Paulo Freire e a experiência cristã – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Sun, 19 Sep 2021 20:08:21 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.4 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 Paulo Freire e a experiência cristã – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 Paulo Freire e a experiência cristã: uma homenagem na celebração do centenário do educador pernambucano https://observatoriodaevangelizacao.com/paulo-freire-e-a-experiencia-crista-uma-homenagem-na-celebracao-do-centenario-do-educador-pernambucano/ https://observatoriodaevangelizacao.com/paulo-freire-e-a-experiencia-crista-uma-homenagem-na-celebracao-do-centenario-do-educador-pernambucano/#comments Sun, 19 Sep 2021 20:08:21 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=41228 [Leia mais...]]]>
Paulo Freire (1921-1997)

Segundo Moacir Gadotti, “imensurável número de educadores tem encontrado nas ideias e na atuação militante de Paulo Freire o alimento necessário para enriquecer e aperfeiçoar sua práxis”. E afirma que “suas abordagens transbordaram-se para outros campos do conhecimento, criando raízes nos mais variados solos, fortalecendo teorias e práticas educacionais, bem como auxiliando reflexões” (GADOTTI, 1996, p. 19).[1] A práxis pedagógica de Paulo Freire – com seus múltiplos elementos constitutivos, sua pedagogia do oprimido, da esperança e da autonomia, sua metodologia dialógica centrada nas condições histórias do sujeito cognoscente, sua aposta na conscientização e na via da educação como prática de liberdade capaz de contribuir para a emergência de outra sociedade possível – foi decisiva e provocou profundas transformações na reflexão sobre educação libertadora.

No final da década de 60, a importância da práxis pedagógica libertadora de Paulo Freire – a “educação como práxis de liberdade”, as implicações da “conscientização” para a formação da consciência crítica e o processo criado pela “pedagogia do oprimido” enquanto práxis histórica libertadora – alcançou grande visibilidade e despertou a atenção de muitos intelectuais e educadores, em diversos âmbitos reflexivos e saberes, acadêmicos ou não. Seu reconhecimento intelectual no Brasil será, em grande parte, posterior ao reconhecimento internacional. Segundo Moacir Gadotti, a primeira biografia de e sobre Paulo Freire foi preparada pelo teólogo Hugo Assmann, em 1970, para a primeira edição da “Pedagogia do oprimido”, que saiu em Montevidéu, naquele mesmo ano, pela editora Tierra Nueva (GADOTTI, 1996, p. 21-22).

Digno de nota é o significativo artigo do filósofo jesuíta Henrique Cláudio de Lima Vaz, o querido Pe. Vaz, publicado em 1968, pela revista Vozes, com o título “A Igreja e o problema da ‘conscientização’”, no qual analisa duas tendências presentes à semântica da palavra conscientização para a educação: “a conscientização aparece como fator de mudança global e estrutural da sociedade, de uma mudança revolucionária” e outra “a conscientização em vista da integração social dos grupos marginalizados num projeto já elaborado, no caso, de um capitalismo modernizado”. Em seguida, aponta para a importância da práxis pedagógica libertadora junto aos oprimidos e da reflexão dialética de Paulo Freire.[2] Neste contexto sociocultural, econômico e político, injusto e opressor, que condenava tantos brasileiros e brasileiras a uma situação social infra-humana, o método Paulo Freire poderia criar as condições históricas para se concretizar caminhos de transformação das estruturas sociais.[3]

O contexto dos anos 60, era do emergir de distintos movimentos populares, seja para aliviar a grave situação de miséria em que tantos estavam condenados a sobreviver, seja como fruto de lutas de pequenos grupos por libertação. Com o surgimento das ligas camponesas de Francisco Julião, marcadamente de influência mais socialista, por oposição acontece uma reação, a princípio com perspectiva cristã mais conservadora e integrista, contrária a entrada do comunismo no Brasil. Cria-se, então, sindicatos rurais e urbanos e escolas radiofônicas. O primeiro sindicato rural do país, segundo a constatação desta pesquisa, foi praticamente instituído pela Igreja católica, em 1960. As escolas radiofônicas foram criadas pela Igreja católica a partir de 1958, em Natal, no Rio Grande do Norte, para promover a alfabetização no meio rural. Logo depois, surgirá o Movimento de Educação de Base – MEB, em 1961.[4]

Carregadas de ambivalências, tais iniciativas visavam a uma maior assistência sociocultural emergencial aos pobres, mas acabou oportunizando, concomitantemente, o crescimento de certa consciência política e uma melhor percepção crítica dos aspectos sociais e comunitários. Surgiram também sindicatos urbanos, centros de cultura popular, associações diversas e grupos de resistência e protesto estudantil, em defesa da liberdade e da democracia, contra o repressivo e violento regime militar. Pe Vaz fez importante reflexão sobre o que estava envolvido pedagogicamente no termo “conscientização” e sua profunda ligação com o conceito de “educação de base”. Deixa explícito um critério sociocultural e político para discernir a situação brasileira como pré-revolucionária para um despertar o processo de libertação dos oprimidos (VAZ, 1968b, p. 483-493).

A metodologia de Paulo Freire mostrava-se simultaneamente capaz de educar para a consciência crítica, de despertar a autonomia criativa do sujeito aprendente e de politizá-lo para a leitura crítica da realidade em que o educando está inserido. Politização que pode ser compreendida como resultante do processo de despertar dialógico da consciência histórica da própria dignidade do sujeito aprendente e da necessidade de compromisso social com a luta pela transformação das estruturas injustas da sociedade.

