Marcel Domergue – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Sun, 20 May 2018 17:55:30 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.4 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 Marcel Domergue – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 Para inspirar… a liturgia de Pentecostes https://observatoriodaevangelizacao.com/para-inspirar-a-liturgia-de-pentecostes/ Sun, 20 May 2018 17:55:30 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=28096 [Leia mais...]]]> O Espírito liberta a palavra e ilumina os corações. São imagens fortes, que descrevem a ação do Espírito: uma poderosa ventania sacode os discípulos, tira-os de seu torpor e lhes solta a língua, para que anunciem a Ressurreição de Cristo. O fogo ardente que os anima ilumina os corações de quantos os ouvem proclamar as maravilhas de Deus.

 

DOMINGO, 20 DE MAIO DE 2018: PENTECOSTES – ANO B

 

TEXTOS BÍBLICOS PARA A MISSA DA VIGÍLIA:

1ª leitura:

«O Senhor confundiu a linguagem de todo o mundo e dispersou os homens por toda a terra»

(Gn 11,1-9)

Salmo: Sl 103(104)

R/ Enviai o vosso Espírito, Senhor, e da terra toda a face renovai.

2ª leitura:

«É o Espírito que intercede em nosso favor com gemidos inefáveis»

(Rm 8,22-27)

Evangelho:

«Aquele que crê em mim, rios de água viva jorrarão do seu interior»

(Jo 7,37-39)

 

TEXTOS BÍBLICOS PARA A MISSA DO DIA:

 

1ª leitura:

«Todos ficaram repletos do Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas»

(Atos 2,1-11)

Salmo: Sl 103(104)

R/ Enviai o vosso Espírito, Senhor, e da terratoda a face renovai.

2e leitura:

«A cada um é dada a manifestação do Espírito em vista do bem comum»

(1 Cor 12,3-7.12-13)

Sequência:  Espírito de Deus, enviai dos céus um raio de luz!

Evangelho:

«Como o Pai me enviou, também eu vos envio: e, tendo dito isto, soprou sobre eles»

(Jo 20,19-23)

O SOPRO DE DEUS

Estamos aqui, obviamente, no campo das metáforas. Quando a Escritura diz que Deus é Espírito, quer dizer com isto que Deus não é corpóreo. Ora, o sopro humano é matéria, é corpo. Sim, mas o nosso sopro é alguma coisa que entra em nós e que sai de nós; é comunicação com o exterior, é deslocamento. Por isso, no evangelho, Jesus sopra sobre os discípulos e diz: «Recebei o Espírito Santo…» Algo sai dele e passa aos discípulos. E esta «mobilidade» faz com que estes se mobilizem. Aqui João não diz, mas é desde aí que eles partem para anunciar a Boa Nova. Foi aí que os ferrolhos de suas portas se fizeram saltar. Mas, de acordo com o quarto Evangelho, o dom do Espírito Santo se deu de modo mais discreto do que em Atos 2,1-5 (1ª leitura). Nada de ruído ensurdecedor, nada de vendaval impetuoso nem de qualquer fogo celeste. Pensemos antes naquele «ruído de uma leve brisa» que fez Elias sair da caverna onde passara a noite (1 Reis 19,12). Lucas, nos Atos, queria sobretudo fazer-nos pensar no dom da Lei, no Sinai. A Lei gravada na pedra, exterior a seus destinatários, vem dar lugar à «lei» interior, gravada nos corações. Esta nova lei não vigirá por obrigação, mas por inspiração, é importante dizer. E esta inspiração é que nos fará falar e agir, às vezes de modo imprevisível, porque «o vento sopra onde quer e ouves o seu ruído, mas não sabes de onde vem nem para onde vai» (João 3,8). Este trecho do capítulo 3 de João está falando a respeito de um novo nascimento: o sopro que anima este homem novo é o sopro do próprio Deus. Por isso, da mesma forma que Jesus, somos chamados «filhos de Deus».

