Magali Cunha – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Thu, 16 Mar 2017 14:39:01 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.4 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 Magali Cunha – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 Relatório de fevereiro de 2017 do Grupo de Referência da Peregrinação de Justiça e Paz do Conselho Mundial de Igreja (GRPJP) sobre a visita a Nigéria https://observatoriodaevangelizacao.com/relatorio-de-fevereiro-de-2007-do-grupo-de-referencia-da-peregrinacao-de-justica-e-paz-do-conselho-mundial-de-igreja-grpjp/ Thu, 16 Mar 2017 14:39:01 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=14294 [Leia mais...]]]>

O Observatório da Evangelização disponibiliza aqui o relatório do grupo ecumênico de peregrinação de justiça e paz do Conselho Mundial de Igreja sobre a importante e desafiante experiência vivida na Nigéria, em fevereiro de 2017. Pela profundidade e riqueza de informações sobre a atual realidade sociopolítica, econômica e religiosa deste país, vale a pena ler:

O GRPJP foi criado em 2014, com 25 pessoas representando diferentes igrejas-membro do CMI e regiões do mundo, e com três observadores: um da Igreja Católica Romana, um do Judaísmo e um do Islamismo.

O grupo de referência da peregrinação Justiça e Paz

O GRPJP foi formado pela secretaria-geral do Conselho Mundial de Igrejas após a decisão da X Assembleia do CMI de responder aos desafios lançados pela Década de Superação da Violência (2001-2010), por meio da iniciativa da Peregrinação de Justiça e Paz – um convite às igrejas, a cristãs/cristãos e a todas as pessoas de boa vontade.

O desafio foi assumido pelo próprio CMI em sua reunião de planejamento de ações até 2021. O convite do CMI para a Peregrinação de Justiça e Paz tem uma mensagem importante: as igrejas estão numa jornada neste mundo, a caminho de outro mundo possível, como diz a Bíblia, de “um novo céu e uma nova terra” (Apocalipse). Vivem e trabalham por isso. A preposição “de” faz toda a diferença: não uma peregrinação pela justiça e pela paz, mas “de” justiça e paz. Significa que as igrejas precisam seguir no caminho por outro mundo possível, testemunhando e trabalhando a justiça com paz. Não mais uma forma de ativismo cristão e sim um compromisso com o Deus do “shalom”. Uma jornada “de” justiça e paz que os cristãos mesmos devem testemunhar, dentro de suas comunidades religiosas, entre elas e com as outras religiões, contagiando o mundo.

O GRPJP foi criado em 2014, com 25 pessoas representando diferentes igrejas-membro do CMI e regiões do mundo, e com três observadores: um da Igreja Católica Romana, um do Judaísmo e um do Islamismo. Fui convidada para participar como metodista, brasileira e latino-americana. O grupo iniciou suas atividades em 2015 para assessorar o CMI em suas atividades e propor ações em torno a Peregrinação de Justiça e Paz. A primeira reunião anual aconteceu no Instituto Bossey (Suíça), em fevereiro de 2015, tendo decidido que encontros do grupo só fariam sentido se fossem realizados como uma peregrinação, ou seja, fora dos espaços do CMI, caminhando com igrejas e contextos que demandam a promoção da paz com justiça. Decidiu-se pela peregrinação nas regiões do mundo e com atenção àquelas definidas como prioridade de ação do CMI por viverem situações-limite. Por isso em 2016 a reunião anual aconteceu no mês de fevereiro na região do Oriente Médio, onde é realizado o Programa Ecumênico de Acompanhamento à Palestina e a Israel, com peregrinação pelas cidades de Jerusalém e Belém.

Neste fevereiro de 2017, o grupo dirigiu-se à África, baseando-se na Nigéria, sem esquecer que outros dois países estão na lista das prioridades: Sudão do Sul e República Democrática do Congo. Duas cidades receberam o grupo na Nigéria: a capital Abuja e Kaduna, na região centro-norte. O organizador da visita foi o pastor batista, secretário-geral do Conselho Cristão da Nigéria Rev. Wishishi I. Yusuf.

As reuniões tornaram-se, assim, oportunidade de as igrejas e religiões irmãs representadas no GRPJP expressarem solidariedade diante das situações-limite de falta de paz e injustiça dos locais visitados, aprenderem sobre a realidade em questão e as práticas realizadas pelos grupos locais, contribuírem com o compartilhamento para outros grupos, em busca de apoios e outras ações concretas, estudarem as ações do CMI e das igrejas-membro no enfrentamento dessa realidade e de outras.