Quando se tem presente a estreita relação entre o método pedagógico libertador de Paulo Freire e a nascente reflexão teológica latino-americana libertadora, encontra-se aí um terreno fértil para se buscar compreender o que provocou a entrega de tantos intelectuais, educadores e teólogos, contribuir significativamente com a construção de uma práxis pedagógica libertadora. Uma práxis pedagógica capaz de provocar a conscientização sociocultural e política e instigar a formação da consciência crítica nas pessoas nela envolvidas. Um processo educativo capaz de expressar compromisso com a defesas da dignidade cidadã do educando e, enquanto prática de liberdade e responsabilidade, e com a construção de outra sociedade possível: justa e inclusiva, fraterna e solidária.

Sobre Paulo Freire e o seu método pedagógico “comunista”

Paulo Freire é reconhecido, nacional e internacionalmente, entre os grandes pensadores brasileiros. Sua concepção e reflexão sobre a práxis educativa, juntamente com seu método pedagógico, desde e com o oprimido, de conscientização sociopolítica e de despertar dialógico da autonomia do sujeito aprendente, o fez mundialmente conhecido e, mais do que isso, o colocou entre os intelectuais mais citados e estudados.

Paulo Freire, educador e pedagogo brasileiro, filósofo da educação e renomado escritor, assessor e conferencista, nascido em 19 de setembro de 1921, em Recife, Pernambuco, desde muito cedo, reconheceu a importância da educação libertadora. Já no contexto familiar, aprendeu a importância da prática do diálogo e do necessário respeito aos outros e bem como às suas opções culturais e religiosas. Pelo sofrimento vivido na infância – perda precoce do pai, experiência de passar fome, necessidade imperativa de migrar em busca de sobrevivência, enfrentamento do desafio de estudar em situação de gritante exclusão social, dentre outras –, aprendeu a compreender os sofrimentos dos outros, a fazer-se solidário e a cultivar inabalável esperança na possibilidade, desde a conscientização dos mais pobres, excluídos e oprimidos, de construir o “inédito-viável”[5], um mundo melhor para todos.

Na busca de caminhos viáveis para ajudar no sustento da família, na educação dos filhos e na concretização da utopia de transformar a trágica realidade dos oprimidos, excluídos e empobrecidos de seu país, depois da primeira experiência malsucedida como advogado, tornou-se professor. Freire enveredou-se definitivamente, abraçando a ingente tarefa da educação popular, como a grande causa de sua vida, para ele, a via necessária e incontornável para a construção de outro futuro possível (FREIRE, 1980, p. 13-21).

Seu método pedagógico utópico dialógico libertador começou a ser colocado em prática em 1961, no Movimento de Cultura Popular do Recife, do qual foi um dos fundadores e, depois, em 1962, como impulsionador do projeto pedagógico do Serviço Social da Indústria – SESI e, em seguida, do Serviço de Extensão Cultural da Universidade do Recife, projeto de alfabetização de adultos[6] e de valorização da cultura popular. Com os resultados obtidos na célebre experiência concretizada na pequena cidade de Angicos[7], em 1962, no estado do Rio Grande do Norte, quando cerca de 300 trabalhadores/as foram alfabetizados/as em 45 dias[8], o governo populista de João Goulart interessou-se pelo método freireano. Foi criado, então, o Movimento de Educação Popular e o Projeto Nacional de Alfabetização, decidindo aplicá-lo em todo o território nacional.

No entanto, a experiência de Angicos causou grande alvoroço, quando aconteceu uma greve promovida por trabalhadores de uma obra, estando entre os grevistas muitos participantes do projeto de alfabetização de Paulo Freire. Os trabalhadores se recusavam a trabalhar enquanto não tivessem seus direitos garantidos, tais como: o descanso semanal remunerado e uma jornada de trabalho que respeitasse as normas estabelecidas pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT. Bastou isso para que se despertasse a fúria de alguns empresários e fazendeiros politicamente muito influentes naquela região. Estes não aceitaram a reivindicação dos trabalhadores – antes analfabetos e agora críticos e conscientes a ponto de exigir o cumprimento de seus direitos de cidadão. Foi o início de uma série de crescentes acusações contra o projeto de alfabetização freireano, sendo este agora taxado de porta de entrada para o comunismo no Brasil. Outra questão ampliou as “suspeitas” sobre este método de alfabelização: as suas consequências políticas futuras. Na época, somente poderia votar quem fosse alfabetizado e o Plano Nacional de Alfabetização pretendia atingir entre cinco e seis milhões de brasileiros analfabetos. Isso significaria novos/as eleitores/as, todos oriundos da classe oprimida. Esses dois fatores foram decisivos para que, em abril de 1964, entre as medidas do Golpe Militar, estivesse a do cancelamento do Plano Nacional de Alfabetização.

Com o Golpe, o projeto de alfabetização e conscientização de Paulo Freire foi bruscamente interrompido. Por causa deste, o educador foi preso por cerca de 70 dias, considerado um “comunista, subversivo internacional, traidor de Cristo, da Pátria e do povo brasileiro”. Durante o processo, em setembro de 1964, Freire conseguiu refugiar-se na Embaixada da Bolivia e, logo depois, rumar para o exílio. Diante das dificuldades pessoais de adaptação às atitudes bolivianas de La Paz e do Golpe Militar também ocorrido neste país, decide ir para Santiago, capital do Chile. Neste país, onde residiu de fins de 1964 até abril de 1969, seu método pedagógico foi abraçado e colocado em prática durante o mandato de governo (1964-1970) do democrata cristão Eduardo Frei, ajudando a promover no Chile verdadeira revolução social na superação do analfabetismo e no processo de inclusão cidadã dos mais pobres a partir das políticas públicas de educação e reforma agrária. Nesse contexto, Freire aprofunda a reflexão sobre a sua práxis pedagógica e redige, entre outros escritos Educação como prática de liberdade (publicado em 1967) e o livro que lhe dará reconhecimento internacional a Pedagogia do Oprimido (publicado em 1968).