 

A QUE ESPIRITO PERTENCEMOS?

Em certo sentido, podemos dizer que o Espírito que nos foi dado com o nosso primeiro nascimento tem também, para além disso, algo a ver com as nossas «mentalidades». Em outras palavras, o Espírito de Deus não se contenta com nos animar de tempos em tempos, através de inspirações incontestáveis caso a caso. Não! Ele nos habita permanentemente. Ele faz em nós sua «morada». E pela acolhida que Lhe damos, na mais plena liberdade, Ele pode modelar totalmente os nossos modos de pensar e de viver. Há em nós «algo» que nos anima e que nos vem de alhures. Mas, para falar a  verdade, o Espírito de Deus não é o único a poder colorir e nortear a nossa existência. Existem também outros «espíritos» que podem assombrar a nossa atmosfera: os «poderes do ar» de que fala Paulo em Efésios 2,2. O ar do tempo, se quisermos. Somos acossados pelo contágio do desejo de nos colocarmos acima dos outros; de nos fazermos «como deuses»; de construirmos torres de Babel que nos façam atingir os céus e que, enfim, nos tornem incompreensíveis uns para os outros. O Espírito de Deus nos faz abertos para os outros, porque substitui em nós o desejo de dominá-los pela vontade de servi-los e de lhes sermos úteis. Podemos, então, começar a nos compreender. É este «o dom das línguas», das línguas de fogo, a linguagem do amor. Porque, como acabo de dizer, acolher este Espírito de Deus depende de nosso acolhimento com plena liberdade. Temos de nos perguntar: a que espírito pertencemos? Ao espírito do mundo ou ao Espírito de Deus? Confiemos: o Espírito de Deus, que está à nossa volta e dentro de nós, é mais forte do que o Espírito do mundo.

 

O ESPIRITO E O CORPO

Deus criou o mundo, distinguindo, diferenciando… Criou a luz e as trevas, o seco e o úmido… o masculino e o feminino.Assim, para ser completo, acabado, todo ser tem necessidade de uma aliança com o outro, com o diferente. A hostilidade, a guerra estão em contradição com o ato criador, que é um ato de amor unificante. O Espírito de Deus, Espírito criador que parte de Deus e vem até cada um de nós, também parte de nós e vai até cada um dos outros. Mas não para fazer suprimir as nossas diferenças, e sim para nos fazer conjugar, para aliar-nos com um liame conjugal. Os interlocutores dos discípulos, no dia de Pentecostes, ouvem-nos cada um em sua própria língua. Diversidade de modos de ser e de dizer que não é mais como em Babel um lugar de divisão, mas o instrumento de uma nova unidade. Dizer Espírito é dizer saída de si e comunicação: relação, portanto. Assim sendo, estamos aqui religados entre nós, porque religados com Deus. Religados e permanecendo nós mesmos. Um só Espírito, e, no entanto, uma multiplicidade de dons, de funções, de gostos… No capítulo 12 da primeira carta aos Coríntios, Paulo insiste longamente na diversidade dos membros do Corpo de Cristo que chamamos de Igreja. Há aí mais do que uma simples metáfora: na medida em que, sendo diferentes, nos fazemos um só, no Espírito, somos a visibilidade atual do Cristo, a revelação de sua presença no mundo. Mundo que, mesmo sem saber, caminha para a unidade: no amor.

Marcel Domergue, jesuíta (tradução livre de www.croire.com pelos irmãos Lara)

 

Fonte:

Centro Alceu Amoroso Lima

]]>
28096
Para inspirar… a liturgia do 3º Domingo da Quaresma https://observatoriodaevangelizacao.com/para-inspirar-a-liturgia-do-3o-domingo-da-quaresma/ Fri, 02 Mar 2018 18:25:36 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=27484 [Leia mais...]]]> AS EXIGÊNCIAS DO DEUS DA ALIANÇA

DOMINGO, 4 DE MARÇO DE 2018: 3º DOMINGO DA QUARESMA – ANO B

Os «Dez Mandamentos» estão inseridos num discurso divino muito mais amplo. Deus, que libertou Israel da escravidão, quer que seu povo goze de uma vida à altura da liberdade que Ele mesmo proporcionou, e que respeite as exigências da sua Aliança.