A Nigéria

Visitar a Nigéria é trazer à memória os laços que unem o Brasil àquele país: a escravidão. Durante os mais 300 anos de colonialismo exploratório do Brasil, mais de cinco milhões de escravos foram trazidos da África (milhares deles da Nigéria), para trabalhar fundamentalmente nas fazendas de café e cana-de-açúcar. As marcas dos nigerianos (yorubas) nas culturas do Brasil é inegável, seja nos costumes, na língua, na comida, na religião.

Povo sofrido pela escravidão e pela colonização britânica, libertou-se em 1960, mas seguiu experimentando conflitos de guerras civis, ditaduras militares. Seu primeiro governo democraticamente eleito depois de muitas décadas foi alcançado em 2000, depois do fim do regime militar. O atual mandato presidencial foi iniciado em 2015. No entanto, esta democracia tem estado sob risco por conta da insurgência do terrorismo e da potencialização de conflitos tribais.

A Nigéria tem 180 milhões de habitantes e mais de 500 grupos étnicos, dos quais os três maiores são as haussas, os igbos e os yorubas, línguas que são comumente faladas nas respectivas regiões que habitam. O país é dividido ao meio entre cristãos e muçulmanos. Os cristãos, em sua maioria vivem no sul e nas regiões centrais, e os muçulmanos, concentrados principalmente no norte mas também estão presentes nas regiões centrais. Uma minoria da população (cerca de 2%) pratica religiões tradicionais e locais, tais como as religiões igbo e yoruba.

A Nigéria é um país reconhecido do ponto de vista econômico por conta das reservas de petróleo que possui. No entanto, os sucessivos governos anti-democráticos nunca desenvolveram políticas de distribuição dessa riqueza de forma justa. A Nigéria tem altos índices de pobreza e de analfabetismo. A corrupção também é grave problema entre os quadros públicos. Há relatórios que mostram que mais de 400 bilhões de dólares foram roubados do tesouro nacional por líderes nigerianos entre os anos de 1960 (independência) e 1999 (fim do regime militar).

As igrejas

Os cerca de 50% de cristãos da Nigéria são, na maioria (cerca de 74%) protestantes, sendo os demais católicos romanos (25%),  ortodoxos e de outros grupos cristãos (1%).

Há um Conselho Cristão da Nigéria, do qual faz parte a Igreja Metodista e um bom número de igrejas protestantes históricas e a Igreja Católica Romana. Há ainda a Associação Cristã da Nigéria, que reúne o Conselho Cristão, igrejas pentecostais e igrejas carismáticas, com uma série de atividades de ação social e de defensoria dos cristãos junto ao governo da Nigéria.

O arcebispo metodista Revmo. S. O. Idoko foi uma das lideranças do Conselho e da Associação que recebeu o grupo em Kaduna.

A falta de paz e de justiça

Marcada pela injustiça econômica em toda a sua história (exploração colonial britânica e governos corruptos comprometidos com o interesse privado em detrimento do bem estar da população), a Nigéria tem vivido situações de extrema violência, que a tem colocado numa crise humanitária sem precedentes.

A insurgência do grupo extremista Boko Haram, que se identifica como um braço do Islã, somada às crescentes ações de violência por parte de um grupo tribal nômade denominado Tocadores de Gado (Boieiros) Fulani, que envolvem conflitos de terra (pasto e água) e propriedade de gado, tem provocado um altíssimo número de mortes, sequestros de jovens e mulheres que são escravizados nas fileiras extremistas, a destruição de povoados inteiros e o deslocamento de populações regionais inteiras (fala-se de dois milhões de pessoas) que se tornam refugiados especialmente no Niger e no Chade. Esta situação é mais grave no norte do país, palco das maiores ações do Boko Haram, mas também tem se intensificado na região central, com alguns episódios no sul.

