Migrantes – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Wed, 09 Feb 2022 14:31:57 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.4 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 Migrantes – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 Não fossem os migrantes, a Igreja dos Estados Unidos não seria o que é https://observatoriodaevangelizacao.com/nao-fossem-os-migrantes-a-igreja-dos-estados-unidos-nao-seria-o-que-e/ Wed, 09 Feb 2022 14:31:57 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=43361 [Leia mais...]]]> A migração é uma situação forçada pela busca de melhores condições de vida, muitas vezes agravadas por situações de violência, ameaças, perseguições, racismos , divergências ou confrontos religiosos entre outras. A Igreja sempre se mostrou solidária e companheira dos migrantes, quer por suas raízes judaicas que nos faz herdeiros de um povo de migrantes, quer pela trajetória de Jesus que também foi obrigado a migrar. Luis Miguel Modino entrevista Dom Edgar Moreira da Cunha que acompanha os migrantes nos Estados Unidos. Uma experiência que nos enriquece na perspectiva sinodal, no engajamento de leigos e leigas na ação pastoral e aprofunda nossos conhecimentos sobre a realidade dos migrantes e sua caminhada de fé. Confira!!!

Um imigrante que em sua condição de bispo acompanha os imigrantes. Dom Edgar Moreira da Cunha, nascido em Riachão do Jacuípe (Bahia), chegou nos Estados Unidos em 1978, sendo ainda seminarista da congregação dos vocacionistas. Depois de ser bispo auxiliar da Arquidiocese de Newark, atualmente é bispo de Fall River, no estado de Massachusetts.

Dom Edgar faz parte da Comissão para América Latina da Conferência Episcopal dos Estados Unidos e, em visita a alguns regionais da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, partilha a realidade de uma Igreja onde os imigrantes dão muita força. Segundo o bispo, cada vez existe uma relação mais fluída entre a Igreja dos Estados Unidos e as Igrejas da América Latina, reconhecendo a importância de participar dos encontros promovidos pelo CELAM.

Uma Igreja que está bem envolvida no processo sinodal que a Igreja está vivendo, uma Igreja com protagonismo laical, especialmente entre os imigrantes latinos.

Para alguém que chegou nos Estados Unidos em 1978, ainda como seminarista, o que significa ser um bispo brasileiro numa diocese daquele país?

Primeiramente significa ver como os planos de Deus se realizam, aquilo que nós não planejamos e que Deus nos guia em nosso caminho. ´Também a Igreja que acolhe, que se preocupa com os imigrantes. Quando eu fui nomeado bispo, uma das coisas que eu disse para o povo foi que eu sou um imigrante também.

Sempre trabalhei com as comunidades imigrantes. Na Arquidiocese de Newark quando eu fui nomeado bispo tinha muitos imigrantes, essa diocese onde eu estou, Fall River, tem muitos imigrantes. Eu disse para eles, eu sou um de vocês, um com vocês, um para vocês. A Igreja demostra isso, que ela está acolhendo, aberta a aceitar um bispo de fora, do Brasil, para trabalhar com as comunidades nos Estados Unidos. Eu vejo nisso a mão de Deus e a abertura da Igreja.

O senhor fala sobre os imigrantes. A Igreja católica nos Estados Unidos tem uma alta porcentagem de imigrantes, dentre eles os imigrantes latinos. O que significa essa comunidade latina na vida da Igreja dos Estados Unidos?

Significa muito, a Igreja dos Estados Unidos não seria o que ela é, não teria a mesma força, a mesma dinâmica, a mesma participação, quantidade de pessoas, se não fosse os imigrantes. Os imigrantes dão muita vida à Igreja, porque infelizmente os americanos, aqueles descendentes dos antigos imigrantes, porque os Estados Unidos é uma nação feita de migrantes e por imigrantes, os imigrantes que vieram da Europa, não fazem.

