Laudato Sí – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Wed, 22 Jul 2020 20:02:42 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.4 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 Laudato Sí – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 “Laudato Si’ é uma visão geopolítica, social e ambiental, que propõe que o problema da humanidade, a salvação do planeta, começa na política”, COM A PALAVRA LUIS LIBERMAN, O AMIGO JUDEU DO PAPA FRANCISCO https://observatoriodaevangelizacao.com/laudato-si-e-uma-visao-geopolitica-social-e-ambiental-que-propoe-que-o-problema-da-humanidade-a-salvacao-do-planeta-comeca-na-politica-com-a-palavra-luis-liberman-o-amigo-judeu-do-papa-fra/ Wed, 22 Jul 2020 20:02:42 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=35180 [Leia mais...]]]> Na verdade, “nosso ponto de encontro com Bergoglio foi a política, a literatura e a educação. Não foi uma questão religiosa“, insiste Luis Liberman, acrescentando que “temos uma amizade que transcende a religião, uma amizade fraterna”... A política é a arte de tornar possível o necessário, diz Luis Liberman, e na política “Francisco tem uma visão ontológica“, algo que aparece tanto na Evangelii Gaudium como na Laudato Si‘, que têm uma estrutura política, de acordo com o antropólogo argentino. De fato, segundo ele, “pensar que Laudato Si’ é uma encíclica ambiental é cometer um erro de reducionismo“. Liberman afirma que “na construção das tensões polares que Francisco propõe, há um entrelaçamento com a política, em termos de poder como verbo, não de poder como substantivo, que é uma ação transformadora que só torna possível a construção do bem comum a partir de uma práxis“.

Confira:

“BERGOGLIO, PARA MIM, É UM MESTRE INSPIRADOR, É PORQUE ELE É ESSENCIALMENTE UM PEDAGOGO”. ENTREVISTA COM LUIS LIBERMAN

No papa Francisco, em Jorge Bergoglio, ou simplesmente em Jorge, que é como ele o trata em suas conversas particulares “não há preocupação de ver de onde você vem, não há relatório institucional, na cabeça de Bergoglio não há tal pensamento de que ele é judeu, ele é islâmico“. Quem fala isso é Luis Liberman, um judeu argentino, que está ligado ao Papa por interesses ideológicos comuns desde seu tempo como arcebispo de Buenos Aires, já que Bergoglio sempre se aproximou daqueles que buscam o bem comum.

Papa Francisco com o amigo Luis Liberman durante o Sínodo para a Amazônia.

Para dizer a verdade, o primeiro da família Liberman a conhecer Bergoglio foi Julio Liberman, avô de Luis, um líder do Partido Comunista da Argentina, que nos últimos anos de sua vida teve como bandeira a defesa dos aposentados, que ganham muito pouco. Naquela época, no início dos anos 90, “Bergoglio conhece meu avô quando era bispo auxiliar e responsável pela Pastoral dos Idosos“, disse Liberman. Dois dias antes de sua morte, Julio Liberman chama seu neto e anuncia que ele vai morrer, e lhe diz “tudo o que você tem que fazer é chamar Bergoglio“.

Três horas depois de ligar para sua secretária, Bergoglio foi ao velório e perguntou por mim“, diz Luis Liberman. Ele não estava lá, mas uma semana depois, estamos falando de fevereiro de 2003, ele telefonou e marcaram uma reunião, na terça-feira seguinte às 7 da manhã, algo foi repetido por 6 meses. Depois eles se encontraram nas sextas-feiras às 17h, diz o amigo judeu do Papa, embora a religião não tenha sido o que os levou a se encontrar. Na verdade, “nosso ponto de encontro com Bergoglio foi a política, a literatura e a educação. Não foi uma questão religiosa“, insiste Luis, acrescentando que “temos uma amizade que transcende a religião, uma amizade fraterna, e Jorge, Francisco, é um mestre sensacional“. “Jorge apóia seus amigos“.

A política é a arte de tornar possível o necessário, diz Luis Liberman, e na política “Francisco tem uma visão ontológica“, algo que aparece tanto na Evangelii Gaudium como na Laudato Si‘, que têm uma estrutura política, de acordo com o antropólogo argentino. De fato, segundo ele, “pensar que Laudato Si’ é uma encíclica ambiental é cometer um erro de reducionismo“. Liberman afirma que “na construção das tensões polares que Francisco propõe, há um entrelaçamento com a política, em termos de poder como verbo, não de poder como substantivo, que é uma ação transformadora que só torna possível a construção do bem comum a partir de uma práxis“.

Prof. Luiz Liberman, antropólogo, fundador e diretor do Instituto para o Diálogo Global e a Cultura do Encontro – IDGCE

A partir desta afirmação, ele vê que “Laudato Si’ é uma visão geopolítica, social e ambiental, que propõe que o problema da humanidade, a salvação do planeta, começa na política“. De fato, Liberman afirma que “Francisco é um sujeito político, que pensa em termos de animal político“, algo que, por exemplo, demonstrou em seu discurso nas Nações Unidas, onde “ele desliza a visão política da sustentabilidade de um organismo que, se realmente não fixa metas concretas e como obtê-las, é um organismo que deixa de ter um poder real, de ter um poder formal e, portanto, inútil para o desafio de fazer um mundo melhor“.

Para Liberman, “em termos weberianos, poderíamos dizer que a ação política de Francisco está ligada a fins racionais, mas também a uma ética, que é marcada pela possibilidade de pensar no futuro“. Isto é algo que pode ser vislumbrado na relação entre Laudato Si’ e o Sínodo para a Amazônia, que poderia ser visto como a aplicação do documento papal ao território. Nesta perspectiva, as palavras do Papa no final da Assembléia Sinodal assumem especial importância, “concentrar nos diagnósticos, porque é aí que devemos intervir, e essa intervenção é social, ambiental, cultural e política“, disse Luis.

De fato, “o Sínodo é a concretização política de Laudato Si’, e sua extensão ao território e a implementação de suas decisões abre um desafio esperançoso e transformador“, de acordo com o antropólogo. Nesta perspectiva, ele destaca que “em um mundo onde os partidos políticos estão tão desacreditados e a democracia se torna uma democracia de pessoas, o fato de tomar consciência da tragédia humana que está acontecendo na Amazônia, e essa consciência ter uma pedagogia de cuidado e mudança, alerta os poderosos que os humildes estão tomando algo que estava escondido, que é o conhecimento“. É por isso que, sem esquecer a relação dos Estados com o extrativismo predatório, Liberman insiste em buscar estratégias de desenvolvimento para a Amazônia junto com os povos que ali vivem. Procurar um programa político amazônico, “baseado na compreensão de nossas diferenças e caminhar juntos como irmãos, o que deveria levar os poderosos a se unirem, não a considerá-los como inimigos“.

Papa Francisco em audiência com o amigo Luis Liberman.

Em vista da pandemia da COVID, que afeta as populações mais vulneráveis, algo ainda mais evidente na Amazônia, Luis insiste na necessidade de investimentos em políticas de saúde por parte dos Estados nacionais, que nunca favoreceram os setores desprotegidos da Amazônia e, consequentemente, estas mortes, que são evitáveis em outro contexto, não foram evitadas de forma alguma. Ele lembra as palavras de Patricia Gualinga, líder do povo Kichwa de Sarayaku, que disse que estão procurando alternativas à COVID na medicina ancestral, com algum grau de sucesso, sem esperar que a medicina ocidental resolva o que ela nunca atacou, o que tem a ver com a negligência, com a falta de proteção dos povos originários.

