mês da bíblia – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Tue, 20 Sep 2022 20:24:52 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.4 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 mês da bíblia – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 O testamento de Josué apelo à fidelidade e à sinodalidade https://observatoriodaevangelizacao.com/o-testamento-de-josue-apelo-a-fidelidade-e-a-sinodalidade/ Tue, 20 Sep 2022 20:24:52 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=45966 [Leia mais...]]]> Mês da Bíblia 2022 (3/3)

Este é o terceiro texto de uma série em que condensamos uma reflexão em torno do livro de Josué, escolhido para o Mês da Bíblia 2022. Você pode ter acesso aos anteriores neste site: 1. Deus está com você; 2. A hospitalidade e a nova organização da terra.

“Seja firme e corajoso, não tenhas medo”

Josué é descrito como o juiz, o líder do povo de Deus, que não perde a sintonia e o foco do projeto do Deus Libertador. Sente, quando o povo se desvia deste projeto. Ele se penitencia, diante da derrota da primeira arrancada contra Hai, e usa de franqueza com Deus (Js 6, 3-8). Em sua vida, martelava aquele mantra: “Seja firme e corajoso, não tenhas medo”. Ele tinha certeza que, sendo fiel à Palavra de Deus, ele e o povo seriam bem sucedidos, em todos os empreendimentos (cf. Js 1, 6-9).

Josué, no exercício de sua liderança, zelava pela memória da caminhada do povo e pela fidelidade a Deus. Aí estava a garantia da promessa feita aos antepassados, e a certeza da vitória nas lutas e conquistas do povo. Esta memória, sempre viva, dava sustentação na caminhada do presente, e firmava o esperançar no futuro. Sentindo o peso da idade, e vivenciando a responsabilidade da sua missão de animar o povo a perseverar na caminhada, Josué convoca todo Israel, com seus anciãos, chefes de família, juízes e oficiais, para uma assembleia, onde ele iria deixar o seu Testamento.

O Testamento de Josué não é de coisas materiais. É o testemunho da sua experiência de fé; da certeza da presença de Deus na caminhada do povo; e da fidelidade a Deus, que garantia a conquista da terra e a permanência do povo nela. Josué deixa, no seu Testamento, a recomendação, para que o povo seja sempre fiel à lei de Deus. Não se desviar dela, nem para um lado e nem para outro. Ela é o foco, que vai nortear toda a caminhada do povo. Josué recomenda ao povo muito cuidado, para não cair na idolatria, adorando deuses falsos. Eles têm propostas bonitas, mas são falsos e enganadores. Por isso, recomenda: “apeguem-se unicamente a Javé, seu Deus” (Js 23, 8).

 

“Amem a Javé, seu Deus”

Em seu Testamento, a preocupação de Josué é que o povo não se acomode, e não reproduza o sistema opressor, que tira a vida e a liberdade do povo. O miolo, o cerne de seu Testamento é este: “Amem a Javé, seu Deus” (Js 23, 11). No entanto, se o povo for infiel a Deus que o libertou, e se misturar com a idolatria das nações vizinhas, Javé usará esta infidelidade como chicote, nas mãos dos inimigos, para surrar seu povo; e como espinhos, nos seus olhos. Fica claro, no Testamento de Josué, que o destino do povo está nas mãos do próprio povo. Isso nos aponta para as eleições deste ano de 2022. Nossa participação nesse processo e nosso voto podem ser uma ferramenta, para recuperar a dignidade de vida do povo, favorecer oportunidade de Terra, Teto e Trabalho para todos; pode ajudar a defender e proteger a Mãe Terra. Por isso, não podemos perder nem o rumo e nem o prumo do Deus libertador. Onde vamos reconhecer a presença de Deus, acima ou no meio do povo? O Deus que, na Bíblia, caminhou com seu povo, na posse da terra, deseja o quê para seu povo, hoje?

O Testamento de Josué é ainda muito oportuno, para uma avaliação das lideranças de nossas Comunidades e da Sociedade em geral. Um líder deve ter o senso do coletivo, o foco no bem comum; deve ser capaz de partilhar as decisões a serem tomadas. Ter o sentimento do povo marginalizado, e não das elites. Isto é possível, quando, a exemplo de Josué, o líder cultiva a contemplação de Deus, procura Deus nas pessoas, nos fatos, nos acontecimentos. Quando cultiva a intimidade com a Palavra de Deus, meditando-a e guardando-a e seu coração, para guiar suas ações e decisões. Ser ativo participante, na reflexão da Palavra na Comunidade. Líder é todo aquele/a que conduz a Arca da Aliança, quer dizer, a Palavra de Deus, nas atividades e lutas da Comunidade, independentemente de ter ou não um cargo específico.

 

Assembleia de Siquém, apelo à sinodalidade

O livro de Josué termina com um grande acontecimento: a Assembleia de Siquém, onde é celebrada a Aliança de compromisso do povo com Deus. Esta Aliança de Siquém nos lembra a Aliança do Sinai, que celebrou o Êxodo, o movimento de libertação da escravidão do Egito. Agora, trata-se da conclusão do movimento da Conquista e Partilha da Terra com esta Aliança. Esta Assembleia começa, com um relato da memória da ação de Deus, caminhando, libertando e promovendo a vida de seu povo. Um relato que traz à memória os patriarcas; menciona a liderança de Moisés, na caminhada do Êxodo e do deserto; lembra a ação de Deus, na derrota dos inimigo; e a conquista da Terra fértil. Este capítulo procura valorizar o passado, atualizar a ação de Deus na vida do povo (presente) e acenar para um futuro de união e fraternidade.

Josué reúne as 12 tribos de Israel, convoca os anciãos, os chefes, os juízes, os administradores e fala a todo o povo. Ele destaca que a mão protetora de Deus acompanhou toda a trajetória de conquista da terra, e garantiu o sucesso.