TEXTOS DESTE DOMINGO

  • 1ª leitura: A Lei pronunciada por Deus, a Moisés (Êxodo 20,1-17 ou 1-3.7-8.12-17).

 

  • Salmo: Sl. 118(119) – R/ Senhor, tens palavras de vida eterna.

 

  • 2ª leitura: Nós, porém, pregamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus e insensatez para os pagãos, … Mas, para os que são chamados, esse Cristo é poder de Deus e sabedoria de Deus (1 Coríntios 1,22-25).

 

  • Evangelho: “Destruí este templo, e em três dias eu o levantarei” (João 2,13-25).

 

O SIMBOLISMO DO TEMPLO DE JERUSALÉM

O Templo de Jerusalém é o sinal de que é vontade de Deus habitar a humanidade. O Templo é a “morada” de Deus entre nós; é Deus que mora conosco. No Sermão da Montanha, Jesus já havia denunciado o uso da oração, da esmola e do jejum para finalidades estranhas ao seu autêntico destino. Todas as realidades religiosas podem ser desviadas. Aqui se mostra que a morada de Deus tornou-se um instrumento de lucro. Mas, como acabamos de dizer, o Templo é mais do que o Templo e o amor de Deus pelos homens, enfim, é o que é explorado. Este desvio é o mesmo de quando um pregador se delicia com sua própria eloquência; ou de quando, através dos seus escritos, um escritor busca especialmente a sua glória. O gesto de Cristo expulsando os mercadores do templo é, portanto, altamente significativo. É de fato profético, porque anuncia um “culto” sem compromisso. Que culto? O que consiste em dar a própria vida para que neste dom se manifeste o Deus que é Amor. Conforme explica Paulo, em 1 Coríntios 13,3, se o amor não é o que comanda este dom, ele não serve para nada. Sendo assim, a humanidade e Deus se fazem somente um, pois unidos num só e no mesmo Amor. Para chegarmos até aí, Jesus purifica o Templo de seus usos mercantis, mas vai mais longe: o próprio Templo é que vai mudar de natureza.

 

DE UM TEMPLO AO OUTRO

Destruí este Templo, e em três dias eu o levantarei“. O evangelista nota que Jesus falava então do Templo do seu corpo. Não se trata de simples jogo de palavras. Jesus quer com isto significar que o local em que daí em diante se poderá encontrar Deus é o seu próprio corpo. A palavra Templo muda, pois, de sentido. Este corpo, este Templo, os homens o destruirão, mas ele ressurgirá depois de três dias. É evidente a profecia do acontecimento pascal, mas que só poderá ser compreendida à luz da ressurreição. A primeira linha do evangelho, aliás, e os seus últimos versículos sublinham este contexto pascal e formam uma inclusão que enquadra todo o episódio, fornecendo-lhe sentido. Notemos que, ao falar da destruição e da ressurreição de seu corpo, Jesus está respondendo à pergunta das testemunhas da expulsão dos cambistas: “Que sinal nos mostras para agir assim?“. A resposta de Jesus nos faz lembrar Mateus 12,38-40. Ali também se pede um sinal a Jesus. E ele responde falando do sinal dado por Jonas, profeta que ficou três dias no ventre do monstro marinho, no coração do abismo da morte. Três dias no ventre da terra: sinal que mais é um desaparecimento, ou a ausência de qualquer sinal. Ora, vivemos sob este regime. Somos assim remetidos à 2ª leitura: também aí se põe em questão a exigência de um sinal e de uma manifestação de sabedoria. E a resposta de Deus será o escândalo e a loucura da Cruz.

