Pe. Danilo César – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Thu, 12 Dec 2019 14:22:12 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.4 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 Pe. Danilo César – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 Música cristã pode ser cavalo de Troia para mensagens estranhas à fé https://observatoriodaevangelizacao.com/musica-crista-pode-ser-cavalo-de-troia-para-mensagens-estranhas-a-fe/ Thu, 12 Dec 2019 14:22:12 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=33778 [Leia mais...]]]> Assiste-se hoje a uma grande ascensão do pentecostalismo nas Igrejas cristãs. O fenômeno é complexo, gigantesco, largamente estudado e analisado a partir de abordagens teológicas, sociológicas, culturais, psicológicas e, recentemente, com o resultado das últimas eleições o fenômeno alcança também interesse das ciências políticas. No campo da liturgia cristã católica, chama a atenção o influxo das músicas de cunho gospel, oriundas do próprio meio pentecostal católico e, com menor penetração, das músicas gospel oriundas do meio pentecostal evangélico.

Cabe uma pergunta que delimita o interesse desse artigo: o que o repertório musical pentecostal das Igrejas tem a ver com a questão do seu estrondoso crescimento e com a experiência da fé cristã atual? Paradoxalmente, a pergunta comporta certa ironia e certa ingenuidade. É frequente subestimar, ou até suspeitar do aspecto litúrgico e de suas implicações eclesiológicas, o que talvez decorra de uma remota experiência marcada pelo clericalismo e pelo ritualismo de celebrações pouco permeáveis à participação dos fiéis, enrijecida por uma leitura fundamentalista das rubricas. Ademais, os ritos e símbolos sofrem de pungente suspeita, por parte de uma sociedade cada vez mais imediatista, racionalista e pragmática. Os elementos rituais e simbólicos são vistos, em tais horizontes, ou como inofensivos, ou como decorativos, escapando da ordem daquilo que se considera essencial, como a práxis pastoral, a moral, ou mesmo o pensamento teológico de corte especulativo e dogmático.

Uma música é composta de texto, melodia, ritmo e pelos instrumentos musicais, incluindo as vozes. [1] Cada um desses elementos musicais comporta um vasto campo explorado pelos respectivos especialistas. Assim, no campo da letra, os chamados “letristas” irão aprimorar e aprofundar com ferramentas próprias, as possibilidades e limites dessa tarefa. No campo da melodia, associado ao ritmo, os compositores se servirão de outro “texto”. Nas notas musicais com sua extensão melódica, organizadas e dispostas em compassos, tonalidades e combinações harmônicas, irão aprofundar outras tantas possibilidades e limites. Essas ferramentas musicais dos compositores, são como “ingredientes” usados simbioticamente para reforçar ideias, ou textos.

Pouco se pergunta pela motivação de seus autores e talvez aqui se enraíze a ingenuidade frente à essa ciência… Mesmo sendo verdade que música é para se ouvir, ou cantar, a sua principal finalidade musical pode, como uma deusa indiana, esconder uma infinidade de outros braços, dispostos ali para realizar outros interesses. Em geral, as pessoas não se perguntam, ouvindo um réquiem de Mozart, quando foi composta essa monumental obra clássica, em que contexto, ou inspiração que nos brindou com essa maravilhosa realização da arte. O corpo (audição) é que recepciona toda essa história contada e contida naquela partitura. Aos músicos deixamos a nobre tarefa de executá-la, aos musicólogos, num nível mais profundo e distante da maioria, a tarefa de perscrutar a tradução em notas musicais da psicologia e de toda a história do clássico compositor austríaco. Mas não nos enganemos! A melancolia, a tristeza ou mesmo a dor, expressas naquela obra, alcançam pela escrita musical e pela sua leitura (execução instrumental e vocal) – mesmo sem os estudos dos musicólogos – os ouvidos, as emoções e despertam a imaginação de gerações e gerações de ouvintes…