Desde o mês passado, o Instituto para o Diálogo Global e a Cultura do Encontro, do qual ele é o fundador e diretor, está organizando, junto com a Rede Eclesial Pan-Amazônica – REPAM, o “Fórum sobre o Direito à Água e o Direito à Esperança“, que ele define como uma continuidade de uma série de reuniões de gestão do conhecimento que começou com o caminho comum que tomamos com a REPAM desde 2015. Nesta caminhada, já foi realizado o “Seminário sobre o Direito à Água e Políticas Públicas“, realizado no Vaticano em fevereiro de 2018, do qual foi emitida uma declaração que foi citada na abertura do Sínodo, outro “Seminário do Direito à Água ao Direito à Paz“, naquele mesmo ano, acompanhando a visita do Papa à Colômbia, com líderes das FARC e a administração estatal do pós-conflito.

Liberman enfatiza que “nossa pregação sempre procurou territorializar o conhecimento, não para levar o conhecimento apenas ao nível acadêmico, mas também para colocá-lo ao alcance daqueles que necessitam desse conhecimento para realizar suas ações“. Este trabalho, que também teve outro encontro em Buenos Aires, “Do Direito à Água ao Direito ao Futuro“, pretendia fazer deste seminário, que está sendo virtual, com sessões a cada duas semanas, que devem ser prolongadas até outubro, em Roma. O objetivo é “fortalecer, atender e acompanhar as decisões científico-técnicas, a difusão e a gestão do conhecimento que saiu do Sínodo”, diz Luis, que insiste que nossa idéia é gerar um espaço de intercâmbio entre o conhecimento comprovado que possa ser transferido para as comunidades“.

Prof. Luis Liberman durante o Sínodo para Amazônia.

O diretor do Instituto de Diálogo Global e Cultura do Encontro afirma que “a COVID, como uma crise global, nos dá a oportunidade de repensar nossas políticas públicas, colocando a água e o meio ambiente no início da gestão das políticas públicas, não no fim, depois de ter colocado o capital financeiro e produtivo, deixando os direitos básicos, o direito à água, para o fim, para o qual são criados os Ministérios do Meio Ambiente“. A importância desta posição reside no fato de que se trata de construir o futuro, segundo Liberman, que vai mais além, dizendo que “um futuro só é possível se fizermos o que é necessário no presente para que o futuro exista“. Isso exige, em sua opinião, “ser capaz de semear um grau de consciência de que a política ambiental, no sentido amplo, talvez no sentido expresso por Laudato Si’, tem que estar no início da ética e das práticas das políticas públicas“, o que exige “criar sistemas educacionais de uma ordem diferente que nos permitam postular esse futuro“.

Esta construção do futuro é uma das preocupações do papa Francisco, que criou uma Força Tarefa neste sentido. Liberman a entende “como se fossem círculos concêntricos, com o Vaticano no centro, que propôs uma abordagem transversal a vários dicastérios que lhe permitiram mobilizar a partir de uma certa zona de conforto, na qual está instalada a Cúria Romana, atores que até agora não se haviam expressado“. Neste sentido, ele a vê como “uma comissão inspiradora e não prática, porque está elaborando cenários para o futuro, que são algo hipotético e não preditivo“. Um elemento importante é que “esta comissão deve se forçar a pensar em entrar no território, deve entrar em contato profundo com a Conferência Eclesial Amazônica e com as Conferências Episcopais“, assinala Luis, que a vê como um instrumento que “fornece à Igreja um andaime político que muitas vezes a Igreja não articula“. Nesta perspectiva, o antropólogo compara a Igreja a algo que está permanentemente em tensão, sabendo que a unidade é superior ao conflito.

Para Liberman, “o desafio da Força Tarefa é cruzar aquelas tensões polares que Francisco menciona muitas vezes e vertebrá-las em termos de um desafio temporário de uma abordagem política e cultural“. Acima e além do impacto que pode ter, um conceito que ele diz não gostar, em relação à Força Tarefa, “o importante é que uma trama acontece, que é o que causa as mudanças de baixo para cima, como um entrelaçamento, que torna fortes os fios que só por si são frágeis“. Portanto, “o desafio é construir tramas que tenham uma transferência pedagógica para a Igreja universal através do local“, insistindo em apoiar a nascente Conferência Eclesial Amazônica, que Luis define como polifônica, pois leva as vozes de todos os participantes.

Em referência a esta Conferência Eclesial da Amazônia, que não podemos esquecer foi uma orientação do Papa, Liberman define Francisco como “um peregrino das periferias“. Ele afirma que “Jorge Bergoglio é um homem que quando estabelece um objetivo, de acordo com suas convicções, não se afasta do cumprimento desse objetivo, mesmo que o caminho seja mais longo“. Nesta caminhada da Conferência Eclesial da Amazônia ele aponta alguns elementos importantes como a criação da Universidade Amazônica, que aparece como sugestão no Documento Final do Sínodo, e os seminários, afirmando que “se o Papa quer mudar a Igreja ele deve reformar o currículo dos seminários“.

Luis Liberman com o papa Francisco durante o Sínodo para a Amazônia.

Liberman conta uma anedota que nos ajuda a entender a personalidade de Jorge Bergoglio. Ocorreu em 2010, quando “lhe perguntei se ele seria Papa, ao que ele respondeu que não tenho nenhuma chance de ser Papa, mas só seria Papa se a pátria precisasse de mim“. O amigo do Papa diz que “quando ele foi eleito, entendi que a pátria era a humanidade e que este homem, aos 76 anos de idade, com um pulmão e três quartos, estava se entregando à humanidade“. Com isso ele também perdeu muito, porque, segundo Luis, “nada agradava mais a Jorge Bergoglio do que sair às ruas, encontrando-se com as pessoas mais humildes“. A partir daí pode-se entender termos presentes no vocabulário de Francisco, como a cultura do descarte ou a globalização da indiferença.

Na verdade, Luis Liberman define o pensamento de Bergoglio como muito complexo, não complicado. É isso que ajuda a entender “a dimensão pela qual Bergoglio observa a realidade e a traduz em palavras muito simples, que no entanto têm uma estratigrafia tal que para muitos é difícil de entender e para outros é uma matriz conceitual“. Daí ele entende que “a indiferença globalizada é a incapacidade de ver o outro que sofre ao ponto de a indiferença excluir o outro“. Junto com isso, ele vê que “a cultura do descarte é a cultura da sociedade quebrada, que surge de um homem que caminhava“.

Tudo isso leva alguém que diz e sente que é seu amigo, um amigo judeu do Papa, a dizer que “para mim ele é um mestre e é um mestre inspirador, ele é porque essencialmente Bergoglio é um pedagogo“. Ele exemplifica apontando que “eu sempre digo que a sabedoria deste homem não está em dizer que você vai bater na parede, mas em ordenar-lhe o caminho para que você não bata, agora, se você bater, a culpa é sua“.

Sobre o autor:

Luiz Miguel Modino

Luis Miguel Modino – Padre diocesano de Madri, missionário fidei donum na Amazônia, residindo atualmente em Manaus – AM. Faz parte da Equipe de Comunicação da REPAM. Correspondente no Brasil de Religión Digital e colaborador do Observatório da Evangelização e em diferentes sites e revistas.

Confira, a seguir, a versão em espanhol:

Luis Liberman: “Bergoglio para mí es un maestro inspirador, lo es porque esencialmente es un pedagogo”

En el Papa Francisco, en Jorge Bergoglio, o simplemente en Jorge, que es como le trata en sus conversaciones privadas “no hay una preocupación por ver de donde venís, no hay un informe institucional, en la cabeza de Bergoglio no existe ese pensamiento de este es judío, este es islámico”. Quien así habla es Luis Liberman, judío argentino, a quien le unen al Papa intereses ideológicos comunes de cuando era arzobispo de Buenos Aires, pues Bergoglio siempre se aproxima de quien busca el bien común.

A decir verdad, el primero de la familia Liberman en conocer a Bergoglio fue Julio Liberman, el abuelo de Luis, un líder del Partido Comunista de Argentina, que en los últimos años de su vida tuvo como bandera la defensa de los jubilados, que ganan muy poco. En ese tiempo, inicio de la década de 1990, “Bergoglio conoce a mi abuelo, siendo obispo auxiliar y responsable de la Pastoral de la Tercera Edad”, afirma Liberman. Dos días antes de su muerte, Julio Liberman llama a su nieto y le anuncia que va a morir, y le dice “lo único que tenéis que hacer es llamar a Bergoglio”.