Na liderança de Josué, é interessante notar como ele procurava sempre despertar a memória do povo: Abraão e sua descendência (Js 24, 3-4); Moisés e a saída do Egito (Js 24, 5-7); a travessia do Jordão (Js 24, 8-10); a tomada de Jericó (Js 24, 11-13). Procurava mostrar que Deus é o referencial, é o foco que o povo não podia perder. Zelava sempre pela fidelidade do povo a Deus, que nunca descuidava de seu povo. Incentivava o povo a fazer a faxina de tudo que era sinal de idolatria, quer material, quer de ideia.

A pauta principal da Assembleia de Siquém foi a proposta colocada por Josué ao povo reunido: Escolher ser fiel a Deus e a seu projeto, deixando de lado as idolatrias dos povos vizinhos. Josué é muito firme em sua liderança; e arremata, dizendo: “Escolham hoje a quem vocês querem servir”; e dá o seu testemunho: “Quanto a mim e à minha família, serviremos ao Senhor!” (Js 24, 15). Diante desta decisão, o povo, a uma só voz, assume o compromisso de fidelidade ao Senhor: “Longe de nós, abandonarmos o Senhor, para servir a deuses estranhos” (Js 24, 16). Josué lembra ao povo que compromisso com Deus é coisa séria. Com Deus não se brinca. Ele lembra ao povo que Deus é fiel na sua Aliança, não aceita concorrência. No livro de Josué, se oficializa o culto a um único Deus. Um Deus ciumento, um Deus da memória.

No entanto, é importante lembrar que o Livro de Josué teve a sua redação final, depois do Exílio da Babilônia. A causa do povo ter perdido a terra e voltado para a escravidão foi o esquecimento da Aliança, foi ter esquecido a Deus. O Livro tenta ajudar o povo a voltar à sua fidelidade a Deus. Não tem como, andar em dois caminhos: ou levamos à frente a construção de uma sociedade justa e fraterna, onde todos tenham vida e liberdade; ou vamos reforçar um sistema de morte, onde o povo é reconduzido à perda de seus direitos trabalhistas, de seus direitos previdenciários, de sua dignidade no trabalho, enfim, a uma nova forma de escravidão.

Em cada momento da história, Deus suscita lideranças, para a defesa e garantia da vida de seu povo. Deus criou o mundo para todos. Ele nos oferece uma vida digna. Quer que sejamos felizes, já neste mundo. Ele quer que todos tenham acesso à terra, teto e trabalho. Quer vida em abundância para todos os seus filhos e filhas. A história do povo de Deus é um espelho para nós. Assim como eles reconheceram a mão de Deus, agindo a favor da vida do povo, nós também somos chamados a abrir os olhos e reconhecer, no hoje de nossa história, a mão operosa e generosa de Deus, agindo no meio de nós. O Senhor continua a descer, para libertar o seu povo, e para conduzi-lo a dias melhores, à plena dignidade de filhos de filhas de Deus.

 

Do ontem para hoje

A pauta da Assembleia de Siquém é muito provocante, para o momento eleitoral que estamos vivendo. Também nós temos de tomar uma decisão. Que tipo de Sociedade estamos querendo: a que busca a vida prá todos, ou a que segue um projeto de morte? Uma sociedade onde todos tenham liberdade e qualidade de vida, sem tanta desigualdade, ou a que alimenta a violência, a injustiça, o ódio e o racismo? A nossa resposta será dada: no nosso compromisso com a defesa da vida, e nas urnas. É preciso alargar a visão, iluminar os olhos da mente e do coração, para compreendermos a esperança, à qual o Senhor nos chamou e chama (cf. Ef 1, 18).

A Assembleia de Siquém nos lembra da importância de caminhar juntos. Este é o desejo de Deus para nós e para toda a Igreja. Sínodo significa “caminhar juntos”. A nossa Igreja, conduzida pelo Papa Francisco, está nos lembrando que a Sinodalidade não é uma novidade, faz parte da natureza da Igreja. Recentemente, tivemos lampejos desta Sinodalidade: no Sínodo da Amazônia e na Assembleia Eclesial Latino-Americana e Caribenha. Precisamos caminhar juntos, na missão. É preciso ir pegando o ritmo, o dinamismo da Sinodalidade, a começar de nossos Conselhos Pastorais Comunitários, Paroquiais e Diocesanos, Conselhos Municipais de Saúde, Educação, Assistência Social e outros.

A Sinodalidade deve se converter, no nosso jeito de ser e de agir; deve fazer parte de nossa cultura. Somente um espírito sinodal e uma cultura sinodal serão capazes de transformar as nossas estruturas, para que sejam mais participativas. Por isso, precisamos sinodalizar nossas reuniões, nossas decisões, nossos Conselhos, nossas Pastorais, nossas Celebrações. Que tudo seja guiado pelo Espírito, que nos leva a caminhar juntos, decidir juntos, planejar juntos, avaliar juntos…

Para aprofundamento: A Sinodalidade está animando ou amedrontando as nossas lideranças? Por quê? O que podemos fazer para avançar, neste caminhar juntos?

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* Doutor em teologia, membro do grupo de pesquisa de Teologia Pastoral (FAJE) e da SOTER- Sociedade de Teologia e Ciências da Religião. Redator da Revista O Lutador, Integrante do MOBON – Movimento da Boa Nova. Membro do Observatório de Evangelização – PUC Minas.