Os imigrantes que vieram mais recente da África, da Ásia e das Américas, realmente dão muita força à Igreja. E os latino-americanos, como são uma população de tradição muito católica e com alto número de católicos, realmente eles dão muita força à Igreja. E hoje os católicos dos Estados Unidos a maioria é formada por imigrantes, por latinos especialmente.

O senhor faz parte da Comissão para América Latina da Conferência Episcopal dos Estados Unidos, que tem como missão administrar a coleta que a Igreja faz desde 1965 para ajudar a Igreja da América Latina. Isso é algo assumido por todas as dioceses, algo que que os católicos dos Estados Unidos vêm como uma realidade que ajuda a Igreja local?

Sim, porque já tem mais de 50 anos, desde 1965, e continua tendo uma resposta positiva, o povo responde, o povo doa, contribui para essa finalidade, eles sabem que estão fazendo uma coisa boa para atender as necessidades dos mais pobres da América.

Nem todas as dioceses respondem do mesmo jeito, tem algumas dioceses que em vez de fazer a coleta, elas simplesmente mandam uma oferta para a Conferência para esse fundo. A gente tem que estar constantemente promovendo, animando, reiterando das necessidades para conscientizar o povo da importância dessa coleta e de contar com a generosidade deles.

Como criar mais pontes de união entre a Igreja da América Latina e a Igreja dos Estados Unidos?

Uma das coisas que a gente tem feito, além dessa ponte de colaboração e apoio financeiro, é um intercâmbio maior entre a Igreja de Estados Unidos e de América Latina, apesar de que eu acho que existe um grande intercâmbio.

Quando existem encontros do CELAM para América Latina, eles sempre incluem os Estados Unidos, como a Conferência Eclesial que teve no México, eles mandaram o convite para os bispos, tinha vaga para 10 bispos e 20 leigos, ou uma coisa assim. Eles sempre incluem a gente e a gente sempre tenta participar. O presidente da Comissão para América Latina foi no Mexico para o encontro, o padre Leo Pérez estava lá no México, eu participei pela internet, assistindo as palestras. É um intercâmbio que já existe, mas pode ser sempre melhorado e fortalecido.

O senhor fala da Assembleia Eclesial da América Latina e do Caribe, que é vista por algumas pessoas como uma preparação para o Sínodo sobre a Sinodalidade. Como esse Sínodo está sendo vivenciado na Igreja dos Estados Unidos, sobretudo nas comunidades imigrantes?

Está sendo bem recebido. Na minha diocese nós estamos promovendo muito o Sínodo com uma comissão diocesana, criamos líderes em todas as paróquias, vários encontros já foram feitos, os párocos, os líderes paroquiais, coordenando tudo isso para que o Sínodo seja uma grande oportunidade para abrir as portas à participação e envolvimento dos leigos e a conscientização do papel e da missão dos leigos na Igreja.

Nesse papel dos leigos, qual a importâncias dos imigrantes nas comunidades locais da Igreja dos Estados Unidos?

Os imigrantes tem um papel muito importante na Igreja, talvez mais do que os americanos em geral. Eu vejo nas comunidades brasileiras e hispânicas da minha diocese como os leigos têm assumido um papel importante.

Eu tenho uma comunidade na minha diocese que não tem padres, era uma comunidade brasileira pequena, que passava de um lugar para outro. Aí, eu encontrei uma igreja que estava fechada e dei para eles e lhes falei, vocês vão ser responsáveis por esta igreja e se vocês conseguirem construir uma comunidade forte que dá para manter a igreja, vocês têm salão, tem salas, tem tudo. E eles assumiram tudo, a organização, a economia, e isso já tem uns quatro anos e a comunidade tem o triplo do que tinha quando começou. É uma comunidade constituída de brasileiros e caboverdianos, mas como eles falam a mesma língua, os padres vêm, celebram missa, eu vou, celebro missa quando eu posso, mas tudo é cuidado, a catequese, a pastoral, a administração financeira, tudo é feito pelos líderes leigos que assumiram esse papel.

Como brasileiro, qual é sua mensagem para a Igreja do Brasil?