A reunião do GRPJP: um relato feito com paixão

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Na abertura das atividades (foto 1), em 21 de fevereiro, na Casa de Reuniões da Convenção Batista, na capital Abuja, a fala de abertura do secretário-geral do Conselho de Igrejas de Toda a África Rev. Andre Karamaga já desafiava:
“Não há necessidade de lembrar como a ganância e a imoralidade levou a uma situação em que os filhos e filhas da África foram vendidos como mercadorias e quanto a este crime nunca nos pediram desculpas. (…) Nossa responsabilidade comum é fazer deste mundo não uma floresta na qual grandes animais ameaçam os mais fracos. Mas um espaço de promoção da paz com justiça e dignidade. Isso tem a ver com a linguagem que usamos na vida cotidiana, por exemplo, dizemos com razão que precisamos de mecanismos para combater o racismo e o etnocentrismo. Mas em muitos casos esquecemos que não temos muitas raças porque nós somos uma única raça humana”.

Nesse primeiro dia, ouvimos sobre a difícil realidade da Nigéria: recessão, desemprego, fome, corrupção somados às expressões do extremismo islâmico, que agride e mata cristãos e islâmicos que dialogam, e do extremismo cristão que prega ódio e vingança. “Enfrentamos uma vida seca…tudo está seco… para todos”… Palavras-chave dos líderes do Conselho Nacional de Igrejas da Nigéria: construir a paz com reconciliação; enfrentar os fundamentalismos com diálogo e ações conjuntas por justiça econômica; superar as tentações do paternalismo dos que sempre dominaram e exploraram, inclusive grupos religiosos. Não há paz sem justiça; não há justiça sem paz. No meio de tantas palavras impactantes, um coral de mulheres de várias igrejas de Abuja (foto 2). Muitas com seus filhinhos ao colo… Quanta alegria e vitalidade expressas! Esperar contra toda esperança!

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Visitamos a Arquidiocese Católica, a sede da Associação Cristã da Nigéria, um projeto católico de formação de lideranças para governança pública e a Mesquita Nacional. Ouvimos líderes e pessoas comuns nos seus clamores por paz e pelo tratamento do problema da violência e do extremismo para além das manchetes de jornais: olhando para a história da Nigéria, para as questões econômicas, de corrupção e de falta de democracia.

Depois de um dia e meio na capital Abuja, o GRPJP viajou em 22/2, para Kaduna, três horas ao norte, o objetivo da peregrinação. Depois de ouvirmos lideranças cristãs e islâmicas sobre a realidade dura, seca e a incessante busca de paz, a palavra-chave que ecoou foi: coexistir – uma necessidade fundamental neste lugar; desfazer a ideia de que os massacres e as ações terroristas ocorrem em nome de Deus. Os líderes islâmicos clamam:

“não há Deus nestas ações – são políticas e busca de poder. Os que agem pelo Mal não são nossos irmãos. Eles matam muçulmanos também!”

Os cristãos concordam, clamam serem os maiores alvos do extremismo (considerados “frutas podres numa árvore”) e pedem:

“falem isto mais fortemente em público; desqualifiquem os terroristas que usam a sua religião para impor seu poder; não fiquem quietos; nosso governo precisa ouvir vocês”.

Meus ouvidos atentaram para uma reclamação:

“Não adianta ir às mídias – elas querem o conflito. Mídias sociais têm sido a nossa voz”.

Chegamos em Kaduna com estas palavras ecoando. Numa escala de verde a vermelho no tocante a segurança, Abuja (sul) é verde, o Norte/Nordeste é vermelho – nosso grupo não pode ir. Kaduna é laranja. Muitas ações do Boko Haram por aqui; mas também dos Tocadores de Gado e Rebanhos Fulani – uma milícia envolvida em conflitos por terra. Viemos em comboio com seguranças. Graças a Deus, uma boa viagem. Já ficamos sabemos que no domingo anterior 21 pessoas morreram dramaticamente a duas horas dali (sudoeste de Kaduna) numa chacina em duas aldeias. Quando se fala em aldeias se fala em muita pobreza. Vi muitas delas no caminho.

Kaduna significa terra dos muitos crocodilos. Terra do Rio Kaduna. Alvo da nossa visita de solidariedade e aprendizado. Na chegada, mais uma vez fomos recebidos por um coral de mulheres (foto 3) em um culto com a presença de diversas autoridades religiosas locais (foto 4, com o arcebispo metodista). Que alegria! Que energia em meio a tanta dor!! Nas palavras pronunciadas, agradecimentos:

“Vocês vieram nos encontrar. Não tiveram medo de vir. Muitos nossos do Sul da Nigéria não vêm. Vocês sabem mostrar que quando uma parte da comunidade humana sofre todos devem sofrer com ela…”

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Como não chorar?! Como não sentir o peito ardendo de dor e ao mesmo tempo dançar e se alegrar e receber.