“A las tres horas de llamar a su secretaria, Bergoglio fue al velatorio y preguntó por mí”, dice Luis Liberman. Él no estaba, pero una semana después, estamos hablando de febrero de 2003, le llamó y marcaron un encuentro, el siguiente martes a las 7 de la mañana, algo se repitió durante 6 meses. Después se reunieron los viernes a las 5 de la tarde, cuenta el amigo judío del Papa, aunque la religión no fuese lo que les llevó a encontrarse. De hecho, “nuestro punto de encuentro con Bergoglio fue la política, la literatura y la educación. No fue una cuestión religiosa”, insiste Luis, añadiendo que “tenemos una amistad que trasciende lo religioso, una amistad fraterna, y Jorge, Francisco, es un maestro sensacional. Jorge sostiene a sus amigos”.

La política es el arte de hacer posible lo necesario, afirma Luis Liberman, y en la política “Francisco tiene una visión ontológica”, algo que aparece tanto en Evangelii Gaudium como Laudato Si, que tienen un estructurante político, según el antropólogo argentino. De hecho, según él, “pensar que Laudato Si es una encíclica ambiental es cometer un error de reduccionismo”. Liberman sostiene que “en la construcción de las tensiones polares que plantea Francisco hay un entrecruzamiento con la política, en términos de poder verbo, no poder sustantivo, que es una acción transformadora, que sólo hace posible la construcción del bien común a partir de una praxis”.

Desde esa afirmación, ve que “Laudato Si es una visión geopolítica, social y ambiental, que plantea que la problemática de la humanidad, el salvar el planeta, comienza en la política”. De hecho, Liberman afirma que “Francisco es un sujeto político, que piensa en términos de animal político”, algo que por ejemplo demostró en su discurso en Naciones Unidas, donde “desliza la visión política de la sustentabilidad de un organismo que si realmente no fija metas concretas y como conseguirlas, es un organismo que deja de tener un poder real, para tener un poder formal, y por tanto inútil para el desafío de hacer un mundo mejor”.

Para Liberman, “en términos weberianos, podríamos plantear que la acción política en Francisco está vinculada a fines racionales, pero también a una ética, que está marcada por la posibilidad de pensar el futuro”. Eso es algo que se puede vislumbrar en la relación existente entre Laudato Si y el Sínodo para la Amazonía, que podría ser visto como la aplicación del documento papal al territorio. Desde esa perspectiva, cobran especial importancia las palabras que el Papa dijo cuando terminó la Asamblea Sinodal, “concéntrense en los diagnósticos, porque es ahí donde debemos intervenir, y esa intervención es social, ambiental, cultural y política”, destaca Luis.

De hecho, “el Sínodo es la concreción política de Laudato Si, y su extensión al territorio y la implementación de sus decisiones abre un desafío esperanzador y transformador”, según el antropólogo. En esa perspectiva, destaca que “en un mundo donde los partidos políticos están tan desacreditados y la democracia se convierte en democracia de personas, el hecho de tomar conciencia de la tragedia humana que sucede en la Amazonía, y esa toma de conciencia tener una pedagogía del cuidado y del cambio, alerta a los poderosos de que los humildes están tomando algo que estuvo escamoteado, que es el conocimiento”. Por eso, sin olvidar la relación de los estados con el extractivismo depredador, Liberman insiste en buscar estrategias de desarrollo para la Amazonía junto con los pueblos que allí viven. Buscar un programa político amazónico, “basado en entender nuestras diferencias y caminar juntos como hermanos, que debería llevar a los poderosos a sumarse, no a considerarlo como enemigo”.

Ante la pandemia del COVID, que afecta a las poblaciones más vulnerables, algo que se ve todavía más claramente en la Amazonía, Luis insiste en la necesidad de inversión en políticas sanitarias de los estados nacionales, que nunca favoreció a los sectores desprotegidos de la Amazonía, y en consecuencia, estas muertes, evitables en otro contexto, no han sido impedidas de ninguna manera. Él recuerda las palabras de Patricia Gualinga, lideresa del pueblo Kichwa de Sarayaku, quien ha dicho que están buscando alternativas de cura al COVID en la medicina ancestral, con algún grado de éxito, sin esperar a que la medicina occidental resuelva lo que nunca atacó, que tiene que ver con el descuido, con la desprotección de los pueblos originarios.

Desde el mes pasado, el Instituto para el Diálogo Global y la Cultura del Encuentro, del que es fundador y director, está organizando, junto con la Red Eclesial Panamazónica – REPAM, el “Foro del Derecho al Agua al Derecho a la Esperanza”, algo que define como una continuidad de una serie de encuentros de gestión del conocimiento que comenzaron con el camino común que hicimos con la REPAM desde 2015. En este recorrido ya se han celebrado el “Seminario del Derecho al Agua y las Políticas Públicas”, celebrado en el Vaticano en febrero de 2018, de donde salió una declaración citada en la abertura del Sínodo, otro Seminario, “Del Derecho al Agua al Derecho a la Paz”, ese mismo año, acompañando la visita del Papa a Colombia, con dirigentes de las FARC y de la gestión estatal del post conflicto.

Liberman destaca que “nuestra prédica siempre buscó territorializar el conocimiento, no llevar el conocimiento solamente al plano académico, sino también ponerlo al alcance de la mano de aquel que requiere ese conocimiento para gestar sus acciones”. Este trabajo, que también tuvo otro encuentro en Buenos Aires, “Del Derecho al Agua al Derecho al Futuro”, pretendía hacer este seminario, que está siendo virtual, con sesiones cada dos semanas, que deben prolongarse hasta octubre, en Roma. El objetivo es “fortalecer, atender y acompañar las decisiones científico-técnicas, de divulgación y de gestión del conocimiento que emanaron del Sínodo”, afirma Luis, que insiste en que “nuestra idea es generar un ámbito de intercambio entre conocimientos probados que sean transferibles a las comunidades”.

El director del Instituto para el Diálogo Global y la Cultura del Encuentro sostiene que “el COVID, en cuanto crisis global, nos da una oportunidad de repensar nuestras políticas públicas poniendo el agua y el ambiente al inicio de la gestión de las políticas públicas, no al final, después de haber puesto el capital financiero y productivo, dejando los derechos básicos, el derecho al agua, para el final, para lo cual se crean Ministerios de Ambiente”. La importancia de esta postura radica en que se trata de una cuestión de construcción de futuro, según Liberman, que va más allá, diciendo que “solo es posible un futuro si hacemos en el presente lo necesario para que el futuro exista”. Eso demanda, en su opinión, “poder sembrar un grado de conciencia de que la política ambiental, en el sentido amplio, quizás en el sentido que expresa Laudato Si, tiene que estar al principio de la ética y de las prácticas de las políticas públicas”, lo que demanda “crear sistemas educativos de distinto orden que nos permiten postular ese futuro”.

Esa construcción del futuro es una de las preocupaciones del Papa Francisco, que creó la Task Force en ese sentido. Liberman la entiende “como si fueran círculos concéntricos, que en el centro está el Vaticano, que planteó un enfoque transversal a varios dicasterios que le permitió movilizar de cierta zona de confort, en la cual se instala la Curia Romana, a actores que hasta el momento no habían expresado”. En ese sentido, él la ve como “una comisión inspiracional más que práctica, porque está trazando escenarios de futuro, que son algo hipotético antes que predictivo”. Un elemento importante es que “esa comisión debería obligarse a pensar en trasladarse al territorio, tiene que entrar en profundo contacto con la Conferencia Eclesial Amazónica y con las conferencias episcopales”, destaca Luis, que la ve como un instrumento que “le provee a la Iglesia un andamiaje político que muchas veces la Iglesia no articula”. En esa perpectiva, el antropólogo compara la Iglesia con algo que está permanentemente en tensión, sabiendo que la unidad es superior al conflicto.

