Paulo Vinícius Faria Pereira – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Tue, 19 Mar 2019 14:55:37 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.4 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 Paulo Vinícius Faria Pereira – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 Para inflamar a adesão de todos à Campanha da Fraternidade 2019, nossa bandeira terá que ser vermelha https://observatoriodaevangelizacao.com/para-inflamar-a-adesao-de-todos-a-campanha-da-fraternidade-2019-nossa-bandeira-tera-que-ser-vermelha/ https://observatoriodaevangelizacao.com/para-inflamar-a-adesao-de-todos-a-campanha-da-fraternidade-2019-nossa-bandeira-tera-que-ser-vermelha/#comments Tue, 19 Mar 2019 14:55:37 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=30165 [Leia mais...]]]>

No Brasil, como em cada país, a bandeira nacional é um dos principais símbolos que devem ser valorizados e respeitados por todos os cidadãos. A bandeira nacional tem por objetivo maior favorecer a experiência de união, de coesão e de identidade de povo. No caso brasileiro, é de senso comum que o retângulo verde remete à natureza e o losango amarelo às riquezas aqui presentes. Por isso, muitas pessoas tratam como absurdo incluir a cor de uma ideologia política na bandeira do Brasil. Recentemente, em contexto de disputa eleitoral, determinado grupo, com pretensões nacionalistas, de forma recorrente, evocava o slogan “nossa bandeira jamais será vermelha” em referência direta à cor tomada como símbolo do comunismo. Porém, enquanto brasileiros somos chamados a cultivar consciência crítica e autocrítica.

O que querem dizer realmente as cores da bandeira nacional? As cores utilizadas, originalmente, objetivavam valorizar as alianças feitas na monarquia. O verde e o amarelo, por exemplo, que foram posteriormente ressignificados naquilo que o Brasil tem de natural, se referiam às casas reais na monarquia. O verde era a cor da casa de Bragança, família do imperador Dom Pedro I e o amarelo era a cor da casa de Habsburgo, família da arquiduquesa Leopoldina, esposa de Dom Pedro I. Se fossem outras famílias, outras cores teriam sido certamente escolhidas, como o vermelho da família Pereira ou da família real de Leão, que ao serem ressignificadas, poderiam remontar ao sangue que aqui foi derramado no processo de construção do Estado brasileiro.

Vários países, inclusive capitalistas, têm o vermelho nas suas bandeiras e não veem isso como a cor do comunismo, de tal modo que, poucas são as bandeiras que declaram o seu vermelho ao comunismo, como é o caso da China e da antiga União Soviética. Nem Cuba ou a Coréia do Norte compreendem o vermelho como cores do comunismo. O vermelho das várias bandeiras nacionais representam Fraternidade (França), Honra e Bravura (Quirquistão), o Sol (Japão), União e Sangue (México), espírito patriótico (Coréia do Norte) e o Sangue (Etiópia, Sudão, Itália, Chile, Holanda, Estados Unidos – nas suas treze faixas lembrando as treze colônias – entre outros). O sangue é muito significativo, pois para terem liberdade, independência, direitos civis, políticos e sociais, muito sangue foi derramado. A cidadania teve um preço alto para ser conquistada.

Imagem: André Bethlem
Imagem: André Bethlem

Chega a ser patológico o que muitos brasileiros tem feito diante do risco, pouco provável, de terem as cores da bandeira nacional trocadas. Principalmente devido ao fato de que a bandeira nacional não pertence a nenhum grupo político, nenhuma ideologia ou partido particular, mas ao conjunto dos brasileiros e brasileiras. Além do mais, o medo de “contaminá-la” por alguma ideologia faz com que se esqueça de que nossa bandeira já ter sido, antes, “contaminada” pela ideologia do positivismo, incrustrada na frase “Ordem e Progresso”, pois esse é o lema de uma ideologia filosófica popular no século XIX. O positivismo pregava o conhecimento científico como o único verdadeiro, descartando os outros tipos de saberes (isso vai contra um país onde há uma grande riqueza presente no conhecimento popular), pregava o fim da religião, pois viam como um atraso para a humanidade (posicionamento igualmente incoerente em um país que se considera profundamente religioso e que abarca grande pluralidade de tradições religiosas).  Importa, portanto, admitir que o nosso símbolo nacional, historicamente, veicula um caráter ideológico que não quase nada reflete das identidades da população brasileira e que, como as cores, precisa ser ressignificada.

