Pe Geraldo De Mori – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Thu, 29 Sep 2022 20:30:58 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.3 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 Pe Geraldo De Mori – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 “Eleger”, com a palavra Geraldo De Mori, SJ https://observatoriodaevangelizacao.com/eleger-com-a-palavra-geraldo-de-mori-sj/ https://observatoriodaevangelizacao.com/eleger-com-a-palavra-geraldo-de-mori-sj/#comments Thu, 29 Sep 2022 20:30:58 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=46060 [Leia mais...]]]> Escolhe, pois, a vida” (Dt 30,19)

Provavelmente, o próximo dia 2 de outubro de 2022, seja um dos dias mais importantes da história recente do Brasil: as eleições para os cargos majoritário do executivo nacional e estaduais, e os componentes do senado e da câmara dos deputados federal e estaduais. O que dá densidade a essas eleições e que significado podem ter para quem se diz discípulo e discípula de Jesus de Nazaré? Por que é importante o voto de cada cidadão e cidadã? O que difere esse pleito diante de outros já ocorridos no país?

A história da democracia no Brasil é marcada pela forma como foi estabelecida. Em sua origem estiveram implicados os militares. O Marechal Deodoro da Fonseca, que “proclamou a república”, instaurou uma ruptura com o regime anterior, que tinha sido instituído com a Independência do país, no dia 7 de setembro de 1822, a qual, por sua vez, havia dado origem à história da nova nação independente. O fato de os militares terem iniciado a aventura republicana fez com que tivessem uma presença muito significativa na vida nacional. Isso é atestado por sua presença em vários momentos, muitos deles, como o que foi inaugurado com o golpe de 1964, marcados por todo tipo de atentado ao que diziam defender: a democracia. Com efeito, as exações do regime militar não só interromperam o sistema democrático, mas atentaram conta os direitos humanos, como é atestado na forma como perseguiram os oponentes ao regime, com torturas, desaparecimentos de corpos e a declaração de uma anistia que beneficiou a eles mesmos de todas as ações que impetraram contra presumidos “inimigos da nação”.

O atual mandatário da nação, defensor do regime militar e negacionista de todas os crimes cometidos pela corporação, buscou, de muitas formas, ao longo do mandato que exerceu, propor uma outra “narrativa” da história escrita com tortura e sangue por tantos membros da instituição à qual pertenceu. O mandato que exerceu durante 4 anos fez de tudo para reescrever a história recente do país, negando o que havia sido a ação dos que, como ele, pertencem à corporação militar. Para quem não conhece a história recente do Brasil e se nega a revisitá-la, preferindo as falsas informações dadas pelos que sustentam os propósitos do atual presidente, o que importa não é o Brasil brasileiro, mas um Brasil completamente falsificado, à imagem mesma do que estão habituados a vivenciá-lo. Trata-se, como dizia Aldir Blanc, de um Brasil que “não conhece o Brasil”.

Por que são importantes as eleições de 2022? Para que o que foi o processo vivido nos quase últimos 60 anos não seja jogado no limbo do esquecimento. De fato, desde a interrupção do processo democrático de 1964, que contou, em seguida, com a generosidade e o dom da vida de tantos brasileiros e brasileiras “gigantes” em coragem e ousadia, enfrentando os desmandos do regime para lutar pelos direitos dos que tinham suas vidas perdidas ou torturadas, passando por todo o caminho da volta à democracia, que culminou na Constituinte cidadã de 1988, que assegurou tantos direitos para os que historicamente não tinham nenhum direito, não se viu tantos atentados contra a democracia como no exercício do atual presidente e seus seguidores.

Por que então há um dever cívico de votar? Para que esse caminho seja interrompido. Para que, mais que a vitória dos carrascos da imensa maioria dos cidadãos e cidadãs do país, que sofrem tantos tipos de atentados aos direitos mais elementares, seja assegurada a vitória dos que têm um mínimo de sentimento do que é o humano.

