares:

A esperança em tempos de pandemia

O mundo clama por uma resposta ao drama que o assola neste momento da história. A pandemia causada pelo Covid-19 é tida por muitos como o pior mal vivido pela humanidade, desde a II Guerra Mundial (1939-1945). É importante que essa relação com outro referencial que trouxe tantos malefícios aos seres humanos seja feita, para que, assim como existiram sinais de esperança, em meio a tantos sofrimentos e destroços, também os visualizemos no nosso cotidiano. Podemos falar de tempos sombrios, assim como foram qualificados aqueles passados; outrossim temos que recordar dos grandes protagonistas da bondade e da compaixão, que fizeram a diferença com suas atitudes e que, por isso, corroboram a existência do bem nas névoas do mal.

No fim da modernidade para o início da pós-modernidade, a esperança alçou voo em meio as intempéries e paradoxos das ações dos seres humanos. “Onde estava Deus?” quando determinados acontecimentos foram permitidos, assim provocou o então papa Bento XVI, quando visitou o campo de concentração de Auschwitz. Mas, numa outra linha de pensamento, outro grande da teologia contemporânea, João Batista Metz, questionou: “Onde estava o ser humano quando tudo aquilo aconteceu?” As inquietações destes dois podem ser tidas como os horizontes que foram vistos pelos “operadores das ciências” para a construção das novas realidades, a partir da interpretação dos fatos passados. O desenvolvimento da economia e da tecnologia assumirá a narrativa determinante neste novo mundo.

Neste contexto de tantos avanços e conquistas tecnológicas ao lado de tantas desigualdades e exclusões, tanto na perspectiva teológica quanto na antropológica, surge o grito dos pobres e da Casa comum. A inconsistência do que “está aí” no presente lança o laço para agarrar o que é sonhado do futuro. Quais as razões de nossa esperança?

No campo teológico, uma obra que delineia esta época é a Teologia da Esperança, de Jürgen Moltmann. Trata-se, a nosso ver, de uma abordagem que enseja fundamentar teologicamente a esperança. O mesmo intento, no campo da filosofia, foi desenvolvido de forma paradigmática por Ernest Bloch, em sua obra Princípio Esperança, que a aborda como um princípio que condiciona a razão. Tendo presente estas duas vigorosas reflexões, podemos afirmar que a humanidade, no complexo contexto desta longa pandemia, se apresenta sedenta de esperança. Uma reflexão teológica importante sobre a esperança cristã, está consignada na Encíclica Spe Salvi, do papa Emérito Bento XVI, escrita em 2007, ela sintetiza a relevância existencial da esperança para travessias como a destes tempos sombrios.

O papa Francisco, nesta mesma linha, está a chamar a humanidade a cultivar a virtude da esperança. Recordo-me bem que, em 2017, em audiência concedida pela o papa Francisco, ao membros do colégio Pio Brasileiro, o mesmo nos exortava “a ser para o povo brasileiro sinais de esperança”. Cada um de nós, em cada estado de vida, seja cristão ou não, nas diferenças às quais cada um é submetido, na cotidianidade entrelaçada de miséria com a misericórdia, torna-se benfeitor ou agraciado do dom da esperança.

Uma questão que precisa ser posta é: Como a fé e a esperança estão sendo reconhecidas, vividas e testemunhadas neste momento de crise? Estamos sendo interpelados diariamente a percebê-las. Uma provocação que temos que nos fazer é: Que lições estamos aprendendo da experiência desta longa pandemia? Não podemos tratar a esperança como mero sinônimo de utopia, sonho ou quimera. Ela é uma dimensão concreta presente na vida humana. Tem seu lugar próprio em nosso existir. Se somos movidos por desejos, é o amor, a fé e a esperança que nos sustentam nas diversas travessias.

  • Há quem, mesmo não tendo uma religião, nem mesmo tendo o dom da fé em Deus, encontram no imediato concreto do dinamismo da vida ricas fontes de esperança. Pelo discernimento da razão renovam suas forças, enfrentam os desafios e lutam por um mundo melhor. Cultivam a esperança por uma fé antropológica.
  • Muitos encontram e alimentam o princípio esperança sendo nutridos cotidianamente pela vivência de uma religião. Na religião, renovam suas forças, enfrentam os desafios e lutam por um mundo melhor. Cultivam uma fé religiosa.
  • Outros, no entanto, encontram e alimentam a esperança, na entrega confiante, no ato de fé em Deus. Este é experimentado fundamentalmente como fonte de esperança. Na fé renovam suas forças, enfrentam os desafios e lutam por um mundo melhor. Cultivam uma fé teologal.