Com o objetivo de provocar e fazer refletir, defendi no título a ideia de que, como brasileiro, minha bandeira é vermelha. Não pelas suas cores, mas porque desde a formação de um espaço nacional, ela vem sendo manchada de sangue: dos índios, dos negros, dos imigrantes, das mulheres, dos pobres, dos LGBTTQ e de todos aqueles que lutam pelo reconhecimento efetivo dos seus direitos (civis, políticos e sociais). Aqueles que não permitem que a bandeira nacional enxugue o sangue dos seus “filhos” (do ponto de vista patriota) é porque têm o sangue nas mãos.

Podemos ir ainda mais longe nesta reflexão, como cristãos não deveríamos nos escandalizar com essas comparações, pois o vermelho tem um grande significado na liturgia. Ele lembra a paixão (sofrimento) de Cristo e dos apóstolos que se tornaram mártires, pois o sangue foi derramado em nome de Jesus Cristo em favor dos mais necessitados. Também é utilizado no Domingo de Ramos e em Pentecostes, Deus se revela ao povo de forma humilde e também em autoridade (como línguas de fogo). O vermelho pode significar, portanto, a gratuidade do amor flamejante de Deus por nós e que se torna caridade inflamante em nossos corações, interpelando-nos a assumir a lógica do amar e servir, cuidando da dignidade da vida.

Desse modo, termino convocando todos os brasileiros e brasileiras, mas de modo bem particular os cristãos, que nessa Campanha da Fraternidade de 2019, que tem como lema Fraternidade e Políticas Públicas, a memória do sangue derramado por tantos brasileiros e brasileiras em sua luta por igual dignidade cidadã seja içado qual bandeira capaz de nos unir tanto na defesa de nossa Constituição cidadã, quanto no exigir que o Estado e o poder público concretize eficazes políticas públicas capazes de incluir os pobres e marginalizados na mesa da igualdade cidadã. Então, todos em coro, poderemos gritar: nossa bandeira, sim, é e sempre será vermelha!

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Paulo Vinícius Faria Pereira é membro da equipe de colaboradores jovens do Observatório da Evangelização. Formado em Ciências Sociais pela PUC Minas, atualmente está concluindo o curso de Teologia. É professor concursado da Rede Pública de Ensino.

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Os jovens se interrogam: o Sínodo da juventude que queremos https://observatoriodaevangelizacao.com/os-jovens-se-interroga-o-sinodo-da-juventude-que-queremos/ https://observatoriodaevangelizacao.com/os-jovens-se-interroga-o-sinodo-da-juventude-que-queremos/#comments Tue, 23 Oct 2018 19:32:53 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=29209 [Leia mais...]]]> Diante do tema proposto pelo Sínodo, as juventudes presentes no mundo inteiro – cada qual com suas particularidades, identidades, histórias, dilemas e buscas – esperam uma Igreja que esteja aberta a dialogar com as suas realidades. Que a Igreja não procure criar um estereótipo de jovem… Ao contrário, que não perca esta rica oportunidade criada pelo Sínodo para contemplar e conhecer de perto a realidade concreta do diversos rostos da juventude de nosso tempo, presentes, de modo singular, em cada país de nossa casa comum. 

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O Sínodo dos Bispos de 2018, que acontece em Roma, tem como temática a juventude. Trata-se de uma realidade bastante complexa, daquelas que desencadeiam várias outras interpelações. Neste caso, que juventudes serão contempladas no evento? Os jovens, de fato, terão espaço para serem ouvidos? A Igreja estimulará e concretizará o protagonismo e a participação dos jovens nas diversas dinâmicas eclesiais de evangelização? Diante do tema proposto pelo Sínodo, as juventudes presentes no mundo inteiro – cada qual com suas particularidades, identidades, histórias, dilemas e buscas – esperam uma Igreja que esteja aberta a dialogar com as suas realidades.