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A hospitalidade e a nova organização na terra https://observatoriodaevangelizacao.com/a-hospitalidade-e-a-nova-organizacao-na-terra/ Tue, 16 Aug 2022 16:24:59 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=45657 [Leia mais...]]]> Mês da bíblia 2022 (2/3)

Continuando nosso estudo do Livro de Josué (cf. Deus está com você), antes da conquista da terra é preciso levar em conta que a vida nas montanhas de Canaã era muito sofrida: pobreza, doenças, secas prolongadas, disputa entre os clãs, guerras provocadas pelos reis cananeus, desnutrição e fome. Pesquisas arqueológicas, nos cemitérios da época, revelam que quase a metade das pessoas não ultrapassava os 18 anos de vida. Para sobreviver era preciso a mútua ajuda: cooperar e defender os “estranhos”, como membros de um único povo. A hospitalidade foi fundamental, para a sobrevivência do povo e para a conquista da terra de Canaã. É nas montanhas que o grupo saído do Egito se junta ao grupo das montanhas que lutava contra a dominação das cidades-estado. A hospitalidade aos viajantes, aos migrantes, tornou-se lei (cf. Gn 18, 2-8; Ex 22, 20-22; Lv 19, 33-34); eles deveriam ser acolhidos e protegidos (cf. Gn 19, 6-8; Jz 19.20-23). A história de Raab, mulher estrangeira e prostituta, é modelo de hospitalidade (cf. Js 2,1-24).

A hospitalidade e a confissão de fé

A conquista da Terra começa com a estratégia da espionagem, à semelhança do que acontecera com Moisés (1300 a.C), quando a terra de Canaã não era habitada: “Javé falou a Moisés: ‘mande alguns homens para explorar a terra de Canaã, que vou dar aos filhos de Israel’” (Nm 13, 1). A releitura dos acontecimentos mostra agora Josué, em uma ação militar, para reconquistar a cidade, como parte de um plano divino. Os espiões que Josué enviou chegam à casa da prostituta Raab, na cidade de Jericó. Eles são acolhidos por ela e protegidos das ameaças do rei. Raab põe em prática a lei da hospitalidade, honrando o dever sagrado de acolher o estrangeiro, conforme a fé do povo de Israel.

Mesmo ariscando a sua vida e a de sua família, Raab enganou o rei e escondeu os dois israelitas (Js 2, 4-6). Após a saída dos perseguidores, ela faz uma confissão de fé: “Sei que Javé deu a vocês esta terra e estamos apavorados” (Js 2, 9). Ela reconhece a grandeza e o poder de Deus, que é dono da terra. Assim Jericó, a terra de Javé, será conquistada pelos israelitas. Por exercer a hospitalidade com os membros do povo de Deus, ela tem direito a exigir o pacto de aliança, pela qual os israelitas protegeriam a ela, na hora da conquista. Ela não os denunciaria e eles usariam de misericórdia para com ela e sua família. Esta aliança não leva em conta o moralismo, mas a fidelidade às promessas de Deus. A senha para os israelitas identificarem a casa de Raab seria um cordão vermelho, amarrado na janela de sua casa, que invoca o sangue nos umbrais das casas dos israelitas, por ocasião da saída do Egito (cf. Ex 12-13) A figura de Raab tornou-se muito importante, a ponto de ser lembrada na genealogia de Jesus e em outros textos do Novo Testamento (cf. Mt 1, 5; Hb 11, 31; Tg 2, 25).

Josué, de posse das informações dos dois espiões e sabendo que os cananeus estavam com medo dos israelitas, parte com todo o seu povo em direção ao rio Jordão. Ele ordena ao povo purificar-se e ouvir a Palavra. Os sacerdotes iriam à frente com a Arca da Aliança e, quando seus pés tocassem as águas do rio Jordão, elas ficariam separadas em dois blocos, para que o povo atravessasse o rio a pé enxuto (Js 3). Se a saída do Egito trouxe a liberdade, a travessia do Jordão significava uma nova vida, com a posse da terra.

Além disso, é preciso levar em conta que o Livro de Josué passa por várias redações e sofre alterações, para justificar certas decisões tomadas pelos líderes do povo, em tempos muito distantes de Josué. O rei Josias, por volta do ano 620 a.C, busca justificar a política de expansão do seu reinado, aproveitando a crise da Assíria, que tinha sido tomada pelos babilônios. O Livro de Josué procura legitimar a política expansionista e militarista de Josias. Daí também o uso constante da violência armada, na (re)conquista da terra. As cidades de Jericó e Hai (Js 8, 14-29) já haviam sido tomadas por Josué, no passado; assim, Josias, como legítimo descendente de Davi e Salomão, teria autoridade para promover a reconquista destas terras.

Além disso é preciso levar em conta que o Livro de Josué passa por várias redações e sofre alterações, para justificar certas decisões tomadas pelos líderes do povo, em tempos muito distantes de Josué. O rei Josias, por volta do ano 620 a.C, busca justificar a política de expansão do seu reinado, aproveitando a crise da Assíria, que tinha sido tomada pelos babilônios. O Livro de Josué procura legitimar a política expansionista e militarista de Josias. Daí também o uso constante da violência armada, na (re)conquista da terra. As cidades de Jericó e Hai (Js 8, 14-29) já haviam sido tomadas por Josué, no passado; assim, Josias, como legítimo descendente de Davi e Salomão, teria autoridade para promover a reconquista destas terras.

Esses relatos da conquista mostram uma ação miraculosa de Deus; há uma liturgia, ligada a traços de uma guerra santa, pois, não se trata de uma crônica dos fatos, mas de uma releitura (Js 6). O rei Josias (620 a.C.), para ampliar suas conquistas, usa da religião, para justificar a violência sobre outros povos. O nome de Deus é usado para justificar a violência, o avesso da proposta do reino de justiça e paz, anunciada por Jesus. Não podemos nos esquecer de que Jesus é chave para a leitura e interpretação de toda a Escritura Sagrada (cf. Mc 9, 2-13; Lc 9, 28-36). É a partir de Jesus, que temos de reler Josué e sermos capazes de nos indignar contra toda forma de violência.