 

ALI ONDE ESTÁ O CORPO, ESTÁ O TEMPLO

O Corpo do Cristo ressuscitado preenche todo o universo. Não se pode dizer: ele está aqui, ou: ele está ali. Ele está em toda parte. Adoramos a Deus “nem nesta montanha, nem em Jerusalém“, mas “em Espírito e Verdade” (João 4,21 e 23). Isto significa que não há lugar privilegiado, porque todos os lugares se tornaram “privilegiados”. O quarto de dormir, a rua, a igreja, o metrô… Cristo está aí, no meio de nós, desde que nos abramos para os outros. Devemos compreender que o Corpo ressuscitado, em se tratando do autêntico corpo humano de Jesus, não é menos plural: está de qualquer forma integrado em todos os seres humanos. Por isso, no Novo Testamento, este tema do Templo se enriquece com sentidos os mais inesperados. O Corpo que, na Ressurreição, o Espírito deu ao Cristo, ganhou o nome de Igreja, não só no sentido da hierarquia, mas, sobretudo, no de assembleia, de comunhão. Tendo nos tornado todos juntos no corpo de Cristo, somos o Templo de Deus. “Nele, bem articulado, todo o edifício se ergue como santuário santo, no Senhor, e vós, também, nele sois co-edificados para serdes habitação de Deus, no Espírito” (Efésios 2,21). Jesus é a pedra fundamental sobre a qual tudo está construído, mas dele somos, nós mesmos, as suas pedras vivas (ver 1 Pedro 2,4…). Assim, até mesmo em nosso corpo, formamos o Templo do Espírito (1 Coríntios 6,19).

 

SOBRE OS MERCADORES DO TEMPLO

Não vamos crer que, ao expulsar os mercadores do Templo, Jesus estava condenando o comércio e os comerciantes. O que ele condenou foi o uso de Deus, e de sua Morada, para se obter outra coisa que não Ele: neste caso, o lucro. A “casa de Deus” tornara-se assim, de fato, uma “casa de tráfico”. Deus havia sido expulso de qualquer forma da sua casa, para que em seu lugar se instalasse o dinheiro. Temos aí um comportamento idolátrico: algo produzido pelo homem que é posto acima de Deus e que se torna um objeto de culto. E o que não se tem feito ao longo da história, em nome de Deus e do Cristo, submetendo-os ao nosso próprio culto! A Liturgia teve, portanto, ótima inspiração, ao nos propor o Decálogo como 1ª leitura. Pois, de fato, as condutas proibidas pelo Decálogo caem todas elas na idolatria: idolatria do lucro, do prestígio e do sexo. Muita gente está sempre pronta a sacrificar não importa o que a estas “potestades e dominações”. Uma vez mais, devemos constatar que os relatos evangélicos não se limitam a nos contar histórias pitorescas, mas eles nos falam de como é Deus e de quem somos nós, dos nossos equívocos e dos nossos possíveis desvios. Quem busca colocar qualquer coisa que seja no lugar de Deus vê-se expulso do domínio de Deus. De fato, não é expulso: tendo evacuado Deus da sua vida, é ele mesmo quem sai da sua morada. Não há necessidade de nenhum chicote para isso.

Marcel Domergue, jesuíta (tradução livre de www.croire.com pelos irmãos Lara)

Fonte:

Centro Alceu Amoroso Lima

]]>
27484
Para inspirar… a liturgia do 2º Domingo da Quaresma https://observatoriodaevangelizacao.com/para-inspirar-a-liturgia-do-2o-domingo-da-quaresma/ Sat, 24 Feb 2018 09:25:45 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=27420 [Leia mais...]]]> A GRANDE PROVA

DOMINGO, 25 DE FEVEREIRO DE 2018: 2º DOMINGO DA QUARESMA – ANO B

Em resposta ao chamado do Senhor, Abraão deixou tudo. Admirou-se e alegrou-se com as promessas divinas. Mas teve a sua fé rudemente posta à prova, quando Deus lhe pediu um gesto que mais parecia anular o que lhe havia sido prometido. Foi grande a prova, mas maior ainda a fé do patriarca.

