MPVM – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Fri, 07 Jun 2019 14:32:02 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.4 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 MPVM – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 A festa de Pentecostes no olhar de uma teóloga comprometida com a Igreja na Amazônia https://observatoriodaevangelizacao.com/a-festa-de-pentecostes-no-olhar-de-uma-teologa-comprometida-com-a-igreja-na-amazonia/ https://observatoriodaevangelizacao.com/a-festa-de-pentecostes-no-olhar-de-uma-teologa-comprometida-com-a-igreja-na-amazonia/#comments Fri, 07 Jun 2019 14:32:02 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=30655 [Leia mais...]]]> Festa de Pentecostes – A divina Ruah irrompe na história

A divina Ruah irrompe naquele momento da história, naquelas pessoas reunidas, transforma-as, coloca-as em movimento, torna-as capazes de recriar a história. Irrompe na história como vento impetuoso que desarruma o que parecia arrumado; entra como um tufão que escancara portas e janelas para purificar o ar mofado; entra como furacão, ciclone que abala, desinstala as pessoas, os grupos. O vento entra como terremoto que impele a criar coisas novas.

A divina Ruah, como misteriosa pessoa, age impulsionando sempre para frente, desafiando a romper barreiras, buscando sempre o novo. É força exuberante que não pode ser contida; na sua força pessoas medrosas, tímidas falam com parrésia, se tornam testemunhas; dom oferecido e acolhido transforma; sobretudo é força vital que conduz os missionários e missionárias.

A reflexão é de Tea Frigerio, mmx, religiosa da Congregação Missionárias de Maria-Xaverianas.  Ela possui graduação em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma – PUG e pós-graduação em assessoria bíblica pela Escola Superior de Teologia – EST e pelo Centro de Estudos Bíblicos – CEBI, São Leopoldo/RS. Atualmente atua em assessoria bíblica pelo CEBI e é assessora nacional das Comunidades Eclesiais de Base – CEBs. Ela faz parte do Conselho Amazônico de Igrejas Cristãs (CAIC) e do Comitê Inter-religioso do Pará. 

Referências bíblicas:

  • 1ª Leitura: At 2,1-11
  • Salmo: 103(104),1ab.24ac.29bc-30.31.34
  • 2ª Leitura: 1Cor 12,3b-7.12-13
  • Evangelho: Jo 20,19-23

Pentecostes, festa da colheita, festa da Lei, por isso a liturgia hoje nos oferece uma colheita abundante de Palavra, mas vou me permitir comentar somente a porção dos Atos 2,1-11.

  • “Tendo-se completado o dia de Pentecostes”.

Percebemos uma teologia diferente na memória da Comunidade dos discípulos e discípulas amadas: o dom do Espírito é doado no mesmo dia da Ressurreição. Na memória das Comunidades de Lucas, o Espírito é doado 50 dias depois: na Festa de Pentecostes.

  • “De repente veio do céu um ruído como um agitar-se de um vendaval impetuoso”.

Acorda a memória do Êxodo 19 e muitos outros textos nos quais os fenômenos naturais anunciam uma teofania ou manifestação do Divino, do Transcendente: a manifestação do Espírito Santo, poderíamos dizer da divina Ruah.

  • “Apareceram como línguas de fogo”.

O fogo sempre nos fala da presença do Divino e de sua ação prodigiosa.

  • “E todos ficaram repletos de Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas”.

A narração de novo acorda nossa memória: havia um povo que queria chegar até o céu para ter um nome (Gn 11,1-9). Querer chegar até o céu para ter poder sobre Deus e assim dominar os outros povos. Hoje, diríamos a globalização. A ameaça é debelada pela ação de Deus fazendo acontecer variedade e diversidade das línguas. Não é confusão, mas diversidade. A divina Ruah não ama a uniformidade, ama a pluralidade, a variedade, a diversidade. Na continuidade da narração, Lucas nos revela que o dom das línguas não é dado para dominar, mas sim para se colocar a serviço da Boa Nova e tornar testemunhas da Ressurreição.