Percebemos que a fé e a esperança constituem juntas uma dimensão intrínseca da condição humana. Todos são chamados a perceber, na esperança, a importância de ter “fé na vida, fé no homem, fé no que virá”. Sem esta dimensão, estaríamos entregues ao caos do desespero e ao tédio da desesperança. Na coincidência das diferentes crenças ou convicções, posso testemunhar que a esperança e a fé – antropológica, religiosa e teologal – são companheiras fiel. A elas recorremos nos momentos difíceis e desafiantes da vida.

Eu escrevo sobre a fé e a esperança tendo presente a minha experiência vivida recentemente quando fui espectador da morte por alguns dias, vitimado pelo Covid-19. Graças aos profissionais da saúde, a minha fé e a dos demais membros do povo de Deus, que tanto rezaram por mim, posso hoje pontuar estas linhas. Passados poucos dias de minha vitória sobre o Covid-19, mesmo tendo presente a dor do luto de tantas perdas que poderiam ter sido evitadas, posso dizer que fui salvo pela fé e pela esperança.

Inseridos neste turbilhão de incertezas, cada um de nós, somos evocados a celebrar e renovar a fé e a esperança, e de um modo todo especial, no Natal. Contemplando o presépio, tendo presente toda a vida de Jesus, seus ensinamentos e gestos proféticos, somos chamados a iluminar tudo o que somos pelo mistério do Amor que vem habitar no meio de nós. Neste Natal, como cristão, eu renovo e convido você a renovar as fontes de esperança teimosa e de fé no Deus Emanuel, sempre estradeiro conosco todos os dias de nossas vidas. Que todos possam encontrar, em seu cotidiano, na mediação da fé antropológica, religiosa ou teologal, fontes que alimentem o horizonte da esperança para que juntos enfrentemos os desafios e as lutas de 2021. Assim o seja!

Pe. Matias Soares

Pe. Matias Soares é pároco da Paróquia de Santo Afonso Maria de Ligório, em Mirassol, Natal, Rio Grande do Norte – RN e é colaborador do Observatório da Evangelização PUC Minas.

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Missão/Pastoral e Inteligência Artificial https://observatoriodaevangelizacao.com/missao-pastoral-e-inteligencia-artificial/ Thu, 17 Dec 2020 00:51:48 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=37141 [Leia mais...]]]> A Igreja, historicamente, para realizar a sua missão sempre precisou entrar em sintonia com a cultura em que anuncia-testemunha a boa notícia do Evangelho do Reino. Por isso, além de encarnar na realidade, ela é chamada a fomentar e cuidar da relação estreita entre fé e razão (Cf. Fides et Ratio, João Paulo II), ciência e religião. Não reconhecer que, ainda que com erros e acertos, essa busca esteve muito presente na caminhada do cristianismo revelaria sinais de desonestidade intelectual ou até mesmo de ressentimento.

No entanto, no Concílio Vaticano II essa busca foi assumida definitivamente. Neste evento eclesial, reconheceu-se a necessidade da Igreja assumir postura de contínua hermenêutica (interpretação) dos sinais dos tempos e postura de diálogo com a modernidade, sem que isso signifique negar a sua identidade e razão de ser (Cf. Gaudium et Spes e Ecclesiam Suam, Paulo VI).

A contemporaneidade nos interpela, em tempos de pandemia e horizonte de pós-pandemia, ao enfrentamento polar, para usar uma expressão de R. Guardini, e dialógico com a Inteligência Artificial (IA). Quais os desafios e modos de usá-la? Que questões éticas e bioéticas (pessoais, sociais e ecológicas) estão aí envolvidas?

Importa buscarmos uma dupla fidelidade: às fontes de nossa fé e ao mundo em que vimos. Enquanto cristãos não podemos ignorar o Evangelho e o legado daqueles que nos precederam na fé, a Tradição da Igreja. No entanto, isso não significa deixar de acolher e buscar, confiantes na presença de Jesus Ressuscitado e do Espírito Santo, Deus em nós, compreender o mundo em que vivemos, de ouvir os apelos e de responder aos desafios novos que nos são propostos.