TEXTOS DESTE DOMINGO

1ª leitura: O sacrifício de nosso pai Abraão (Gênesis 22,1-2.9-13.15-18).

Salmo: Sl. 115(116B) – R/ Andarei na presença de Deus, junto a ele na terra dos vivos.

2ª leitura: “Deus não poupou seu próprio Filho” (Romanos 8,31-34).

Evangelho: “Este é o meu Filho amado” (Marcos 9,2-10).

 

O ROSTO DA GLÓRIA

De repente, aquele Jesus de todos os dias, cujos traços eram mais do que conhecidos de seus discípulos, mostrou-se resplandecente de luz. Notemos que este relato -espécie de experiência mística de Pedro, Tiago e João- encontra-se inserido nos anúncios da Paixão. Compreende-se que os discípulos tivessem necessidade de ser fortalecidos, pois iriam ressentir-se com a perspectiva da crucifixão de Jesus, tomando-a como uma derrota. O mesmo se dá conosco, aliás, por via da certeza de nossa morte. Jesus já lhes teria falado por certo sobre a sua ressurreição. Eles, contudo, conforme sublinhado na última frase do evangelho, não compreendiam o que queria dizer «ressuscitar dos mortos». Nós também não, devemos confessar. A visão do Cristo radiante de luz podia fazê-los tomar consciência de que haveria uma saída positiva, feliz, para o drama que iria se produzir. Não tenhamos medo de transpor isto para os dias de hoje. Da mesma forma que todo o conjunto dos evangelhos, também este relato não fala somente de acontecimentos passados, mas refere-se ao que acontece hoje em nossas vidas. Nós também temos necessidade de ganhar altura em relação ao que a vida nos dá por viver e aos acontecimentos que afetam a humanidade atualmente. «Não tenhais medo», por detrás de tudo isso, mantém-se radiante esta luz de glória. Luz que secretamente está sempre em trabalho, no interior de tudo o que temos de atravessar. Hora virá em que ela se manifestará com todo o seu brilho, em plena luz do dia. Nada pode reduzir ao silêncio a Palavra que nos faz ser. Para sempre.

 

A RELIGIÃO DA LUZ

Há momentos em nossas vidas que são de «transfiguração»: momentos nos quais vemos claro. Então, a alegria nos visita e podemos compreender, ou entrever, a verdade última de nossas existências. Mas, depois, uma névoa nos recobre e vemos apenas Jesus que está só, este Jesus de todos os dias que acreditamos conhecer e que não nos surpreende mais. É neste claro-escuro que temos de caminhar: o pão de cada dia da nossa vida cristã não é a visão, mas a fé. Importante tomar consciência de tudo isso, porque temos dificuldade em reconhecer que a mensagem evangélica é uma “boa notícia” (é este o sentido da palavra «evangelho»). Muitos de nós fabricamos uma religião masoquista, feita de prescrições exigentes, de pesadas proibições. Tristeza e abstinência generalizada… Pois invertamos a perspectiva e entreguemo-nos à alegria que nasce da certeza de sermos «salvos». Salvos de quê? Salvos da morte, bem entendido. Temos de nos persuadir de que nada de grave, de verdadeiramente grave, pode nos acontecer. O que quer que aconteça, estamos indo para a luz. Tudo o que vivemos será transfigurado, «até mesmo os nossos pecados», como escreve Santo Agostinho. Mas, sobre tal formulação, melhor será meditar após passada, e não no momento mesmo (um mau momento), da «tentação». Isto tudo nos ajuda a compreender que a última palavra da fé é a que chamamos de «ação de graças», ou seja, o reconhecimento. No vocabulário religioso, fala-se muito em «sacrifício». Não esqueçamos que o último sacrifício, aquele em sua forma perfeita, é o «sacrifício de ação de graças».