Em termos musicais, a liturgia cristã, desde tempos muito antigos, tratou de delinear seus princípios e propósitos. É o que nos relata o estudioso Xabier Basurko, em sua obra “O canto cristão na tradição primitiva”. [2] De um modo simples e conciso, a clara noção do mistério da fé cristã, celebrado nos ritos da Igreja, foi o eixo aglutinador dos critérios musicais da tradição da Igreja, por muitos séculos. Essa noção relacionou, de modo subordinado, a inspiração ao rito, o texto à Sagrada Escritura, a melodia e o ritmo à participação espiritual dos fiéis, o ofício ao ministério, o individual ao eclesial e a arte ao mistério. Essa unidade evoluiu e percorreu a história da música cristã, até o despontar moderno do valor da subjetividade, que conquistou em nossos dias, uma titânica proeminência. Hoje, no âmbito das celebrações, já não lidamos mais com a subjetividade, pois reina a ditadura do subjetivismo. Em tempos de pós-modernidade, a música “cristã” com todos os seus braços escondidos, alcança nossas assembleias com outros princípios e propósitos. Assim, a noção dada pela tradição é rompida no seu âmago: a música se subordina a outros ditames. A inspiração perde sua referência ritual, o texto descreve a relação pessoal com a experiência religiosa, a melodia e o ritmo obedecem aos ditames das necessidades psicológicas e catárticas, o ofício se submete ao sucesso e à conta bancária, o individual se sobrepõe ao sujeito eclesial, e a arte ignora o mistério. Temos, em nome de uma liberdade expressiva, a completa insubordinação ao mistério e, o que é mais temeroso, dentro das nossas liturgias.

Quais são os propósitos de tais composições? O que oferecem seus compositores? Convém deixar claro a despretensão de julgar a boa vontade de muitos músicos, pois também por eles pode perpassar inadvertidas ambiguidades. Sob uma suposta aura espiritual, ou interesse evangelizador, determinados conteúdos musicais (melodia e letra) podem funcionar como um cavalo de Troia, um belo presente, mas com um conteúdo estranho e até nocivo para a fé. Tomemos como exemplos, algumas músicas como a de Nelsinho Corrêa, claramente composta para a liturgia eucarística / rito da comunhão, onde a proeminência da experiência pessoal da comunhão extingue por completo a referência eclesial tão clara e cara à revelação (cf. 1Cor 10,17). A teologia eucarística que perpassa a música está calcada num viés devocional  Outro exemplo, é o Pai nosso, gravada por Pe Marcelo Rossi, [3] onde a invocação Pai Nosso está emparelhada com “Pai, meu Pai do céu”. Note que o enfoque melódico recai sobre a segunda invocação “Pai, meu Pai…”, de tal modo a reforçar a experiência vertical com Deus, comprometendo a dimensão fraterno-horizontal que a expressão “Pai nosso” em sua originalidade exprime.

Poder-se-ia objetar dizendo, “Mas é só uma música! Que mal há nisso?” Neste casos, a título de exemplo, o conteúdo religioso, abertamente focado na experiência religiosa pessoal desconstrói o âmago da revelação cristã que se dá no horizonte comunitário da fé, de um Deus que é Pai de todos e da Eucaristia como sacramento que edifica a Igreja, comunhão com Deus que resulta e pressupõe a comunhão com os irmãos. Atente-se ainda que, a música, por sua força simbólica, é um dos poucos veículos da teologia para muitos dos fiéis, penetrando até mais profundamente que muitas homilias, formações ou catequeses… Mas qual teologia subjaz e se veicula em tais canções? Como são moldadas as consciências religiosas dos fiéis e qual perspectiva eclesial pode nascer disso?

Difícil referendar uma teoria conspiratória, e mais ainda comprovar uma agenda ideológica de manipulação com finalidades eclesiológicas. Mas não é difícil intuir que algo está mudando o perfil religioso de nossas Igrejas e de nossos fiéis, de uma forma sutil e, quiçá, insidiosa. Sendo a lex orandi (norma da oração) a causa da lex credendi (norma da fé) – e o axioma já foi usado invertidamente com fins ideológicos – no momento, já cabem as perguntas, a observação do modus operandi dessa onda pentecostal que pela musicalidade e pela liturgia movimenta o cristianismo, bem como a observação dos efeitos que isso já produz no seio da Igreja. Como o desafio pentecostal é grande e complexo, convém não aguardar os resultados. A tarefa evangelizadora da Igreja impõe também cuidar e vigiar pela fé recebida.

[1] FONSECA, Joaquim. O canto novo da nação do Divino: Música ritual inculturada na experiência do padre Geraldo Leite Bastos e sua comunidade. São Paulo: Paulinas, 2000, p. 29-47.

[2] BASURKO, Xabier. O canto cristão na tradição primitiva. São Paulo: Paulus, 2005.