Importa destacar a fidelidade do povo a Javé. Quando alguém “pisava na bola” com Deus, perdendo o foco da Aliança, as lutas do povo terminavam em derrotasHoje, quando perdemos a conexão com Deus, batemos com a testa no barranco.

Outro fato marcante era a presença da Arca da Aliança, com as tábuas da Lei. Para atacar o povo de Deus, os inimigos tinham como “senha” a ausência da Arca no meio deles. Isso nos leva a perguntar: como está a nossa Arca dos Grupos de Reflexão em nossas Comunidades? A pandemia é a única culpada da decaída dos Grupos? Comunidade sem esta “Arca dos Grupos de Reflexão” perde sua vitalidade. É a vivência da Palavra, refletida em grupos, que nos motiva e dá sentido à nossa caminhada cristã. Outra coisa importante é o cuidado de Josué, em preparar as estratégias de lutas da conquista da Terra. Elas eram planejadas, tendo em vista a situação do terreno e as informações que colhia…

Partilha da terra e organização do povo

Para construir uma sociedade onde seus habitantes tivessem direito à vida, era necessária a partilha da Terra. Era preciso uma “reforma agrária”, para que todos pudessem ter acesso ao necessário para viver. O latifúndio cria uma sociedade dividida, onde poucos têm muito e muitos não têm quase nada. Josué então divide as terras conquistadas com as tribos, de acordo com a necessidade de cada uma. Josué deixa claro que a terra é obra das mãos de Deus, é um dom de Deus, que possibilita a vida do povo. Terra é garantia de vida, de autoestima e de felicidade. Ela é distribuída entre os seus habitantes, para que a vida seja humanizada, digna para todos. Isso nos lembra que estamos na Terra só de passagem, temos a missão de preservá-la, para que as gerações futuras tenham possibilidades de sobreviverem, também com dignidade.

Josué recebe de Deus a ordem de fazer a partilha da Terra (Js 13, 1-7). Para que fosse feita com justiça, foram necessários o esforço humano, o mapeamento da Terra e a acolhida da vontade de Deus, através do sorteio. Os capítulos 13 a 19 do livro de Josué narram como os territórios ocupados foram repartidos entre as tribos. Estes capítulos fazem menção das cidades de refúgio e da tribo dos levitas, que não receberam Terra, para que se ocupassem do cuidado espiritual do povo. Ainda aparecem nestes capítulos diversos relatos sobre a partilha da Terra.

No Egito, os israelitas sentiram na pele os sofrimentos provocados por um governo centralizado, que usava da mão de obra escrava. Agora, chegando às Terras de Canaã, a Terra prometida, eles encontram as cidades-estado, que tinham também governo centralizado. A partir do sofrimento do deserto, inicia-se uma vivência mais participativa, mais hospitaleira. Os israelitas organizam o sistema tribal de governo, com a participação e o envolvimento de todos, na busca de uma sociedade igualitária, com defesa e produção em comum. Era um governo mais participativo, e comprometido com a causa do povo. O sistema tribal ficava assim constituído:

Sociedade igualitária: fundada no interesse comum e organizada a partir da base: família patriarcal – clã – tribo (Nm 1, 1 – 2, 34);

Autonomia produtiva: a Terra pertence ao povo e é distribuída entre as famílias ou grupos. Proíbe a acumulação (Ex 16), celebra o ano jubilar e o ano sabático, para devolver a Terra aos seus antigos donos e permitir o descanso da Terra (Lv 25, Dt 15, 1-18);

Exército ocasional improvisado: para se defenderem, as tribos se reúnem e organizam suas forças, para lutar contra o inimigo comum (Jz 4, 6-10);

As leis defendem o sistema igualitário: os mandamentos se baseiam no compromisso mútuo, preservando a liberdade e prescrevendo relações sociais, justas e fraternas (Ex 20, 1-17; Dt. 5, 1-21);

O poder participado e subsidiário: as decisões são tomadas progressivamente pelos anciãos (chefes da família, de clã e de tribo). Grandes decisões são tomadas em assembleias do povo. (Ex 18, 13-27; Nm 11, 16-25; Js 24);

Fé unicamente em Javé: o Deus libertador, que promove a liberdade e a vida para todos, através da fraternidade e da partilha (Ex 31, 15; 22, 20-26; Dt 24, 6-22);

Culto descentralizado: para celebrar a vida e a história, nas famílias e, depois, nos santuários; celebra a presença e a ação de Javé, que liberta o povo e o põe em marcha para a vida (Ex 19, 1-18; Dt 26, 1-11; Js 24, 1-28; Jz 17);

Sacerdotes-levitas a serviço do povo: exercem uma liderança, que não permitia a acumulação dos bens. Não podiam ter Terras e deveriam viver de seu trabalho, ao lado dos pobres e necessitados (Nm 18, 20; Dt 12, 12.18-19; 14, 27; Js 13, 14).

O sistema tribal era “um sistema alternativo de sociedade, que se concretizou graças à partilha igualitária da economia (Terra e produção) e à participação igualitária na política. Essas duas coisas implicavam sérias mudanças no modo de ver e de agir. Durou cerca de 250 anos” (cf. Storniolo).

A fidelidade a Javé e a memória das lutas do povo eram o apoio do sistema tribal, que teve altos e baixos. Sofreu muito a influência dos cananeus. Este sistema é uma inspiração, para repensarmos o sistema das sociedades de hoje, com suas formas de governo, de modo especial para uma participação popular mais atuante. É um convite para não ficarmos indiferentes, diante das coisas públicas. Assumir nosso compromisso de cidadania. Não é sem motivo que o Papa Francisco vê, nos movimentos populares, uma alavanca para a transformação da sociedade.