 

PARA ALÉM DE MOISÉS E DE ELIAS

Moisés costumava frequentar as montanhas: foi na solidão do Sinai que recebeu a Lei. Também Elias, figura simbólica de todo o profetismo, era familiarizado com o monte Horeb. Por isso os evangelistas situam a Transfiguração «sobre uma alta montanha». Jesus vai substituir, vai realizar e cumprir, completar perfeitamente uma superação: «a lei e os profetas», expressão que recapitula toda a primeira Aliança. Pedro, Tiago e João, ali representantes da nova Aliança que irá se concluir na Páscoa, são tomados de terror, ainda que Pedro tenha dito: «É bom ficarmos aqui.» A sua proposta, de erguer três tendas, não é inocente. Quer não só manter-se instalado na manifestação da glória, mas põe no mesmo plano Jesus, Moisés e Elias. Ora, justamente quando chegou o momento em que a Lei foi superada e em que as profecias se cumpriram. A questão não é inventar uma religião que, ao lado da fé no Cristo, conserve o culto da Lei, fundando-se na expectativa da realização das profecias. Com Cristo, tudo já foi dado. Trata-se agora de acolher este dom e de fazê-lo nosso. A este acolhimento chamamos de fé. Vai ser preciso descer da montanha e pôr-se a caminho de Jerusalém. Assim como Moisés, antigamente, havia conduzido o seu povo na travessia do mar, do deserto e do Jordão, Jesus vai atravessar a morte para fazer-nos atravessá-la.

Marcel Domergue, jesuíta (tradução livre de www.croire.com pelos irmãos Lara)

Fonte:

Centro Alceu Amoroso Lima

]]>
27420
Para inspirar… a liturgia do 1º Domingo da Quaresma https://observatoriodaevangelizacao.com/para-inspirar-a-liturgia-do-1o-domingo-da-quaresma/ Sat, 17 Feb 2018 11:18:08 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=27367 [Leia mais...]]]> PRIMEIRA ALIANÇA: CRIAÇÃO E HUMANIDADE

DOMINGO, 18 DE FEVEREIRO DE 2018: 1º DOMINGO DA QUARESMA – ANO B

A palavra «aliança» («berît» em hebraico) aparece na Bíblia pela primeira vez. E, de modo explícito ou em surdina, este tema da Aliança se faz presente nos cinco domingos da Quaresma.  Deus quer que a humanidade seja parceira de seus dois grandes projetos: a Criação e a Salvação.

 

TEXTOS DESTE DOMINGO

1ª leitura: Aliança de Deus com Noé, após ter ele se salvado do dilúvio (Gênesis 9,8-15)

Salmo: Sl. 24(25) – R/ Verdade e amor são os caminhos do Senhor.

2ª leitura: “À arca corresponde o batismo, que hoje é a vossa Salvação” (1 Pedro 3,18-22)

Evangelho: “Jesus foi tentado por Satanás… e os anjos o serviam” (Marcos 1,12-15)