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Mas esperamos ainda mais deste Sínodo. Que a Igreja não procure criar um estereótipo de jovem, o Tipo Ideal – conceito do sociólogo Max Weber para designar as generalizações que são atribuídas ao grupo para seu estudo. Ao contrário, que não perca esta rica oportunidade criada pelo Sínodo para contemplar e conhecer de perto a realidade concreta do diversos rostos da juventude de nosso tempo, presentes, de modo singular, em cada país de nossa casa comum. A criação de estereótipos como um modelo a ser seguido revela-se excludente, como também, é por muitos como estudiosos caracterizada como: racista, xenófoba, misógina, homofóbica e etnocêntrica. Isso porque parte de um modelo de jovem, geralmente, europeu, branco, de classe média, conectado, piedoso, aberto e interessado no que a Igreja lhes propõe.

Urge acolhermos, enquanto Igreja, a realidade de um mundo marcadamente plural e desigual. Consonante com isso, em cada lugar há uma diversidade de jovens que pensam e vivem, a seu modo, o desafio de ser feliz e de realizar-se enquanto pessoa, mas também o ser Igreja no seguimento de Jesus. Os jovens desejam ser reconhecidos pela Igreja como interlocutores, ter nela o seu espaço, ser ouvidos, para que assim, sigam a Jesus Cristo com a sua Igreja e não paralelo a ela. Mas nos interroguemos: Como ser jovem cristão autêntico na atual dinâmica centralizadora da Igreja?

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Vivenciamos, na Igreja do Brasil, o Ano Nacional do Laicato, que tem como lema “Cristãos leigos e leigas, sujeitos na ‘Igreja em saída’, a serviço do Reino”, com o lema “Sal da terra e luz do Mundo” (Mt, 5, 13-14). Partindo disso reflitamos: Como ser jovem cristão, com todas as especificidades presentes na realidade brasileira?

Jesus, no Evangelho segundo Mateus, diz: “vós sois o sal da terra. Se o sal perde o sabor, com que lhe será restituído o sabor? Para nada mais serve senão para ser lançado fora e calcado pelos homens” (Mt 5,13). E completando com o Evangelho segundo Marcos “Tende sal em vós e vivei em paz uns com os outros” (Mc 9, 50). Mas qual a verdadeira medida de sal que os jovens devem ser para temperar o mundo, a sociedade e a Igreja?

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Pouco sal torna insosso, não tem visibilidade. Muito sal torna intragável. A verdadeira medida pode ser capitada na sabedoria do método ver-julgar-agir-avaliar-celebrar-retomar. Primeiro, estimular e cultivar, coletivamente, o olhar crítico em  busca de lucidez e compreensão da realidade. Segundo, aproximar com intimidade da Palavra de Deus e deixar-se interpelar pela luz que irradia da prática de Jesus de Nazaré com seus discípulos, sempre encarnada na realidade de seu tempo. Terceiro, iluminados pela Palavra, acolher solidariamente, discernir as melhores ações e juntos atuar em vista de transformar a realidade, onde estamos inseridos, na busca de construir a civilização do amor fraterno e da justiça social que a todos inclui na mesa da dignidade. Quarto, avaliarmos os passos dados, seja para corrigir os erros, seja para aperfeiçoar e ampliar a nossa forma de atuar. Quinto, celebrar, com alegria fraterna, cada pequena conquista, mas também as eventuais derrotas e fracassos para que não desanimemos no meio do caminho, por experimentarmos a certeza do Deus de Jesus, sempre Emanuel, estradeiro conosco pelas estradas da vida.