As minuciosas listas de lugares com a distribuição da Terra, que aparecem no livro de Josué, são uma demonstração da alegria e da gratidão pelo dom de Deus; e mostram que Terra conquistada é Terra partilhada. Importante lembrar que Terra, Teto e Trabalho são os três Ts do Papa Francisco, frisados sempre nos encontros mundiais com as lideranças dos movimentos populares (2014, 2015, 2016 e 2017): “Terra, Teto e Trabalho, aquilo pelo qual lutais, são direitos sagrados. Exigí-lo não é estranho, é a Doutrina Social da Igreja.”

Para aprofundamento: Inspirados pela partilha da terra e pela organização do povo, no livro de Josué, em que precisamos avançar, em nossa Igreja e sociedade? Dê exemplos.

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* Doutor em teologia, membro do grupo de pesquisa de Teologia Pastoral (FAJE) e da SOTER- Sociedade de Teologia e Ciências da Religião. Redator da Revista O Lutador, Integrante do MOBON – Movimento da Boa Nova. Membro do Observatório de Evangelização – PUC Minas.

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“A Bíblia é o grande instrumento de libertação dos leigos”. Entrevista com o biblista Francisco Orofino https://observatoriodaevangelizacao.com/a-biblia-e-o-grande-instrumento-de-libertacao-dos-leigos-entrevista-com-o-biblista-francisco-orofino/ Thu, 01 Sep 2016 14:56:36 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=10163 [Leia mais...]]]> Que tal começar o mês da  Bíblia com uma forte reflexão crítica? Vale a pena ler a provocativa entrevista do biblista brasileiro Francisco Orofino concedida à Luis Miguel Modino e publicada por Religión Digital em 25 08 2016. Tivemos acesso a ela no site do Instituto Humanitas – IHU, com tradução de André Langer. Boa leitura…

Começo de conversa…

Quando se fala de Leitura Popular da Bíblia não se pode prescindir de Francisco Orofino, que, em companhia de Carlos Mesters e da equipe do CEBI (Centro de Estudos Bíblicos), soube encontrar o caminho para que no Brasil a Bíblia tenha chegado às pessoas e seja usada como instrumento diário do trabalho pastoral. A validade do seu trabalho e de sua metodologia comprova-se no fato de que pouco a pouco seus trabalhos foram sendo traduzidos para as diferentes línguas e que esta forma de aproximar o texto Bíblico da vida das pessoas esteja cada vez mais presente em todos os cantos do mundo.

Nesta entrevista, o biblista brasileiro nos mostra a importância de que a Bíblia esteja nas mãos do povo, uma prática consolidada entre nós no contexto do Concílio Vaticano II. Ao mesmo tempo, mostra as consequências que essa Leitura Popular da Bíblia tem, ou poderia ter, para a vida da Igreja no dia a dia.

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Biblista Francisco Orofino

Eis a entrevista.

1. Qual é a importância da Bíblia para a Igreja católica hoje?

Vejo a Bíblia no contexto pastoral latino-americano como o grande instrumento de libertação dos leigos, como uma coisa necessária para que eles possam ter mais poder de decisão na caminhada da Igreja.

Se há uma conquista irreversível do Vaticano II, ao menos no Brasil, é a Bíblia nas mãos do povo. Há iniciativas do Vaticano II em que houve retrocessos durante os 35 anos dos Pontificados de João Paulo II e Bento XVI, como a “reforma litúrgica” devido a reclericalização ou recentralização no clero. No entanto, é irreversível, ao menos na nossa perspectiva pastoral do Brasil, no aspecto da Bíblia nas mãos do povo. Pode chegar o Papa mais fechado, que não vai conseguir retroceder nessa conquista.

A Bíblia nas mãos do povo, no Brasil, é o grande gesto de libertação. Significa que o leigo tem em suas mãos aquilo que, segundo a própria Dei Verbum, é a fonte primeira da Revelação. E se o leigo tem em suas mãos a fonte primeira da Revelação e a lê a partir da sua própria realidade econômica e sociopolítica, esse leigo está fazendo teologia. Para dizer a verdade, a Bíblia nas mãos do povo rompeu o monopólio da teologia, até então restrita ao clero. Ter a Bíblia nas mãos do povo é um gesto de libertação da teologia clerical. Por isso, a Bíblia nas mãos do povo permite o avanço em duas grandes questões do Vaticano II, que sempre vão ser foco de tensão: a questão da desclericalização e da descentralização.

Creio que o papa Francisco, desde a sua experiência latino-americana, toca nessas duas teclas, que ele percebe que foram os pontos fracos das conquistas do Vaticano II. A descentralização, que ele traduz na sinodalidade, e a desclericalização, em relação a que aponta três grandes instrumentos pastorais para o processo de desclericalização: o poder de decisão dos conselhos pastorais paroquiais, os círculos bíblicos e as comunidades eclesiais de base. Portanto, vejo a Bíblia no contexto pastoral latino-americano como o grande instrumento de libertação dos leigos, como uma coisa necessária para que eles possam ter mais poder de decisão na caminhada da Igreja.

2. Isso não cria certas disputas entre o clero e os leigos?

Muitas paróquias, hoje, não admitem a realização de cursos bíblicos, nem círculos bíblicos, nem reflexão bíblica, porque percebem que a Bíblia nas mãos dos leigos é um importante instrumento de conscientização do laicato.

Qualquer coisa cria disputas entre o clero e o leigo. Se você fizer um curso de liturgia em uma paróquia e começar a fazer a proposta litúrgica do Vaticano II, que é o novo enfoque dado à celebração eucarística, como ceia e não como sacrifício – o que enfatizava o Concílio de Trento e o que o clero continua pensando –, tentando recuperar como leigo a dimensão da ceia do Vaticano II, o clero vai reagir. O mesmo acontece no campo da Bíblia, pois o clero tem teologia, mas não tem Bíblia, e quando um leigo vai conhecendo a Bíblia vai enfrentar uma barreira, pois o clero sente que não está capacitado para discutir com eles.