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No quarto dia da Peregrinação, 23/2, Quinta-Feira de Preto (foto 5): uma campanha contra o estupro e toda forma de violência contra mulheres, iniciada na África do Sul, abraçada pelo CMI e apoiada por gente de todo o mundo. Ouvimos sobre a realidade de Kaduna, uma cidade entre o Norte, predominantemente islâmico, e o Sul, predominantemente cristão, onde os dois grupos religiosos são divididos ao meio em população e onde há muita gente cristã e muçulmana atuando para que Kaduna seja ponte e exemplo de convivência, apesar de tentarem ser impedidos pelos grupos extremistas.

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Partimos depois para as visitas e diálogos. Para começar, o Fórum da Mesquita da Rua Waffa, onde fomos acolhidos como irmãs e irmãos, e convidados a dialogar do jeito como é feito ali: tirando os sapatos e sentando ao chão (Foto 6). Gente simples, muito amorosa e cheia de fé, que cuida dos tantos pobres e famintos, visita e consola presos e suas famílias, abriga crianças órfãs.

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Depois ouvimos o secretário-geral do que seria a Associação de Organizações Islâmicas da Nigéria (Foto 7), conversa tensa, um desabafo quanto aos cristãos das igrejas novas e ricas, de apóstolos e missionários que além de

“venderem sonhos e comercializarem a palavra de Deus pregam ódio contra muçulmanos. Dizem que cristãos têm que ter armas para se defenderem, que devem quebrar ao meio os extremistas, e ainda têm apoio do governo e de políticos corruptos”.

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Partimos depois para um encontro cheio de energia com estudantes e professores do Seminário Teológico Batista em Kaduna. Cerca de 200 jovens nos esperavam na capela do seminário para nos ouvir e nos abraçar e nos agradecer por não termos medo de estar entre elas/eles (Foto 8). Em 2011 o seminário foi totalmente incendiado nas ondas de conflito religioso que varreram Kaduna e abriram caminho para a consolidação do Boko Haram e dos Tocadores de Gado Fulani. Tudo foi reconstruído com material não-inflamável. Mas agora têm que sair dali. Vão para outra cidade pois estão sob ameaça. Contaram que vão sair com muita dor. Querem se engajar nas ações de justiça e paz e perguntam: como fazemos? Pedimos que eles nos digam pois estávamos aprendendo com elas/eles também.

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Ao final do dia conhecemos o Centro Internacional para a Paz e a Harmonia Inter-fés, fundado em 2016 com apoio do Conselho Mundial de Igrejas e do Príncipe Gazi da Jordânia (um militante do diálogo e da cooperação inter-fés) e financiamento do governo da Noruega. Estão documentando e realizando seminários para reflexão sobre ações concretas na vida de Kaduna e da Nigéria.

Há muitas feridas tanto entre cristãos quanto entre muçulmanos. No meio disto tudo há ainda as tradições milenares das mais de 500 etnias espalhadas em tribos pelo país, umas cristãs, outras muçulmanas, outras mantendo as práticas religiosas das raízes negras. São vidas extremamente desrespeitadas e abusadas pelo Império que ainda domina, pelos governos que continuam colonizando e explorando, pelos extremistas com sede de poder… A extrema pobreza espalhada pelas ruas fere o coração. Muita gente vagando pelas ruas, mendigando, vendendo qualquer coisa para sobreviver a pior fase da Nigéria das últimas duas décadas.

Em 24/2, foi o dia da delegação ouvir as mulheres. Relatos de dor e desespero pelas/os filhas/as da terra massacrados pelo terrorismo, pela violência da polícia e pelo sistema político e econômico injusto que as/os deixa sem perspectiva, sem futuro; relatos de esperança de quem trabalha com a educação destas/es filhas/os e sonha com uma Nigéria com liberdade e igualdade. Choramos com elas, rimos também. Clamam pela nossa solidariedade: “estejam sempre conosco, como puderem…” À noite participamos de culto com o lançamento da campanha da Quaresma da Rede Ecumênica da Água, do Conselho Mundial de Igrejas. O pregadoi foi o diretor do Seminário Batista.