No livro do Deuteronômio, antes que o povo ingressasse na terra prometida, Moisés o insta a que escolha a vida. Sem dramaticidade, trata-se efetivamente disso nessas eleições: urge escolher a vida. E a vida, certamente, não passa pelo caminho trilhado nos últimos 4 anos, que foram de desconstrução do que o Brasil viveu desde a promulgação da Constituição de 1988. O projeto do atual “desgoverno” é justamente o de desconstruir tudo o que a Carta Magna do país estabelece como mínimo civilizacional.

Cada cidadão, em sã consciência, deve se colocar a questão: que país eu quero? Que projeto de civilidade e nação eu quero? Para quem se diz seguidor e seguidora de Jesus de Nazaré, sua participação no próximo pleito do dia 2 de outubro de 2022 não pode deixar de ter um significado também teológico. Não se trata de votar em quem diz colocar Deus em primeiro lugar, que é contra o aborto ou a ideologia de gênero, que é contra o comunismo. Na verdade, como diz Jesus, “pelos frutos conhecereis a árvore” (Mt 12,32). Colocar Deus em primeiro lugar é justamente promover o “governo de Deus”. Certamente o “governo de Deus” não passa por liberação de armas, muito menos ainda pela aprovação de agrotóxicos que são proibidos em todo o mundo por serem comprovadamente cancerígenos ou afetarem o sistema nervoso, ainda menos pela promoção da destruição do bioma mais importante para o equilíbrio ecológico do planeta, sem falar do incentivo à invasão de terras dos que primeiro habitaram o país.

Moisés, quando o povo ia ingressar na terra prometida, após mostrar-lhe o significado de ser um povo elegido, recordando-lhe que a terra que ia ocupar tinha lhe sido dada como presente por Deus, e indica ao mesmo povo como devia se comportar para que o presente recebido pudesse testemunhar da bondade do doador, instando o povo a “escolher a vida”. Na eleição do dia 2 de outubro de 2022, escolher a vida não passa pela escolha da continuidade do projeto de desconstrução do país levada ao longo do período que viu o nascimento da oposição à ditadura militar e à construção de nação elaborada pela Constituição de 2022. Não se pode deixar enganar pelos discursos que, em nome de princípios cristãos, na verdade são negadores da substância do Evangelho.

Votar nesse dia 2 de outubro, além de um dever cidadão, é uma forma de expressar o compromisso cristão contra os que atentam contra a democracia, os direitos humanos, sobretudo os dos mais vulneráveis, assegurados pela Constituição de 1988. Provavelmente, muitas pessoas serão intimidadas ao exercício desse direito cidadão. A melhor forma de o fazer, é, sem entrar nas polêmicas e, sem se deixar enganar pelas falsas notícias, realizar seu dever cidadão. Como tem insistido o papa Francisco, a caridade mais ampla é a caridade política. Mas, essa caridade não se esgota no voto. Como tem insistido a Conferência dos Bispos do Brasil, é preciso “reencantar a política”, ou seja, descobrir seu sentido mais profundo e buscar viver o real papel do cidadão/ã, que é o de não reduzir sua participação ao voto, mas implicar-se no cotidiano da vida política, que é seguir o que é feito nas câmaras de vereadores, de deputados e no senado, como também seguir o que realizam os mandatários do poder municipal, estadual e federal. Somente assim, de fato, pela cobrança dos cidadãos/ãs, os interesses dos diversos grupos que compõem a sociedade, serão objeto de discussão, buscando o interesse do bem comum e não somente o dos grupos que representam as grandes corporações que detêm o poder econômico de cada instância da vida dos cidadãos/ãs.

(Os grifos são nossos.)