Muitas paróquias, hoje, não admitem a realização de cursos bíblicos, nem círculos bíblicos, nem reflexão bíblica, porque percebem que a Bíblia nas mãos dos leigos é um importante instrumento de conscientização do laicato. Poder é poder e, ou eu começo a combater essas emancipações, ou eu perco meu poder; e o clero não quer perder seu poder. Portanto, sempre vai restringir as iniciativas dos leigos, seja no campo da liturgia ou da formação, principalmente catequética.

No Brasil, segundo o Diretório Nacional da Catequese, todos devem elaborar esquemas catequéticos vivenciais a partir da Bíblia. A maior parte das paróquias pensa que os esquemas catequéticos devem ser doutrinais a partir do catecismo. Muitas paróquias não admitem o uso da Bíblia, querem o uso do Catecismo.

3. Você está dando a entender com sua resposta que o clero nem conhece nem quer conhecer a Bíblia. Por que essa falta de formação bíblica nos estudos teológicos, por que essa falta de interesse para estudar a Bíblia do ponto de vista teológico?

O estudo bíblico passa como uma coisa despercebida, pois o clero não vê a Bíblia como um importante instrumento de evangelização, porque não está interessado nem é formado para evangelizar, mas é formado para administrar.

Porque o clero é formado basicamente para duas coisas: administração dos sacramentos e a parte econômica. Por isso, um pároco tem os dois pontos básicos nessa administração: na dos sacramentos é o único que pode consagrar; na parte econômica é o único que assina cheques. Se você está em uma paróquia e consagra e assina cheques, você manda.

Então, o estudo bíblico passa como uma coisa despercebida, pois o clero não vê a Bíblia como um importante instrumento de evangelização, porque não está interessado nem é formado para evangelizar, mas é formado para administrar. Os padres são sacramentalistas e construtores.

4. A partir disso, poderíamos dizer que a Igreja católica é mais judaica que cristã?

Nossas Igrejas pararam no Primeiro Testamento; raríssimas são as que vivem o Segundo Testamento. Não quero dizer que não existam e de fato existem sacerdotes muito bons, mas em termos institucionais, as Igrejas, ainda que seja por necessidade, ficaram no Primeiro Testamento.

Para a instituição, e isso vale para qualquer tipo de Igreja, inclusive a mais pentecostal, a fundamentação bíblica adequada é o Antigo Testamento. Se você fala do dízimo, Jesus nunca falou disso. O dízimo é uma instituição do Antigo Testamento. Nossas Igrejas pararam no Primeiro Testamento; raríssimas são as que vivem o Segundo Testamento. Não quero dizer que não existam e de fato existem sacerdotes muito bons, mas em termos institucionais, as Igrejas, ainda que seja por necessidade, ficaram no Primeiro Testamento.

5. Partindo da Bíblia, como seria possível afastar-se dessa Igreja Vetero-testamentária, piramidal, para construir uma Igreja mais circular, própria do Novo Testamento, e que foi impulsionada a partir do Vaticano II?

A única maneira de romper a velha estrutura piramidal, centralizada, são as comunidades eclesiais de base… Creio que a comunidade eclesial de base é a verdadeira concretização do conceito de Igreja que aparece na Lumen Gentium: a Igreja é o Povo de Deus congregado em nome da Trindade Santa.

Sou suspeito de falar sobre isso, porque esse é o meu trabalho. Creio que a única maneira de romper a velha estrutura piramidal, centralizada, são as comunidades eclesiais de base. Mas há um problema muito sério nas comunidades eclesiais de base, pois estas têm uma “caminhada” de 45 ou 50 anos, e na cabeça de muitos assessores, eles pensam que as autênticas comunidades eclesiais de base são aquelas dos anos 1960 ou 1970. Temos que ver hoje quem está entrando nas comunidades eclesiais de base, o que está buscando, que tipo de pessoas está procurando as comunidades.

Por isso, creio que a comunidade eclesial de base é a verdadeira concretização do conceito de Igreja que aparece na Lumen Gentium: a Igreja é o Povo de Deus congregado em nome da Trindade Santa. Por isso, temos que buscar pequenas comunidades que vão fazer a sua vida, sua catequese, sua liturgia, em pequenos núcleos. Mas, ao mesmo tempo sentindo-se em rede. Nesse ponto, os pentecostais conseguem isso, são pequenos núcleos, mas têm ao mesmo tempo uma consciência de rede de pertença. Quando há uma convocação, eles vão todos.

Nós teríamos que aprender da pastoral dessas pequenas comunidades. Mas, isso só vamos conseguir se houver de fato uma emancipação dos ministérios laicais frente ao clero. Enquanto os leigos pensarem: eu não vou tomar a iniciativa de criar uma comunidade naquele lugar porque o padre ainda não me disse nada, nunca vamos avançar. Por isso, penso que temos que investir sempre naquilo que é a grande conquista do Vaticano II e que é dito inúmeras vezes, mas que nunca se concretiza, que é o chamado protagonismo dos leigos.

Vejo como uma bênção de Deus a carta que o papa Francisco mandou ao cardeal Marc Ouellet, para que o cardeal a remetesse às Igrejas latino-americanas. Essa carta foi enviada em março e quando chegou maio e o Papa viu que o cardeal ainda não a tinha publicado, ele mesmo tomou a iniciativa de publicá-la. Nela diz claramente que se fala muito de que “chegou a hora dos leigos, mas a impressão que tenho é que o relógio parou”. Por isso, penso que o nosso drama hoje é como fazer avançar o relógio, o protagonismo dos leigos. Dizer que a hora dos leigos chegou é algo de que já estamos cansados de ouvir, mas como se concretiza isso? Creio que as comunidades eclesiais de base, como proposta pastoral, ainda têm sua hora.