Passamos o dia 25/2 aprovando o relatório que tem nosso parecer sobre a situação e sugestões para ações do CMI e seus organismos parceiros.

Despedimo-nos, no domingo 26, com uma visita a igrejas. Meu subgrupo foi para uma igreja batista, num povoado de Kaduna que é uma ocupação. Quem mora nesse lugar ao norte da cidade, veio do sul que tem sofrido massacres, escapando da violência. Demandam do governo a legalização das ocupações por questões humanitárias. A igreja, que já havia recomeçado na nova localidade, havia conseguido construir um templo, com muita dificuldade mas, por duas vezes veio ao chão por conta de duas fortíssimas tempestades. Vida difícil para aquelas/es irmãos e irmãs. Hoje se reúnem em templo improvisado, no chão batido, mas com muita alegria e esperança.

Em síntese, não temos na Nigéria um conflito religioso mas um conflito político e econômico em que partes usam a religião como fluído e cortina de fumaça para as causas de fato. O resultado disto é muito sofrimento na forma dos assassinatos em massa, de cristãos e muçulmanos, de muita pobreza e falta de perspectiva. Vale registrar que o maior número de vítimas se encontra entre os muçulmanos. Mas as pessoas não se acomodam: atuam em esforços conjuntos de promoção de paz e reconciliação e ao mesmo tempo esperam nossa solidariedade e acompanhamento. Retornei para casa com um misto de indignação e de esperança, com a certeza de que não sou mais a mesma pessoa que lá chegou em 20 de fevereiro.

Próximos passos

A próxima reunião do GRPJP será realizada em mais uma região prioritária para a solidariedade das igrejas: em 2018, no nosso continente, na Colômbia. Detalhes serão definidos.

Um dos encaminhamentos para o CMI é a organização de Grupos de Peregrinação a partir do convite de igrejas-membros, para ampliar esta experiência e não ficar restrita ao GRPJP, como preparação para Assembleia de 2021. Nesse sentido, igrejas-membro poderão pedir ao CMI para receberem Grupos de Peregrinação às suas igrejas e regiões. Em breve haverá divulgação sobre esta dinâmica. Quem sabe não temos um grupo em nossa igreja/Brasil?

Em Cristo, 5 de março de 2017,

Magali do Nascimento Cunha

magalicunhaMagali Cunha é Doutora em Ciências da Comunicação, Mestre em Memória Social e Graduada em Comunicação Social (Jornalismo) pela Universidade Federal Fluminense. Atualmente é professora da Universidade Metodista de São Paulo de “O rosto ecumênico de Deus. Reflexões sobre ecumenismo e paz (Fonte Editorial, 2013), “A explosão gospel. Um olhar das ciências humanas sobre o cenário evangélico no Brasil” (Mauad, 2007), e editora do site Mídia, Religião e Política.

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As mídias de massa inauguram as audiências passivas… Precisamos ocupar e humanizar as redes sociais. https://observatoriodaevangelizacao.com/precisamos-ocupar-e-humanizar-as-redes/ Thu, 09 Mar 2017 10:00:53 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=13790 [Leia mais...]]]> Para refletir sobre os desafios da vivência da fé cristã no contexto contemporâneo tão marcado pelas mídias, tecnologias de comunicação e informação, redes sociais, o Observatório da Evangelização disponibiliza a seguir uma síntese da reflexões da jornalista Mali Cunha, apresentada no ano passado no seminário “A Metafísica do Neoliberalismo e a Crise de Valores no Mundo”. A síntese foi elaborada por Tatiana Carlotti:

Precisamos ocupar e humanizar as redes

Segundo pesquisadora, redes sociais como o Facebook fazem com que não haja mais impedimentos para a exposição pública de preconceitos e de ódios. Com explica a professora Magali Cunha, “o mercado depende das mídias e das tecnologias de comunicação e informação para manter seus propósitos”.

Destacando o proselitismo na mídia no apoio e sustentação da lógica do mercado, ela citou a predominância dos padrões anglo-saxões na construção das notícias, do formato, da linguagem e da estética do entretenimento e, também, a construção do imaginário em torno de dicotomias de bem/mal, inteligente/ignorante, bonito/feio, bem-sucedido/fracassado, justo/ injusto, quem tem voz/ quem não tem, deus/ diabo nos discursos veiculados.