Em 1969, Freire, depois do reconhecimento internacional de sua Pedagogia do Oprimido – cuja publicação havia sido proibida pelo governo brasileiro[9] – foi convidado a lecionar na Universidade de Harvard, situada na cidade de Cambridge, estado de Massachusetts, nos Estados Unidos.[10] Ignorando as pressões do governo militar brasileiro, a UNESCO, neste mesmo ano, reconhece as relevantes contribuições do método Paulo Freire para a erradicação do analfabetismo e humanização dos mais pobres, excluídos e oprimidos.

No ano seguinte, em 1970, transfere-se para Genebra, na Suiça, atendendo a um convite para assessorar e trabalhar com projetos de educação popular pelo Conselho Mundial de Igrejas – CMI. Com o processo de abertura e de redemocratização de seu país, depois de pouco mais de 16 anos de exílio, Freire retorna ao Brasil, em 1980 (FREIRE, 1999, p. 9-82), onde se dedicará à causa da educação democrática popular libertadora até sua morte, aos 76 anos, em 02 de maio de 1997.

Reencontro com a turma de Angicos com Paulo Freire, 30 anos depois.

O legado do educador Paulo Freire apesar de mundialmente reconhecido, no contexto atual voltou a sofrer críticas de grupos ultraconservadores ou que representam os interesses e a manutenção dos privilégios de classe das elites econômicas e da aristocracia brasileira.

Aproximação ao projeto pedagógico de Paulo Freire

Não precisa ser um especialista em pedagogia ou na obra de Paulo Freire para perceber as implicações antropológicas e as consequências socioculturais, políticas e econômicas envolvidas em seu audacioso projeto educativo. Quem se aventura na leitura de suas obras, conhecendo de forma minimamente crítica a realidade injusta, profundamente desigual e excludente da latino-americana, e toma conhecimento da teoria e práxis educativa libertadora impulsionada pelo método pedagógico de Paulo Freire, não sai do mesmo jeito. Isso porque não se consegue mais conceber e aceitar ingenuamente a possibilidade de uma ação educativa neutra, opressivamente “bancaria”[11] e socialmente descomprometida e despolitizada. Para ele, a educação é, antes de tudo, um ato político libertador consciente do potencial humanizador para cada sujeito aprendente.

Quem se defronta com a reflexão crítica e a própria práxis impulsionada pelo método pedagógico freireano do oprimido se torna, no mínimo, alguém eticamente interpelado. Provocado a deixar de conceber ou mesmo aceitar que a ação educativa seja compreendida ou venha a se concretizar em mão única, onde um ensina e o outro aprende, portanto, como mero transferir o saber do educador, com pretensões de ser o portador exclusivo do conhecimento e portanto o único que ensina, para os educandos, compreendidos como receptores passivos e destituídos de saber. Com palavras incisivas do próprio Paulo Freire:

“A narração, de que o educador é o sujeito, conduz os educandos à memorização mecânica do conteúdo narrado. Mais ainda, a narração os transforma em “vasilhas”, em recipientes a serem “enchidos” pelo educador. Quanto mais vá “enchendo” os recipientes com seus “depósitos”, tanto melhor educador será. Quanto mais se deixem docilmente “encher”, tanto melhores educandos serão. Desta maneira, a educação se torna um ato de depositar, em que os educandos são os depositários e o educador o depositante […]. Na visão “bancaria” da educação, o “saber” é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber. Doação que se funda numa das manifestações instrumentais da ideologia da opressão – a absolutização da ignorância, que constitui o que chamamos alienação da ignorância, segundo a qual esta se encontra sempre no outro.”

FREIRE, 1970, p. 33

Não dá mais para conceber a prática educativa como transmissão de um saber neutro e descomprometido com a realidade dos educandos com a qual está diretamente relacionada. Desse modo, uma ação educativa com tais pretensões se torna ilegítima e absurda, pois, se mostra capaz de desumanizar, de induzir a novas ou de perpetuar antigas formas de apropriação e anulação da subjetividade do aprendiz, de destruir a criatividade humana, formas de alienação sociocultural, econômica, política e religiosa. Ao contrário, na concepção de Freire, toda ação educativa ou é dialógica e conscientizadora enquanto formadora de sujeitos históricos, conscientes, críticos e politizados, portanto, uma ação libertadora e comprometida com os processos de humanização, ou já não merece o nome de educação.

Ao falar de sua experiência no Instituto Superior de Estudos Brasileiros – ISEB, Freire recorda que:

ao ouvir pela primeira vez a palavra conscientização, percebi imediatamente a profundidade de seu significado, porque estou absolutamente convencido de que a educação, como prática de liberdade, é um ato de conhecimento, uma aproximação crítica da realidade […]. Uma das características do homem é que somente ele é homem. Somente ele é capaz de tomar distância frente ao mundo. Somente o homem pode distanciar-se do objeto para admirá-lo. Objetivando ou admirando – admirar se toma aqui no sentido filosófico – os homens são capazes de agir conscientemente sobre a realidade objetivada. É precisamente isto, a “práxis humana”, a unidade indissolúvel entre minha ação e minha reflexão sobre o mundo.

FREIRE, 1980, p. 25-26

Para Freire, a conscientização, a leitura crítica do mundo em que ele está inserido, feita pelo sujeito aprendente ou cognoscente, precede a leitura da palavra. E a leitura da palavra será significativa para o sujeito à medida que conseguir aprofundar a criticidade de sua visão de mundo e comprometê-lo com a sua transformação. Com palavras do próprio pedagogo pernambucano, tal compreensão pode assim ser descrita:

Aprendi fazendo parte, ao lado de educadores e educadoras chilenas, de cursos de formação para quem, nas bases, nos assentamentos da reforma agrária, trabalharia, com camponeses e camponesas, a questão fundamental da leitura da palavra, sempre precedida pela leitura do mundo. A leitura e a escrita da palavra implicando uma releitura mais crítica do mundo como “caminho” para “re-escrevê-lo”, quer dizer, para transformá-lo. Daí a necessária esperança embutida na Pedagogia do oprimido.”

