Mapa da Violência 2018 – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Mon, 18 Jun 2018 12:11:09 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.4 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 Mapa da Violência 2018 – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 É preciso interromper o descarte de jovens no Brasil https://observatoriodaevangelizacao.com/e-preciso-interromper-o-descarte-de-jovens-no-brasil/ Mon, 18 Jun 2018 12:11:09 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=28446 [Leia mais...]]]> Os dados do Mapa da Violência explicitam uma trágica realidade de nosso país que muitos brasileiros, infelizmente, ignoram ou, o que é ainda pior, não dão atenção e não querem reconhecer. Dela emerge um clamor por justiça e por medidas sociopolíticas e econômicas concretas e urgentes. A perversa lógica da concentração de renda nas mãos de poucos tem condenado muitas pessoas – sobretudo jovens pobres, negros e de periferia – a viverem socialmente excluídas da mesa da cidadania e a fazerem parte do crescente índice das vítimas da violência em nosso país.

Publicamos, a seguir, provocante reflexão do jovem Ismael Deyber Oliveira Silva, mestrando em Ciências Políticas, que nos interpela a superarmos a postura de indiferença social e a assumirmos o compromisso de lutar por políticas públicas capazes de engendrar outro futuro possível para o nosso país:

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Créditos: José Cruz/Agência Brasil Título: “Jovens grafiteiros do Distrito Federal criam um painel com o tema Juventude Negra e a Paz” Link da fonte: http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2015-05/jovens-negros-sao-mais-vulneraveis-violencia-no-brasil-mostra-relatorio

 

No recém-lançado livro-entrevista “Deus é Jovem” (Editora Planeta do Brasil, 2018), o papa Francisco é firme ao dizer que os jovens são os que mais sofrem com os efeitos da “cultura do descarte” que predomina em nossos tempos. Marcada pela desvalorização do humano e sustentando-se através dos processos de acumulação, competição e degradação do meio ambiente, tal cultura constitui-se como força propulsora de condutas e itinerários que geram desigualdades, violência e morte. Sobrepondo modos de vida orientados pelo alcance do bem-comum, pela confiança no coletivo e pela preocupação com o próximo, a vigência desse paradigma assentado na individualidade e com foco exclusivo na prosperidade traça o cenário de uma conjuntura global desanimadora.

No Brasil, encontrar as repercussões dessa estrutura que afeta fortemente a vida das juventudes não é difícil. Ao contrário, abundam dados estatísticos e conhecimento de vivências cotidianas que provam que ser jovem em nosso país é tarefa dura e que impõem uma necessária luta por sobrevivência, sobretudo quando a essa condição geracional se somam ser pobre, negro e viver nas periferias das grandes cidades e regiões metropolitanas. Levantamento recente do Atlas da Violência, organizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública apresentou, mais uma vez, essa realidade de descarte dos nossos jovens, cenário que demanda intervenções céleres e efetivas de um conjunto de atores e instituições. O relatório mostra que entre os anos de 2006 e 2016, 324.967 jovens foram assassinados no país, o que representa um crescimento de 23,3%, quando comparado a períodos anteriores. Somente no último ano dessa série histórica, 33.590 jovens tiveram suas vidas interrompidas por ações violentas, o que representou, em média, 92 assassinatos por dia1.

Dos que perderam a vida, a grande maioria são do sexo masculino e negros, revelando que as marcantes desigualdades existentes no Brasil repercutem de maneira mais forte em determinados grupos sociais. Ao serem mortos esses jovens são brutalmente descartados, interrompendo de forma prematura milhares de trajetórias e instaurando um ciclo de sofrimento imensurável entre seus familiares e amigos. Com esse resultado perde muito o Brasil, que nos seus esforços de inclusão social e cidadã das últimas décadas, falhou ao incorporar essa parte da sua população em suas estratégias de desenvolvimento e na criação de oportunidades, principalmente via sistema educacional e de emprego.