A complexidade implicada na Inteligência Artificial é apenas um desses desafios. Somos chamados, com esperança e fé, a vencer todo medo, e, pelo diálogo fraterno, ouvir e aprender com as ciências e as novas tecnológicas e, ao mesmo tempo, irradiar, pelo nosso testemunho, a alegria, a beleza e o senso de corresponsabilidade que emerge para qualquer pessoa da luz do Evangelho do Reino. O humanismo que se revela na pessoa de Jesus não é apenas para os cristãos, mas para toda a humanidade. E nada do que é humano e que nos humaniza pode ser indiferente a nós cristãos.

Desse modo, nos cursos de formação permanente dos bispos, presbíteros, religiosos/as e lideranças leigas é urgente que se incluam contínuos aprofundamentos nas temáticas relevantes, capazes de nos ajudar a compreender e a nos situar no tempo e no espaço hodiernos. Não podemos ser reféns de mentalidades fundamentalistas e da preguiça intelectual e espiritual. Lembremos-nos que razão e fé são como que os dois pulmões que oxigenam nossos processos de humanização e nossos projetos de evangelização.

Planejemos e nos sintamos inquietos, portanto, diante das novidades que nos desafiam. A Inteligência Artificial é apenas um desses temas que, no contexto de pós-pandemia, seremos chamados a inteligir com profundidade e sabedoria. Em tempos de obscuridades, embasados pela fé e pela esperança, nos permitamos mergulhar em águas mais profundas. Assim o seja!

Sobre o autor:

Pe. Matias Soares

Pe. Matias Soares é pároco da Paróquia de Santo Afonso Maria de Ligório, em Mirassol, Natal e é colaborador do Observatório da Evangelização PUC Minas.

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“Na simplicidade sacerdotal”, com a palavra pe. Matias Soares https://observatoriodaevangelizacao.com/na-simplicidade-sacerdotal-com-a-palavra-pe-matias-soares/ Mon, 23 Nov 2020 12:16:06 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=36582 [Leia mais...]]]> O tempo nos confronta. Nele, os fatos nos questionam. Talvez, mais do que em outros momentos da história, a exigência de estilo testemunhal é cada vez mais decisiva para a credibilidade da nossa vida cristã e presbiteral. Há quem ainda esteja iludido, pensando que seja suficiente fazer e construir. A verdade não se camufla.

Os sacerdotes que mais marcaram a vida do povo de Deus e fortaleceram a história da Igreja, nas suas bases, são os que foram fiéis ao jeito de Jesus tratar os pobres e necessitados e que assumiram, na dinâmica cotidiana de seu ministério, pequenas e continuadas atitudes de atenção e de doação amorosa às pessoas ao seu redor. Trata-se de palavras e ações cotidianas na vida dos membros da comunidade cristã que trouxeram conforto espiritual em momentos difíceis, que animaram e fortaleceram a fé confiante no amor incondicional de Deus, sempre conosco, e que ajudaram a fortalecer e retomar o caminho de seguimento de Jesus.

Claro, que sempre existiram alguns presbíteros extraordinários. Porém, em sua grande maioria, os que construíram os pilares eclesiais foram os que se doaram, até o fim de suas vidas, ao serviço dos que Deus lhes confiou. Geralmente, se perguntássemos a cada cristão católico sobre quem foi concretamente decisivo em sua caminhada de fé, constataríamos, entre os citados, que frequentemente aparece o testemunho de um padre que fez a diferença e foi referência em sua vida cristã eclesial e social!

Já refleti em outras circunstâncias sobre a identidade da vida sacerdotal; sei das inovações portadas pelo Concílio Vaticano II; porém, uma interpretação tendenciosa fez com que algumas ações próprias da vida sacerdotal tenham sido esquecidas. O presbítero sempre será sacerdote, pela celebração do culto,  e o sacerdote sempre será presbítero, pelo anúncio da palavra.

O papa Francisco recentemente afirmou que a Igreja cresce no silêncio. Na sociedade do espetáculo não podemos pensar que é suficiente a grandiosidade do que a Igreja faz. O Papa recorda a importância do martírio, que a maioria não conhece. Em outras palavras: Francisco chama em causa a necessidade do testemunho. Isso serve para todos nós!