  • “Estavam todos reunidos no mesmo lugar… com algumas mulheres e Maria, a Mãe de Jesus… Achavam-se em Jerusalém judeus piedosos, vindos de todas as nações que há debaixo do céu… Como é, pois, que os ouvimos falar, cada um de nós, no próprio idioma em que nascemos?”

Da comunidade reunida de discípulos e discípulas, a narração leva ao horizonte dos confins do mundo: a salvação prometida, a luz para as nações se realiza no dia de Pentecostes. Os povos presentes são recordados seguindo uma ordem: os nativos povos do oriente; os habitantes repartidos nas seguintes regiões: leste a Mesopotâmia, norte a Ásia, sul a Líbia; os estrangeiros romanos que estão em visita a Jerusalém. E a narração insiste: ouvem em seu próprio idioma. O milagre, ou melhor, a maravilha está no escutar em sua própria língua, no seu idioma, ousaríamos dizer em sua própria cultura. Pentecostes é a festa cristã da inculturação. A multiformidade, a pluralidade, a diversidade é o DNA da Igreja nascente. Realidade fortalecida da própria narração, pois ao lermos o Livro dos Atos nos surpreendemos com inúmeras festas de Pentecostes.

O que aconteceu naquele dia? Aliás, o que aconteceu todas as vezes que houve um Pentecostes? Lucas tenta narrar o mais fielmente possível os acontecimentos, mas percebemos que ele está em dificuldades. Então, do seu jeito peculiar, usa gêneros literários diferentes que chamam nossa atenção.

Ouvem-se sons misteriosos vindo do alto, tremores, tempestade, vento, estremecimento, fogo parecendo línguas… Às vezes parece que “Ele” se apresenta no momento errado: antecipa-se, parece apressado e por isso entra antes da hora… Querendo afirmar sua presença se atropela… Até parece cair: “Espírito Santo caiu sobre todos os que ouviam a palavra” (At 10,44). É como se dissesse, é vento, mas não é. É fogo, mas não é fogo. É… mas…

Ao escrever deste jeito, Lucas quer nos comunicar algo, quer nos preparar, quer nos fazer entrar no mistério. A palavra mistério em grego quer dizer, literalmente, fechar os olhos e a boca. O mistério estaria, portanto, além de qualquer visão, de qualquer audição, de qualquer explicação. Mistério indescritível: “O vento sopra onde quer e ouves o seu ruído, mas não sabes de onde vem nem para onde vai” (Jo 3,8).

O vento e o fogo são imagens apocalípticas e teofânicas. As primeiras palavras da Bíblia nos dizem que o vento paira sobre o caos fazendo acontecer a harmonia, a vida (Gn 1,1-2). O fogo que queima sem se extinguir tira Moisés do comodismo (Ex 3,1-6). A Aliança do Sinai é selada no meio do vento e do fogo (Ex 19,16-18).

A palavra espírito em grego e hebraico significa vento, inclusive no hebraico é feminino: Ruah. A divina Ruah irrompe naquele momento da história, naquelas pessoas reunidas, transforma-as, coloca-as em movimento, torna-as capazes de recriar a história. Irrompe na história como vento impetuoso que desarruma o que parecia arrumado; entra como um tufão que escancara portas e janelas para purificar o ar mofado; entra como furacão, ciclone que abala, desinstala as pessoas, os grupos. O vento entra como terremoto que impele a criar coisas novas.

A divina Ruah, como misteriosa pessoa, age impulsionando sempre para frente, desafiando a romper barreiras, buscando sempre o novo. É força exuberante que não pode ser contida; na sua força pessoas medrosas, tímidas falam com parrésia, se tornam testemunhas; dom oferecido e acolhido transforma; sobretudo é força vital que conduz os missionários e missionárias.

Esta força de Deus seria o próprio Deus? Este que vem de Deus seria também Deus? Este “quem” o que seria? Seria o Vento de Deus? Seria o Fogo de Deus? Seriam o Vento e o Fogo de Jesus, de Maria misteriosamente presentes na comunidade nascente? Misteriosamente presente através dos discípulos e discípulas nas Igrejas, no Universo?