FREIRE, 1999, p. 44

A educação é chamada a ser libertadora, a contribuir com a formação da consciência sociopolítica crítica e a estimular, desse modo, a participação comprometida e corresponsável de educadores e educandos, tomados sempre como sujeitos criativos da história, inseridos conscientemente nos processos culturais, sociais, políticos, econômicos e religiosos. A teoria e a prática pedagógica de Paulo Freire, portanto, só podem ser bem compreendidas enquanto inseridas em um projeto educativo libertador e humanizador em contínuo processo de construção, que, por sua vez, está inserido numa visão esperançada e utópica de sociedade em trânsito, “partejada”, ou seja, que está sendo gestada.

Há uma visão de ser humano subjacente na concepção freireana, pela qual este é concebido fundamentalmente como sujeito histórico inconcluso potencialmente crítico, criativo e capaz de se comunicar com os outros e amar. Nela educadores e educandos, orientadores e orientandos ensinam e aprendem, são tomados como seres criadores, que se libertam mutuamente para chegarem a ser, ambos, criadores de novas realidades históricas.

Para Freire, a razão de ser da educação libertadora está em seu impulso conciliador inicial, capaz de superar a contradição educador-educando, professor-aluno, orientador-orientando, de tal maneira que, sem negar as suas especificidades no processo de ensino-aprendizagem, ambos se tornam aprendentes um com o outro.

A pedagogia de Paulo Freire e a Teologia da Libertação

Pierre Furter, filósofo da educação e perito da Unesco, em seu texto de apresentação na orelha do livro Educação como prática de liberdade, intitulado Paulo Freire ou o poder da palavra, afirma que “uma educação como prática de liberdade só poderá se realizar plenamente numa sociedade onde existam as condições econômicas, sociais e políticas de uma existência em liberdade”. E se Paulo Freire, cristão militante, se permitia “falar em liberdade, em democracia ou em justiça”, era porque ele acreditava, de fato, “nestas palavras e em seu poder libertador […]. Elas encarnam a sua fé inteira, com todas as suas consequências até as mais concretas”. Para o educador pernambucano, é isso que torna uma palavra geradora, “o instrumento de transformação global do homem e da sociedade” e não um mero veículo de ideologias alienantes ou de uma cultura ociosa. Para ele, passava pela educação libertadora a concretização histórica de seu ideal religioso de uma sociedade fundada na justiça, na democracia e na liberdade, uma sociedade sem excluídos ou oprimidos, na qual haja concretamente condições econômicas, sociais e políticas para o exercício da liberdade.

O que pensar de uma educação, ou mesmo de uma tradição religiosa, fundada na experiência de um “Amor Maior” que nos irmana e nos convoca ao amar, “que admite o escândalo da realidade de um povo marginalizado, oprimido e imerso na passividade” de uma cultura do silêncio? O que pensar de uma prática educativa ou religiosa que aceita naturalmente situações de opressão que condena tantas pessoas a viver em condições infra-humanas? A práxis pedagógica libertadora de Paulo Freire propõe condições e métodos para que ninguém mais seja excluído ou posto à margem da dinâmica da vida em sociedade. Trata-se de uma pedagogia que começa pelo diálogo, pela comunicação, em vista de concretizar outra relação humana, que conscientize e possibilite aos educandos a conquista da consciência crítica no mundo em que vivem.

Desse modo e com tais questionamentos explicita-se a estreita relação entre a visão de educação libertadora, que potencializa para a cidadania e a convivência justa e democrática, e o horizonte utópico esperançado da TdL. Tanto a Pedagogia do Oprimido quanto a TdL fazem a opção pelos pobres contra a pobreza e tudo o que lhes desumaniza. Suas dinâmicas se realizam a partir e junto com os excluídos dos sistemas econômico e sociopolítico. Ambas acreditam na força histórica dos pobres, cuja luta é fonte de transformação das estruturas injustas da sociedade em trânsito e criadora das condições históricas de realização da liberdade e da verdadeira democracia.[12]

Há reflexões acadêmicas, artigos, dissertações e teses[13] que explicitam a estreita relação de congruência e de mútua contribuição e influência entre a pedagogia libertadora de Paulo Freire e a TdL. Quando se lê atentamente os títulos dos principais escritos de Freire da segunda metade dos anos 60, tais como: “A educação como prática de liberdade”, de 1967; “Educação e conscientização”, de 1968; “Ação cultural para a libertação”, de 1968; “Pedagogia do oprimido”, de 1968, percebe-se imediatamente a importância do pensamento de Freire no nascimento da TdL. Segundo Frei Betto, “Paulo Freire é raiz da história do poder popular brasileiro nesses últimos sessenta anos”, pois só foi possível o surgimento de movimentos populares, de grupos de base, das CEBs e, portanto, de uma TdL porque educadores como Paulo Freire ensinaram a ver a históira e a dinâmica social do mundo a partir da ótica dos pobres e oprimidos (BETTO, 2018, p. 165).

Segundo Peter McLaren, professor da Universidade da Califórnia, Los Angeles, em texto para o livro organizado por Moacir Gadotti, “Paulo Freire, uma biobibliografia”, afirma que:

O trabalho do educador brasileiro, filósofo, e ativista político, Paulo Freire, colocou o pobre e o oprimido no palco da história. Isso aconteceu graças ao seu engajamento político-pedagógico, mas também graças à sua teoria que se tornou conhecida no mundo e que permitiu ser lida como uma espécie de contra-narrativa ao discurso dos ricos, poderosos e privilegiados […] a voz de Freire é um testemunho da resistência, dignidade, e inteligência dos oprimidos. É uma voz que ecoa dos limites da esperança, e teve, ao longo de décadas, intensa – se não surpreendente – influência no trabalho dos teólogos da libertação, teóricos sociais, educadores, assistentes sociais e alfabetizadores […]. A pedagogia libertadora de Freire constitui-se numa ferramenta importante para a construção da democracia, para viver e lutar por uma qualidade de vida melhor para os oprimidos e não-oprimidos hoje e nas próximas gerações. Ela coloca o desafio pós-moderno de encontrar novas formas para enfrentar nossas próprias fragilidades e finitudes como cidadãos globais e ao mesmo tempo nos possibilita continuar sonhando com a utopia.