Prof. pe. dr. Geraldo De Mori, SJ

Geraldo De Mori é teólogo jesuíta, professor e pesquisador. Ele é bacharel em Filosofia e Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), licenciado em Filosofia pela PUC Minas, mestre e doutor em Teologia pelo Centre Sèvres – Facultés Jésuites de Paris (França) e tem pós-doutorado no Institut Catholique de Paris. Professor titular no Departamento de Teologia da FAJE. Líder do Grupo de Pesquisa Interfaces da antropologia na teologia contemporânea. É membro do Conselho Editorial das Revistas Concilium, Teología y Vida, Perspectiva Teológica. Membro do Grupo de Santiago (que estuda teologia prática); do Secretariado do Diálogo Ecumênico e Inter-religioso da Companhia de Jesus (desde 2019); da Comisión Teológica do CELAM (desde 2020); da Equipe de Análise de Conjuntura Eclesial da CNBB (desde 2020). Editor geral de Theologica Latinoamericana (Enciclopedia Digital). Dentre suas publicações destacamos: A teologia em situação de pós-modernidade. São Leopoldo: Unisinos, 2005, Le temps, énigme des hommes, mystère de Dieu. Paris: Cerf, 2006. DE MORI, G. L. . Propor a fé na pós-modernidade. DOI – 10.23925/rct.i99.53577 , v. 29, p. 230-255, 2021.

Fonte:

https://faculdadejesuita.edu.br/eleger/

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https://observatoriodaevangelizacao.com/eleger-com-a-palavra-geraldo-de-mori-sj/feed/ 1 46060
Lives Por uma Igreja Sinodal – Anima PUC Minas https://observatoriodaevangelizacao.com/lives-por-uma-igreja-sinodal-anima-puc-minas/ Wed, 22 Dec 2021 14:26:43 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=43288 [Leia mais...]]]>

  1. História da Sinodalidade, com o prof. Frei Luiz Antônio

2. Experiências sinodais, com o prof. pe. Manoel Godoy

3. Francisco e a sinodalidade, com a profª. Alzirinha

4. Experiências sinodais da Igreja, com o prof. pe. Geraldo De Mori

Fonte:

Anima PUC Minas

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Começa hoje o I Congresso Brasileiro de Teologia Pastoral https://observatoriodaevangelizacao.com/comeca-hoje-o-i-congresso-brasileiro-de-teologia-pastoral/ Mon, 03 May 2021 12:32:21 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=39336 [Leia mais...]]]>

Fazei isso em memória de mim” (Lc 22,19)

Entre os dias 3 e 6 de maio, um grupo de instituições católicas de Belo Horizonte (FAJE, ISTA, PUC Minas, Centro Loyola), com o apoio de várias instituições católicas do Brasil, realiza o Primeiro Congresso Brasileiro de Teologia Pastoral. O tema escolhido “Discernir a pastoral em tempos de crise: realidade, desafios, tarefa”, é uma oportunidade para viver o mandato de Jesus na última ceia: “fazei isso em memória de mim” (Lc 22,19).

Certamente o mandato de reiterar o ato do “partir o pão”, em memória do mistério da entrega de sua vida até o ato supremo, evoca fundamentalmente o que se celebra na eucaristia, enquanto sacramento do corpo e do sangue do Senhor entregue para o perdão dos pecados. Contudo, o que se celebra em sacramento, deve traduzir-se na vida de cada fiel que participa da “Ceia do Senhor” e da comunidade na qual isso é celebrado. Portanto, o ato de fazer memória tem muitos significados. Não se reduz ao gesto litúrgico celebrado em cada eucaristia, mas inscreve-se na história de quem celebra. E o fazer memória não é somente recordar-se de algo acontecido no passado, mas é trazer esse passado para o presente de quem o celebra. Com isso, o ato passado se torna presente de novo. E é importante ainda insistir, não como repetição meramente ritual do que aconteceu no passado, mas como gestos novos vividos por quem celebra no lugar e tempo que celebra.

