liberdade – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Sat, 12 Mar 2022 21:51:33 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.4 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 liberdade – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 Conversão: do moralismo à liberdade https://observatoriodaevangelizacao.com/conversao-do-moralismo-a-liberdade/ https://observatoriodaevangelizacao.com/conversao-do-moralismo-a-liberdade/#comments Sat, 12 Mar 2022 21:51:33 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=44279 [Leia mais...]]]>

Alguns símbolos e palavras acabam perdendo seu sentido original e sendo cooptados por movimentos que lhes roubam o brilho, deixando sobre eles um ranço reacionário. As bandeiras e cores nacionais, por exemplo, frequentemente adquirem um sentido supremacista e xenófobo na ascensão dos fascismos (mesmo que com ares tropicais e futebolísticos, como é o caso brasileiro).

Nessa ordem, a palavra “conversão” não passou imune ao moralismo cristão. Soa-nos hoje como um enunciado de julgamento, mais do que uma possibilidade de libertação e de felicidade. O “convertido” é aquele que, ao repudiar seus comportamentos pregressos (em especial aqueles mais diretamente relacionados à dimensão do prazer) agora segue aos rígidos preceitos da cristandade, apresentada sempre em uma face austera, severa e, não poucas vezes, excludente.

Mas a verdade é que converter-se é uma necessidade humana e um movimento quase que espontâneo do amadurecimento ético e afetivo. Para além de qualquer moralismo, o exercício pessoal de autocrítica e reavaliação dos valores e atitudes que nos constituem, é um hábito não somente saudável, mas absolutamente imperativo para a realização pessoal. Um projeto de vida que não esteja aberto à conversão está fadado ao fracasso ou então, à inadequação atroz que os rígidos costumam experimentar diante da realidade mutável da vida.

Um projeto de vida que não esteja aberto à conversão está fadado ao fracasso ou então, à inadequação atroz que os rígidos costumam experimentar diante da realidade mutável da vida.

Frente aos desafios das nossas relações, dos limites do nosso temperamento e daquilo que não podemos mudar em nós e no outro, é preciso converter-se. Diante da crise ecológica, política e ética em que nossa sociedade se afunda, é preciso converter-se. Em oposição ao negacionismo, ao fundamentalismo e à desinformação intencional e perigosa que ameaça a integridade das consciências, é preciso converter-se.

Mas a crítica inicial a um cristianismo de preceitos não pretende fazer deste um texto de simples apologia de uma visão laica da conversão (embora esta seja também possível). Ao contrário, as tradições religiosas, quando bem vividas, podem nos oferecer caminhos valiosos para essa “mudança de rumo”. Afastando-nos de qualquer resquício negativo de uma religiosidade mais orientada por normas do que pela experiência iluminadora da fé, podemos encontrar nos ritos e orações seu sentido primeiro e mais profundo: um espaço frutífero para a transformação interior.

Na tradição judaico-cristã, o profeta Ezequiel coloca na boca de Deus a seguinte promessa: “Eu vos darei um coração novo e porei um espírito novo dentro de vós. Arrancarei do vosso corpo o coração de pedra e vos darei um coração de carne” (Ez. 36, 26) A conversão, aqui, expressa-se como um dom de abertura à novidade e à humanização do coração, muitas vezes petrificado em preconceitos, rancores e concepções perversas de mundo e de ser humano, que nos prendem a uma cultura do descarte e da morte.

A conversão expressa-se como um dom de abertura à novidade e à humanização do coração, muitas vezes petrificado em preconceitos, rancores e concepções perversas de mundo e de ser humano.

Ter um coração de carne nos permite evitar o engessamento inflexível e, ao contrário, abrir-se à maleabilidade da vida em suas nuances e possibilidades diversas. Converter-se, então, deixa de ser uma formatação compulsória a um estilo pré-determinado de ser, para se tornar um exercício de liberdade interior que nos reposiciona diante do mundo, do outro, de nós mesmos e de Deus. O convertido, mais que “um homem novo”, é alguém aberto ao novo: livre, tolerante, compassivo e criativo, como só os grandes homens e mulheres conseguiram ser.