MCLAREN, 1996, p. 587-589

A pedagogia libertadora de Freire constitui-se numa ferramenta importante porque ela ajuda a romper a “cultura do silêncio” a que os oprimidos estão condenados. Por meio de pequenos círculos de cultura, palavras geradoras discernidas da realidade sociocultural significativa para os educandos e de perguntas indutivas provocadas pelos educadores, a “Pedagogia do Oprimido” devolve aos excluídos o direito de ter sua cultura e linguagem reconhecidas, de ser sujeito ativo e, portanto, de ter vez e voz. Além de recuperar certo nível de autoestima, ele estimula no nível pessoal e em pequenos grupos a formação da consciência sociopolítica e a desenvolver a capacidade de leitura crítica-autocrítica do mundo em que vive.

Sua pedagogia ajudou a repensar o ambiente e a dinâmica da ação educativa e o modo como se concretizam as relações entre professores/as e alunos/as, educadores/as e educandos/as. No campo religioso, sua pedagogia ajudou a consolidar a importância do método de leitura popular da Bíblia em pequenos círculos. Frei Betto, em entrevista concedida ao doutorando Walter Martins de Oliveira, corrobora esta tese ao afirmar que “a metodologia de Paulo Freire foi e continua sendo essencial para a Teologia da Libertação. A Teologia da Libertação não existiria sem essa metodologia[…] não haveria CEBs sem o método Paulo Freire.” (OLIVEIRA, 2018, p. 115-121).

No livro “Os cristãos e a libertação dos oprimidos”, Paulo Freire inicia sua reflexão deixando claro o necessário compromisso da Igreja e da educação com a criação das condições históricas para que se concretizem ações afirmativas de defesa da dignidade da vida:

Não podemos discutir, por um lado as Igrejas, por outro a educação e, finalmente, o papel daquelas em relação a esta, a não ser historicamente. De fato, as Igrejas não são entidades abstratas, mas sim, instituições inseridas na história. E é unicamente na história que se dá também a educação. Da mesma forma, o trabalho educativo das Igrejas não pode ser compreendido fora do condicionamento da realidade concreta onde se situam. Porém, no momento em que tomamos a sério tais afirmações, já não podemos aceitar nem a neutralidade das Igrejas face à história, nem a neutralidade da educação.

FREIRE, 1978, p.11

O reconhecimento do enraizamento histórico de toda instituição, no caso Igreja e educação, é fundamental para a reflexão crítica e o discernimento das possibilidades e dos limites diante dos condicionamentos da realidade onde estão inseridas. A “Pedagogia do Oprimido” e a Teologia da Libertação são realidades profundamente situadas em determinado contexto histórico, conscientes da impossibilidade de neutralidade política e da necessidade da opção pelos pobres.

Por influência marxista, tanto para Paulo Freire quanto para a Teologia da Libertação, numa sociedade de classes são, necessariamente, as elites do poder que definem a educação e, consequentemente, os seus objetivos. E, obviamente, esses objetivos não podem ir contra os interesses das elites. Por isso, Freire sublinhava que “seria uma ingenuidade primária esperar que essas elites pusessem em prática ou consentissem que se ponha em prática, de maneira geral e sistemática, uma educação que, despertando o povo, lhe permitisse descobrir a ‘razão de ser’ da realidade social.” (FREIRE, 1978, p. 27). A classe dominante defenderá necessariamente a continuidade do status quo, a perpetuação de seus interesses e privilégios sociais já consolidados. Os fatores de transformação das estruturas sociais injustas emergem dos pobres que, conscientizados politicamente e capazes de fazer leitura crítica da realidade que lhes oprimem, colocam-se em luta por libertação.

No livro mencionado acima, há uma interessante afirmação de Paulo Freire sobre a Teologia da Libertação. Para o pedagogo pernambucano:

Estão no caminho certo os teólogos latino-americanos que, comprometendo-se historicamente, cada vez mais com os oprimidos, defendem hoje, uma teologia política da libertação e não uma teologia do “desenvolvimento” modernizante. Estes teólogos, sim, têm a possibilidade de começar a responder às inquietações duma geração que opta pela transformação revolucionária do seu mundo e não pela conciliação dos inconciliáveis. Eles sabem muito bem que só os oprimidos, como classe social, proibida de dizer a sua palavra, podem chegar a ser utópicos, proféticos e esperançosos, na medida em que o seu futuro não é mera repetição reformada do seu presente. O seu futuro é a concretização da sua libertação, sem a qual não lhes é possível ser. Só eles têm condições de denunciar a “ordem” que lhes esmaga e, na ação de transformação desta “ordem”, anunciar um mundo novo que deve ser refeito constantemente“.

FREIRE, 1978, p. 21-22

Nesta afirmação, o autor deixa claro a centralidade dos oprimidos como a única força revolucionária capaz de transformar a “ordem” que lhes esmaga, anunciando o mundo novo. Esta concepção também está muito presente no horizonte da reflexão teológica latinoamericana da libertação.