NO INÍCIO DE SUA MISSÃO

Jesus acabara de ouvir a voz “vinda dos céus” que lhe dizia: “Tu és o meu filho amado; tens todo o meu amor”. O Espírito acabara de “descer sobre ele”. E este mesmo Espírito imediatamente o leva para o deserto, onde deverá superar as tentações. Busquemos compreender. Desde o batismo, quando inaugura a sua “vida pública”, é dada uma resposta à questão que percorre todo o Evangelho: “Quem é este homem?” Questão que será posta ainda no espetáculo da sua crucifixão (ver Marcos 14,62; 15,22-32). Mesmo se seu batismo prefigurasse já sua Paixão, não está dito, contudo, em seu relato, em que consiste viver humanamente a condição de Filho de Deus: o que isto exige e o que acarreta. No deserto, Jesus terá de superar a imagem de Deus que espontaneamente fazemos: a de um soberano que tudo dirige; a de um senhor absoluto que produz tudo o que acontece. Cultivamos facilmente certa ideia preconcebida a respeito da “onipotência”. Conforme lemos em Mateus 4 e em Lucas 4, Jesus, desde o início, tem de superar esta ilusão herdada ao mesmo tempo da sua humanidade e do que já está em Gênesis 2, quando o homem quer se fazer “como Deus“. Mas um deus conforme a imagem que lhe é oferecida pela serpente. O homem só pode ser imagem de Deus – único modo de existir de verdade – sendo livre como Ele é. E, com Cristo, ficamos sabendo que esta liberdade Deus somente a usa para dar e para servir. Esta será a revelação que vamos receber de quem, a uma só vez, é Filho de Deus e Filho do homem. No limiar da sua vida pública, Jesus revive a tentação de Adão e, em superposição aos quarenta dias, os quarenta anos do Êxodo, da travessia do deserto, para se passar da servidão à liberdade. O deserto: fome, sede, tentação (Salmo 95,8-11).

 

RENASCER SEMPRE

Como podemos ver, a narrativa das tentações de Jesus recapitula o conjunto da aventura bíblica que não é senão a aventura de toda a humanidade. Encontramos em todo o livro o mesmo percurso, das formas as mais variadas e em circunstâncias as mais diversas. Com Cristo, estamos, pois, aqui, “sem nada mais a ser dito”, tendo chegado ao final do Livro. Por isso diz ele que “o tempo já se completou”. A Terra Prometida, o Reino de Deus, o Paraíso a que o homem não tinha mais acesso, tudo isso, daí em diante, nele e por ele, está agora presente e accessível. Ao longo de toda a sua pregação e dos seus atos, o Reino ganha forma, rosto e existência. No entanto, mesmo se do lado de Deus o tempo tenha se completado, ainda será preciso certo tempo até que os homens se “convertam”; ou seja, até que mudem a sua visão do mundo, da verdade e do sentido a dar à própria vida. Este completar-se dos tempos vai durar a vida toda de Jesus. Em João, lemos que, justamente antes de morrer, Jesus diz: “Tudo está consumado”. Temos assim a vida pública de Jesus enquadrada entre o relato das tentações e o relato da Páscoa. E ambos nos situam diante da mesma realidade. Em Getsêmani, Jesus deve de qualquer forma refazer a sua escolha inicial. Vai, então, atravessar o deserto da morte e os seus discípulos irão “desertar”: na partida, como na chegada. No fundo, no fundo, ninguém poderia estar ao lado dele (mesmo se João apresente as coisas de modo diferente), porque todos, homens e mulheres, estão nele. Por fim, tudo isso vai desembocar na luz pascal do Reino. Devemos compreender que o itinerário de Jesus abre à nossa frente a imagem do itinerário que, de um modo ou outro, temos todos de percorrer. Não tardemos, pois, em demasia: os tempos já se completaram.

 

FILHOS BEM AMADOS DE DEUS

Eis-nos aqui no limiar destes quarenta dias de preparação para a celebração da Páscoa de Cristo. O que vamos fazer de particular, já que tantos de nós encontram-se já cansados, escravos que são de agendas sobrecarregadas? Retomemos os nossos espíritos: mais que uma carga suplementar, a Quaresma, ao contrário, pode ser assumida como um tempo de libertação. Como um espaço para se respirar, para se recolocar o acessório em seu devido lugar e voltarmo-nos ao que é essencial em nossas vidas. Trata-se de retomar a consciência das verdadeiras questões e do sentido das nossas existências. Ganhar um pouco de altitude. Revisitemos os nossos hábitos: alguns verdadeiramente não foram escolhidos, resultando muito mais da servidão do que da liberdade. Exemplos? Para uns, é a escravidão da TV ou do computador etc. Há famílias em que não se tem mais tempo para se falar. Portanto, retornemos ao essencial, ao fundamental. A Quaresma não pode ser «religiosa» se, primeiro, não for humana. Tomemos para nós as palavras que Jesus acabara de ouvir, palavras vindas de Deus: «Tu és meu Filho amado, tens todo o meu amor.» O que significa esta revelação? Quais comportamentos ela exige? Imediatamente depois de tê-la recebido, Jesus retira-se para o deserto. É um mistério, este retiro. Os especialistas dizem com facilidade tratar-se duma espécie de experiência espiritual. Sem dúvida, Jesus quer tomar consciência do que significa ser Filho amado de Deus.