A revolução da Era digital não anulou o que sempre foi fundamental da vida cristã e sacerdotal: serviço e amor-doação ao povo de Deus, por uma opção fundamental enraizada em Jesus Cristo, confirmada e retomada em cada momento de nossas vidas. Assim o seja!

(Os grifos sãos nossos)

Sobre o autor:

Pe. Matias Soares

Pe. Matias Soares é pároco da Paróquia de Santo Afonso Maria de Ligório, em Mirassol, Natal e é colaborador do Observatório da Evangelização PUC Minas.

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Quais são as opções da Igreja? https://observatoriodaevangelizacao.com/quais-sao-as-opcoes-da-igreja/ Tue, 28 Jan 2020 18:41:11 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=34043 [Leia mais...]]]> A Igreja Católica é vista como a instituição que mais influenciou e direcionou os rumos civilizacionais da cultura ocidental. A partir do século IV, depois que o catolicismo se tornou a religião oficial do Estado, com Teodósio, ela chegou a exercer, inclusive, o poder decisivo predominante nas escolhas das pessoas.

Depois da Reforma Protestante, no século XVI, houve muitas rupturas e conflitos religiosos, movidos por interesses religiosos, econômicos, políticos, com o surgimento do Estado Moderno. O Iluminismo potencializou a consciência da autonomia, o primado da razão e a supremacia do sujeito, como medida de todas as coisas. O que, de certa forma, era unificado pela Igreja do século IV até o XVI, com a Revolução Industrial, no século XIX, foi definitivamente subdividido e fragmentado em novas formas de poder, a saber: a autonomia da razão, a força do poder político, o poder de convencimento das ciências, o poder da técnica e, inclusive, o poder de outras possibilidades de ligação com o sagrado. Com isso, a Igreja, sendo uma força entre muitas outras, já não podia exercer da mesma forma seu poder determinante e fazer as opções pelos outros. Pouco a pouco, vai tomando consciência de que ela mesma precisa fazer as suas próprias opções.

Um passo decisivo para a sua nova forma de se relacionar e de estar no mundo moderno, foi dado no Concílio Vaticano II (1962-1965): discernir os sinais dos tempos e fazer um profundo “aggiornamento“, na expressão consagrada pelo papa João XXIII na convocatória do Concílio. Ou seja, era preciso a Igreja abrir suas portas e janelas para o mundo, assumindo postura de diálogo. Era urgente assumir um processo de atualização e de adaptação ao contexto contemporâneo, inserindo-se na vida e na história das pessoas e da sociedade como um todo, nas variadas expressões culturais.

A Igreja, que no Concílio expressou sua autocompreensão enquanto povo de Deus que caminha e sacramento da salvação para o mundo, percebeu que para bem exercer a sua missão era preciso que assumisse postura de escuta e acolhida das dores e alegrias de todos os seres humanos. Trata-se de uma pretensão que em nada fere a sua identidade cristológica. Muito pelo contrário, a Igreja é chamada pelo testemunho de vida nova a irradiar para o mundo, qual prisma, a luz do Amor salvífico de Deus, tal como foi captado na pessoa de Jesus de Nazaré, Filho de Deus. Jesus é acolhido pela Igreja como o sentido e a resposta para os questionamentos mais profundos da existência humana. Ele é a revelação de Deus, que é Amor. Segundo esta hermenêutica do Concílio, a Igreja precisa fazer as suas opções, tendo em vista a precípua missão de evangelizar. A defesa da liberdade religiosa funda-se na ordem da dignidade da pessoa humana e nenhuma crença deve ser imposta por qualquer “pedagogia da ameaça” ou “dialética do medo”.