A mensagem que eu teria para a Igreja do Brasil é uma mensagem de fé, esperança, de sempre trabalhar para um futuro melhor. Todos nós sabemos da dificuldade que temos, dos problemas que enfrentamos, especialmente nesse momento difícil de pandemia e de situação política e econômica. Mas o Brasil é tão potente, tem um potencial tão grande, que não podemos desanimar ou nos deixar ser abatidos pelos problemas e perder a vista do potencial e do bom que existe aqui.

Luis Miguel Modino – Padre diocesano de Madri, missionário fidei donum na Amazônia, residindo atualmente em Manaus – AM. Faz parte da Equipe de Comunicação da REPAM. Correspondente no Brasil de Religión Digital e colaborador do Observatório da Evangelização e em diferentes sites e revistas.

]]>
43361
“Honduras: a caravana dos espoliados por direito à vida”, com a palavra o prof. Élio Gasda, SJ https://observatoriodaevangelizacao.com/honduras-a-caravana-dos-espoliados-por-direito-a-vida-com-a-palavra-o-prof-elio-gasda-sj/ Thu, 21 Jan 2021 14:08:34 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=37714 [Leia mais...]]]> Migrantes seguem famintos, sem trabalho, doentes e desesperados em busca do ‘sonho americano’

Membros da Guarda Nacional Mexicana combatem imigrantes da América Central, a maioria hondurenhos indo em uma caravana para os EUA, em Ciudad Hidalgo, estado de Chiapas, México, em 23 de janeiro de 2020 (Alfredo Estrella/AFP)

O drama dos migrantes e refugiados

281 milhões! Essa é a quantidade de migrantes internacionais. Estão fugindo dos conflitos internos, étnico e religioso, da perseguição, da pobreza extrema, das catástrofes naturais ou degradação ambiental. Os Estados Unidos continuam sendo o destino de 2 a cada 10 migrantes (ONU. Relatório da Divisão de População do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais).

Segundo o relatório, a crise da pandemia impactou na subsistência de milhões de migrantes e suas famílias, muitos deles deixaram de mandar dinheiro para casa. Poderá a pandemia, em um segundo momento, fazer crescer ainda mais a onda migratória? Em muitos países a precariedade, a falta de políticas públicas e o descaso das autoridades farão aumentar o desemprego e a fome.  

A dramática situação de Honduras

Tragédia humanitária! Na última semana, cerca de 9 mil hondurenhos deixaram o país rumo aos Estados Unidos. Honduras tem 8,5 milhões de habitantes. Destes, 74% vive abaixo da linha da pobreza. Quatro em cada dez hondurenhos não têm dinheiro sequer para comprar comida. O escasso investimento social, a corrupção das elites, a injustiça fiscal radicaliza as desigualdades. A pandemia escancarou o abandono do sistema público, a fragilidade econômica e a violação extrema dos direitos humanos.

Honduras foi o segundo país mais afetado por furacões, tempestades e inundações da última década. Em 2020 as tempestades tropicais chegaram ao número de 30. Dois furacões (Iota e Eta) destruíram a região industrial e castigaram severamente 40% da população. Plantações foram perdidas, deslizamentos, 110 pontes e 267 estradas foram danificadas. San Pedro Sula, responsável por 60% do PIB de Honduras, ficou destroçada. A cidade está no estado de Cortés, onde 3 em cada 10 hondurenhos estão infectados pelo vírus.

De San Pedro Sula, uma das cinco cidades mais violentas do mundo, saem as caravanas de imigrantes rumo aos Estados Unidos. Quase cem hondurenhos deixam todos os dias suas casas rumo ao ‘país das oportunidades’. Dezenas de caravanas fazem o mesmo trajeto desde 2018.

Famintos, sem trabalho, doentes, desesperados caminhando dias intermináveis, em busca do ‘sonho americano’. “Se tivéssemos dinheiro não estaríamos indo para o norte (EUA). Eles nos tratam como cachorros …” disse uma mulher a um jornalista (uol/18/01/21).