  • “Derramarei meu espírito sobre toda carne. Vossos filhos e vossas filhas profetizarão, vossos jovens terão visões e vossos velhos sonharão. Sim, sobre meus servos e minhas servas derramarei do meu Espírito”. (At 2,1; 1,14; 2,16-18; Joel 3,1-5)

São palavras do profeta Joel afirmando que o Espírito será derramado sobre os filhos e as filhas, sobre os servos e as servas confirmando: a comunidade é sinal do Reino presente .

Ouso dizer que a  divina Ruah é uma agitadora social: não se aquieta enquanto não inquieta. Sua estabilidade pessoal cria instabilidade social: causa celeuma, espanto, coloca tudo de cabeça para baixo, desinstala o grupo de discípulos e discípulas, uma população ordeira e acomodada. Transformar repouso em movimento, a rotina em novidade parece ser o resultado de sua inesperada irrupção. O oráculo de Joel aponta para uma transmutação de papéis sociais que colocam em redemoinho as relações vigentes.

O Vento de Deus que sopra derruba preconceitos e destrói as históricas barreiras da separação entre judeus e gentios, homens e mulheres, jovens e adultos, escravos e livres. As mulheres tornam-se boca de Javé, exercem atividades associadas a um dos principais carismas das comunidades, o carisma profético… A divina Ruah chega destravando a língua das mulheres, proibidas de falar em público e nas comunidades ganham dignidade em plena e absoluta igualdade.

Dessa maneira, a divina Ruah ameaça a instituição do patriarcado, potencializando ou criando o conflito dentro e fora da comunidade. Incluindo a mulher no carisma profético, reconhece sua identidade e igualdade, desafia o homem a descobrir a mulher como companheira na proposta da nova criação, da Igreja.

Palavras muito evocativas: a divina Ruah é como vendaval que subverte os padrões que a sociedade patriarcal afirma como únicos e legítimos. A mulher emudecida no fórum social e eclesial, fala e profetiza.

Os jovens têm visões, enxergam e exercem a sabedoria e o conselho próprio dos anciões, enquanto os velhos sonham. Sonhar, apostar no futuro é dos jovens, o ancião já realizou, não sonha mais. Há inversão de papéis: os anciões sonham, olham para frente, abrem o horizonte do amanhã, o caminho da plenitude; os jovens vencem seu afã, sua pressa em alcançar metas e objetivos e têm visões, conseguem projetar o futuro com discernimento e sabedoria.

Os servos e servas, os escravos e escravas, consideradas ferramentas animadas, falam e são reconhecidos/as como sujeitos da história. A Agitadora social age e provoca uma verdadeira comoção e revolução social: inclui quem era excluído; quem ‘não é’, é protagonista. Quem não contava, quem não era, sobre eles e elas é derramada a Energia vital que faz novas todas as coisas, sinal do tempo novo.

Na Festa de Pentecostes reconhecemos nossa natureza peregrina, sempre a caminho para que a novidade do Evangelho seja testemunhada, bem longe do poder! Igreja de periferia, mais rebelde que integrada, escanteada, frequentemente considerada inútil e descartável, por ser incômoda é semente do Reino.

A Festa de Pentecostes é Festa da diversidade, dos carismas para o crescimento da comunidade, da humanidade. Somos iguais embora diferentes. Compreendemos na diversidade que a harmonia não se alcança com a violência, a intolerância ou intensificando o controle, mas é um caminhar na paciência, na escuta recíproca e na convivência. Instiga a Igreja a ir além de seus confins, em multiforme nomadismo que enriquecerá a história e as comunidades, diversas entre si e sempre a caminho.

Vivo esta Festa de Pentecostes em Amazônia, ‘Casa comum’ que me acolheu e adotou. Agradecendo este dom, invoco a divina Ruah para Ela cair sobre o Sínodo da Amazônia como Agitadora social, como Agitadora eclesial: Vem e faz novas todas as coisas!

Fonte:

IHU

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