O papa Francisco vem insistindo na retomada do horizonte e do espírito do Concílio. Vem recuperando a dinâmica de uma Igreja sempre reformando (Igreja em saída, hospital de campanha, de portas abertas, casa da misericórdia), um Igreja com estrutura sinodal, participativa e corresponsável (toda missionária). A Igreja se sabe uma realidade histórica sempre peregrina. Desse modo, a Igreja é chamada a perceber a sua corresponsabilidade na missão de evangelizar. Assim, sem qualquer postura autorreferencial, a ela deve acolher, promover e defender a dignidade de cada membro da humanidade e da justiça social, desde os mais pobres e excluídos, a dialogar com as culturas, as tradições religiosas, as ciências, a economia, a política, as famílias, as pessoas. Desde a sua intrínseca dimensão escatológica (destinada a plenitude junto da comunhão com Deus), a Igreja pode ampliar sua capacidade crítica e autocrítica, aprofundar seu processo de aperfeiçoamento humano e o grau de sua conversão a Deus.

A Igreja não pode temer o seu peregrinar, nem as suas contínuas reformas, pois, tem consciência de que tem apenas um único absoluto e verdadeiro centro, um único princípio e fim, alfa e ômega, em de todas as dimensões. E não é o papa, não são os bispos, não são os padres, não são os religiosos e religiosas, não são os leigos e leigas, não sãos suas estruturas, não são seus sacramentos e não é sua doutrina. Trata-se do próprio Jesus Cristo, que enviado por causa do projeto salvífico do Pai, ressuscitado pela força do Espírito Santo, nela habita. Jesus Cristo precisa ser sempre a opção fundamental da Igreja! E, em Jesus, o Reino de Deus, que Ele veio anunciar-testemunhar com sua própria vida. Essa Igreja, que somos nós povo de Deus, somente consegue fazer esta opção fundamental quando tem os mesmos sentimentos de Jesus Cristo (Fl 2,5).

O papa Francisco mencionou, em entrevista concedida ao jornal espanhol, El Pais, em 23/01/2017, que a única revolução que deseja para a Igreja é aquela provocada pelo Evangelho. A opção da Igreja é pelo Evangelho do Reino, Evangelho da Fraternidade, Evangelho da Justiça. Os filhos e filhas da Igreja devem ter muita clareza desta orientação fundamental da vida cristã. O Evangelho não é uma ideologia, mas uma pessoa: Jesus Cristo. O Pontífice invoca, nesse sentido, a importância dos santos. Eles compreenderam bem o que significa o Evangelho. A partir desta escolha fundamental, tiveram a força para entender tudo o mais e viveram, em seu tempo, verdadeiramente como cristãos, seguidores de Jesus Cristo. Na Igreja, infelizmente, há muita gente que é muita coisa, menos cristã. Por isso têm muita dificuldade de entender e acolher a missão a que somos chamados no contexto atual. Há um discernimento cristão que precisamos assumir:

  • Quais tem sido as nossas escolhas pessoais, familiares e eclesiais?
  • Onde está o nosso coração: em Deus, no Evangelho e no Reino? Ou na busca a qualquer preço pelo sucesso, pela acumulação de bens e pelo poder sociopolítico?
  • A Igreja tem sido compreendida por nós como um lugar de amar e servir, de assumir a missão de anunciar e testemunhar a vida nova em Jesus Cristo Ou como lugar de poder, de prosperidade econômica, de carreirismo e de mundanismo espiritual?
  • Somos facilitadores da graça de Deus, pelo o anúncio-testemunho do amor de Deus, que nos liberta, conforta e fortalece para uma vida digna de filhos e filhas de Deus já aqui e esperançada na plenitude futura? Ou somos dificultares da experiência da misericórdia de Deus, colocando pesados fardos de uma moralista e infantilizadora religião do dever sobre os ombros já cansados dos pecadores, cujos pés já vacilam na frágil esperança em Deus?

A Igreja só será realmente, sacramento de Salvação, quando nós, os seus filhos e filhas, deixando-se guiar pelo Espírito Santo, fizermos, de fato, a opção fundamental pela conversão a Deus, em Jesus Cristo, e pela fé-compromisso com o Evangelho do Reino. Sabendo que a fé cristã e a opção fundamental são concretizadas e alimentadas pelo cultivo da intimidade com Palavra de Deus e a Eucaristia, numa vida em comunidade de fé e partilha de vida, comprometida com a transformação da sociedade pelos valores do Evangelho. Assim o seja!

Sobre o autor:

Pe. Matias Soares

Pe. Matias Soares é pároco da paróquia de Santo Afonso/Natal-RN e é colaborador do Observatório da Evangelização PUC Minas.