Para Liberman, “el desafío de la Task Force es cruzar esas tensiones polares que menciona muchas veces Francisco y vertebrarlas en función de un desafío temporal desde un enfoque político y cultural”. Por encima del impacto que pueda tener, un concepto del que dice que no le gusta, en relación con la Task Force, “lo importante es que suceda una trama, que es lo que provoca los cambios de abajo hacia arriba, como un entretejido, que hace que juntos sean fuertes los hilos que solos son frágiles”. Por eso, “el desafío es construir tramas que tengan una transferencia pedagógica a la Iglesia universal a través de lo local”, insistiendo en apoyar la naciente Conferencia Eclesial Amazónica, que Luis define como polifónica, porque toma las voces de todos los participantes.

En referencia a esta Conferencia Eclesial de la Amazonía, que no podemos olvidar que fue una orientación del Papa, Liberman define a Francisco como “un peregrino de las periferias”. Él afirma que “Jorge Bergoglio es un hombre que fijado un objetivo, en consonancia con sus convicciones, no se aparta del cumplimiento del mismo aunque el camino sea más largo”. En ese caminar de la Conferencia Eclesial de la Amazonía señala algunos elementos importantes como la creación de la Universidad Amazónica, que aparece como sugerencias del Documento Final del Sínodo, y los seminarios, afirmando que “si el Papa quiere cambiar la Iglesia tiene que reformar el curriculum de los seminarios”.

Liberman cuenta una anécdota que nos ayuda a entender la personalidad de Jorge Bergoglio. Tuvo lugar en 2010, cuando le pregunto si él sería Papa, a lo que respondió que “no tengo posibilidades de ser Papa, pero solo sería Papa si la patria me necesita”. El amigo del Papa dice que “cuando le eligieron entendí que la patria era la humanidad y que este hombre, con 76 años, con un pulmón y tres cuartos, se entregaba a la humanidad”. Con eso también perdió mucho, pues según Luis, “nada le gustaba más a Jorge Bergoglio que salir a la calle, juntarse con los más humildes”. Desde ahí se pueden entender términos presentes en el vocabulario de Francisco, como cultura del descarte o globalización de la indiferencia.

De hecho, Luis Liberman define el pensamiento de Bergoglio como al muy complejo, que no complicado. Eso es lo que ayuda a entender “la dimensión por la cual Bergoglio observa la realidad y la traduce a palabras muy sencillas, que sin embargo tienen tal estratigrafía que para muchos es difícil de comprender y para otros es una matriz conceptual”. Desde ahí él entiende que “la indiferencia globalizada es la incapacidad de ver al otro que sufre al punto tal de que la indiferencia descarta al otro”. Junto con eso, ve que “la cultura del descarte es la cultura de la sociedad rota, que surge de un hombre que caminaba”.

Todo ello lleva a alguien que se dice y se siente su amigo, un judío amigo del Papa, a afirmar que “para mí es un maestro y es un maestro inspirador, lo es porque esencialmente Bergoglio es un pedagogo”. Lo ejemplifica al señalar que “siempre digo que la sabiduría de este hombre no está en decirte que vas a chocarte contra la pared, sino en ordenarte el camino para que no te choques, ahora, si te chocas es culpa tuya”.

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No Advento de 2019, que tal aprofundar a caminhada da fé cristã com a ajuda da Laudato Si https://observatoriodaevangelizacao.com/no-advento-de-2019-aprofundar-a-caminhada-da-fe-com-a-ajuda-da-laudato-si/ Tue, 03 Dec 2019 01:42:24 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=33662 [Leia mais...]]]> O tempo do Advento é um dos mais ricos do ano litúrgico cristão, verdadeiro tempo de graça, pois se trata de um tempo forte de preparação esperançada para bem celebrarmos o Mistério de Amor do Natal que se aproxima:

Celebrar com alegria, abertura de coração e busca de conversão a Deus que, pela força do Espírito Santo nos enviou seu Filho Jesus. O menino Jesus encarna a esperança de que o projeto salvífico de Deus acontece em nossa história. Em Jesus, Deus que veio ao nosso encontro a partir dos mais pobres e vulneráveis da sociedade.

Hoje, entre os mais pobres e vulneráveis encontra-se a nossa casa comum. De tão agredida por nossas ações inconsequentes e pela insistência insana em um modelo de desenvolvimento extrativista e destruidor, alimentado por uma lógica insaciável por lucros e que concentra as riquezas nas mãos de poucos e condenação de muitos a uma situação infra-humana de miséria e fome. Quando as leis do mercado ocupam a centralidade da dinâmica da vida, o ser humano é reduzido a mero consumidor. O equilíbrio de nossa casa comum está profundamente ameaçado, o que coloca em risco a existência de todos os seres vivos na terra.

Diante dessa trágica situação, como cristãos, não podemos ficar indiferentes. Precisamos buscar e discernir o que Deus quer de nós. Para nos ajudar, em pequenos grupos ou mesmo individualmente, propomos que durante o Advento mergulhemos apaixonadamente na leitura-estudo da Encíclica Laudato Si’, sobre o cuidado com a casa comum, do papa Francisco.

Atenção: Clique aqui para acessar o Documento do papa Francisco

Eis a nossa sugestão de roteiro:

Durante a 1ª Semana do Advento, com uma vela acesa:

=> Ler e meditar a Introdução (1-16) e o Capítulo I: O que está acontecendo com nossa Casa (17-61)

Durante a 2ª Semana do Advento, com uma vela acesa:

=> Ler e meditar o Capítulo II: O Evangelho da Criação (62-100) e o Capítulo III: A raiz humana da crise ecológica (101-136)

Durante a 3ª Semana do Advento, com uma vela acesa:

=> Ler e meditar o Capítulo IV: Uma ecologia integral (137-162)e o Capítulo V: Algumas linhas de orientação e ação (163-201)

Durante a 4ª Semana do Advento, com uma vela acesa:

=> Ler e meditar o Capítulo VI: Educação e espiritualidade ecológica (202-246)e firmar, como gesto de fé, um Compromisso Ecológico de Natal a partir de um discernimento de fé, tendo presente os apelos de Deus que forem mais fortes para o contexto da vida do grupo ou de cada pessoa que trilhou esta caminhada do Advento.

(A ideia nasceu da leitura de uma reflexão publicada por National Catholic Reporter, 01/12/2019 e traduzida por Isaque Gomes Correa para o IHU)

Edward Guimarães

Secretário Executivo do Observatório da Evangelização

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Encíclica do papa Francisco sobre o cuidado da Casa Comum – Laudato Si’ – é lançada em vídeo https://observatoriodaevangelizacao.com/enciclica-do-papa-francisco-sobre-o-cuidado-da-casa-comum-laudato-si-e-lancada-em-video/ Sat, 09 Jun 2018 18:08:51 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=28396 [Leia mais...]]]> A Encíclica do papa Francisco que incluiu, definitivamente, a ecologia integral no seio da doutrina social da Igreja agora disponível em DVD didático para ajudar na ação evangelizadora e trabalhar na formação escolar e dos mais diversos grupos. Vale a pena conhecer…

 

“Tudo está interligado!”

Esta é a tônica da sinfonia escrita pelo papa Francisco, a Encíclica Laudato Si’ (Louvado Sejas). Aqui, este precioso documento é apresentado e comentado por especialistas de diversas áreas do conhecimento e de diferentes tradições religiosas. Laudato Si’ é uma declaração de amor pelo planeta terra e um compreensivo tratado sobre os mais variados temas que envolvem o cuidado de nossa Casa Comum. Seguindo a metodologia da Encíclica, o DVD está dividido em capítulos para facilitar o seu uso em grupos de estudo, salas de aula e nas comunidades.

dvd-laudato-si-verbo-filmes-7898114691541-266810

1. Laudato Si’: introdução, estrutura e método
2. O que está acontecendo com nossa casa 
3. O Evangelho da criação
4. A raiz humana da crise ecológica
5. Uma ecologia integral
6. Algumas linhas de orientação e ação
7. Educação e espiritualidade ecológicas

Co-produção:
Comissão Episcopal Pastoral para o serviço da Justiça, Caridade e da Paz – CNBB
Verbo Filmes

Apoio:
Rede Eclesial Panamazônica – REPAM

Realização:
Verbo Filmes

Duração: 86 min.