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Para terminar, quero dizer que os jovens, como cada pessoa em qualquer idade, precisam de uma espiritualidade inspiradora que os motive e os faça perseverar. Assim, jovens que conhecem a fé e a entrega de Jesus no Reino e experimentam a sua presença viva no meio deles, caminhando com eles, tendem a viver a sua fé de modo mais libertador. Podem, então, ajudar a concretizar o sonho eclesial proposto pelo papa Francisco: sermos uma Igreja em saída, uma Igreja pobre e para os pobres, sempre disposta a seguir os passos do Mestre Jesus.

Desse modo, os jovens cristãos serão estimulados a ter uma atuação criativa e encarnada na realidade onde estão inseridos. A Igreja é chamada a investir continuamente nesta capacitação, para que as juventudes, com seus inúmeros rostos, possam se irmanar no mesmo Evangelho e procurar, com seu testemunho de fé, dar mais sabor ao mundo em que vivemos.

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Paulo Vinícius Faria Pereira é membro da equipe de colaboradores jovens do Observatório da Evangelização. Formado em Ciências Sociais pela PUC Minas, atualmente está concluindo o curso de Teologia. É professor concursado da Rede Pública de Ensino.

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A crescente oposição e a ortodoxia do Papa Francisco https://observatoriodaevangelizacao.com/a-crescente-oposicao-e-a-ortodoxia-do-papa-francisco/ Wed, 19 Apr 2017 11:28:38 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=16686 [Leia mais...]]]> “Em relação à crescente oposição ao Papa Francisco, ela tem tomado, muitas vezes, tamanha proporção que vai muito além de um necessário senso crítico. Em nome de uma pretensa defesa da ortodoxia, fecha-se a qualquer reflexão autocrítica tão necessária numa caminhada histórica.”

A Igreja Católica se destaca, entre as suas tantas riquezas, pela diversidade de carismas. Estes se refletem nas suas ordens ou congregações religiosas, comunidades, pastorais, grupos e nos diversos movimentos. Segundo o apóstolo Paulo,

Há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo. Há diversidade de ministérios, mas o Senhor é o mesmo. Há diferentes atividades, mas é o mesmo Deus que realiza tudo em todos. A cada um é dada a manifestação do Espírito, em vista do bem de todos… (I Cor 12, 4-11).

Porém, quando qualquer cristão não dá atenção ao que Paulo revela sobre a diversidade de dons na Igreja, corre-se o risco de se considerar o verdadeiro portador da fé, questionando a pluralidade de tradições presentes na única Tradição da Igreja. Esta falta de atenção e reconhecimento da beleza da diversidade como dom de Deus pode cegar. No contexto eclesial, chega-se ao ponto de questionar o Papa. O Papa tem a função de conservar a fé, naturalmente ser conservador, e ser um elo de unidade entre os cristãos católicos.

É importante, na vida eclesial, ter um senso crítico e questionar as posições que uma autoridade toma, seja o pároco, o bispo da Igreja local ou mesmo o bispo de Roma. Mas uma postura radicalmente contrária, sem o necessário diálogo crítico e autocrítico, pode levar a deturpar a legitimidade do dissenso.

Em relação à crescente oposição ao Papa Francisco, ela tem tomado, muitas vezes, tamanha proporção que vai muito além de um necessário senso crítico. Em nome de uma pretensa defesa da ortodoxia, fecha-se a qualquer reflexão autocrítica tão necessária numa caminhada histórica. Esquece-se que na verdade, o Papa tem como missão zelar pela fé da Igreja. Que pretende seus críticos quando o acusam de cometer heresias? Diante do silêncio desta resposta, Francisco não se deixa intimidar. Ele vem tomando posturas firmes em relação a seguimentos “conservadores” que se recusam a acolher a necessária conversão pastoral numa Igreja que se assume como “sempre reformanda”.