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Desafios da evangelização urbana e riscos da superficialidade pastoral https://observatoriodaevangelizacao.com/desafios-da-evangelizacao-urbana-e-riscos-da-superficialidade-pastoral/ Fri, 01 Nov 2019 23:01:51 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=32891 [Leia mais...]]]> As novas Diretrizes da Ação Evangelizadora para a Igreja no Brasil, da CNBB, trouxeram a aguda e candente questão da pastoral no mundo urbano como um tema transversal. A cultura urbana é o nosso lugar teológico-pastoral. É nosso objeto de observação, estudo, interpelação e o horizonte prático a ser focado.

A Igreja tem um grande terreno a ser explorado. A constatação de que suas estruturas já não respondem aos desafios de nosso tempo e que, portanto, precisam de urgente transformação e de revitalização evangelizadora se tornou recorrente. Como ficou claro no processo de escuta e na realização do Sínodo para a Amazônia, poderíamos aqui elencar: uma dinâmica mais partipativa e corresponsável entre clero e laicato na vida da Igreja; novos ministérios pastorais com atenção ao papel singular da mulher na vida eclesial longe ainda de ser valorizado e reconhecido; uma ação evangelizadora de presença e não de visita, que promova pequenas comunidades de fé com pessoas que acolhem de fato a vida cristã; o conhecimento crítico e um bom uso das novas mídias, das redes sociais, da Internet e da realidade virtual; a defesa da dignidade dos povos tradicionais, indígenas e quilombolas; a centralidade da causa e da dignidade cidadã dos pobres na ação evangelizadora; as linguagens eclesiais inculturadas e atentas às juventudes, de modo especial na liturgia; a nova sensibilidade ecológica e os cuidados com a nossa Casa comum, dentre tantos outros.

Há muita dificuldade em partirmos das atuais estruturas. Elas em quase tudo se mostram obsoletas e passaram a ser praticamente uma realidade funcional que visa uma pastoral de manutenção; isso graças ao estilo de evangelização que demarcou o nosso DNA eclesial a partir do IV século da Era Cristã. A nossa organização e referência pastorais ainda é muito sacramentalista. Ofertamos sacramentos, e geralmente sem evangelização que promova conversão ao seguimento de Jesus, à vida em comunidade de fé e partilha fraterna de vida, bem como a busca contínua de uma dupla fidelidade: à Tradição da experiência cristã e aos desafios e urgências de nosso contexto. Nosso estilo infelizmente não é querigmático e nem iniciático e missionário, atento à dimensão social e ao testemunho profética de toda evangelização. Na Alegria do Evangelho, o papa Francisco retoma essa base; mas, ao que parece, ainda necessitaremos de muitos anos para eclesialmente “cairmos na real e deixarmos de ser iludidos”. E isso, claro, contando que, de fato, nos converteremos pastoralmente.

Enquanto isso, a nova tentação é o lançamento de uma Pastoral urbana da superficialidade e dos imediatismos pastorais. A preocupação é tão somente alimentar o “subjetivismo pós-moderno”. Muitas ações que não formam para a vida eclesial e comunitária; nem muito menos, que promovam conversão ao Evangelho. Essas posturas caracterizam-se por um “dinamismo epidérmico”. Sinal clarividente de mediocridade teológico-pastoral e, em alguns casos, também de ganância e preenchimento de egos vazios e doentes psicologicamente, que são sinais de problemas humanos, espirituais e teológicos, existentes nos vários agrupamentos eclesiais.

A Igreja tem grandes questões a ser enfrentadas, não só fora; mas, antes de tudo, no interior de suas estruturas pessoais. Vejamos como alguns cristãos católicos estão recebendo as impostações pastorais do papa Francisco. Eles não conseguem ter o alcance do que este homem de Deus, autêntico profeta de nosso tempo, representa para o mundo. Quem está fora da Igreja se mostra mais sensível, aberto e racional do que muitos que estão dentro da Igreja. Em outra reflexão, escrevi que o papa Francisco é um cristão e que a Igreja não estava preparada para ele; e confesso que o tempo está deixando-me mais convicto disto.