FICHA TÉCNICA
direção, roteiro e edição CIRENEU KUHN, SVD
produção executiva NELSON A. TYSKI e Pe. ANTONIO ARI DOS REIS
câmera e áudio GASPAR GUIMARÃES, LUKAS HERKT, SVD e RAFAEL MORAES
produção NELSON A. TYSKI e  PAULO E. DE LIMA, SVD
assistente de produção Ir. IRENE LOPES
assistente de edição GASPAR GUIMARÃES
gráfico e gcs RAFAEL MORAES
canções e trilha sonora CIRENEU KUHN, SVD
cantores solistas MIRIAM MIRAH e SERGIO TURCÃO
apresentação ANA FLÁVIA CAVALCANTI

Para adquirir o DVD, clique no link: http://www.verbofilmes.org.br

1. Laudato Si’: introdução, estrutura e método (9 min)

 

2. O que está acontecendo com nossa Casa (13 min)

 

3. O Evangelho da criação (12 min)

 

4. A raiz humana da crise ecológica (9 min)

 

5. Uma ecologia integral (11 min)

 

6. Algumas linhas de orientação e ação (15 min)

 

7. Educação e espiritualidade ecológicas (17 min)

 

Fonte:

Youtube

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FAMA: denúncias e anúncios https://observatoriodaevangelizacao.com/fama-denuncias-e-anuncios/ Tue, 27 Mar 2018 03:58:37 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=27681 [Leia mais...]]]> Profeta é aquele que fala em nome de Deus! É característico da ação profética denúncias das injustiças e anúncios em prol da vida. Nesse sentido, o Fórum Alternativo Mundial das Águas (FAMA), na esteira do que Francisco publicou na encíclica Laudato si‘, sobre o cuidado da Casa Comum, nos recorda: “A nossa produção é para garantir a vida e sua diversidade. Estamos aqui criando unidade e força popular para refletir e lutar juntos e juntas pela água e pela vida nas suas variadas dimensões. O que nos faz comum na relação com a natureza é garantir a vida.” E, incisivamente, denuncia “a 8º edição do Fórum Mundial da Água (FMA), o Fórum das Corporações, evento organizado pelo chamado Conselho Mundial da Água, como um espaço de captura e roubo das nossas águas.” Afirma que “o Fórum e o Conselho são vinculados às grandes corporações transnacionais e buscam atender exclusivamente a seus interesses, em detrimento dos povos e da natureza.” Mas essas palavras não são denúncias vazias. Na declaração final do Fórum, ocorrida na última semana, são apontadas e nomeadas as empresas que buscam transformar a fonte de toda a vida em mercadoria.

Com argúcia, identificam “que o objetivo das corporações é exercer o controle privado da água através da privatização, mercantilização e de sua titularização, tornando-a fonte de acumulação em escala mundial, gerando lucros para as transnacionais e ao sistema financeiro”. E constatam ter sido este objetivo uma das causas da “mais dura medida orçamentária do mundo” ter sido implantada no Brasil, “onde o orçamento público está congelado por 20 anos, garantindo a drenagem de recursos públicos para o sistema financeiro e criando as bases para uma onda privatizante, incluindo aí a infraestrutura de armazenamento, distribuição e saneamento da água.”

Urge que nos deixemos interpelar por esse grito pela vida! Em plena Semana Santa, há que se refletir sobre as causas que geram as mortes dos inocentes, hoje. Pesada cruz carregam os povos. Crer no Deus da Vida implica posicionamento… Jesus no-lo ensinou.

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Marcha do FAMA. Foto: Guilherme Cavalli/Cimi

 

DECLARAÇÃO FINAL DO FÓRUM ALTERNATIVO MUNDIAL DAS ÁGUAS

Quem somos

Nós, construtores e construtoras do Fórum Alternativo Mundial da Água (FAMA), reunidos de 17 a 22 de março de 2018, em Brasília, declaramos para toda a sociedade o que acumulamos após muitos debates, intercâmbios, sessões culturais e depoimentos ao longo de vários meses de preparação e nestes últimos dias aqui reunidos. Somos mais de 7 mil trabalhadores e trabalhadoras da cidade e do campo, das águas e das florestas, representantes de povos originários e comunidades tradicionais, articulados em 450 organizações nacionais e internacionais de todos os continentes. Somos movimentos populares, tradições religiosas e espiritualidades, organizações não governamentais, universidades, pesquisadores, ambientalistas, organizados em grupos, coletivos, redes, frentes, comitês, fóruns, institutos, articulações, sindicatos e conselhos.

Na grandeza dos povos, trocamos experiências de conhecimento, resistência e de luta. E estamos conscientes que a nossa produção é para garantir a vida e sua diversidade. Estamos aqui criando unidade e força popular para refletir e lutar juntos e juntas pela água e pela vida nas suas variadas dimensões. O que nos faz comum na relação com a natureza é garantir a vida. A nossa luta é a garantia da vida. É isso que nos diferencia dos projetos e das relações do capital expressos no Fórum das Corporações – Fórum Mundial da Água.

Também estamos aqui para denunciar a 8º edição do Fórum Mundial da Água (FMA), o Fórum das Corporações, evento organizado pelo chamado Conselho Mundial da Água, como um espaço de captura e roubo das nossas águas. O Fórum e o Conselho são vinculados às grandes corporações transnacionais e buscam atender exclusivamente a seus interesses, em detrimento dos povos e da natureza.

Nossas constatações sobre o momento histórico

O modo de produção capitalista, historicamente, concentra e centraliza riqueza e poder, a partir da ampliação de suas formas de acumulação, intensificação de seus mecanismos de exploração do trabalho e aprofundamento de seu domínio sobre a natureza, gerando a destruição dos modos de vida. Vivemos em um período de crise do capitalismo e de seu modelo político representado pela ideologia neoliberal, na qual se busca intensificar a transformação dos bens comuns em mercadoria, através de processos de privatização, precificação e financerização.

A persistência desse modelo tem aprofundado as desigualdades e a destruição da natureza, através dos planos de salvamento do capital nos momentos de aprofundamento da crise. Nesse cenário, as ações do capital são orientadas pela manutenção a qualquer custo das suas taxas de juros, lucro e renda.

Esse modelo impõe à América Latina e ao Caribe o papel de produtores de artigos primários e fornecedores de matéria prima, atividades econômicas intensivas em bens naturais e força de trabalho.  Subordina a economia desses países a um papel dependente na economia mundial, sendo alvos prioritários dessa estratégia de ampliação da exploração a qualquer custo.

O Brasil, que sedia esta edição do FAMA, é exemplar nesse sentido. O golpe aplicado recentemente expõe a ação coordenada de corporações com setores do parlamento, da mídia e do judiciário para romper a ordem democrática e submeter o governo nacional a uma agenda que atenda seus interesses rapidamente. A mais dura medida orçamentária do mundo foi implantada em nosso país, onde o orçamento público está congelado por 20 anos, garantindo a drenagem de recursos públicos para o sistema financeiro e criando as bases para uma onda privatizante, incluindo aí a infraestrutura de armazenamento, distribuição e saneamento da água.

Quais são as estratégias das corporações para a água?