Na Guatemala, essas vidas já dilaceradas foram reprimidas pelo exército e pela polícia com gás lacrimogêneo, cassetetes e varas. Alguns recuaram, outros avançaram. Já sabem que mais violência os espera na fronteira com o México. Mas eles não têm nada a perder.

Um horizonte de esperança?

Como serão recebidos os hondurenhos pelos Estados Unidos? Esperanças foram renovadas com Joe Biden. Católico, a oração de sua posse foi feita pelo jesuíta Leo J. O’Donovan, diretor do Serviço Jesuíta de Refugiados (SJR) nos EUA.

Em 2017, em carta aberta a Trump, O’Donovan advertiu que entre os muitos desafios estava uma “resposta americana à migração humana”. Na carta, o jesuíta destacou: a “acolhida reflete o nosso desejo de responder ao chamado das escrituras judaicas e cristãs a receber entre nós os estrangeiros, especialmente aqueles em perigo ou em grande necessidade. Ela tem origem no reconhecimento de que todos os homens e mulheres possuem uma dignidade humana compartilhada e, aos olhos da fé, são filhos e filhas de um Criador amoroso que nos chama como uma única família“.

Biden, além de prometer um “um sistema de imigração justo e humano”, se responsabilizou “em construir um futuro de maior oportunidade e segurança na região (América Central)”. Durante um evento virtual de arrecadação de fundos organizado pelo Serviço Jesuíta para Refugiados, o presidente garantiu elevar o número de novos refugiados a serem recebidos pelos EUA, passando de 15 mil para 125 mil. Que assim seja!

O papa Francisco sobre os migrantes, refugiados, deslocados…

Que o desejo da irmandade universal se torne realidade para os hondurenhos: “Reconhecendo a dignidade de cada pessoa, podemos resgatar o desejo universal de irmandade, uma só humanidade, filhos desta mesma terra que nos protege, cada um com sua própria voz, como irmãos” (Fratelli tutti, 8).

Segundo papa Francisco, a realidade dos refugiados e imigrantesé hoje a maior tragédia depois da Segunda Guerra Mundial“. Para o pontífice “as pessoas deslocadas nos proporcionam a oportunidade de encontrar o Senhor…: Em cada um deles, está presente Jesus, forçado a fugir, como no tempo de Herodes, para Se salvar. Nos seus rostos, somos chamados a reconhecer o rosto de Cristo faminto, sedento, nu, doente, forasteiro e encarcerado que nos interpela (cf. Mt 25, 31-46). Se O reconhecermos, seremos nós a agradecer-Lhe por O termos encontrado, amado e servido” (Mensagem para o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado 2020).

(Adaptação e grifos, Edward Guimarães, para o Observatório da Evangelização)

Sobre o autor:

Prof. dr. Élio Gásda, SJ

Élio Gasda é jesuíta, doutor em Teologia, professor e pesquisador na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia – Faje. Sua reflexão teológica sobre os desafios e urgências da contemporaneidade, à luz da Fé, da Ética e dos princípios estruturantes da Doutrina Social da Igreja, vem contribuindo significativamente na caminhada do movimentos populares, as pastorais sociais, grupos diversos e lideranças comprometidas com a transformação das estruturas injustas da sociedade e a cultura da paz fundada na justiça e na fraternidade. Além de inúmeros artigos, dentre seus livros destacamos: Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja (Paulinas, 2001); Cristianismo e economia (Paulinas, 2016). O Observatório da Evangelização tem publicado aqui alguns de seus artigos.