Como bem disse o prof. Vanderlan Paulo de Oliveira Pereira[14], estudioso da obra de Paulo Freire, o pedagogo pernambucano foi alguém que refletia “teológica e pedagogicamente” a realidade vivida e é, por muitos teólogos, “reconhecidamente um inspirador da Teologia da Libertação”. Talvez porque

sua Pedagogia nasce a partir dos oprimidos e em um contexto de mudanças e crises significativas na América Latina. Sua preocupação primordial é provocar a reflexão nas pessoas, sem manipulá-las ideologicamente, acreditando que o pobre é o agente de sua própria libertação“.

PEREIRA, 2015

O prof. Vanderlan, no artigo aqui citado, enfatiza que Paulo Freire era “um profundo conhecedor da tradição cristã e foi capaz de influenciar uma geração que repensava o sentimento de eclesialidade aquecido pelas discussões pós-concílio Vaticano II”.

De fato, eu pude constatar em minha pesquisa de doutorado[15], que realmente Paulo Freire teve uma relação pessoal com a fé cristã e foi um leitor encantado da teologia. Em uma carta publicada, Paulo Freire diz:

Ainda que eu não seja teólogo, mas um “enfeitiçado” pela teologia que marcou muitos aspectos de minha pedagogia, tenho às vezes a impressão de que o Terceiro Mundo pode, por isso, converter-se em uma fonte inspiradora do ressurgir teológico. (…) Uma teologia serviço da burguesia não pode ser utópica, profética e esperançosa, por ser uma teologia que cria um homem passivo e adaptado que espera uma vida melhor no “céu”, que dicotomiza o mundo.

FREIRE, 2014, p. 70.

Como se pode perceber, não era qualquer configuração da experiência cristã, prática pastoral ou teológica, que o encantava. Influenciado, de modo especial, pelo pensamento e pelo testemunho cristão de Alceu Amoroso Lima, Paulo Freire tinha uma visão da experiência cristã profundamente comprometida com a transformação sociopolítica. Trata-se de uma experiência religiosa “aberta, ecumênica, tolerente e transformadora”.

Ele se encantava com uma fé cristã libertadora vivida de forma situada, encarnada, muito diferente da postura de uma instituição religiosa bimilenar indiferente à situação dos empobrecidos, distante da vida concreta das pessoas e preocupada consigo mesma (autorreferencial), aliada às classes dominantes ou voltada apenas para a vida plena depois da morte. Com palavras do próprio Paulo Freire:


O cristianismo é para mim, uma doutrina maravilhosa. Embora digam que sou um líder comunista (…) Eu nunca tive a intenção de deixar de ser, de “estar sendo”, católico ( por que não sou apenas católico, mas estou sendo-o todos os dias: a condição de ser é “estar sendo”). Não senti, até hoje, qualquer necessidade de abandonar a Igreja ou deixar minhas convicções cristãs para dizer o que estou dizendo, ou para ir para o cárcere ou para o exílio. Apenas assumo apaixonadamente, corporalmente, fisicamente, com todo o meu ser, uma postura cristã porque esta me parece, como dizem os chilenos, plenamente revolucionária, plenamente humanista, plenamente libertadora e, por isso mesmo, comprometida, utópica. E esta deve ser, a meu ver, nossa posição: a posição da Igreja que não se esquece de que, por sua própria origem, é chamada a morrer tremendo de frio. Isto é uma utopia, é uma denúncia e um anúncio do compromisso histórico que expressa a coragem no amor.”

FREIRE, 1978, p. 51.


Atualmente, muitos não gostam de Paulo Freire, pois, percebem claramente que seu pensamento e práxis educativa é uma crítica direta e incisiva contra

um cristianismo que se preocupa apenas com a dimensão transcendental do ser humano”. Para Freire, “esse modelo teológico e eclesial só reforça o silêncio dos oprimidos”, um modelo eclesial que “tende cada vez mais a uma postura proselitista para concentração massiva de fieis obedecendo ao modelo de pastores (líderes) e ovelhas (leigos–fiéis)“.

PEREIRA, 2015

Percebe-se claramente, como nos mostra o prof .Vanderlan Paulo de Oliveira Pereira, que “a educação popular e a pedagogia freireana questionam esse conceito de ‘rebanho’”, ou seja, fiéis leigos, agentes de pastoral, lideranças cristãs… todos “guiados” como um “rebanho”.

A libertação de uma pessoa, de acordo com Paulo Freire, passa fundamentalmente pela conscientização dos indivíduos, que promove a passagem “de um conhecimento marcado pela ingenuidade” a um transformado pela criticidade. Nesse sentido, para Freire, a educação e a evangelização não podem ser compreendidas e concretizadas como “um processo de massificação ou coisificação”. Ao contrario, uma experiência de liberdade pautada na palavra dialógica, cujo conteúdo compartilhado seja significativo para ambos, educadores e educandos, evangelizadores e evangelizandos: uma palavra transformadora, marcada pela criticidade de cada consciência concreta.

Confiram a entrevista do prof. Vanderlan sobre Paulo Freire:

Notas

[1] Vale apena conhecer a obra de mais de 700 páginas organizada por Moacir Gadotti sobre a pessoa de Paulo Freire, seu itinerário, seu precioso legado e suas muitas influências e contribuições. Cf.: GADOTTI, Moacir (Org.). Paulo Freire, uma biobibliografia. São Paulo: Cortez editora/Instituto Paulo Freire, 1996.

[2] O filósofo jesuíta mineiro, referência intelectual crítica na reflexão da JUC e da AP nos anos 60, explicita o que está implicado no termo “conscientização” quando este se apresenta intimamente ligado a uma “educação de base como prática de liberdade”. Ele enxerga a possibilidade de algo novo e pré-revolucionário para o país: o despertar da consciência histórica, enquanto realidade dinâmica que faz emergir nas pessoas e em suas comunidades, atitude crítica com relação às situações abjetas em que vivem e que, até então, lhes apareciam como mera fatalidade da natureza ou mesmo como vontade divina. No artigo, Lima Vaz deixa claro a importância da reflexão dialética de Paulo Freire e sua práxis pedagógica libertadora do oprimido enquanto educação de base.