Identificamos que o objetivo das corporações é exercer o controle privado da água através da privatização, mercantilização e de sua titularização, tornando-a fonte de acumulação em escala mundial, gerando lucros para as transnacionais e ao sistema financeiro. Para isso, estão em curso diversas estratégias que vão desde o uso da violência direta até formas de captura corporativa de governos, parlamentos, judiciários, agências reguladoras e demais estruturas jurídico-institucionais para atuação em favor dos interesses do capital. Há também uma ofensiva ideológica articulada junto aos meios de comunicação, educação e propaganda que buscam criar hegemonia na sociedade contrária aos bens comuns e a favor de sua transformação em mercadoria.

O resultado desejado pelas corporações é a invasão, apropriação e o controle político e econômico dos territórios, das nascentes, rios e reservatórios, para atender os interesses do agronegócio, hidronegócio, indústria extrativa, mineração, especulação imobiliária e geração de energia hidroelétrica. O mercado de bebida e outros setores querem o controle dos aquíferos. As corporações querem também o controle de toda a indústria de abastecimento de água e esgotamento sanitário para impor seu modelo de mercado e gerar lucros ao sistema financeiro, transformando direito historicamente conquistado pelo povo em mercadoria. Querem ainda se apropriar de todos os mananciais do Brasil, América Latina e dos demais continentes para gerar valor e transferir riquezas de nossos territórios ao sistema financeiro, viabilizando o mercado mundial da água

Denunciamos as transnacionais Nestlé, Coca-Cola, Ambev, Suez, Veolia, Brookfield (BRK Ambiental), Dow AgroSciences, Monsanto, Bayer, Yara, os organismos financeiros multilaterais, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, e ONGs ambientalistas de mercado, como The Nature Conservancy e Conservation International, entre outras que expressam o caráter do “Fórum das Corporações”. Denunciamos o crime cometido pela Samarco, Vale e BHP Billiton, que contaminou com sua lama tóxica o Rio Doce, assassinando uma bacia hidrográfica inteira, matando inúmeras pessoas, e até hoje seu crime segue impune. Denunciamos o recente crime praticado pela norueguesa Hydro Alunorte que despejou milhares de toneladas de resíduos da mineração através de canais clandestinos no coração da Amazônia e o assassinato do líder comunitário Sergio Almeida Nascimento que denunciava seus crimes. Exemplos como esses têm se reproduzido por todo o mundo.

Os povos têm sido as vítimas desse avanço do projeto das corporações. As mulheres, povos originários, povos e comunidades tradicionais, populações negras, migrantes e refugiados, agricultores familiares e camponeses e as comunidades periféricas urbanas têm sofrido diretamente os ataques do capital e as consequências sociais, ambientais e culturais de sua ação.

Nos territórios e locais onde houve e/ou existem planos de privatização, aprofundam-se as desigualdades, o racismo, a violência sexual e sobrecarga de trabalho para as mulheres, a criminalização, assassinatos, ameaças e perseguição a lideranças, demissões em massa, precarização do trabalho, retirada e violação de direitos, redução salarial, aumento da exploração, brutal restrição do acesso à água e serviços públicos, redução na qualidade dos serviços prestados à população, ausência de controle social, aumentos abusivos nas tarifas, corrupção, desmatamento, contaminação e envenenamento das águas, destruição das nascentes e rios e ataques violentos aos povos e seus territórios, em especial às populações que resistem às regras impostas pelo capital.

A dinâmica de acumulação capitalista se entrelaça com o sistema hetero-patriarcal, racista e colonial, controlando o trabalho das mulheres e ocultando intencionalmente seu papel nas esferas de reprodução e produção. Nesse momento de ofensiva conservadora, há o aprofundamento da divisão sexual do trabalho e do racismo, causando o aumento da pobreza e da precarização da vida das mulheres.

A violência contra as mulheres é uma ferramenta de controle sobre nossos corpos, nosso trabalho e nossa autonomia. Essa violência se intensifica com o avanço do capital, refletindo-se no aumento de assassinato de mulheres, da prostituição e da violência sexual. Tudo isso impossibilita as mulheres de viver com dignidade e prazer.

Para as diversas religiões e espiritualidades, todas essas injustiças em relação às águas e seus territórios, caracterizam uma dessacralização da água recebida como um dom vital, e dificultam as relações com o Transcendente como horizonte maior das nossas existências.

Destacamos que para os Povos Originários e Comunidades Tradicionais há uma relação interdependente com as águas, e tudo que as atinge, e que todos os ataques criminosos que sofre, repercutem diretamente na existência desses povos em seus corpos e mentes. Esses povos se afirmam como água, pois existe uma profunda unidade entre eles e os rios, os lagos, lagoas, nascentes, mananciais, aquíferos, poços, veredas, lençóis freáticos, igarapés, estuários, mares e oceanos como entidade única. Declaramos que as águas são seres sagrados. Todas as águas são uma só água em permanente movimento e transformação. A água é entidade viva, e merece ser respeitada.

Por fim, constatamos que a entrega de nossas riquezas e bens comuns conduz a destruição da soberania e a autodeterminação dos povos, assim como a perda dos seus territórios e modos de vida.

Mas nós afirmamos: resistimos e venceremos!

Nossa resistência e luta é legítima. Somos os guardiões e guardiãs das águas e defensores da vida. Somos um povo que resiste e nossa luta vencerá todas as estruturas que dominam, oprimem e exploram nossos povos, corpos e territórios. Somos como água, alegres, transparentes e em movimento. Somos povos da água e a água dos povos.

Nestes dias de convívio coletivo, identificamos uma extraordinária diversidade de práticas sociais, com enorme riqueza de culturas, conhecimento e formas de resistência e de luta pela vida. Ninguém se renderá. Os povos das águas, das florestas e do campo resistem e não se renderão ao capital. Assim também tem sido a luta dos povos, dos operários e de todos os trabalhadores e trabalhadoras das cidades que demonstram cada vez maior força. Temos a convicção que só a luta conjunta dos povos poderá derrotar todas as estruturas injustas desta sociedade.

Identificamos que a resistência e a luta têm se realizado em todos os locais e territórios do Brasil e do mundo e estamos convencidos que nossa força deve caminhar e unir-se a grandes lutas nacionais e internacionais. A luta dos povos em defesa das águas é mundial.

Água é vida, é saúde, é alimento, é território, é direito humano, é um bem comum sagrado.

O que propomos

Reafirmamos que as diversas lutas em defesas das águas dizem em alto e bom som que água não é e nem pode ser mercadoria. Não é recurso a ser apropriado, explorado e destruído para bom rendimento dos negócios. Água é um bem comum e deve ser preservada e gerida pelos povos para as necessidades da vida, garantindo sua reprodução e perpetuação. Por isso, nosso projeto para as águas tem na democracia um pilar fundamental. É só por meio de processos verdadeiramente democráticos, que superem a manipulação da mídia e do dinheiro, que os povos podem construir o poder popular, o controle social e o cuidado sobre as águas, afirmando seus saberes, tradições e culturas em oposição ao projeto autoritário, egoísta e destrutivo do capital.

Somos radicalmente contrários às diversas estratégias presentes e futuras de apropriação privada sobre a água, e defendemos o caráter público, comunitário e popular dos sistemas urbanos de gestão e cuidado da água e do saneamento. Por isso saudamos e estimulamos os processos de reestatização de companhias de água e esgoto e outras formas de gestão. Seguiremos denunciando as tentativas de privatização e abertura de Capital, a exemplo do que ocorre no Brasil, onde 18 estados manifestaram interesse na privatização de suas companhias.

Defendemos o trabalho decente, assentado em relações de trabalho democráticas, protegidas e livre de toda forma de precarização. Também é fundamental a garantia do acesso democrático e sustentável à água junto à implementação da reforma agrária e defesa dos territórios, com garantia de produção de alimentos em bases agroecológicas, respeitando as práticas tradicionais e buscando atender a soberania alimentar dos trabalhadores e trabalhadoras urbanos e do campo, florestas e águas.

Estamos comprometidos com a superação do patriarcado e da divisão sexual do trabalho, pelo reconhecimento de que o trabalho doméstico e de cuidados está na base da sustentabilidade da vida. O combate ao racismo também nos une na luta pelo reconhecimento, titulação e demarcação dos territórios dos povos originários e comunidades tradicionais e na reparação ao povo negro e indígena que vive marginalizado nas periferias dos centros urbanos.