A Igreja não preparou-se para viver essa mudança de época, ou seja, época de profundas mudanças. Isso é próprio dela, principalmente depois que deixou de ser a condutora dos poderes no Ocidente. Muitos dos seus filhos sempre procuraram, e ainda o fazem, atacar o moderno. Existe uma infantilidade a ser superada. Muitos ainda, com mentalidade tridentina, não entenderam a mensagem do Concílio Vaticano II com abertura dialogal às inúmeras positividades trazidas pela Modernidade. Fixam-se, ao contrário, apenas em aspectos julgados negativos ou que trazem ameaças à segurança da sólida tradição cristã; não discerniram, nem acolheram e nem se deixaram interpelar pelos sinais do tempo, pelos muitos pontos positivos. Falam sobre fé e razão; contudo, não as reconhecem e nem as acolhem, conjuntamente, como as duas asas para o acolhimento da verdade.

Por trás das construções pastorais, orientadas pelas Diretrizes, há esses dramas antropológicos e históricos. Tem que, de fato, investir não só no conhecimento intelectivo, este a Internet já oferece; mas também na sabedoria, que é fruto do “discernimento”. O papa Francisco pede essa prática espiritual para a formação dos futuros presbíteros e, sem dúvida, para a Igreja como um todo. Temos que sair desta superficialidade desgovernada, superada e desconfigurada. Necessitamos aprofundar o significado do que somos e do que queremos como Igreja, na nossa vida pessoal e para fecundidade da nossa ação missionária e pastoral. Vamos enfrentar desafios.

Façamos juntos o caminho da conversão à sinodalidade. Isso não deve ser acolhido como um chavão. Trata-se de algo exigente, que implica conversão à centralidade da Palavra e do batismo, à concepcão de corresponsabilidade de todos na dinâmica eclesial. Este é o caminho que nos tornará mais fortes. Abertos ao Espírito Santo, sigamos juntos em frente. Assim o seja! Amém!

Sobre o autor:

Pe. Matias Soares

Pe. Matias Soares é pároco da paróquia de Santo Afonso/Natal-RN e é colaborador do Observatório da Evangelização PUC Minas.

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O Sínodo da Amazônia e suas finalidades https://observatoriodaevangelizacao.com/o-sinodo-da-amazonia-e-suas-finalidades/ Sat, 28 Sep 2019 12:55:28 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=31889 [Leia mais...]]]> O clima de polarização extremista é um fenômeno que tem marcado o nosso tempo. Muitos parecem ter perdido a capacidade de se aproximar, dialogar, discernir, ensinar e aprender com o pluralismo saudável de posturas e ideias. A irracionalidade de certas manifestações extremistas da condição humana tem penetrado nos vários espaços de nossa cultura. Este fato social está a desafia-nos seja na busca de sua compreensão crítica, seja na busca de caminhos de superação, pois, traz consigo conflitos de poder e interesse, intolerâncias e divisões, ódio e violência que afetam de modo terrível o exercício da política e o necessário cuidado com a dignidade da vida, bem como a convivência entre as pessoas no seio de nossas famílias, comunidades, cidades.

Os novos meios de comunicação, mídias digitais e redes sociais, de criativas tecnologias portadoras de potenciais canais de entrosamento, debate de ideias e partilha de conhecimentos, tem sido usados como fonte transbordante de fake news (convincentes mentiras virtuais) e como poderosa arma para agredir e destruir a imagem do que ou de quem seja visto como ameaça ou como inimigo. Nada fica imune ou protegido.

O profetismo do papa Francisco em recuperar o espírito do Concílio Vaticano II tem sido um dos principais alvos. De modo muito particular agora, o Sínodo da Amazônia, por ele convocado para outubro, é a bola da vez. A cada dia uma nova onda de críticas é lançada pela ala ultraconservadora da Igreja. Polêmicas são criadas e se espalham com virulenta rapidez. Trata-se de uma ínfima, mas poderosa e barulhenta, patota de opositores ao projeto de reforma da Igreja impulsionado por Francisco. Mostra-se contrária a tudo quanto o Sucessor de Pedro assume enquanto atitude pastoral. Não há espírito de diálogo ou discernimento fraternos. Ao contrário, joga suas bombas para suscitar dúvidas e causar confusão na cabeça dos fieis diante do rico processo de execução do evento. Age como um grupo de terroristas eclesiásticos.