Em que sentido um evento acadêmico e pastoral, como um congresso de teologia, é um ato eucarístico de fazer memória? No sentido apontado por João XXIII no discurso de abertura do Concílio Vaticano II. Segundo ele, o Concílio não tinha que elaborar novos dogmas, novas doutrinas, nem condenar os que os colocavam em questão. Urgia, mais do que nunca, traduzir a imensa riqueza do “depósito da fé” em linguagem compreensível, que pudesse dar sentido à vida dos fiéis e tornar sua fé relevante na sociedade. Vários teólogos, ao relerem esse discurso e a ênfase dada por ele à “pastoral”, têm insistido muito no princípio da “pastoralidade” como central para se compreender o que quis o Concílio.

O que seria o princípio da pastoralidade?

Nada mais do que realizar o mandato da última ceia: “fazei isso em memória de mim”. Ajudar os discípulos e discípulas de Jesus a repetirem em cada lugar e tempo o que o Mestre havia realizado, ou seja, repetir os gestos jesuânicos. As igrejas locais são chamadas a ser as principais intérpretes do mandato do Nazareno, no sentido de perceberem quais são as melhores respostas, diante dos desafios dos “sinais dos tempos”, que melhor encarnam a realização da memória viva de seu Senhor.

No Brasil, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB é a instância de discernimento, para o conjunto dos fiéis católicos do país, dos novos desafios para tornar viva, significativa e atuante a memória de Jesus de Nazaré no território nacional. Em geral, todos os anos ela se reúne, seja em assembleia nacional, seja nas assembleias dos Regionais. As dioceses também, através de várias instâncias, buscam incessantemente estar à escuta do que o “Espírito diz às Igrejas” (Ap 2,7). Nos últimos anos, as Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (DGAE) têm estado atentas, sobretudo, às grandes mudanças provocadas pelo processo de urbanização do país, com o surgimento de uma sociedade cada vez mais plural, na qual o indivíduo, com seus desejos, frustrações e sonhos, torna-se cada vez mais importante. Já na Conferência de Aparecida, essa preocupação com a subjetividade tinha ganhado importância. Nas últimas DGAE (2019-2023), a pastoral urbana e a ênfase em temas da sociedade pós-moderna são importantes na proposta de se pensar a evangelização a partir dos quatro pilares de uma casa: Palavra, Pão, Caridade, Missão.

Com a urgência sanitária, provocada pela pandemia da Covid-19, novas questões foram colocadas ao ato de “fazer memória” de Jesus (= pastoral) nas comunidades eclesiais do país. Impedidas de realizarem suas atividades habituais, elas tiveram que utilizar os recursos tecnológicos e digitais para suas liturgias, reuniões, atividades de proposição da fé na catequese, nos grupos de evangelização e na formação de lideranças. Também foram obrigadas a inventar novas formas de acompanhamento dos mais vulneráveis, dos que eram atingidos pela pandemia, das pessoas obrigadas a longos períodos de isolamento.

O papel da teologia no ato de fazer memória de Jesus é o de ajudar os fiéis e os pastores da Igreja para que possam estar “prontos da darem as razões de sua esperança” (1Pd 3,15) diante de cada nova situação em que se encontram, com os desafios que levantam ao testemunho cristão. Trata-se, portanto, de um serviço ao “povo santo de Deus”, como insiste tanto o papa Francisco, e ao magistério.

Nesse sentido, o Congresso Brasileiro de Teologia Pastoral, que reunirá teólogos e teólogas de todo o Brasil, estudantes de teologia e muitas pessoas envolvidas na pastoral, quer ser um momento de escuta das questões de nosso tempo, à luz da memória de Jesus, para que, diante dos novos sinais dos tempos, possamos continuar realizando os mesmos gestos jesuânicos.