Nosso projeto é orientado pela justiça e pela solidariedade, não pelo lucro. Nele ninguém passará sede ou fome, e todos e todas terão acesso à água de qualidade, regular e suficiente bem como aos serviços públicos de saneamento.

Nosso plano de ações e lutas

A profundidade de nossas debates e elaborações coletivas, o sucesso da nossa mobilização, a diversidade do nosso povo e a amplitude dos desafios que precisam ser combatidos nos impulsionam a continuar o enfrentamento ao sistema capitalista, patriarcal, racista e colonial, tendo como referência a construção da aliança e da unidade entre toda a diversidade presente no FAMA 2018.

Trabalharemos, através de nossas formas de luta e organização para ampliar a força dos povos no combate à apropriação e destruição das águas. A intensificação e qualificação do trabalho de base junto ao povo, a ação e a formação política para construir uma concepção crítica da realidade serão nossos instrumentos. O povo deve assumir o comando da luta. Apostamos no protagonismo e na criação heroica dos povos.

Vamos praticar nosso apoio e solidariedade internacional a todos os processos de lutas dos povos em defesa da água denunciam a arquitetura da impunidade, que, por meio dos regimes de livre-comércio e investimentos, concede privilégios às corporações transnacionais e facilitam seus crimes corporativos.

Multiplicaremos as experiências compartilhadas no Tribunal Popular das Mulheres, para a promoção da justiça popular, visibilizando as denúncias dos crimes contra a nossa soberania, os corpos, os bens comuns e a vida das mulheres do campo, das florestas, águas e cidades.

A água é dom que a humanidade recebeu gratuitamente, é direito de todas as criaturas e bem comum. Por isso, nos comprometemos a unir mística e política, fé e profecia em suas práticas religiosas, lutando contra os projetos de privatização, mercantilização e contaminação das águas que ferem a sua dimensão sagrada.

O Fórum Alternativo Mundial da Água (FAMA) apoia, se solidariza e estimulará todos os processos de articulação e de lutas dos povos no Brasil e no mundo, tais como a construção do “Congresso do Povo”, do “Acampamento Terra Livre”, da “Assembleia Internacional dos Movimentos e Organizações dos Povos”, da “Jornada Continental pela Democracia e Contra o Neoliberalismo”; da campanha internacional para desmantelar o poder corporativo e pelo “tratado vinculante” como ferramenta para exigir justiça, verdade e reparação frente aos crimes das transnacionais.

Convocamos todos os povos a lutar juntos para defender a água. A água não é mercadoria. A água é do povo e pelos povos deve ser controlada.

É tempo de esperança e de luta. Só a luta nos fará vencer. Triunfaremos!

Assinam a declaração:

Articulação dos Povos Indígenas do Brasil

Articulação Semiárido Brasileiro

Associação Brasileira de Saúde Coletiva

Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento

Cáritas Brasil

Central de Movimentos Populares

Conselho Nacional das Populações Extrativistas

Confederação Nacional dos Urbanitários

Confederação Nacional das Associações de Moradores

Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas

Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura

Comissão Pastoral da Terra

Central Sindical das Américas

Central Única dos Trabalhadores

Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional

Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento

Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal

Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros

Frente Nacional pelo Saneamento Ambiental

Federação Nacional dos Urbanitários

Federação Única dos Petroleiros

Fórum de Mudanças Climáticas e Justiça Social

Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental

Internacional de Serviços Públicos

Marcha Mundial das Mulheres

Movimento dos Atingidos por Barragens

Movimento dos Pequenos Agricultores

Movimento Artesanal de Pescadores e Pescadores do Brasil

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

Movimento dos Trabalhadores Sem Teto

ONG Proscience

Rede Mulher e Mídia

Serviço Interfranciscano de Justiça Paz e Ecologia

Sociedade Internacional de Epidemiologia Ambiental

Vigência

 

FONTE: CIMI

Outras publicações sobre o mesmo assunto:

Águas de março – lutas e resistências dos povos indígenas

FAMA aponta resistência internacional contra o avanço do capital sobre a água

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Mensagem do papa Francisco para o 51º Dia Mundial da Paz – 01/01/2018 https://observatoriodaevangelizacao.com/mensagem-do-papa-francisco-para-o-dia-mundial-da-paz-2018/ Mon, 01 Jan 2018 02:01:13 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=27173 [Leia mais...]]]> MIGRANTES E REFUGIADOS: HOMENS E MULHERES EM BUSCA DE PAZ 

1. Votos de paz

Paz a todas as pessoas e a todas as nações da terra! A paz, que os anjos anunciam aos pastores na noite de Natal,[1] é uma aspiração profunda de todas as pessoas e de todos os povos, sobretudo de quantos padecem mais duramente pela sua falta. Dentre estes, que trago presente nos meus pensamentos e na minha oração, quero recordar de novo os mais de 250 milhões de migrantes no mundo, dos quais 22 milhões e meio são refugiados. Estes últimos, como afirmou o meu amado predecessor Bento XVI, «são homens e mulheres, crianças, jovens e idosos que procuram um lugar onde viver em paz».[2] E, para o encontrar, muitos deles estão prontos a arriscar a vida numa viagem que se revela, em grande parte dos casos, longa e perigosa, a sujeitar-se a fadigas e sofrimentos, a enfrentar arames farpados e muros erguidos para os manter longe da meta.

Com espírito de misericórdia, abraçamos todos aqueles que fogem da guerra e da fome ou se veem constrangidos a deixar a própria terra por causa de discriminações, perseguições, pobreza e degradação ambiental.

Estamos cientes de que não basta abrir os nossos corações ao sofrimento dos outros. Há muito que fazer antes de os nossos irmãos e irmãs poderem voltar a viver em paz numa casa segura. Acolher o outro requer um compromisso concreto, uma corrente de apoios e beneficência, uma atenção vigilante e abrangente, a gestão responsável de novas situações complexas que às vezes se vêm juntar a outros problemas já existentes em grande número, bem como recursos que são sempre limitados. Praticando a virtude da prudência, os governantes saberão acolher, promover, proteger e integrar, estabelecendo medidas práticas, «nos limites consentidos pelo bem da própria comunidade retamente entendido, [para] lhes favorecer a integração»[3]. Os governantes têm uma responsabilidade precisa para com as próprias comunidades, devendo assegurar os seus justos direitos e desenvolvimento harmônico, para não serem como o construtor insensato que fez mal os cálculos e não conseguiu completar a torre que começara a construir.[4]

pomba humana

2.     Por que há tantos refugiados e migrantes?

Na mensagem para idêntica ocorrência no Grande Jubileu pelos 2000 anos do anúncio de paz dos anjos em Belém, São João Paulo II incluiu o número crescente de refugiados entre os efeitos de «uma sequência infinda e horrenda de guerras, conflitos, genocídios, “limpezas étnicas”»[5] que caraterizaram o século XX. E até agora, infelizmente, o novo século não registou uma verdadeira viragem: os conflitos armados e as outras formas de violência organizada continuam a provocar deslocamentos de populações no interior das fronteiras nacionais e para além delas.

Todavia as pessoas migram também por outras razões, sendo a primeira delas «o desejo de uma vida melhor, unido muitas vezes ao intento de deixar para trás o “desespero” de um futuro impossível de construir».[6] As pessoas partem para se juntar à própria família, para encontrar oportunidades de trabalho ou de instrução: quem não pode gozar destes direitos, não vive em paz. Além disso, como sublinhei na Encíclica Laudato si’, «é trágico o aumento de migrantes em fuga da miséria agravada pela degradação ambiental».[7]

A maioria migra seguindo um percurso legal, mas há quem tome outros caminhos, sobretudo por causa do desespero, quando a pátria não lhes oferece segurança nem oportunidades, e todas as vias legais parecem impraticáveis, bloqueadas ou demasiado lentas.