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Matheus Cedric Godinho
É professor de Filosofia e Ensino Religioso e autor e editor de material didático para Educação Básica nas mesmas áreas. Leigo católico, cofundador da Oficina de Nazaré e membro do Conselho Editorial da Revista de Pastoral da ANEC. Atualmente é estudante de Teologia na PUC Minas, onde também trabalha como membro da equipe executiva do Observatório da Evangelização.

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Horizontes de Perdão: será possível perdoar em um mundo dominado por algoritmos? https://observatoriodaevangelizacao.com/horizontes-de-perdao-sera-possivel-perdoar-em-um-mundo-dominado-por-algoritmos/ Fri, 25 Feb 2022 23:18:47 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=43981 [Leia mais...]]]>

Perdoar é um ato profundamente humano. Quando conseguimos encontrar um caminho diverso ao da lógica da reciprocidade, foi possível seguir rumos efetivos à construção de uma humanidade em direção à evolução. Mesmo convivendo com a vingança, o perdão passou a ser uma possibilidade civilizatória e ética. Mesmo que tenha vínculos teológicos, perdoar se mostrou um caminho para além de suas origens, com contornos éticos, culturais e densamente humano. Perdoar é um processo, o fim de uma trajetória de memória, de trabalho de luto. Não é fácil, mas é possível. Pressupõe um ato de liberdade!

Perdoar é um processo, o fim de uma trajetória de memória, de trabalho de luto. Não é fácil, mas é possível. Pressupõe um ato de liberdade!

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O ser humano se depara, ao longo da sua existência, com diversos possíveis (por vezes, imaginários) determinismos: sociais, biológicos, psíquicos, culturais… Em tempos pós-modernos, cada vez mais nossas ações serão definidas por algoritmos. Alguns apostam mesmo, que o uso de algoritmos na tomada de decisão será cada vez mais comum. Hoje já confiamos a eles a escolha do filme que iremos assistir ou da música que iremos ouvir. Nas próximas décadas, o Big Data e a Inteligência Artificial irão se aperfeiçoar a ponto de tomarem estas decisões por nós, de acordo com as previsões de Yuval Noah Harari (2019):

“Escolher o par romântico a partir de modelos preditivos que   mostrem os possíveis cenários ao se envolver com determinada pessoa. Escolher a profissão e a carreira com uma busca no Google, que, a partir dos algoritmos e as informações armazenadas que possui do usuário, analisaria os pontos fortes e fracos do indivíduo e ofereceria uma resposta. Escolher em qual candidato votar em uma eleição.”

A tendência é que, com o passar dos anos, passemos a confiar mais nos algoritmos do que em nossos sentimentos. A maioria das pessoas não conhece bem a si mesma e ainda comete erros na hora de tomar qualquer decisão. Ao contrário da IA, o ser humano sofre com a falta de dados, regras confusas e incertezas da vida cotidiana. Assim delegaremos cada vez mais atividades para os algoritmos, o que pode nos levar a esquecermos como tomar decisões por nós mesmos.

Somente podemos conceber o perdão e suas possibilidades se partirmos de concepções de liberdade. Por isso, em contextos ditatoriais não presenciamos perdão em dimensões políticas, sociais e humanitárias. A lei do “olho por olho, dente por dente” prevalece em ditaduras! O ódio supera a razão e é institucionalizado. No entanto, quando pensamos em democracias, temos que ter como ponto de partido uma razão discursiva, construída de forma dialógica, que nos mostra a construção e a desconstrução de verdades absolutas. Dessa forma, é possível constatar universos de atuação humana complexos, não-lineares. Elementos aleatórios, caóticos e até mesmo horizontes da ordem do não-dito, do inconsciente, são considerados. Ou seja, entende-se, nesse contexto, o ser humano em sua devida complexidade, fugindo de concepções deterministas e simplistas.