 

QUARENTA DIAS…

O número quarenta tem toda uma história. O dilúvio durou quarenta dias; Moisés isolou-se por quarenta dias no Sinai, para receber a Lei; o povo errou por quarenta anos no deserto, o tempo de tornar-se apto a entrar na Terra Prometida, superando as tentações que lhe proibiam o acesso. Como temos dito, quarenta anos representam a duração de uma geração humana, o tempo de ser substituído por um filho recém-chegado à idade adulta. É o tempo de maturação para se ter acesso a uma plenitude. Tendo chegado a este termo, «o tempo se completou», como diz Jesus no evangelho. Marcos não diz nada sobre o conteúdo das tentações. Elas descrevem, em termos simbólicos, as características de um falso messianismo. São tentações da riqueza, do poder e da invulnerabilidade. Fique bem entendido: estas tentações não são diferentes das que temos em nossas vidas. Veremos que, de diversas formas, elas ressurgirão ao longo dos evangelhos. Por exemplo, quando Tiago e João sugerem que Jesus fizesse cair o fogo do céu sobre os Samaritanos que se recusaram a recebê-los (Lucas 9,54). Ou quando as pessoas queriam buscá-lo para fazê-lo rei (João 6,15). Cabe-nos traduzir: para além das imagens hiperbólicas que chegam até nós, vindas da noite dos tempos, podemos identificar mentalidades e ideologias bem postas em nossas sociedades, no mundo político, em nossas famílias. Temos aqui, diante de nós, quarenta dias para descobrirmos em que medida somos atingidos por isso. Não nos é pedido, aliás, que nos julguemos ou nos desencorajemos, mas que nos abramos simplesmente à «Boa Nova».

 

EM CAMINHO PARA A VIDA

Sim, é bem «Nova» esta Palavra. Sempre nova. Ganha vida e forma através de tudo o que vivemos, suportamos e realizamos. E sempre nos diz que, do pior, Deus pode fazer sair o melhor, que tudo é usado, inclusive a morte, para fazer surgir mais vida. A prisão do Batista provoca a manifestação pública de Jesus, abertamente, em liberdade, com a liberdade que, um dia, alcançará o precursor, mesmo estando este a caminho da morte. Afinal, os quarenta dias das tentações são uma imagem de toda a vida humana, do nascimento (o «Tu és meu Filho» do Batismo) à ressurreição, passando pela morte («os tempos se completaram»). A última tentação de Jesus irá coincidir com a sua oração em Getsêmani, para evitar a morte. Quando diz «afasta de mim este cálice» (Marcos 14,36), está se juntando ao protesto de Pedro em Mateus 16,22: «Não, isto não te acontecerá». É uma verdadeira tentação, tanto que Jesus havia então tratado o discípulo como Satanás e como obstáculo. É precioso constatar que o próprio Cristo teve de superar as solicitações exteriores, e até mesmo interiores, que imediatamente não se encontravam no mesmo sentido da vontade do Pai. Temos dificuldade em reconhecer que o Verbo entrou completamente em nossa condição humana. Não vamos, pois, ter medo em demasia do que se passa em nós, do que é negativo e estranho à fé, mas voltemo-nos para aquele que nos ensinou a superá-lo. Com vistas à nossa última Páscoa.

Marcel Domergue, jesuíta (tradução livre de www.croire.com  pelos irmãos Lara)

Fonte:

Centro Alceu Amoroso Lima

]]>
27367