Além de palestras, painéis e seminários temáticos, que discutirão muitas questões levantadas hoje na pastoral concreta da Igreja do Brasil, também haverá a apresentação de comunicações, que são pesquisas realizadas por estudantes, professores e professoras de teologia. Também serão apresentadas algumas experiências significativas da pastoral. Oxalá esse evento acadêmico e pastoral possa abrir novas pistas para a pastoral no Brasil.

Para os que se interessarem, a maioria das atividades serão de acesso livre. Basta clicar na página do Portal da FAJE que dá informações sobre o congresso, que lá estarão os links dessas atividades: 

https://www.faculdadejesuita.edu.br/congresso-de-teologia-e-pastoral–120/congresso-de-teologia-e-pastoral–120

Geraldo Luiz De Mori SJ é professor e pesquisador do departamento de Teologia da FAJE.

Fonte:

http://faculdadejesuita.edu.br

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Memória revolucionária do sangue dos mártires da UCA de El Salvador: 30 anos https://observatoriodaevangelizacao.com/memoria-revolucionaria-do-sangue-dos-martires-da-uca-de-el-salvador-30-anos/ Sat, 16 Nov 2019 14:06:28 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=33252 [Leia mais...]]]> A memória do sangue dos mártires recorda-nos o chamado profético e revigora a nossa decisão batismal de deixar-se transformar pela acolhida do Reino e pelos desafios do seguimento de Jesus!

Muito já se escreveu sobre este acontecimento, que chocou a tantos, chamou a atenção para o papel da universidade no debate público, levantou uma série de protestos e inúmeras iniciativas de solidariedade, inspirou o compromisso profético na América Latina e em outras regiões. O que dizer ainda sobre este tema 30 anos depois? O que celebrar e por que celebrar? É preciso acreditar que o novo pode surgir, que aqueles que caem por amor ao advento de uma sociedade mais justa e solidária, merecem sim ser recordados, celebrados. Ai daqueles que esquecem seus mártires! O dever da memória, de uma “memória perigosa”, como a dos mártires da UCA, impõe-se, portanto, mesmo nesses tempos “líquidos”, aparentemente sem utopia e sem a “febre” da construção de “um outro mundo possível”. Neste tempo de incertezas pelo qual passa a América Latina e, em particular, nosso país, recordar Ellacuría, seus companheiros e colaboradoras, é um ato importante, sobretudo para nós enquanto instituição acadêmica. Ele nos leva à pergunta: nosso pensar contribui na formação de homens e mulheres que fazem a diferença, que incomodam os donos do poder, que colocam toda sua energia e inteligência ao serviço da justiça e da solidariedade? Confira:

30 ANOS DEPOIS: A MEMÓRIA REVOLUCIONÁRIA DO SANGUE DOS MÁRTIRES DA UCA

Por Geraldo De Mori SJ, Reitor da FAJE

No dia 16 de novembro de 2019 fazemos memória do 30º aniversário do martírio de Ignacio Ellacuría SJ, Ignacio Martín Baró SJ, Segundo Montes SJ, Amando López SJ, Juan Ramón Moreno SJ e Joaquín López SJ, como também de Elba Ramos e sua filha, Celina, que trabalhavam na residência dos jesuítas da Universidade Centro-Americana (UCA), em El Salvador, onde foram brutalmente assassinados.

Muito já se escreveu sobre este acontecimento, que chocou a tantos, chamou a atenção para o papel da universidade no debate público, levantou uma série de protestos e inúmeras iniciativas de solidariedade, inspirou o compromisso profético na América Latina e em outras regiões. O que dizer ainda sobre este tema 30 anos depois? O que celebrar e por que celebrar?

Numa cultura da imagem, onde o que mais se prima são o momento presente, o gozo e o consumo, recordar a violência à qual foram submetidos os jesuítas da UCA e suas colaboradoras parece um contrassenso ou algo ultrapassado. Aquilo no qual eles acreditavam e pelo qual apostaram a vida, a saber, uma sociedade justa, onde os pobres tivessem vida digna e fossem respeitados, parece não mais ter sentido. A utopia do Reino tampouco parece mobilizar o imaginário e o engajamento dos que lutam por sobreviver ou por ser incluídos num mundo em que o mercado dita suas regras. Por que sacrificar-se ou correr riscos se os poderosos sempre vencem e o mundo sempre foi assim? 