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Biblista Francisco Orofino

6. O que foi que parou ou quebrou o relógio?

A história da Igreja nunca é retilínea, uniforme e ascendente, mas pendular. Tivemos 20 anos, de 1958 a 1978, de uma proposta de Igreja com João XXIII e Paulo VI. Depois, tivemos 35 anos de outra proposta de Igreja, com João Paulo II e Bento XVI. Agora, o pêndulo está voltando para o outro lado com Francisco.

 

Em primeiro lugar, o movimento da história, que é pendular. A história da Igreja nunca é retilínea, uniforme e ascendente, mas pendular. Tivemos 20 anos, de 1958 a 1978, de uma proposta de Igreja com João XXIII e Paulo VI. Depois, tivemos 35 anos de outra proposta de Igreja, com João Paulo II e Bento XVI. Agora, o pêndulo está voltando para o outro lado com Francisco. Creio que o que Francisco está fazendo terá continuidade. Talvez não seja uma continuidade natural, porque tampouco houve uma continuidade entre João XXIII e Paulo VI; os dois eram modelos de papado diferente.

Creio que Francisco está abrindo um espaço, colocando o pêndulo de volta. Quem percebeu que o pêndulo chegou ao seu ponto extremo foi Hans Küng, quando escreveu seu último livro e no qual dizia que a Igreja está doente, fazendo um relato da Igreja como se esta fosse um doente terminal.

Se Bento não tivesse renunciado, provavelmente a Igreja teria chegado a um momento extremo. Penso que o próprio Bento, com seu gesto profético, disse que esse modelo acabou e que chegou a hora de encontrar outro caminho, e esse caminho é Francisco. Tudo está voltando, e creio que esse movimento de Francisco deve durar outros 20 anos, pois é um pêndulo, a caminhada da Igreja é pendular. Isso faz parte da história.

7. Você falou dos círculos bíblicos, que é um dos elementos que não podem faltar nas comunidades eclesiais de base, a partir da leitura popular da Bíblia. Como tudo isso repercute na vida de quem vive sua fé nas comunidades eclesiais de base?

A Dei Verbum suscitou um desafio para todas as Igrejas. Nesse desafio existem quatro passos que foram dados: 1. colocar a Bíblia nas mãos do povo; 2. capacitar agentes; 3. encontrar uma metodologia adequada; 4. promover animação bíblica de toda a pastoral.

Em primeiro lugar, quero dar uma resposta mais institucional. A Dei Verbum suscitou um desafio para todas as Igrejas. Nesse desafio existem quatro passos que foram dados. O primeiro: colocar a Bíblia nas mãos do povo, pois não tinha Bíblia, já que não fazia parte da tradição católica ter Bíblia. Um primeiro passo que ainda não chegou a todas as Igrejas, a todas as comunidades, que de fato o leigo tenha sua Bíblia para seu uso pessoal, lê-la, esse é um passo importante na Pastoral Bíblica.

A segunda coisa que considero mais importante é capacitar agentes. Um dos grandes esforços que a Igreja fez nestes últimos anos foi capacitar agentes de Pastoral Bíblica em todos os níveis, desde o nível mais elementar até cursos de grau superior. O primeiro curso de pós-graduação em Bíblia aqui no Brasil é de 1986; antes não havia. A capacitação foi outro grande esforço.

Em terceiro lugar, encontrar uma metodologia adequada. A Leitura Popular da Bíblia é a metodologia adequada dentro do que pede a Pastoral Bíblica a partir da Dei Verbum. Neste ponto devemos muito às várias contribuições surgidas no campo da educação. Aqui no Brasil, principalmente a proposta da educação libertadora de Paulo Freire. A grande contribuição no método de leitura bíblica, adotado pelo Centro de Estudos Bíblicos, o CEBI, a partir daquela grande inspiração nascida de Carlos Mesters.

Mas, temos que dar um quarto passo, que a própria Conferência Episcopal já percebeu, mas que está sendo difícil, que é a animação bíblica de toda a pastoral, o que se está fazendo devagar. A primeira vez que isto foi sistematizado, orientado e assumido institucionalmente foi no Sínodo de 2008, mas até agora as dioceses não têm claro como dar esse passo.

8. O que significa, de fato, a animação bíblica de toda a pastoral?

Uso da Bíblia em quatro grandes campos: 1. na liturgia; 2. na catequese; 3. nas práticas pastorais; 4. na espiritualidade.

 

Penso que seria o uso da Bíblia em quatro grandes campos. Primeiro, na liturgia, e neste ponto o clero tem que colocar na cabeça que o povo tem o direito de receber em cada celebração a mensagem que está nas leituras e não na cabeça do padre. Por isso, já no Sínodo de 2008 havia um pedido unânime para que a Santa Sé desse orientações sobre homilética. Francisco acabou fazendo isso de uma maneira muito bonita na Evangelii Gaudium, onde está muito claro, podendo dizer que, a partir daí, não faz a homilia só quem não quer.

O segundo ponto é o da catequese, pois temos que construir uma catequese vivencial a partir da Bíblia e gradualmente abandonar a catequese doutrinária a partir do Catecismo.

O terceiro ponto seriam as diferentes práticas pastorais a partir da Bíblia, onde entrariam os círculos bíblicos.

Por último, e não por isso menos importante, a espiritualidade dos fiéis a partir da Bíblia, como instrumento de espiritualidade, retiros bíblicos a partir da metodologia da Leitura Orante da Bíblia. Creio que pouco a pouco vamos começar a dar esses passos, mas esses passos nos mostram que temos muitas coisas para fazer.