Acontece que pessoas ou grupos assim sempre existiram no seio da Igreja. Basta conhecer um pouco da história da Barca de Pedro, a começar pelo que está registrado no livro dos Atos dos Apóstolos ou nas cartas paulinas. As comunidades cristãs nunca deixaram de ser humanas e de enfrentar os desafios da busca de aprender a conviver fraternalmente inspirados pelo amor incondicional e universal de Deus. Mas no contexto atual, as posturas contrárias, por suas perversas estratégias, tem adquirido características singulares.

Alguns que se colocam como ardorosos defensores da reta doutrina partiram de uma análise parcial do Instrumentum Laboris (Instrumento de trabalho elaborado, conforme orientação de Francisco, a partir de um amplo processo de escuta dos povos da Amazônia). Estrategicamente começaram do que não é o objetivo imediato e primário do texto orientativo. Partiram de questões periféricas, mas com o objetivo de minar e destruir os fins das proposições elaboradas ao longo do criativo processo de escuta dos fiéis que estão nos territórios amazônicos e de religiosos/as, pastores e teólogos/as.

O Instrumento de Trabalho recolheu e discerniu urgências, necessidades, desafios e as sugestões concretas de resposta apresentados pelas pessoas que ali vivem para a Igreja da Amazônia. Tudo isso elaborado sem desconsiderar as balizas estruturantes da Palavra de Deus: o encontro vital com Jesus Cristo e os desdobramentos da acolhida do projeto salvífico de Deus que celebramos no Batismo e que procuramos encarnar na busca de concretização do seguimento de Jesus.

No jornal L’Osservatore Romano do dia 20 de agosto de 2019, numa entrevista do Papa a La Stampa-Vatican Insider, Francisco esclarece que, o que o motivou a convocar o Sínodo para Amazônia foi: em primeiro lugar a preocupação missionária e evangelizadora; em segundo, que o Sínodo é filho da Laudato Si‘, que é uma encíclica ecosocial, e não simplesmente uma encíclica verde, preocupada apenas com o bem da Criação. Por fim, o Papa denuncia que é um “território ameaçado por interesses econômicos e políticos, nos setores dominantes da sociedade, no qual a política deve eliminar a sua conivência e corrupção e assumir responsabilidades concretas”.

A missão da Igreja, em primeiro lugar, não encontra a sua legitimidade em anseios ou práticas sociopolíticas e econômicas presentes na cultura contemporânea, por mais importantes e necessárias que sejam. Ela também não pauta o seu agir pelos jogos de poder entre direitistas e esquerdistas, entre as diferentes classes sociais. Seu paradigma estruturante vem do Evangelho de Jesus. A Igreja anuncia e testemunha o amor de Deus e seu projeto salvífico universal, mas o faz, como Jesus, a partir opção pelos pobres, oprimidos, excluídos e ameaçados.

É perverso que muitos fiéis católicos estejam sendo manipulados ideologicamente e estejam ardilosamente caindo em armadilhas postas por pessoas que se dizem cristãs católicas e se colocam como corifeus da reta doutrina. Sendo, dessa forma, críticos do papa Francisco, são, veja bem, inimigos da Igreja de Cristo.

No Brasil isso é muito evidente. Grupos ultraconservadores se mostram poderosos e articulados no nível internacional. Já foi denunciado que essas balbúrdias são causadas com a intenção futura de forjar a eleição do próximo Pontífice. O papa Francisco tem se mostrado um cristão fiel e comprometido com o Evangelho. Ele está incomodando e contrariando os interesses de muitas pessoas que se julgam poderosas dentro e fora da Igreja. Está mexendo com estruturas de poder e de corrupção das consciências que têm amnésia da história humana e cristã. Daí a importância de fazermos memória da caminhada.

Rezemos pelo Sínodo da Amazônia! Que seja um verdadeiro kairós: uma oportunidade singular de comunhão fraterna e de sentirmos eclesialmente com todos os filhos de Deus e nossos irmãos que “são e estão ali”. Que da Amazônia possa surgir pistas concretas para a construção coletiva de caminhos novos para o toda humanidade.

Sejamos Igreja! Sejamos cristãos! Sejamos humanos! Assim o seja!

Pe. Matias Soares tem mestrado em Teologia Moral pela PUG Roma e, atualmente, atua como presbítero na Paróquia de Santo Afonso em Natal-RN. É um assíduo colaborador do Observatório da Evangelização PUC Minas.

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