Para interromper o descarte das nossas juventudes é preciso criar e implementar robustas estratégias de prevenção e geração de oportunidades que tenham foco ainda na infância, se estendendo de forma criativa e abrangente pela adolescência e juventude. No final do século passado e início da última década um conjunto de atores sociais e estatais empreenderam grandes esforços pela diminuição dos índices de mortalidade infantil, com múltiplas e incisivas ações que repercutiram positivamente para a mudança da realidade que à época, representava um grande desafio para o país. Essas crianças, que não morreram no nascimento, precisam de intervenções com o mesmo grau de mobilização e comprometimento para que permaneçam vivas agora que são jovens, recebendo do Estado, das famílias e da sociedade civil o auxílio necessário que possibilite o desenvolvimento de potencialidades que fixem as bases de um caminho de desenvolvimento inclusivo que é necessário ao país.

Não aceitar a cultura do descarte e atuar para que se estabeleça uma verdadeira cultura do encontro, como nos convida o papa Francisco inspirado nos ensinamentos de Jesus, é nossa tarefa urgente diante dessa realidade que nos ameaça. Precisamos formar uma coalizão de atores e instituições que se empenhe em garantir que as juventudes vivam e tenham vida plena. Nossa omissão nos coloca como aliados do sistema que descarta. Nossa ação coletiva para a mudança, por outro lado, nos posiciona como construtores de uma outra realidade, marcada pelo encontro com as necessidades dos outros, a solidariedade, a fraternidade e a paz.

Nota:

1. Os números apresentados referem-se aos jovens mortos considerando a faixa etária de 15 a 29 anos.

Referências:

FRANCISCO, Papa. Deus é Jovem: uma conversa com Thomas Leoncini/ tradução e revisão técnica de Pe. João Carlos Almeida. – São Paulo: Planeta do Brasil, 2018.

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Atlas da Violência 2018, Rio de Janeiro, junho de 2018. Acesso ao relatório: http://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/download/3/2018

Ismael-DeyberIsmael Deyber Oliveira Silva – Graduado em Gestão Pública e mestrando em Ciência Política pela UFMG. Atuou na Pastoral da Juventude e hoje é agente da Pastoral Universitária. Integra o Secretariado Arquidiocesano da Juventude (SAJ) da Arquidiocese de Belo Horizonte e é colaborador do Setor Universidades da CNBB e do Regional Leste 2 (Minas Gerais e Espírito Santo).

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A barbárie dos homicídios e o genocídio dos negros https://observatoriodaevangelizacao.com/a-barbarie-dos-homicidios-e-o-genocidio-dos-negros/ Thu, 14 Jun 2018 19:03:36 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=28438 [Leia mais...]]]> atlas_violencia_2108_emendado3

O Atlas da Violência 2018, divulgado em 05 de junho pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mostra que o Brasil atingiu o número de 62.517 homicídios em 2016. Trata-se, lamentavelmente, de um recorde histórico. O número de 62.517 assassinatos num ano coloca o Brasil em um patamar 30 vezes maior do que o da Europa. Só na última década, 553 mil brasileiros perderam a vida por morte violenta. Ou seja, um total de 153 mortes por dia.

Os homicídios, segundo o Ipea, equivalem à queda de um Boieng 737 lotado diariamente. Representam quase 10% do total das mortes no país.

Outro dado do relatório informa que as vítimas de homicídio são, na maioria dos casos, homens jovens. Em 2016, cerca de 56% do total de homicídios no país tiveram com alvo homens de 15 a 19 anos. No geral, houve aumento na quantidade de jovens assassinados, em 2016, em vinte estados, com destaque para Acre, com alta de 84,8% e Amapá, com 41,2%.