9. A propósito de Carlos Mesters, sendo você um dos seus principais discípulos e colaboradores, qual é a contribuição dele aqui no Brasil para a Teologia Bíblica, desde a Leitura Popular da Bíblia, e qual é a contribuição para você, em termos pessoais?

Em um estudo acadêmico, ou em um artigo, Carlos pode escrever assim, como disse um biblista importante da École Biblique, assim como também disse dona Maria do Recife. Carlos coloca a contribuição acadêmica do lado da vivência popular e sistematiza seus escritos a partir dessas duas fontes. Esse é seu grande segredo… Essa visão da Bíblia como o livro do povo é algo que falta na Igreja ocidental.

 

Carlos teve duas intuições que são fundamentais: a primeira é que devemos capacitar-nos na Bíblia, o que significa que devemos estudar muito e nos melhores centros. Mesters é formado em Bíblia pela École Biblique de Jerusalém, um dos melhores lugares do mundo de estudo bíblico católico.

Agora, devemos capacitar-nos não para o mundo acadêmico, mas para trabalhar com o povo. O respeito pelas pessoas é o que pede a nossa capacitação. Por isso, Carlos é alguém que estuda muito, o que admiro nele, mas estuda muito para trabalhar com o povo, não para o mundo acadêmico. Aprendi isso dele e sigo-o nesse ponto, me capacito muito para trabalhar com o povo. Tenho muitas reservas em relação ao mundo acadêmico.

A segunda coisa que acho importante na vida e proposta de Carlos é sua capacidade de sistematizar seus trabalhos e dar a essa sistematização a mesma importância que ao mundo acadêmico, que são as contribuições populares. Em um estudo acadêmico, ou em um artigo, Carlos pode escrever assim, como disse um biblista importante da École Biblique, assim como também disse dona Maria do Recife. Carlos coloca a contribuição acadêmica do lado da vivência popular e sistematiza seus escritos a partir dessas duas fontes. Esse é seu grande segredo. Afinal, a Bíblia é o livro do Povo de Deus. E muitas vezes pensamos que a Bíblia é um instrumento acadêmico. E que devemos fazer teses com ela. Creio, com todo o respeito, que se se vai a uma universidade europeia e se compra um livro, ali este é um comentário ao comentário feito por um determinado comentarista. É uma repetição.

Sempre comparo o estudo acadêmico da Bíblia com os índios mascando folha de coca, que vão mastigando e colocando num lado da boca. Depois de um tempo, a bochecha fica enorme, pois vão entrando novas folhas e a bola cresce. Assim é o estudo acadêmico da Bíblia, de vez em quando aparece uma nova folha, mas o que foi acumulado continua dentro da boca.

Essa visão da Bíblia como o livro do povo é algo que falta na Igreja ocidental, pois de fato os poucos trabalhos sobre a Bíblia com grupos cristãos na Europa são traduções dos trabalhos de Carlos Mesters.

10. Por que falta esse trabalho na Europa?

O grande segredo da pastoral bíblica no Brasil é que o povo sente que a Bíblia é algo seu… importante para a sua vida, para dar uma direção à sua vida.

Há duas coisas importantes. Uma vez fizemos um intercâmbio entre o Centro de Estudos Bíblicos e a Igreja luterana da Suécia. Eles queriam começar os círculos bíblicos e algumas equipes do Brasil foram para a Suécia. Ali se encontraram com uma barreira, que eu creio ser intransponível. Na cultura europeia, a Bíblia é um livro institucional. No caso dos luteranos, era ensinada na escola como uma matéria, uma disciplina; no caso dos católicos, é um livro do clero. Portanto, o povo não sente a Bíblia como algo seu, e esse é o grande segredo da pastoral bíblica aqui no Brasil.

Como aqui no Brasil nunca houve Pastoral Bíblica e o povo nunca teve a Bíblia em suas mãos, tinha apenas uma tradição oral da Bíblia desde a época da conquista, o povo sente a Bíblia como algo seu, enquanto que nenhum europeu sente a Bíblia como algo seu, importante para a sua vida, para dar uma direção à sua vida.

Por isso, essa Leitura Popular da Bíblia que fazemos no Brasil não tem uma produção pastoral acadêmica, apesar de que se repete muito o trabalho da Casa da Bíblia na Espanha, por exemplo, que tem várias iniciativas interessantes, mas se choca com a institucionalização do texto, que é do clero, institucional, da Igreja; que o povo não sente como algo seu, não o busca. Aqui no Brasil, não, o povo busca.

Fonte: IHU

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Encontro Arquidiocesano dos Animadores Comunitários de Círculos Bíblicos https://observatoriodaevangelizacao.com/encontro-arquidiocesano-dos-animadores-comunitarios-de-circulos-biblicos/ Wed, 10 Sep 2014 11:04:50 +0000 http://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=111 [Leia mais...]]]> mes-da-biblia

09/08/2014

Para capacitar os grupos que se encontram comunitariamente para a escuta e o diálogo a partir da Palavra de Deus, no contexto do Mês da Bíblia, a Comissão Arquidiocesana para as Comunidades Eclesiais de Base convida para o Encontro Arquidiocesano dos Animadores Comunitários de Círculos Bíblicos, no dia 13 de setembro. O Encontro será realizado no Museu de Ciências Naturais da PUC Minas, Unidade Coração Eucarístico, de 14h às 17h, e terá assessoria do Professor Edward Neves. As inscrições devem ser feitas pelo e-mail secpastoral@arquidiocesebh.org.br (enviar nome e endereço completo, paróquia, forania, região episcopal e contatos). Mais informações: 3428-7909

(Fonte: http://www.arquidiocesebh.org.br/site/noticias)

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