[3] Compositor não identificado. Nos sites de divulgação aparecem os seguintes nomes, não claramente indicados como autores: Luis Chaves, Jaidiel, Nei Fernandes…

Sobre o autor:

Pe. Danilo César dos Santos Lima

Padre Danilo César é presbítero da Arquidiocese de Belo Horizonte. Formado em Liturgia pelo Pontifício Instituto Litúrgico, Santo Anselmo, em Roma. Professor de Liturgia na faculdade de teologia da PUC Minas e membro da Comissão episcopal para a Pastoral Litúrgica da CNBB e do Regional Leste II. Membro da Rede Celebra, Rede de Animação Litúrgica e Pároco da Paróquia de Santana, em Belo Horizonte.

Fonte:

www.domtotal.com

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Conversas sobre o Ofício Divino das Comunidades – Pe. Danilo César https://observatoriodaevangelizacao.com/conversas-sobre-o-oficio-divino-das-comunidades/ Wed, 07 Mar 2018 10:00:19 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=27513 [Leia mais...]]]>  

Ação do Povo

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Pe. Danilo César

Nossa conversa volta a atenção para o Pe Danilo César, da Arquidiocese de Belo Horizonte e membro da Rede Celebra. A dissertação de mestrado do Pe Danilo, “A sacramentalidade e o caráter celebrativo do Ofício Divino das Comunidades no Brasil”, é sobre o Oficio Divino das Comunidades, na qual aborda a sacramentalidade e o caráter celebrativo dessa experiência inculturada do Brasil. Pe. Danilo compartilha conosco algumas de suas descobertas.

Entrevista com o Pe. Danilo César

1. Como foi feita a escolha de pesquisar o tema: “A sacramentalidade e o caráter celebrativo do Ofício Divino das Comunidades (ODC) no Brasil”?

Danilo: Inicialmente, meu projeto de pesquisa era sobre a incidência eclesial da Liturgia sobre a eclesiologia, no sentido de demonstrar que as celebrações influenciam, e muito, o ser Igreja. A proposta foi discutida com o Prof. Pe. José Manuel G. Cordeiro, junto com uma sugestão de investigar a sacramentalidade do ODC no Brasil. Em comum acordo, optamos pelo ODC. As razões são simples: o ODC desperta muito interesse e curiosidade fora do Brasil, porque ele realiza o que a reforma conciliar não alcançou: devolver ao povo de Deus essa forma de oração que nasceu com a Igreja e que conta com um mandamento expresso pelo Cristo: “Orai sem cessar”. Além disso, o ODC tem um forte caráter celebrativo que supera o que eu chamaria de “mentalidade recitativa” da Liturgia das Horas (LH). A tese visa demonstrar que essa experiência é legítima e capaz de expressar o mistério de Cristo.

2. A quais conclusões você chegou?

Danilo: O ODC goza de “força sacramental”, porque ele foi elaborado com a preocupação de ser uma versão inculturada da LH para o povo de Deus, mantendo a mesma teologia da oração oficial da Igreja. E conseguiu. Para isso foi necessário pesquisar historicamente o ODC: sua gênese em paralelo com o surgimento da nova LH. O texto oficial da Igreja, em seu percurso de elaboração e de tradução teve um público alvo: os clérigos e os religiosos. A linguagem escolhida foi a erudita e a estrutura levou em conta o estilo monástico. Um exemplo são as antífonas, tratadas como abertura e conclusão dos salmos. Muito embora a Instrução Geral da Liturgia das Horas dê bastante liberdade para o uso diversificado das antífonas, a prática reafirma a recitação direta.

O ODC teve outro público alvo: os fiéis. Aproxima-se mais da antiga tradição dos ofícios de catedral, ou de paróquia, que se perdeu na Igreja do ocidente. Usando o mesmo exemplo, o ODC traz antífonas que se aproximam muito do “canto antifonal”, onde a alternância tinha um caráter popular, dramático e envolvente. No ODC, as antífonas são os refrãos de muitos salmos que mudam conforme o tempo litúrgico e a festa. Além disso, o ODC realizou o que o número 13 da Sacrossantum Concilium nos propõe: uma aproximação fecunda entre a liturgia e a piedade popular. Grande exemplo disso temos nas aberturas que assimilam a mesma estrutura dos ofícios de Nossa Senhora. A linguagem poética dos salmos do ODC é muito próxima da linguagem do nosso povo. Os textos do ODC recuperam muitos elementos da antiga tradição cristã: hinos antiquíssimos e veneráveis, antífonas tiradas dos antifonários da Igreja. Trazem também novas composições, da tradição que se criou por aqui e que exprimem com exatidão e profundidade o mistério celebrado.