“Esses discursos se constroem a partir de imaginários que circulam entre nós e dos quais as mídias se alimentam. Mídia é gente – jornalistas, produtores, artistas, publicitários, operadores de sistemas – que se alimenta desses padrões e os devolve de forma significada ao seu público”.

Padrões reforçados

Exemplos desse imaginário não faltam. Ela relatou, por exemplo, sua dificuldade em achar no Google, a imagem de uma mão negra digitando em um computador “Só tem gente branca, para conseguir uma mão negra, tive de escrever ´mão negra no computador´ e encontrei apenas uma”, revela.

Outro exemplo destacado foi a instituição da pena de morte como algo natural nas telenovelas brasileiras. “Os vilões e as vilãs sempre morrem no final. Este é um valor muito inserido no programa de entretenimento”.

“A pena de morte, aliás, está aí para valer. Basta ver as estatísticas das polícias militares em todas as grandes regiões do Brasil, fora o que não está contabilizado nas regiões menores”, complementou, lembrando dos programas apresentados por José Luiz Datena ou Marcelo Resende, “um jornalismo que diz o cidadão merece receber pelos crimes que praticou”.

Segundo a professora, nas mídias, os produtos são produzidos pelo mercado e, também, destinados ao mercado, demandando “um público consumidor e um patrocínio para serem produzidos”. Esse processo se dá entre pessoas – tanto as que produzem, quanto as que consomem – que têm seus valores e dentro de um contexto cultural, político, econômico, religioso etc.

É em meio a essa troca que surge o discurso. Um discurso, destaca, que não é imposto, mas construído, aceito e assimilado pela maioria, alimentando-se justamente desse imaginário, crenças e valores que existem na sociedade. Trata-se, portanto, de um discurso “manipulado para ser assimilado e aceito naturalmente como opção, e não como imposição”.

Um exemplo é a prevalência da Rede Globo nas televisões de bares, restaurantes, salas de espera… Ao questionar os donos desses estabelecimentos sobre a presença da emissora, a resposta é sempre a mesma: “é o canal que todo mundo vê”. “Isso é hegemonia porque é aceito. Não tem coerção”. Essa lógica, frisa, “passa pelo desejo e pela vontade construídos pelos discursos. As pessoas querem participar daquilo que todos participam”.

Alertando para a falácia de se imaginar o público consumidor como uma massa passiva, ela destacou a presença da mídia contra hegemônica.

“Vivemos diferentes sistemas ao mesmo tempo com as chamadas mídias tradicionais de massa (televisão, rádio, jornal, revista) e as mídias convergentes ou mídias em rede, cada vez mais populares”.

Alguns números

Hoje, no Brasil, 94% dos brasileiros assistem à TV aberta todos os dias e apenas 37% à TV fechada. Em relação ao rádio, 79% dos brasileiros ouvem rádio e 69,2% o fazem todos os dias. “O rádio não vai acabar porque temos uma forte cultura da oralidade no Brasil”, destaca.

Já em relação às mídias em rede, 21% das casas estão conectadas à internet, sendo que 54,4% das pessoas com mais de 10 anos permanecem, pelo menos cinco horas por dia, conectados na internet, tempo superior à média de quatro e horas e meia diante da TV.

Nas redes, aponta Magali, a grande audiência está nas mídias sociais: 92% se conectam por meio de mídias sociais, principalmente o Facebook (83%), Whatsapp (58%) e Youtube (17%)”. Resultado: É cada vez menor o número de pessoas que leem jornais (43%) ou revistas (24%).

O poder das manchetes

Ela também chama a atenção para o poder das manchetes e capas de revistas nas bancas de jornais, destacando a força desse conteúdo no imaginário das pessoas que apenas leem essas chamadas.

“Ainda que não se compre o jornal ou a revista para ler, as capas e manchetes afetam muito porque muita gente não compra, mas fica com aquela informação e a reproduz”.

As pessoas buscam informação e entretenimento nas mídias, sendo que na TV e no rádio a busca por informação supera à de entretenimento. Nas redes, a equação se equilibra. Segundo a professora, nessa nova dinâmica cultural, todos estão sempre mediados pela mídia, em especial, as digitais. “Cada vez mais passamos o tempo na frente de uma tela”.