[3] Segundo o prof. Osmar Fávero, doutor em filosofia da educação com tese sobre a experiência do Movimento de Educação de Base dos anos 60 no Brasil, pode-se entender o importante conceito de “conscientização”, em Paulo Freire, “como um processo educativo destinado a firmar no homem a consciência histórica a partir da consciência crítica da realidade, como processo seria dinâmico e deveria favorecer engajamentos que visam a transformação dessa realidade. Politização seria exatamente essa dimensão prática, expressamente política, de organizar grupos para a ação”. Segundo o professor Osmar, no início dos anos 60 cerca de 50% dos brasileiros maiores de 14 anos eram analfabetos e, por essa condição, não podiam votar. Além do analfabetismo ter sido assumido como um grave problema sociopolítico pelas diversas tendências, havia despertado, sobretudo no meio estudantil e profissional forte influência ideológica em relação à perspectiva de se concretizar um novo projeto histórico para o Brasil. Ao refletir sobre o sistema Paulo Freire de alfabelização e conscientização, ele destaca que, além de Jacques Maritain, Gabriel Marcel, Emmanuel Mounier e Alceu Amoroso Lima, é forte a influência do pensamento de Lima Vaz, especificamente em relação ao conceito de “consciência histórica”, na obra de Paulo Freire. Cf. FÁVERO, Osmar. Paulo Freire: Primeiros tempos. In: Simpósio Paulo Freire: a práxis políticopedagógica do educador, promovido pela Universidade Federal do Espírito Santo e realizado em Vitória, nos dias 04 a 06 de setembro de 1996. Disponível em <http://dhnet.org.br/educar/40horas/favero_paulo_freire_primeiros_tempos.pdf>. Acesso em: 15 set 2021.

[4] O Movimento de educação de base – MEB foi criado no início de 1961, como trabalho conjunto da Igreja e do Estado, pelo Ministério da Cultura e Educação para ministrar educação de base às populações pobres do Nordeste, Norte e Centro-Oeste, espalhando-se depois para outras regiões. No projeto estava implicado a alfabetização de massa, educação sanitária básica, iniciação agrícola, educação política democrática e formação cristã. Cf. LIBANIO, João Batista. Teologia da Libertação. Roteiro didático para um estudo. op. cit., p. 74-76.

[5] Este é um dos conceitos centrais da utopia pedagógica esperançada de Paulo Freire. Segundo Ana Maria Araújo Freire, a categoria “inédito-viável” é uma das mais importantes das provocativas reflexões de Freire em sua Pedagogia do Oprimido, pois, ela revela a “crença no sonho possível e na utopia que virá, desde que os que fazem a sua história assim queiram, esperanças bem próprias de Freire”. Cf. Nota 1 em: FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança. Um reencontro com a Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1999, p. 205-207.

[6] Para se ter uma ideia da situação, em 1960, “para uma população de 34,5 milhões de habitantes com mais de 18 anos, constavam inscritos apenas 15,5 milhões de eleitores”. Em 1962, calcula-se que “dos 25 milhões de habitantes da região nordeste, cerca de 15 milhões eram analfabetos”. Partidários da exclusão social dos analfabetos, os grupos reacionários defensores dos interesses das elites econômicas brasileiras nunca ocultaram sua hostilidade contra qualquer tentativa de inclusão social e aumento do número de eleitores entre os mais pobres. Cf. FREIRE, Paulo. Conscientização. Teoria e Prática da Libertação. Uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Editora Moraes, 1980, p. 16-24.

[7] A pequena Angicos foi escolhida para se fazer esta experiência de alfabetização de adultos por apresentar o maior índice de analfabetismo do Brasil.

[8] Esta experiência com o método Paulo Freire, orçada com um custo de 34 dólares por pessoa alfabetizada, foi financiada pela “Aliança para o progresso”, um projeto norte-americano de combate ao crescimento do comunismo na América, que nesta época fazia da miséria do Nordeste seu leitmotiv no Brasil.

[9] Apesar de escrito em português, seu livro mais famoso Pedagogia do Oprimido foi lançado em diversos países em 1968, antes de ser lançado no Brasil, o que aconteceu somente sete anos mais tarde em 1975. Sobre o rico processo de gestação, redação e publicação do livro veja: FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança. op. cit., p. 15-50. 51-82 e, de modo muito especial, p. 58-66.

[10] Segundo Ana Maria de Araújo Freire, “de abril de 1969 a fevereiro de 1970 morou em Cambridge, Massachusetts, dando aulas sobre suas próprias reflexões na Universidade de Harvard, como Professor Convidado”. Cf. FREIRE, Ana Maria Araújo. A trajetória de Paulo Freire. In: GADOTTI, Moacir, Paulo Freire, uma biobibliografia. op. cit., p. 40.

[11] Com o termo “educação bancaria”, Paulo Freire caracteriza e critica certo modelo tradicional de prática educativa centrado fundamentalmente na figura do professor, considerado como aquele que detém o monopólio do saber e que ativamente procura transferi-lo para o aluno, enquanto este é concebido como aquele que, destituído do saber, recebe passivamente o conteúdo transferido pelo professor. Desse modo, a educação e o conhecimento deixam de ser processos de busca. Cf. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 33-43.

[12] Um livro de Frei Betto, que está dedicado aos seus educadores e entre estes Paulo Freire, ajudou-nos a perceber a importância da pedagogia freireana na TdL. Além disso, ajudou-nos a perceber o papel singular da práxis pedagógica para uma educação libertadora, sendo que a educação é o mais grave e urgente problema nacional e que a solução de todos os demais passa necessariamente pela melhoria da qualidade do ensino. Cf. BETTO, Frei. Por uma educação crítica e libertadora. Rio de Janeiro: Anfiteatro, 2018. Frei Betto tem um outro livro muito interessante resultado de um longo bate papo com Paulo Freire, ambos sendo provocados pelo jornalista Ricardo Kotscho. Neste livro constata-se a singular contribuição da pedagogia freiriana para a Teologia da Libertação. Cf. BETTO, Frei; FREIRE, Paulo; KOTSCHO, Ricardo. Essa escola chamada vida. São Paulo: Ática, 1988.