Fonte:

www.domtotal.com

]]>
37714
Mensagem do papa Francisco para o 51º Dia Mundial da Paz – 01/01/2018 https://observatoriodaevangelizacao.com/mensagem-do-papa-francisco-para-o-dia-mundial-da-paz-2018/ Mon, 01 Jan 2018 02:01:13 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=27173 [Leia mais...]]]> MIGRANTES E REFUGIADOS: HOMENS E MULHERES EM BUSCA DE PAZ 

1. Votos de paz

Paz a todas as pessoas e a todas as nações da terra! A paz, que os anjos anunciam aos pastores na noite de Natal,[1] é uma aspiração profunda de todas as pessoas e de todos os povos, sobretudo de quantos padecem mais duramente pela sua falta. Dentre estes, que trago presente nos meus pensamentos e na minha oração, quero recordar de novo os mais de 250 milhões de migrantes no mundo, dos quais 22 milhões e meio são refugiados. Estes últimos, como afirmou o meu amado predecessor Bento XVI, «são homens e mulheres, crianças, jovens e idosos que procuram um lugar onde viver em paz».[2] E, para o encontrar, muitos deles estão prontos a arriscar a vida numa viagem que se revela, em grande parte dos casos, longa e perigosa, a sujeitar-se a fadigas e sofrimentos, a enfrentar arames farpados e muros erguidos para os manter longe da meta.

Com espírito de misericórdia, abraçamos todos aqueles que fogem da guerra e da fome ou se veem constrangidos a deixar a própria terra por causa de discriminações, perseguições, pobreza e degradação ambiental.

Estamos cientes de que não basta abrir os nossos corações ao sofrimento dos outros. Há muito que fazer antes de os nossos irmãos e irmãs poderem voltar a viver em paz numa casa segura. Acolher o outro requer um compromisso concreto, uma corrente de apoios e beneficência, uma atenção vigilante e abrangente, a gestão responsável de novas situações complexas que às vezes se vêm juntar a outros problemas já existentes em grande número, bem como recursos que são sempre limitados. Praticando a virtude da prudência, os governantes saberão acolher, promover, proteger e integrar, estabelecendo medidas práticas, «nos limites consentidos pelo bem da própria comunidade retamente entendido, [para] lhes favorecer a integração»[3]. Os governantes têm uma responsabilidade precisa para com as próprias comunidades, devendo assegurar os seus justos direitos e desenvolvimento harmônico, para não serem como o construtor insensato que fez mal os cálculos e não conseguiu completar a torre que começara a construir.[4]

pomba humana

2.     Por que há tantos refugiados e migrantes?

Na mensagem para idêntica ocorrência no Grande Jubileu pelos 2000 anos do anúncio de paz dos anjos em Belém, São João Paulo II incluiu o número crescente de refugiados entre os efeitos de «uma sequência infinda e horrenda de guerras, conflitos, genocídios, “limpezas étnicas”»[5] que caraterizaram o século XX. E até agora, infelizmente, o novo século não registou uma verdadeira viragem: os conflitos armados e as outras formas de violência organizada continuam a provocar deslocamentos de populações no interior das fronteiras nacionais e para além delas.

Todavia as pessoas migram também por outras razões, sendo a primeira delas «o desejo de uma vida melhor, unido muitas vezes ao intento de deixar para trás o “desespero” de um futuro impossível de construir».[6] As pessoas partem para se juntar à própria família, para encontrar oportunidades de trabalho ou de instrução: quem não pode gozar destes direitos, não vive em paz. Além disso, como sublinhei na Encíclica Laudato si’, «é trágico o aumento de migrantes em fuga da miséria agravada pela degradação ambiental».[7]

A maioria migra seguindo um percurso legal, mas há quem tome outros caminhos, sobretudo por causa do desespero, quando a pátria não lhes oferece segurança nem oportunidades, e todas as vias legais parecem impraticáveis, bloqueadas ou demasiado lentas.