O exegeta Raymond E. Brown em “A comunidade do discípulo amado” (1983) diz que quando se fala em heresia logo se pensa na defesa radical de novas ideias, porém, na história cristã as heresias foram conservadoras. Nelas se percebe, inclusive, a “tendência de se apegar às questões teológicas antigas, quando novas questões levaram o grosso do cristianismo a procurar novas respostas” (cf. p.83-84). Por exemplo, no Concílio de Nicéia (325 dC.) a posição de Ário – que negava a existência da consubstancialidade entre Jesus e Deus Pai e que se fundamentava exclusivamente na Bíblia – era contrária às ideias propostas por Atanásio de Alexandria. Não obstante a isso, ela foi condenada como heresia e a proposta Atanásio, que respondia a questões novas, não foi levantada nos períodos em que os livros do Novo Testamento foram escritos, por responder aos sinais dos tempos. As ideias de Atanásio foram acolhidas como “verdadeiras na direção das Escrituras”.

Como se vê, quando um Papa assume uma postura que é coerente com o contexto em que se vive a fé e que dialoga com as Sagradas Escrituras, principalmente com o Evangelho, ele está sendo ortodoxo. Como ainda afirma Brown:

A “Ortodoxia”, portanto, não está sempre em poder daqueles que procuram apegar-se ao passado. Pode-se encontrar um critério mais verdadeiro na direção para a qual o pensamento cristão está tendendo, mesmo quando esta direção sugere que formulações passadas da verdade têm de ser consideradas inadequadas para responder a novas questões. (BROWN, 1983, p. 84).

Finalizando, fica a seguinte questão: o Papa Francisco, ao propor um novo modo de ser Igreja, está traindo a memória de Jesus ou pode ser considerado, de fato, conservador (conservar a fé), tradicional (zela pela Tradição da Igreja) e ortodoxo (pois sabe por onde caminha ao tomar as decisões)?

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Paulo Vinícius Faria Pereira é membro da equipe de colaboradores jovens do Observatório da Evangelização. Formado em Ciências Sociais pela PUC Minas, atualmente está concluindo o curso de Teologia. É professor concursado da Rede Pública de Ensino.

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Para falar de Deus https://observatoriodaevangelizacao.com/para-falar-de-deus/ Fri, 08 Jul 2016 23:57:49 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=8454 [Leia mais...]]]>

No século II do Cristianismo, quando a Igreja dava seus primeiros passos no cultivo da memória e no desafio de dar continuidade à missão de Jesus de anunciar e testemunhar o Reino de Deus no mundo, o bispo Teófilo de Antioquia[1] é reconhecido entre aqueles que tiveram grande importância.

Teófilo mostrou a importância de refletirmos sobre o como percebemos a presença amorosa e atuante de Deus em nossa vida e o como concretizamos a nossa relação de proximidade com Ele. No seu escrito Primeiro livro a Autólico[2], ele diz:

Deus é experimentado por aqueles que podem vê-lo, desde que os olhos de sua alma estejam abertos. Todos têm olhos, mas alguns os têm obscurecidos e não percebem a luz do sol; e não é porque os cegos não vêem que a luz do sol deixa de brilhar, mas os cegos devem buscar a causa em si mesmos e em seus olhos…

Mas, se quiseres, podes curar-te. Coloca-te nas mãos do médico e ele operará os olhos de tua alma e do teu coração. Quem é esse médico? É Deus que cura e vivifica através do Verbo e da Sabedoria.

Do mesmo modo como a alma não pode ser vista no homem, pois ela é invisível para os homens, mas pode ser imaginada por causa dos movimentos do corpo, assim também acontece com Deus: ele não pode ser visto pelos olhos humanos, mas pode ser visto e imaginado pela sua providência e pelas suas obras…[3]

Muito interessante saber que o nome Teófilo significa “aquele que cultiva a intimidade da amizade com Deus”. O modo como Teófilo de Antioquia nos fala da importância de cuidarmos dos “olhos da fé”, para assim percebermos o amor atuante de Deus sempre conosco, nos dá acesso à própria experiência da intimidade amorosa que ele cultivava com Deus.

