Nota dos Missionários Combonianos – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Wed, 30 Dec 2020 02:06:11 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.4 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 Nota dos Missionários Combonianos – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 “Celebrar Vidas Negras Importa”, diante do crescimento de graves manifestações de racismo combonianos emitem Nota https://observatoriodaevangelizacao.com/celebrar-vidas-negras-importa-diante-do-crescimento-de-graves-manifestacoes-de-racismo-combonianos-emitem-nota/ Wed, 30 Dec 2020 02:06:11 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=37430 [Leia mais...]]]> Diante do crescimento de graves manifestações de racismo estrutural na sociedade e no seio da Igreja, realidade que contraria frontalmente o núcleo do Evangelho do Reino e o projeto salvífico de Deus revelado em Jesus Cristo, Missionários Combonianos emitem importante Nota.

Confira:

Celebrar vidas negras importa

Natal é tempo de Deus que garante: a vida importa! Em conclusão desse ano tão sofrido, também nós Missionários Combonianos, em comunhão com a família de Jorge Floyd, a família de João Alberto Freitas e as famílias dos negros assassinatos no País, repetimos: celebrar vidas negras importa!

Eles combinaram de nos matar, mas nós combinamos de não morrer.”

Conceição Evaristo

Paróquia de S. Daniel Comboni, Sussuarana, Salvador-BA.

Natal é aposta de Deus na vida, é debruçar-se do Pai para proteger quem está mais ameaçado. Enquanto Deus se abaixa para nos abraçar, o movimento de outros é virar as costas, até ao ponto de negar que haja racismo no Brasil.

Infelizmente, esse racismo estrutural está crescendo também na Igreja Católica.

Desde 2012, a Congada de Nossa Senhora do Rosário e Escrava Anastácia frequenta a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, em Tiradentes (MG), para realizar suas orações. Mas, há um ano e cinco meses, os congadeiros foram proibidos de entrar dentro da igreja que seus antepassados construíram. Não houve explicações formais; o grupo da Congada imagina que seja “porque a gente usa a bandeira com a escrava Anastácia. Nós somos devotos dela porque ela foi uma escrava que tinha o dom da cura e curava muitos dos nossos irmãos nas senzalas”.

Na arquidiocese do Rio de Janeiro, no Dia Nacional da Consciência Negra de 2019, pessoas que afirmavam falar em nome do arcebispo entraram na igreja da Paróquia do Sagrado Coração de Jesus, no bairro da Glória, durante a celebração da tradicional missa afro, que vinha sendo celebrada há 15 anos. Tentaram constranger o padre, rezaram em voz alta em Latim, tudo para impedir o que eles consideravam uma heresia. No último dia 20 de novembro, na mesma igreja, a missa inculturada foi proibida, aparentemente pelas pressões intolerantes dos grupos fundamentalistas, que definiram a celebração um “triste ato de profanação e sacrilégio”, afirmando que “a missa afro é incompatível com a fé católica”.

Pe. Bernardino Mossi comboniano que trabalha na Pastoral Afro.

Ataques parecidos contra expressões inculturadas da fé tiveram grande visibilidade durante a assembleia do Sínodo para a Amazônia, realizada no Vaticano em outubro de 2019. Na ocasião, até papa Francisco foi acusado de apoiar momentos de oração “idolátricos”, por estarem utilizando símbolos provenientes de outras culturas, naquele caso indígenas.

O Papa lembra que o Concílio Vaticano II solicitou o esforço de inculturação da liturgia, e exorta que se recebam “na liturgia muitos elementos próprios da experiência dos indígenas no seu contato com a natureza (…) em cantos, danças, ritos, gestos e símbolos”. Seu predecessor, João Paulo II, afirmava que “uma fé que não se torna cultura é uma fé não de modo pleno acolhida, não inteiramente pensada e nem com fidelidade vivida”. É o que tentaram celebrar dom José Maria Pires, em 1981, com a Missa dos Quilombos no Recife, e papa Francisco, em 2019, com a Missa em Rito Congolês na Basílica de São Pedro. Já a Conferência Episcopal de Aparecida (2007) recomendava a necessidade de anunciar o Evangelho descolonizando as mentes e o conhecimento (cf. n. 96).

Os ataques cada vez mais recorrentes do fundamentalismo católico à inculturação da fé são expressão de uma teologia nitidamente pré-conciliar, assustada pelo mistério da encarnação de Deus na história viva do mundo e agarrada à segurança estática de um cristianismo platônico. A tradição, assim, vira tradicionalismo, sistema que aceita uma única, permanente formulação da verdade. Mas é a própria tradição que nos salvará do tradicionalismo, pois “a inculturação da fé é tão antiga quanto a história da salvação”.

Em junho de 2020, poucos dias depois do assassinato de Jorge Floyd, 83 padres e 5 bispos escreveram a papa Francisco: “Somos padres brasileiros, descendentes da Mãe África, homens de coração gentil, alegres por natureza, cheios de vida, enriquecidos pela herança recebida dos nossos ancestrais e pela graça de termos sido chamados, também nós, pelo Cristo, para trabalhar na construção do Reino de Deus”. Denunciaram que no Brasil, como seminaristas negros, têm se sentido “caçoados, inferiorizados, ridicularizados; percorremos calados e engasgados o caminho formativo, temerosos de não sermos aceitos para as sagradas ordens”. É triste, mas real: ainda falta muito para que também nossa Igreja seja expressão plena de igualdade, diversidade e inclusão.

Missa afro na paróquia de S. Daniel Comboni, Salvador-BA.

A celebração e a liturgia são as formas visíveis que manifestam o rosto humano e multiforme da Igreja. Podem ser “fruto do sopro antirracista do Espirito”, segundo pe. Geraldo Natalino. Ele reconhece que “uma igreja em saída não está livre dos tropeções, exageros e equívocos”. Mas esses podem ser educados e acompanhados, sem precisar reprimir ou censurar a espiritualidade que se manifesta nas formas mais belas, vivas e envolventes da liturgia. A não ser que queiramos engaiolar nossas celebrações na rigidez inexpressiva de uma cultura que não nos pertence, e que já nem existe mais.

Celebremos, então, as vidas negras, numa Igreja negra que renasce, porque Natal é Deus que se encarna nas culturas e nas histórias dos povos, especialmente aqueles que, ainda hoje, permanecem sem voz e sem vez.

Missionários Combonianos no Brasil, 27 de dezembro de 2020

Dario Bossi,  coordenador no Brasil

NOTA: As fotos não refletem o ano de 2020. Revista Sem Fronteiras/ arquivo comboniano e pixabay.com

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