Em muitos países de destino, generalizou-se largamente uma retórica que enfatiza os riscos para a segurança nacional ou o peso do acolhimento dos recém-chegados, desprezando assim a dignidade humana que se deve reconhecer em todos, enquanto filhos e filhas de Deus. Quem fomenta o medo contra os migrantes, talvez com fins políticos, em vez de construir a paz, semeia violência, discriminação racial e xenofobia, que são fonte de grande preocupação para quantos têm a peito a tutela de todos os seres humanos.[8]

Todos os elementos à disposição da comunidade internacional indicam que as migrações globais continuarão a marcar o nosso futuro. Alguns consideram-nas uma ameaça. Eu, pelo contrário, convido-vos a vê-las com um olhar repleto de confiança, como oportunidade para construir um futuro de paz.

migrante bebê no ar

3.     Com olhar contemplativo

A sabedoria da fé nutre este olhar, capaz de intuir que todos pertencemos «a uma só família, migrantes e populações locais que os recebem, e todos têm o mesmo direito de usufruir dos bens da terra, cujo destino é universal, como ensina a doutrina social da Igreja. Aqui encontram fundamento a solidariedade e a partilha».[9] Estas palavras propõem-nos a imagem da nova Jerusalém. O livro do profeta Isaías (cap. 60) e, em seguida, o Apocalipse (cap. 21) descrevem-na como uma cidade com as portas sempre abertas, para deixar entrar gente de todas as nações, que a admira e enche de riquezas. A paz é o soberano que a guia, e a justiça o princípio que governa a convivência dentro dela.

Precisamos de lançar, também sobre a cidade onde vivemos, este olhar contemplativo, «isto é, um olhar de fé que descubra Deus que habita nas suas casas, nas suas ruas, nas suas praças (…), promovendo a solidariedade, a fraternidade, o desejo de bem, de verdade, de justiça»,[10] por outras palavras, realizando a promessa da paz.

Detendo-se sobre os migrantes e os refugiados, este olhar saberá descobrir que eles não chegam de mãos vazias: trazem uma bagagem feita de coragem, capacidades, energias e aspirações, para além dos tesouros das suas culturas nativas, e deste modo enriquecem a vida das nações que os acolhem. Saberá vislumbrar também a criatividade, a tenacidade e o espírito de sacrifício de inúmeras pessoas, famílias e comunidades que, em todas as partes do mundo, abrem a porta e o coração a migrantes e refugiados, inclusive onde não abundam os recursos.

Este olhar contemplativo saberá, enfim, guiar o discernimento dos responsáveis governamentais, de modo a impelir as políticas de acolhimento até ao máximo dos «limites consentidos pelo bem da própria comunidade retamente entendido»,[11] isto é, tomando em consideração as exigências de todos os membros da única família humana e o bem de cada um deles.

Quem estiver animado por este olhar será capaz de reconhecer os rebentos de paz que já estão a despontar e cuidará do seu crescimento. Transformará assim em canteiros de paz as nossas cidades, frequentemente divididas e polarizadas por conflitos que se referem precisamente à presença de migrantes e refugiados.

papa pomba

4.     Quatro pedras miliárias para a ação

Oferecer a requerentes de asilo, refugiados, migrantes e vítimas de tráfico humano uma possibilidade de encontrar aquela paz que andam à procura, exige uma estratégia que combine quatro ações: acolher, proteger, promover e integrar.[12]

«Acolher» faz apelo à exigência de ampliar as possibilidades de entrada legal, de não repelir refugiados e migrantes para lugares onde os aguardam perseguições e violências, e de equilibrar a preocupação pela segurança nacional com a tutela dos direitos humanos fundamentais. Recorda-nos a Sagrada Escritura: «Não vos esqueçais da hospitalidade, pois, graças a ela, alguns, sem o saberem, hospedaram anjos».[13]

«Proteger» lembra o dever de reconhecer e tutelar a dignidade inviolável daqueles que fogem dum perigo real em busca de asilo e segurança, de impedir a sua exploração. Penso de modo particular nas mulheres e nas crianças que se encontram em situações onde estão mais expostas aos riscos e aos abusos que chegam até ao ponto de as tornar escravas. Deus não discrimina: «O Senhor protege os que vivem em terra estranha e ampara o órfão e a viúva».[14]