Deus age e continuará a agir amorosamente em toda a criação e na vida de cada um de nós, independente de nosso grau de percepção, pois seu amor se revelou em Jesus Cristo gratuito, universal e incondicional. No entanto, quando a fé nos dá olhos para captar essa presença divina em nosso meio e nem nossa vida, esta adquire um sentido maior. Passamos a viver cientes de sermos generosamente cuidados e amados por Deus. Passamos a desejar também nós a assumirmos posturas de cuidado e de amor uns aos outros e com a nossa Casa comum. Daí a importância da educação da fé. É sobre isso que aqui queremos falar.

 

Como falar de Deus hoje?

Mas como falar de Deus, esse Mistério Maior que nos envolve? Esta é uma questão importante, pois, ela é decisiva nos rumos do processo de educação da fé. O modo como falamos de Deus pode ajudar ou criar dificuldades para o desenvolvimento dos “olhos da fé”.

É comum, ao falar de Deus, utilizarmos categorias pessoais: sol, luz, energia, pai, mãe, esposo, rocha firme, porto seguro etc. Atribuímos a Ele, igualmente, características humanas e, muitas vezes, as aplicamos como se fossem absolutas: ódio, rancor, vingança, ciúme, castigo, mas também afeto, amizade, amor, proteção, amparo nas dificuldades etc. Em outros momentos, O caracterizamos como uma espécie de “deus otiosus”, que cria e depois se afasta da criação, ou de “deus absconditus”, que não é possível ser definido por estar sempre inacessível e escondido dos olhos da humanidade.

Então, como falar do Deus, captado na experiência cristã como Pai criador, proximidade amorosa, fonte e sustentação de tudo que existe, que se encarnou em nossa história e que se tornou conhecido, pela luz do Espírito Santo, no Filho feito homem, Jesus de Nazaré, “em tudo igual a nós menos no pecado”, mas que hoje é fisicamente invisível para nós?

Nesses tempos de crise ecológica, quando percebermos, de forma crescente, a necessidade urgente de refletirmos sobre a nossa relação com a Casa Comum, brotou-nos uma intuição catequética que aqui queremos compartilhar. Propomos que recuperemos o falar de Deus, como nos ensinaram os Santos Padres, por analogia.

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A experiência da água em nossa vida e a experiência de Deus

De forma simples, façamos uma analogia bem livre a partir da água… A água pura e cristalina é acolhida, apreciada e compreendida por todos de forma atrativa, sem muitos esquemas e elaborações conceituais. Quando estes se tornam complexos, excessivos e difíceis de ser compreendidos ou explicados significa que a realidade por eles retratada tornou-se como a água poluída, opaca e repulsiva, que ao invés de fazer bem, faz, na verdade, mal.

A religião, que deveria ser um prisma que irradiasse a presença de Deus ou um acesso seguro à fonte de água pura para o sedento, infelizmente, de forma frequente, torna-se por demais doutrinal, repleta de intrincadas conceituações, normatizações e rigorismos moralistas, realidade distante da vida concreta das pessoas. Já não serve como mediação histórica que favorece o acesso das pessoas à experiência límpida e refrescante da presença de Deus. E o que é ainda pior, ela tantas vezes passa a dificultar o acesso das pessoas à experiência do amor de Deus.

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Como contemplar a presença próxima de Deus a partir da água?

Fomos criados por Deus a sua imagem e semelhança e carregamos em nós a centelha divina e o dom do espírito que nos faz seus interlocutores.

A água, em sua forma pura, permite o reflexo de quem dela se aproxima. E assim como o ser humano, quando olha para a água, nela vê o seu reflexo, do mesmo modo, quando contempla pela fé o rosto de Deus em Jesus, reconhece a si mesmo nele implicado e interpelado ao amor.

Assim como a água, sem violentar-nos, revela-se necessária para a vida do ser humano, do mesmo modo, as vivências religiosas, sem nos forçar, são chamadas a, de forma envolvente, nos proporcionar rica experiência do amor de Deus como uma fonte abundante que sacia da mais pura alegria. Um encontro que amplia o horizonte de nossa esperança e nos dá profundo sentido espiritual.