O Papa Francisco, no Angelus, nos ensina:

Pensemos em uma pessoa que nos fez mal. Talvez haja um ressentimento dentro de nós. Então, coloquemos este ressentimento ao lado da imagem de Jesus, manso, durante o seu julgamento. E depois peçamos ao Espírito Santo que aja em nossos corações” (ANGELUS, 20 de fevereiro de 2022).

Francisco insiste na orientação: “oremos pelos nossos inimigos”. “Rezar por aqueles que nos trataram mal é o primeiro passo para transformar o mal em bem. Que a Virgem Maria nos ajude a sermos pacificadores para todos, especialmente para com aqueles que nos são hostis e não gostam de nós”.

A lógica de generosidade que permeia o perdão é um ponto central dos Evangelhos, que se manifesta nas parábolas e nos provérbios de Jesus. No campo ético, o perdão e sua economia do dom, comandados pela lógica da superabundância, do excesso, podem motivar uma nova atuação política e ética em um aspecto universal.

No campo ético, o perdão e sua economia do dom, comandados pela lógica da superabundância, do excesso, podem motivar uma nova atuação política e ética em um aspecto universal.

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Aqueles que perdoam de verdade não esquecem, mas renunciam a deixar-se dominar pela mesma força destruidora que os lesou. Quebram o círculo vicioso, impedem o avanço das forças da destruição. Decidem não continuar a injetar na sociedade a energia da vingança que, mais cedo ou mais tarde, acaba por cair novamente sobre eles próprios. Com efeito, a vingança nunca sacia verdadeiramente a insatisfação das vítimas. Há crimes tão horrendos e cruéis que, fazer sofrer quem os cometeu, não serve para sentir que se reparou o dano; não bastaria sequer matar o criminoso, nem se poderiam encontrar torturas comparáveis àquilo que pode ter sofrido a vítima. A vingança não resolve nada (Fratelli Tutti, 251).

Jesus ensina aos escribas e fariseus que não é verdade que apenas Deus tem o poder de perdoar. Ele mesmo opera um milagre na tentativa de provar que “O Filho do Homem tem sobre a Terra o poder de perdoar pecados” (Lc 5, 21-42). A formulação de Jesus é radical, uma vez que o Evangelho não afirma que o homem deve perdoar porque Deus perdoa, mas que cada um deve perdoar a partir de sua consciência. Deus perdoa “nossas dívidas, assim como perdoamos nossos devedores”, diz a oração que Jesus nos ensinou (Lc 11, 1-13). Claro, seria impossível perdoar a partir de nossas próprias forças humanas, a partir da nossa lógica. O segredo é a abertura à Graça, à Superabundância. O perdão é da ordem de suas consequências mais belas.

Concluindo com Francisco:

“O que Lhe podemos pedir? O que apraz a Deus oferecer-nos? A força de amar, que não é algo, mas é o Espírito Santo. A força de amar é o Espírito Santo, e com o Espírito de Jesus podemos responder ao mal com o bem, podemos amar quem nos fere. Assim fazem os cristãos. Como é triste quando pessoas e povos orgulhosos por ser cristãos veem os outros como inimigos e pensam em fazer guerra! É muito triste!” (ANGELUS, 20 de fevereiro de 2022).

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René Dentz
É leigo, professor do departamento de Filosofia e do curso de Psicologia-Praça da Liberdade na PUC-Minas, onde também atua como membro da equipe executiva do Observatório da Evangelização. Psicanalista, doutor em Teologia pela FAJE, com pós-doutorado pelas Université de Fribourg/Suíça, Universidade Católica Portuguesa e PUC-Rio. É comentarista da TV Horizonte e da Rádio Itatiaia. Autor de 7 livros, dentre os quais “Horizontes de Perdão” (Ideias e Letras, 2020). Pesquisador do Grupo de Pesquisa CAPES “Mundo do trabalho, ética e teologia”, na FAJE-BH.

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