Coincidentemente, o martírio da UCA aconteceu no mesmo ano da queda do muro de Berlim, que selou, segundo muitos, o fim da imaginação utópica e sua inspiração para o agir social e político de movimentos que lutavam por mais justiça e solidariedade. O mundo que emergiu desde então, globalizado, plural, fragmentado, centrado no presente, ignorando o passado e não se interessando pelo futuro, não se tornou, porém, melhor. Ao contrário, viu se acirrarem conflitos de todo tipo, fazendo crescer as ameaças à casa comum, produzindo homens e mulheres vulneráveis que, mesmo sem saber, continuam buscando dar sentido às suas existências, por meio de pequenos gestos que fazem irromper o novo.

Da adolescente Greta Thunberg ao professor Peter Tabichi, passando pelas inúmeras pessoas que, como as salvadorenhas Elba e Celina em 1989, gastam suas vidas nas tarefas mais cotidianas, muitas delas se confundindo com a luta pela sobrevivência, é preciso acreditar que o novo pode surgir, que aqueles que caem por amor ao advento de uma sociedade mais justa e solidária, merecem sim ser recordados, celebrados. Ai daqueles que esquecem seus mártires! O dever da memória, de uma “memória perigosa”, como a dos mártires da UCA, impõe-se, portanto, mesmo nesses tempos “líquidos”, aparentemente sem utopia e sem a “febre” da construção de “um outro mundo possível”.

Chama a atenção no martírio da UCA a preocupação dos assassinos em destruir os cérebros dos jesuítas. Esse ato chocante é muito simbólico. Ele mostra o quanto fazer pensar incomoda os donos do poder, qualquer que seja sua ideologia. Neste tempo de incertezas pelo qual passa a América Latina e, em particular, nosso país, recordar Ellacuría, seus companheiros e colaboradoras, é um ato importante, sobretudo para nós enquanto instituição acadêmica. Ele nos leva à pergunta: nosso pensar contribui na formação de homens e mulheres que fazem a diferença, que incomodam os donos do poder, que colocam toda sua energia e inteligência ao serviço da justiça e da solidariedade?

Que o martírio da UCA, como o de tantos discípulos e discípulas de Jesus ao longo da história, possa ser sementeira de homens e mulheres comprometidos com a construção de um mundo novo, que sua memória revolucionária nos estimule à entrega de nossa vida em tantas formas de serviço àquilo pelo qual Jesus apostou sua vida: o advento do Reino.

Fonte:

www.faculdadejesuita.edu.br

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O amor no matrimônio segundo a Amoris Laetitia https://observatoriodaevangelizacao.com/o-amor-no-matrimonio-segundo-a-amoris-laetitia/ Tue, 25 Apr 2017 18:42:55 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=16910 [Leia mais...]]]> A articulação do amor erótico, com o de amizade e o gratuito faz do quarto capítulo da Amoris Laetitia uma verdadeira “suma do amor”, recolhendo toda tradição eclesial.

O amor no matrimônio segundo a Amoris Laetitia

Geraldo De Mori, SJ*

Por séculos a finalidade do matrimônio na Igreja católica foi associada à procriação. Em parte essa leitura era determinada pelo “crescei e multiplicai-vos” de Gn 1,28, embora Gn 2,23-24 e a própria doutrina da Igreja contemplassem a dimensão unitiva ou erótica da união conjugal. A encíclica Humanae vitae, de Paulo VI, ao proibir os métodos “artificiais” de procriação, fez com que o discurso eclesial valorizasse mais as questões éticas ligadas à fecundidade ou à vida. O Papa Francisco, na Amoris Laetitia (AL), estabelece um novo equilíbrio entre essas duas dimensões, vistas mais como “evangelho”, portanto, boa notícia, e não tanto uma dimensão a manter sob suspeita.