De 1980 até 2016, quase um milhão de brasileiros perdeu a vida por conta de armas de fogo. As 910 mil pessoas mortas por perfuração causada por disparos são, segundo o Atlas da Violência, vítimas de uma questão “central” do país. Com um total de 71,1% de homicídios cometidos com uso de armas de fogo (taxa que cresceu por décadas até 2003, ano da criação do estatuto do desarmamento), o Brasil deixou de ocupar um patamar próximo ao dos vizinhos Chile (37,3%) e Uruguai (46,5%) e hoje se aproxima à El Salvador (76,9%) e Honduras (83,4%). Na Europa, a média é 19,3%.

O relatório ainda revela as consequências do racismo. Em 2016, a taxa de homicídios de negros foi duas vezes e meia superior à de não negros (16,0% contra 40,2%). Em um período de uma década, entre 2006 e 2016, a taxa de homicídios de negros cresceu 23,1%. No mesmo período, a taxa entre os não negros teve uma redução de 6,8%.

O documento destaca, ainda, que em 2016, 4.645 mulheres foram assassinadas no país, o que representa uma taxa de 4,5 homicídios para cada 100 mil brasileiras. O aumento nos últimos 10 anos foi de 6,4%. Além disso, associando o racismo ao feminicídio, percebe-se que a taxa de homicídios de mulheres negras foi 71% superior à de mulheres não negras.

Outro dado alarmante: as crianças são as maiores vítimas de estupro no Brasil. O estudo aponta que 50,9% dos casos registrados de estupro em 2016 foram cometidos contra menores de 13 anos de idade. Além disso, em 32,1% dos casos, as vítimas foram adultos, e em 17%, adolescentes. No caso do estupro de crianças com menos de 13 anos, os conhecidos e os amigos da família são responsáveis por 30% dos crimes. Pais e padrastos vêm logo em seguida, com 12% cada.

Breve análise:

A Campanha da Fraternidade de 2018 trata do tema da “superação da violência”. Como se não bastassem a violência estrutural, a consolidar uma ordem social e política altamente desigual, injusta e autoritárias, e a violência cultural, que naturaliza múltiplas práticas violentas contra os segmentos vulneráveis, presenciamos também o aumento exponencial da violência real.

Nos últimos 30 anos, ou seja, desde o processo da redemocratização, convivemos com situações paradoxais no Brasil. Enquanto houve uma ampliação de direitos e acesso à cidadania em muitos segmentos da vida social, na área da segurança pública e justiça criminal ainda convivemos com indicadores idênticos aos estados de exceção:

  1. o número de homicídios foi aumentando gradativamente e se transformou numa catástrofe nacional, dizimando principalmente a vida dos negros, pobres e jovens;
  2. temos a terceira maior população prisional do mundo: cerca de 720 mil presos, sendo que quase 300 mil não têm sentença definitiva;
  3. uma política de guerra às drogas entope as prisões de “aviõezinhos” e é leniente com os grandes traficantes e distribuidores de drogas;
  4. uma das polícias mais violentas do mundo, sem controle externo de fato, é responsável por parte considerável dos homicídios;
  5. uma legislação antiterrorismo (sem terrorismo no Brasil) criminaliza líderes e movimentos sociais e concede às polícias, Ministério Público e Justiça o direito sobre a vida, a morte e a liberdade do cidadão;
  6. um sistema criminal ineficiente, moroso e elitista corrobora com a seletividade da justiça;
  7. há péssimos indicadores de outras violências: contra a mulher, crianças, LGBT, indígenas, camponeses, etc.

O direito à segurança é um direito-síntese. Ou seja, numa sociedade altamente desigual, violenta e injusta como a nossa, o Estado somente conseguirá garantir os direitos humanos (direito à vida, saúde, educação, assistência…) se investir numa política pública de garantia do direito à segurança para todos, isonômica e indistintamente.

Para que isso ocorra é preciso, urgentemente, reformas estruturais nos sistemas de justiça e segurança pública para uma verdadeira democratização do nosso país.

Robson Sávio Reis Souza é pesquisador da área violência e da segurança pública e é membro da equipe executiva do Observatório da Evangelização.

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