«Promover» alude ao apoio para o desenvolvimento humano integral de migrantes e refugiados. Dentre os numerosos instrumentos que podem ajudar nesta tarefa, desejo sublinhar a importância de assegurar às crianças e aos jovens o acesso a todos os níveis de instrução: deste modo poderão não só cultivar e fazer frutificar as suas capacidades, mas estarão em melhores condições também para ir ao encontro dos outros, cultivando um espírito de diálogo e não de fechamento ou de conflito. A Bíblia ensina que Deus «ama o estrangeiro e dá-lhe pão e vestuário»; daí a exortação: «Amarás o estrangeiro, porque foste estrangeiro na terra do Egito».[15]

Por fim, «integrar» significa permitir que refugiados e migrantes participem plenamente na vida da sociedade que os acolhe, numa dinâmica de mútuo enriquecimento e fecunda colaboração na promoção do desenvolvimento humano integral das comunidades locais. «Portanto – como escreve São Paulo – já não sois estrangeiros nem imigrantes, mas sois concidadãos dos santos e membros da casa de Deus».[16]

ajuda a refugiados

5.     Uma proposta para dois Pactos internacionais

Almejo do fundo do coração que seja este espírito a animar o processo que, no decurso de 2018, levará à definição e aprovação por parte das Nações Unidas de dois pactos globais: um para migrações seguras, ordenadas e regulares, outro referido aos refugiados. Enquanto acordos partilhados a nível global, estes pactos representarão um quadro de referência para propostas políticas e medidas práticas. Por isso, é importante que sejam inspirados por sentimentos de compaixão, clarividência e coragem, de modo a aproveitar todas as ocasiões para fazer avançar a construção da paz: só assim o necessário realismo da política internacional não se tornará uma capitulação ao cinismo e à globalização da indiferença.

De fato, o diálogo e a coordenação constituem uma necessidade e um dever próprio da comunidade internacional. Mais além das fronteiras nacionais, é possível também que países menos ricos possam acolher um número maior de refugiados ou acolhê-los melhor, se a cooperação internacional lhes disponibilizar os fundos necessários.

A Seção Migrantes e Refugiados do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral sugeriu 20 pontos de ação[17] como pistas concretas para a implementação dos supramencionados quatro verbos nas políticas públicas e também na conduta e ação das comunidades cristãs. Estas e outras contribuições pretendem expressar o interesse da Igreja Católica pelo processo que levará à adoção dos referidos pactos globais das Nações Unidas. Um tal interesse confirma uma vez mais a solicitude pastoral que nasceu com a Igreja e tem continuado em muitas das suas obras até aos nossos dias.

refugiados-em-um-barco-impulsionado-pela-pomba-da-paz

6.     Em prol da nossa casa comum

Inspiram-nos as palavras de São João Paulo II: «Se o “sonho” de um mundo em paz é partilhado por tantas pessoas, se se valoriza o contributo dos migrantes e dos refugiados, a humanidade pode tornar-se sempre mais família de todos e a nossa terra uma real “casa comum”».[18] Ao longo da história, muitos acreditaram neste «sonho» e as suas realizações testemunham que não se trata duma utopia irrealizável.

Entre eles conta-se Santa Francisca Xavier Cabrini, cujo centenário do nascimento para o Céu ocorre em 2017. Hoje, dia 13 de novembro, muitas comunidades eclesiais celebram a sua memória. Esta pequena grande mulher, que consagrou a sua vida ao serviço dos migrantes tornando-se depois a sua Padroeira celeste, ensinou-nos como podemos acolher, proteger, promover e integrar estes nossos irmãos e irmãs. Pela sua intercessão, que o Senhor nos conceda a todos fazer a experiência de que «o fruto da justiça é semeado em paz por aqueles que praticam a paz».[19]

Vaticano, 13 de novembro – Memória de Santa Francisca Xavier Cabrini, Padroeira dos migrantes – de 2017.

Franciscus

FONTE: RÁDIO VATICANO 

(adaptado ao Português do Brasil)

Observação: Não foram encontradas as notas mencionadas no texto nem na própria fonte consultada nem em outros sites.

]]>
27173