Sabemos o quanto a dimensão afetiva e erótica é central em todas as sociedades contemporâneas, nas quais está em curso uma enorme evolução na constituição familiar. A família nuclear tradicional (pai, mãe, filhos), resultado, segundo a doutrina católica, de um vínculo indissolúvel e sacramental, convive com inúmeros outros arranjos familiares, muitos dos quais fundados no “amor romântico”, que, segundo Vinicius de Moraes, “é eterno enquanto dura”, fazendo-se e desfazendo-se segundo as mudanças que experimentam as subjetividades vulneráveis que compõem a sociedade na atualidade.

Mais que começar com um olhar negativo sobre as ameaças que sofre hoje a instituição familiar, sobretudo em sua figura tradicional, o texto papal inicia com uma aposta no amor, um amor, que de imediato, segundo uma interpretação do Sl 128/127, lido a partir de Gn 1-2, liga homem e mulher (Gn 2,24), tornando-os fecundos (Gn 1,28). O esboço do que é o amor conjugal e familiar, proposto no primeiro capítulo da AL, não ignora, porém, “a presença do sofrimento, do mal, da violência, que dilaceram a vida da família e a sua comunhão íntima de vida e de amor” (AL 19). À luz da Palavra de Deus, o Papa mostra como no meio das dificuldades se pode encontrar o remédio que cura as feridas. Fundados no amor, o casal e a família encontram no amor a via para enfrentar tudo aquilo que desfigura o amor, impossibilitando sua plena realização. Esse esboço do que é o amor familiar recebe nos capítulos IV e V uma fundamentação maior. Retomamos aqui apenas alguns elementos nucleares da reflexão do Papa no capítulo IV.

O título do capítulo IV é justamente “O amor no matrimônio”. Trata-se, segundo muitos intérpretes da AL, de uma meditação própria de Francisco, não tendo sido objeto dos debates das duas sessões dos sínodos de 2014 e 2015. O texto é em parte baseado no hino do amor, de 1Cor 13,2-3, na seguinte tradução papal: “O amor é paciente, é benfazejo; não é invejoso, não é presunçoso nem se incha de orgulho, nada faz de vergonhoso, não é interesseiro, não se encoleriza, nem leva em conta o mal sofrido; não se alegra com a injustiça, mas fica alegre com a verdade. Ele desculpa tudo, crê tudo, espera tudo, suporta tudo”. A primeira parte deste capítulo é um comentário desse texto. É importante observar que no grego existem três termos para se falar do amor: eros, amor apaixonado, que supõe atração; filia, amor de amizade, que leva as pessoas a se preocuparem pelos outros; ágape, amor desinteressado e gratuito, traduzido em geral por caridade. No texto paulino, fala-se de ágape, mas o Papa traduz o significado de ágape nas atitudes que devem permear o amor conjugal: a paciência, o serviço, a cura da inveja, arrogância e orgulho, a amabilidade, o desprendimento, a não violência, o perdão, a capacidade de alegrar-se com o outro, de desculpar, confiar, esperar e suportar.

