Pe. Alfredo J. Gonçalves – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Thu, 26 Aug 2021 00:30:10 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.4 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 Pe. Alfredo J. Gonçalves – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 “O trabalho na Doutrina social da Igreja versus flexibilização, terceirização e uberização”, com a palavra pe. Alfredo J. Gonçalves https://observatoriodaevangelizacao.com/o-trabalho-na-doutrina-social-da-igreja-versus-flexibilizacao-terceirizacao-e-uberizacao-com-a-palavra-pe-alfredo-j-goncalves/ Thu, 26 Aug 2021 00:30:10 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=40251 [Leia mais...]]]>

A Carta Encíclica Laborem Exercens (LE) foi publicada em setembro de 1981, pelo então Papa João Paulo II, por ocasião do nonagésimo aniversário da Rerum Novarum, documento inaugural do que se convencionou chamar Doutrina Social da Igreja (DSI). A partir de uma leitura do livro do Gênesis, o pontífice afirmava que o “tema do trabalho”, além figurar como “a chave da questão social”, mostrava que o trabalhador traduz a própria “imagem de Deus”. De acordo com suas palavras, “o desempenho de tal mandato, o homem, todo e qualquer ser humano, reflete a própria ação do Criador do universo” (LE, nº 4).

A economia globalizada entrava na segunda década de uma crise, que haveria de se prolongar para o século XXI e o terceiro milênio. Sinais de alarme batiam às portas de trabalhadores e trabalhadoras. Diz o texto do Papa que

“o trabalho é um desses aspectos perene, fundamental e sempre com atualidade, de tal sorte que exige constantemente renovada atenção e decidido testemunho. Com efeito, surgem sempre novas interrogações e novos problemas, nascem novas esperanças, como também motivos de temor e ameaças, ligados com esta dimensão fundamental da existência humana”.

Laborem Exercens, nº 1

Quarenta anos foram suficientes para mostrar que, embora não faltassem “novas interrogações e novos problemas”, minguavam as “novas esperanças”. As nuvens sombrias no mundo do trabalho se adensavam no turvo.

Atualmente, quatro fatores se entrelaçam e convergem para tornar a situação ainda mais preocupante…

O primeiro deles tem a ver com a instabilidade permanente no trabalho. É como se este, com o transcorrer do tempo, estivesse sofrendo um divórcio em relação ao conceito de emprego estável. Sobram os serviços temporários e efêmeros – os “bicos” que fazem o trabalhador se equilibrar em cima de um fio sobre o abismo de um futuro incerto. Dados recentes do IBGE, dentro de um quadro trágico da pandemia, mostram que o número de desempregados bate na casa dos 15 milhões da PEA-População Economicamente Ativa, enquanto cerca de 40 milhões seguem invisíveis na economia subterrânea. Sem levar em consideração aqueles que, pura e simplesmente, desistiram de procurar emprego. Diante de semelhante cenário, diminui de forma considerável o direito e o poder de organização da classe trabalhadora (associações, sindicatos, cooperativas…), princípio que permeia a DSI desde a Rerum Novarum.

O segundo fator se deve ao contágio pelo novo coronavírus, pandemia que se abateu sobre todo o planeta. No Brasil, ela adquiriu características singulares e estarrecedoras. Passado um ano e meio da data em que a Covid-19 desembarcou em território nacional, depois de 18 milhões de infectados e com mais de meio milhão de mortes, não é difícil constatar como esse flagelo acabou escancarando e agravando a condição já extremamente precária dos trabalhadores e das relações de trabalho.  A inércia, somada ao descaso, deboche e desmonte das políticas públicas, levados ao extremo pelo escárnio e indiferença das autoridades, ademais do vírus biológico, espalharam outros “vírus”, de ordem política, social e negacionista.

Em terceiro lugar, nesse cenário de crise e de desgoverno, a conta recai sempre sobre os ombros de quem trabalha, tanto no mercado formal quanto informal, com maior vulnerabilidade para os últimos. Conceitos como flexibilização das leis trabalhistas; terceirização de algumas tarefas produtivas, com salários reduzidos; e uberização de serviços – configuram uma fragmentação instável do mundo do trabalho. Direitos de saúde e previdência, p. ex., se reconvertem em mercadorias a serem pagas pelo próprio trabalhador, a preços cada vez mais proibitivos.

Como quarto fator, mas presente desde o início, convém não esquecer a desigualdade social e econômica. Também aqui, a pandemia escancarou e agravou, ao mesmo tempo, a concentração de renda e a exclusão social. O centésimo mais rico da população (1%) detém ao redor de 50% de toda riqueza produzida. Emerge a pergunta: o que fazer para reverter esse quadro e defender os direitos e a dignidade humana – linha mestra da DSI?

Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs, vice-presidente do SPM – São Paulo, 25 de junho de 2021

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“Primavera dos movimentos sociais”, com a palavra Pe. Alfredo J. Gonçalves https://observatoriodaevangelizacao.com/primavera-dos-movimentos-sociais-com-a-palavra-pe-alfredo-j-goncalves/ Tue, 15 Sep 2020 22:29:07 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=35649 [Leia mais...]]]>

Com a primavera batendo à porta, a pergunta emerge com energia redobrada: quando nos será lícito e legítimo utilizar a expressão do título para anunciar, em alto e bom som, um novo despertar das forças sociais!

Lembro que, no final da década de 1990, então como assessor do Setor Pastoral Social da CNBB, eu mesmo me vali dessa formulação num comentário destinado à análise de conjuntura. Atravessávamos outros desertos, os tempos se revelavam frutuosos, efervescentes e auspiciosos! Celebrava-se em todo mundo um triênio de preparação ao grande Jubileu do ano 2000. Paralelos e complementares aos eventos promovidos pela comemoração dessa data jubilar, transcorriam os debates da 3ª Semana Social Brasileira (SSB). O Grito dos Excluídos caminhava para a sua 5ª edição, enquanto se fortalecia a Campanha Jubileu Sul. Os plebiscitos populares levavam às ruas milhões de pessoas em todo território nacional.

Uma série de igarapés convergiam para o rio caudaloso de um novo projeto popular para o país. Iniciativa sempre em construção e que foi batizada pelas Semanas Sociais Brasileiras como “O Brasil que queremos”. Águas rebeldes e represadas, por isso mesmo portentosas, que, de alguma forma, indicavam um horizonte plural, aberto e democrático. Eram significativos tempos de madura safra, embora não tivéssemos consciência da colheita. Mas os frutos brotavam do chão com relativa abundância. Na evolução de um processo histórico, terá havido alguma geração com a sorte de presenciar mais de uma colheita! O mais razoável e menos frustrante é contentarmo-nos com apenas uma, ou tão somente com seus botões apontando “um novo céu e uma nova terra”.

Certo, não podemos esquecer que está em curso a 6ª Semana Social Brasileira, com o lema “Mutirão pela vida – por terra, teto e trabalho”. A exemplo das últimas, trata-se menos de eventos localizados no tempo e no espaço, do que um processo de debates que se desenvolve de norte a sul, de leste a oeste. Lançada na 58ª Assembleia Geral da CNBB, em abril de 2020, deverá desenrolar-se até julho de 2022. Em termos de participação de movimentos, entidades e organizações, entretanto, torna-se difícil comparar com as edições anteriores. Evidente, com a pandemia do Covid-19, estamos atravessando um terreno hostil e minado, inóspito e desconhecido. Mas, antes mesmo desse flagelo global, já era conhecida e notória a sonolência letárgica de não poucas organizações populares, junta mente com algumas de suas lideranças. Vale uma ressalva diante das inúmeras iniciativas solidárias em favor dos infectados e afetados pelo novo coronavírus, esse “inimigo silencioso e invisível”, como também em favor dos trabalhadores e trabalhadoras igualmente “invisíveis” e às famílias enlutadas de mais de 130 mil mortos.

A apatia e o desencanto, porém, parecem se perpetuar. Em que momento nos passaram uma rasteira que deixou no íntimo de cada um de nós, liderança, agente pastoral ou social, um gosto amargo de derrota, além da dificuldade de reerguer-se! Existe algum culpado de tal rasteira! Ou teríamos sido nós mesmos seus verdadeiros protagonistas, sofrendo-a a partir das entranhas do processo de conscientizaçãoorganização e mobilização! Hoje padecemos de uma espécie de saudade mórbida e doentia. Se por uma parte a saudade pode ser até remédio para alguns males, por outra o saudosismo é sempre venenoso. Amarra pés e mãos; cristaliza, petrifica e fossiliza a memória, o que equivale a paralisar a mente e a inteligência. Lamentar as mágoas do “paraíso perdido” irremediavelmente no passado costuma levar à miopia ou à cegueira. Mesmo na narrativa bíblica do livro de Gênesis, a expulsão do jardim idílico vem acompanhada com a necessidade de “buscar o pão com o suor do trabalho”.

O grande desafio que se coloca é justamente o de colocar em ação “o suor do trabalho” para resgatar e revigorar as energias sociais, hoje soltas e fragmentadas. Quem sabe rever o trabalho de base ou “de formiguinha”, no sentido de cavar fundo o solo árido para nele, e só a partir dele, encontrar a umidade e os ingredientes que nutrem a vida e a mudança. Sem mergulhar as raízes na terra, a flor, a espiga e a planta não podem se levantar do chão.

Fonte:

IHU

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