Lembrando que antes das telas, havia um público interativo e muito ativo – a plateia dos circos e teatros que aplaudiam, vaiavam e jogavam flores ou tomates e ovos quando descontentes – Magali apontou como as mídias de massa inauguraram as audiências passivas, sem possibilidade de contestarem às mensagens recebidas.

“O controle remoto foi o primeiro sinal de protesto, depois surgiram os programas de TV interativa, com a participação pelo telefone, assim, como existia no rádio. Com a internet, porém, a manifestação se amplia muito fortemente. A seleção é mais concreta, a reação imediata, o público comenta, reproduz, reelabora e elabora seus próprios conteúdos. Daí a forte transformação que estamos vivendo com as mídias digitais”.

Por outro lado, destacou, vivemos um momento de exacerbação do individualismo, onde as pessoas se “sentem à vontade para se expor de forma crua: ´digo o que penso´, ´sou o que sou´”. Em sua avaliação, diante deste comportamento, “não há mais impedimentos para a exposição pública de preconceitos e de ódios”, como vemos todos os dias nas redes.

Convergir para dominar

Magali também alerta para a captura pelas mídias tradicionais do conteúdo produzido por esse consumidor-produtor nas redes sociais, tornando-o, em poucas horas, uma celebridade relâmpago. “Como mídia é mercado, tudo acaba sendo utilizado, apropriado e devolvido na forma de mercado. A lógica convergir para dominar”.

E quem domina? O poder dos grandes conglomerados de mídia no Brasil e no Mundo. Ela questiona: “a quais países estão ligadas as empresas que controlam o sistema mundial de comunicação?”, citando Time Warner, Walt Disney, Viacom, Rupert Murdoch, CBS Corporation, NBC Universal.

E mais: “qual a origem e interesses dos grupos que controlam o mercado da comunicação no Brasil?”, lembrando os cinco grupos midiáticos – Globo, Record, Abril-UOL, Folha e Bandeirantes – que dominam 82,5% da audiência. “O poder que marca a indústria da comunicação reflete o poder imperial político econômico e cultural estabelecido no mundo”, afirma.

No entanto, a audiência não é unânime, nem homogênea. “Diante da mensagem operada pela mídia, uma parte negocia o significado dominante e outra o rejeita”, reagindo, justamente, à lógica do mercado. Segundo Magali, os estudos na área de comunicação vêm ressaltando, desde os anos 80, essas mediações.

“A manipulação de sentidos não necessariamente significa manipulação das pessoas e do público. Há efeitos de sentido que dependem dessas mediações. Lula ganhou em 2002 a despeito de todas as mídias, assim como Dilma em 2014”, exemplificou. “O alternativo sempre existiu e agora ganhou uma forte visibilidade”.

Ocupar as redes

Segundo a professora Magali Cunha diante desse domínio, a saída passa, fundamentalmente, pela democratização da comunicação e pela humanização das mídias convergentes.

“Não podemos abandonar a bandeira da democratização da mídia. Ela é necessária e urgente, pois reforça as propostas alternativas e dá visibilidade aos grupos alternativos e contra hegemônicos. Eles precisam ser vistos”.

Ao mesmo tempo, é preciso humanizar as mídias convergentes: “precisamos estar lá e trazer novos conteúdos, abrindo novas expectativas e contemplando diferentes leituras e percepções”.

Ela também alertou para a urgência de se abandonar a posição de “ilustrados” que afirma sobre o público consumidor: ´coitados, eles estão manipulados e eu não estou´.

“Não é assim, nós precisamos entender as várias leituras e aprender com elas. Daí a campanha ´humaniza rede´ e eu lanço outra aqui ´ocupa a rede´. Vamos ocupar e humanizar as redes”.

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Magali Cunha é Doutora em Ciências da Comunicação, Mestre em Memória Social e Graduada em Comunicação Social (Jornalismo) pela Universidade Federal Fluminense. Atualmente é professora da Universidade Metodista de São Paulo de “O rosto ecumênico de Deus. Reflexões sobre ecumenismo e paz (Fonte Editorial, 2013), “A explosão gospel. Um olhar das ciências humanas sobre o cenário evangélico no Brasil” (Mauad, 2007), e editora do site Mídia, Religião e Política.

Fonte:

Carta Maior

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