Deus, qual fonte cristalina, oferece-nos algo infinitamente superior ao que nossas buscas podem encontrar nos livros de autoajuda ou nas esfuziantes experiências esotéricas. O que encontramos em Deus, na verdade, é a experiência de um amor gratuito e generoso que corrige nossas buscas egoístas de autossatisfação, de intimismo espiritual individualizante e de vazio existencial.

Deus promove e provoca libertação de nossa liberdade para a prática da justiça e da misericórdia. Ele faz com que a pessoa comprometa-se livremente para o amor fraterno. Faz-nos desejar construir outra sociedade possível!

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A necessidade diária de consumo de água revelar-nos a necessidade do cultivo de uma relação íntima com Deus em nosso cotidiano. A água nossa de cada dia ajuda-nos a perceber a importância do cultivo da espiritualidade, da oração e da vida compartilhada em comunidade de fé.

Outro ponto importante é que com a água, os animais, principalmente o ser humano, purificam-se das sujeiras adquiridas no caminho. Com a “água divina” não é diferente: em contato com a misericórdia infinita e gratuita do amor de Deus todos podem purificar-se e renovar a esperança de vida nova.

Nesse sentido, a água utilizada no batismo revela a dimensão simbólica do compromisso com uma caminhada de conversão a Deus. Com a experiência da graça divina, nós temos forças para romper com o cultivo de posturas autocentradas, egoísticas, fechadas ao amor. Na linguagem religiosa, com a graça de Deus nós aprendemos a dizer não ao pecado.

 

O ciclo da água e a percepção do amor de Deus sempre conosco

Com a água podemos também expressar a beleza do rosto de Deus, captado, pela luz do Espírito, na vida de Jesus, o Profeta da Galileia. O ciclo da água ajuda na ilustração da contínua e discreta relação de amor que Deus estabelece conosco.

Enigmática em sua origem, nasce das entranhas das rochas, manifesta-se sob a forma de nuvem, de precipitação de chuva e de evaporação pelo calor solar. Enquanto nuvem provoca o horizonte de esperança e de alegria; em estado líquido, ao cair em forma de chuva, lava, purifica, abastece os lençóis freáticos, rios e lagos, torna a terra fecunda, sacia a sede dos seres vivos; em estado sólido nos trópicos, mantém a temperatura de nossa casa comum; em estado gasoso, evapora e volta para o céu para continuar o seu ciclo contínuo, sendo fonte de equilíbrio para o dinamismo da vida.

Não se trata de uma bela analogia para refletirmos sobre a presença discreta e amorosa de Deus sempre conosco? Sendo completo em si mesmo, por amor, Deus cria e sustenta a autonomia da criação; e para autorevelar-se ao ser humano, faz-se proximidade amorosa: torna-se ser humano e parte de nossa história, mostrando-se, em Jesus, estradeiro conosco; e, pela força do Espírito Santo, revela-se luz e força que sustenta e suscita autonomia na caminhada da humanidade.

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Deus, Fonte e o Sustento da Vida em abundância para todos, assim como a água, é o nosso combustível interior. Se precisamos aprender, mais do que nunca e de forma urgente, a bem cuidar de nossa relação com a água, igualmente, precisamos bem cuidar de nossa relação íntima e vital com Deus. Lembrando-se que simples como a água, Deus revela-se disponível e acessível a todos. Todos podem, portanto, experimentar a alegria e a saúde espiritual que é sentir-se saciado por sua presença de amor e comprometer-se com a busca do bem-viver.

[1] Teófilo de Antioquia, teólogo, escritor cristão, apologista e padre da Igreja, foi o sexto bispo de Antioquia, da Síria e exerceu seu ministério entre o ano 169 e 188.

[2] Esta obra trata-se de uma defesa aos cristãos que continuavam a ser perseguidos no Império Romano.

[3] Para acessar ao texto completo de Teófilo: https://domvob.wordpress.com/2012/02/02/primeiro-livro-de-sao-teofilo-de-antioquia-a-autolico/

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Paulo Vinícius Faria Pereira

Estudante de Ciências Sociais e Teologia (PUC Minas)

Colaborador Jovem do Observatório da Evangelização.

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