[13] A título de exemplo, veja: MARTINS, Eduardo Simões. Paulo Freire e a teologia da libertação: aproximações. 2010. Dissertação (mestrado), Universidade presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2010; BOFF, Leonardo. A pedagogia do oprimido e a teologia da libertação. In: GADOTTI, Moacir (org.). 40 olhares sobre os 40 anos da pedagogia do oprimido. São Paulo: Editora e Livraria Instituto Paulo Freire, 2008; OLIVEIRA, Walter Martins de. Paulo Freire entre Cristo e Marx. 2018. Tese (doutorado) Universidade Nove de Julho, São Paulo, 2018; PEREIRA, Vanderlan Paulo de Oliveira, Pedagogia freireana e Teologia da Libertação: trilhando caminhos de esperança. In: Colóquio Internacional de Pesquisa em Ensino Superior, 2015; LIMA, Jardilino José R. Educação e religião: uma leitura teológica da pedagogia de Paulo Freire na América Latina. In: Revista Nures nº 5 – Jan./Abr. 2007. Núcleo de Estudos Religião e Sociedade – Pontifícia Universidade Católica – SP. Disponível em: <http://www.pucsp.br/revistanures>. Acesso em: 03 jan. 2020. Para uma utilização interessante do conceito de libertação veiculado na práxis pedagógica de Paulo Freire como chave de leitura e critério de avaliação da hermenêutica bíblica cristã, católica e pentecostal libertadora, veja: CUNHA, Carlos. Hermenêutica bíblica libertadora: encontro entre católicos e pentecostais. São Paulo: Garimpo editorial, 2016, p. 161-231.

[14] PEREIRA, Vanderlan Paulo de Oliveira Pereira. Pedagogia freireana e Teologia da Libertação: trilhando caminhos de esperança. In: Colóquio Internacional de Pesquisa em Ensino Superior, 2015. Disponível em: <https://www.coipesu.com.br/upload/trabalhos/2015/10/pedagogia-freireana-e-teologia-da-libertacao-trilhando-caminhos-de-esperanca.pdf>. Acesso em 15 de setembro de 2021.

[15] Em minha pesquisa de doutorado, “Da Teologia Heurística da Libertação ao Método Pedagógico Heurístico Libertador. Uma leitura hermenêutica prospectiva da práxis pedagógica teológico-pastoral de João Batista Libanio”, procurei ler a pedagogia libertadora do teólogo e professor João Batista Libanio, à luz das pedagogias de Paulo Freire e de Edgar Morin. Ambos educadores celebram seu centenário em 2021.

Referências:

BETTO, Frei. Por uma educação crítica e libertadora. Rio de Janeiro: Anfiteatro, 2018.

BETTO, Frei; FREIRE, Paulo; KOTSCHO, Ricardo. Essa escola chamada vida. São Paulo: Ática, 1988.

FREIRE, Paulo. Carta a um jovem teológo. Entrevista a Carlos torres. In TORRES, Carlos Alberto. Diálogo e práxis educativa: uma leitura crítica de Paulo Freire. São Paulo: Loyola, 2014.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança. Um reencontro com a Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1999.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

FREIRE, Paulo. Conscientização. Teoria e Prática da Libertação. Uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Editora Moraes, 1980.

FREIRE, Paulo. Os cristãos e a libertação dos oprimidos. Porto: Base, 1978.

FREIRE, Paulo. Educação como prática de liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967.

GADOTTI, Moacir (org.). 40 olhares sobre os 40 anos da pedagogia do oprimido. São Paulo: Editora e Livraria Instituto Paulo Freire, 2008.

GADOTTI, Moacir (Org.). Paulo Freire, uma biobibliografia. São Paulo: Cortez editora/Instituto Paulo Freire, 1996.

GUIMARÃES, Edward Neves Monteiro de Barros. Da Teologia Heurística da Libertação ao Método Pedagógico Heurístico Libertador. Uma leitura hermenêutica prospectiva da práxis pedagógica teológico-pastoral de João Batista Libanio. 2020 (Tese de Doutorado), Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2020, p. 211-214. 223-232.

LIBANIO, João Batista. Teologia da Libertação. Roteiro didático para um estudo. São Paulo: Loyola, 1987.

PEREIRA, Vanderlan Paulo de Oliveira Pereira. Pedagogia freireana e Teologia da Libertação: trilhando caminhos de esperança. In: Colóquio Internacional de Pesquisa em Ensino Superior, 2015. Disponível em: <https://www.coipesu.com.br/upload/trabalhos/2015/10/pedagogia-freireana-e-teologia-da-libertacao-trilhando-caminhos-de-esperanca.pdf>. Acesso em 15 de setembro de 2021.

VAZ, Henrique Cláudio de Lima. Igreja-reflexo vs. Igreja-fonte. Cadernos brasileiros 46, p. 17-22, mar./abr., 1968.

VAZ, Henrique Cláudio de Lima. A Igreja e o problema da ‘conscientização. Revista Vozes, Petrópolis: Vozes, 62, v. 6, p. 483-493, 1968.

Edward Guimarães

Teólogo leigo e professor

Secretario executivo do Observatório da Evangelização PUC Minas

]]>
https://observatoriodaevangelizacao.com/paulo-freire-e-a-experiencia-crista-uma-homenagem-na-celebracao-do-centenario-do-educador-pernambucano/feed/ 1 41228