3. Em que sentido o ODC goza de força sacramental?

Danilo: Toda a Liturgia goza de sacramentalidade, isto é, a natureza e o “funcionamento” de uma celebração da Palavra, ou do ano litúrgico, ou do Ofício Divino são análogos aos sacramentos da Igreja: uma realidade sensível que revela uma invisível (expressão significativa) do mistério da Páscoa de Cristo, acessível pelos gestos e sinais (fato valorizado) e uma comunidade de fé, incorporada ao seu Senhor, que continua as suas ações como corpo animado pelo Espírito e como presença de Cristo no mundo (inter-comunhão solidária).

No caso do ODC, que assimilou a mesma teologia da LH, a oração é ação de Cristo em seu corpo, a Igreja. Parafraseando Agostinho, nas celebrações do ofício, Cristo continua a orar na voz da Igreja, como sua cabeça. Ele apresenta essas preces ao Pai como nosso Sacerdote. Ele escuta essas mesmas preces como nosso Deus. A comunidade, rezando o salmo no Ofício, continua a oração de seu Senhor.

4. O ODC tem algum ponto a ser revisto? A pesquisa aponta alguma fragilidade?

Danilo: Não foi esse o foco da investigação. Não obstante encontramos elementos que precisam ser revistos, como por exemplo, a adaptação dos salmos que encontramos no ODC. Não apenas no sentido de rever essa adaptação, mas também no sentido de compreender bem o que foi feito. Diga-se de passagem, algo de muito valor. Traduzir, é bem mais que verter fielmente um texto para outra língua segundo seus originais. Também não é trair. É, segundo os antigos textos rabinos, deixar que a vitalidade da Palavra, sempre viva e atuante, opere a revelação hoje. Isso acontece no ODC. Mas esse aspecto precisa ser mais aprofundado. Quem sabe numa outra tese, ou num mutirão de reflexão que ajude a entender o que se processou…

Outros aspectos, mais litúrgicos, seriam aqueles de configurar mais e mais o ODC com os Ofícios de Catedral (ou de paróquia), para que seja mais das Comunidades, do povo de Deus e ao mesmo tempo fiel às fontes da Liturgia. Por exemplo: a execução direta dos salmos já começa a acontecer no ODC. Isso o distancia do modo antifonal de execução e consequentemente dos ofícios de catedral. Devemos insistir no valor dos refrãos, da execução dialogada e antifonal no sentido mais antigo, nas expressões da piedade popular e na inculturação. É esse o diferencial do ODC.

5. Como pensar a relação do ODC com a LH: oposição ou mútua fecundação?

Danilo: Mútua fecundação, sem dúvida. O ODC tem a LH como uma de suas fontes e isso vai sempre ajudar o ODC a aprofundar o caminho. Mas quem reza a LH já percebe a necessidade de celebrá-la, por ver isso acontecer com o ODC. Alguns grupos fazem intercâmbio de elementos do ODC com a LH e vice-versa. A linguagem dos textos na LH é notoriamente erudita, isso já causa certa dificuldade também entre clérigos e religiosos. Precisa ser revista.

Outro aspecto: um religioso, clérigo que passa o dia inteiro lendo, estudando, ou em trabalhos que exigem esforço mental, na hora de rezar ele vai deparar-se de novo com um livro, um texto, uma leitura… Isso cansa e não ajuda a oração. Nesta hora, falta o elemento celebrativo. Cantar, acender uma vela, oferecer um incenso pode transportar para uma outra dimensão menos mental, mais lúdica, afetiva, profunda e integral do ser. O Ofício me ensinou isso, mesmo quando rezo a LH esses elementos me ajudam a entrar na dinâmica do Reino (cf. Mc 10,13-16). Quem pensa em oposição entre o ODC e a LH perde a grande oportunidade de ver as duas formas, que são irmãs, se enriquecerem e serem um caminho seguro de oração e fonte para a espiritualidade de todos os cristãos.

Fonte: Revista de Liturgia – 221 – Ano 37, entrevista organizada e publicada pelo Pe. Renato, SJ, em seu blog Caminhos de Formação.

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