Feito isso, na segunda parte do capítulo, Francisco afirma que o texto paulino “permite-nos avançar para a caridade conjugal […] que reúne em si a ternura da amizade e a paixão erótica, embora seja capaz de subsistir mesmo quando os sentimentos e a paixão enfraquecem” (AL 120). Nesse sentido, o amor conjugal é “ícone do amor de Deus por nós” (AL 121). Em sua natureza “existe a abertura ao definitivo”, pois “unindo o humano e o divino, esse amor leva os esposos ao livre e recíproco dom de si mesmos, que se manifesta com a ternura do afeto e com as obras, e penetra toda a sua vida” (AL 123). O Papa insiste na importância do cuidado “da alegria do amor”, que implica “aceitar que o matrimônio é uma combinação necessária de alegrias e fadigas, tensões e repouso, sofrimentos e libertações, satisfações e buscas, aborrecimentos e prazeres, sempre no caminho da amizade que impele os esposos a cuidarem um do outro” (AL 126). Francisco leva em conta as crises e as feridas que elas provocam nos cônjuges (AL 128), mas insiste na necessidade do perdão. As “palavras adequadas, diz o Papa, ditas no momento certo, protegem e alimentam o amor dia após dia” (AL 133).

A terceira parte do capítulo, dedicada ao “amor apaixonado”, recolhe o valor do amor erótico na própria relação conjugal, dizendo que “os místicos afirmaram que o amor sobrenatural e o amor celeste encontram os símbolos que procuram mais no amor matrimonial do que na amizade, no sentimento filial ou na dedicação a uma causa” (AL 142). O texto mostra o lugar dos desejos, sentimentos e emoções (as paixões) na vida conjugal. Afirma que “o amor matrimonial leva a procurar que toda a vida emotiva se torne um bem para a família e esteja a serviço da vida em comum” (AL 146). Para isso, é preciso um caminho pedagógico, que inclui renúncias, educação da emotividade e do instinto, levando a aceitar que o prazer possui outras formas de expressão. O Papa insiste que a sexualidade é “um presente maravilhoso” de Deus (AL 150), e que o “erotismo é uma manifestação especificamente humana da sexualidade”, que nele podemos encontrar o “significado esponsal do corpo e a autêntica dignidade do dom” (AL 151). O Papa não ignora as perversões ligadas à sexualidade, que pode transformar-se em fonte de violência, sofrimento e manipulação. Recorda, porém, que “um amor verdadeiro também sabe receber do outro, é capaz de se aceitar como vulnerável e necessitado, não renuncia a receber, com gratidão sincera e feliz, as expressões corporais do amor na carícia, no abraço, no beijo e na união sexual” (AL 157). A última parte do capítulo, dedicada à “transformação do amor”, recolhe brevemente o papel do tempo ou da história na vida do casal, mostrando, que “um cônjuge enamora-se pela pessoa inteira do outro, com uma identidade própria, e não apenas pelo corpo” (AL 164).

A articulação do amor erótico, com o amor de amizade e o amor gratuito faz desse capítulo da AL uma verdadeira “suma do amor”, segundo a compreensão teológica de Francisco, que recolhe toda a tradição da Igreja. No capítulo V ele mostra como esse amor se abre à fecundidade, contribuindo para isso com a obra do Criador. O texto papal é um belo convite à meditação sobre o amor conjugal nesse tempo em que se fala tanto do amor, oferecendo uma real contribuição para pensar a própria vivência do amor.

Leia também:

Amoris Laetitia, um elogio ao amor

Acompanhar, discernir e integrar as fragilidades da realidade familiar

Formar as consciências, não substituí-las

*Geraldo De Mori, SJ, doutor em Teologia. É coordenador da Pós-graduação da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia.

Fonte:

www.domtotal.com.br

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Um convite especial… https://observatoriodaevangelizacao.com/um-convite-especial/ Tue, 02 Aug 2016 19:35:42 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=8611 [Leia mais...]]]> Amoris Laetitia é uma carta exortativa escrita pelo Papa Francisco após o Sínodo dos Bispos que debateu, ao longo do ano passado, sobre a situação do amor conjugal e da família cristã. A exortação apostólica traz luzes importantes para a ação pastoral da Igreja no âmbito da família.

Local: Centro Loyola de Espiritualidade, Fé e Cultura

Pe. Geraldo de Mori é jesuíta, doutor em teologia e coordenador do departamento de teologia da FAJE.

Investimento: R$ 40,00

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