Em muitos países de destino, generalizou-se largamente uma retórica que enfatiza os riscos para a segurança nacional ou o peso do acolhimento dos recém-chegados, desprezando assim a dignidade humana que se deve reconhecer em todos, enquanto filhos e filhas de Deus. Quem fomenta o medo contra os migrantes, talvez com fins políticos, em vez de construir a paz, semeia violência, discriminação racial e xenofobia, que são fonte de grande preocupação para quantos têm a peito a tutela de todos os seres humanos.[8]

Todos os elementos à disposição da comunidade internacional indicam que as migrações globais continuarão a marcar o nosso futuro. Alguns consideram-nas uma ameaça. Eu, pelo contrário, convido-vos a vê-las com um olhar repleto de confiança, como oportunidade para construir um futuro de paz.

migrante bebê no ar

3.     Com olhar contemplativo

A sabedoria da fé nutre este olhar, capaz de intuir que todos pertencemos «a uma só família, migrantes e populações locais que os recebem, e todos têm o mesmo direito de usufruir dos bens da terra, cujo destino é universal, como ensina a doutrina social da Igreja. Aqui encontram fundamento a solidariedade e a partilha».[9] Estas palavras propõem-nos a imagem da nova Jerusalém. O livro do profeta Isaías (cap. 60) e, em seguida, o Apocalipse (cap. 21) descrevem-na como uma cidade com as portas sempre abertas, para deixar entrar gente de todas as nações, que a admira e enche de riquezas. A paz é o soberano que a guia, e a justiça o princípio que governa a convivência dentro dela.

Precisamos de lançar, também sobre a cidade onde vivemos, este olhar contemplativo, «isto é, um olhar de fé que descubra Deus que habita nas suas casas, nas suas ruas, nas suas praças (…), promovendo a solidariedade, a fraternidade, o desejo de bem, de verdade, de justiça»,[10] por outras palavras, realizando a promessa da paz.

Detendo-se sobre os migrantes e os refugiados, este olhar saberá descobrir que eles não chegam de mãos vazias: trazem uma bagagem feita de coragem, capacidades, energias e aspirações, para além dos tesouros das suas culturas nativas, e deste modo enriquecem a vida das nações que os acolhem. Saberá vislumbrar também a criatividade, a tenacidade e o espírito de sacrifício de inúmeras pessoas, famílias e comunidades que, em todas as partes do mundo, abrem a porta e o coração a migrantes e refugiados, inclusive onde não abundam os recursos.

Este olhar contemplativo saberá, enfim, guiar o discernimento dos responsáveis governamentais, de modo a impelir as políticas de acolhimento até ao máximo dos «limites consentidos pelo bem da própria comunidade retamente entendido»,[11] isto é, tomando em consideração as exigências de todos os membros da única família humana e o bem de cada um deles.

Quem estiver animado por este olhar será capaz de reconhecer os rebentos de paz que já estão a despontar e cuidará do seu crescimento. Transformará assim em canteiros de paz as nossas cidades, frequentemente divididas e polarizadas por conflitos que se referem precisamente à presença de migrantes e refugiados.

papa pomba

4.     Quatro pedras miliárias para a ação

Oferecer a requerentes de asilo, refugiados, migrantes e vítimas de tráfico humano uma possibilidade de encontrar aquela paz que andam à procura, exige uma estratégia que combine quatro ações: acolher, proteger, promover e integrar.[12]

«Acolher» faz apelo à exigência de ampliar as possibilidades de entrada legal, de não repelir refugiados e migrantes para lugares onde os aguardam perseguições e violências, e de equilibrar a preocupação pela segurança nacional com a tutela dos direitos humanos fundamentais. Recorda-nos a Sagrada Escritura: «Não vos esqueçais da hospitalidade, pois, graças a ela, alguns, sem o saberem, hospedaram anjos».[13]

«Proteger» lembra o dever de reconhecer e tutelar a dignidade inviolável daqueles que fogem dum perigo real em busca de asilo e segurança, de impedir a sua exploração. Penso de modo particular nas mulheres e nas crianças que se encontram em situações onde estão mais expostas aos riscos e aos abusos que chegam até ao ponto de as tornar escravas. Deus não discrimina: «O Senhor protege os que vivem em terra estranha e ampara o órfão e a viúva».[14]

«Promover» alude ao apoio para o desenvolvimento humano integral de migrantes e refugiados. Dentre os numerosos instrumentos que podem ajudar nesta tarefa, desejo sublinhar a importância de assegurar às crianças e aos jovens o acesso a todos os níveis de instrução: deste modo poderão não só cultivar e fazer frutificar as suas capacidades, mas estarão em melhores condições também para ir ao encontro dos outros, cultivando um espírito de diálogo e não de fechamento ou de conflito. A Bíblia ensina que Deus «ama o estrangeiro e dá-lhe pão e vestuário»; daí a exortação: «Amarás o estrangeiro, porque foste estrangeiro na terra do Egito».[15]

Por fim, «integrar» significa permitir que refugiados e migrantes participem plenamente na vida da sociedade que os acolhe, numa dinâmica de mútuo enriquecimento e fecunda colaboração na promoção do desenvolvimento humano integral das comunidades locais. «Portanto – como escreve São Paulo – já não sois estrangeiros nem imigrantes, mas sois concidadãos dos santos e membros da casa de Deus».[16]

ajuda a refugiados

5.     Uma proposta para dois Pactos internacionais

Almejo do fundo do coração que seja este espírito a animar o processo que, no decurso de 2018, levará à definição e aprovação por parte das Nações Unidas de dois pactos globais: um para migrações seguras, ordenadas e regulares, outro referido aos refugiados. Enquanto acordos partilhados a nível global, estes pactos representarão um quadro de referência para propostas políticas e medidas práticas. Por isso, é importante que sejam inspirados por sentimentos de compaixão, clarividência e coragem, de modo a aproveitar todas as ocasiões para fazer avançar a construção da paz: só assim o necessário realismo da política internacional não se tornará uma capitulação ao cinismo e à globalização da indiferença.

De fato, o diálogo e a coordenação constituem uma necessidade e um dever próprio da comunidade internacional. Mais além das fronteiras nacionais, é possível também que países menos ricos possam acolher um número maior de refugiados ou acolhê-los melhor, se a cooperação internacional lhes disponibilizar os fundos necessários.

A Seção Migrantes e Refugiados do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral sugeriu 20 pontos de ação[17] como pistas concretas para a implementação dos supramencionados quatro verbos nas políticas públicas e também na conduta e ação das comunidades cristãs. Estas e outras contribuições pretendem expressar o interesse da Igreja Católica pelo processo que levará à adoção dos referidos pactos globais das Nações Unidas. Um tal interesse confirma uma vez mais a solicitude pastoral que nasceu com a Igreja e tem continuado em muitas das suas obras até aos nossos dias.

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6.     Em prol da nossa casa comum

Inspiram-nos as palavras de São João Paulo II: «Se o “sonho” de um mundo em paz é partilhado por tantas pessoas, se se valoriza o contributo dos migrantes e dos refugiados, a humanidade pode tornar-se sempre mais família de todos e a nossa terra uma real “casa comum”».[18] Ao longo da história, muitos acreditaram neste «sonho» e as suas realizações testemunham que não se trata duma utopia irrealizável.

Entre eles conta-se Santa Francisca Xavier Cabrini, cujo centenário do nascimento para o Céu ocorre em 2017. Hoje, dia 13 de novembro, muitas comunidades eclesiais celebram a sua memória. Esta pequena grande mulher, que consagrou a sua vida ao serviço dos migrantes tornando-se depois a sua Padroeira celeste, ensinou-nos como podemos acolher, proteger, promover e integrar estes nossos irmãos e irmãs. Pela sua intercessão, que o Senhor nos conceda a todos fazer a experiência de que «o fruto da justiça é semeado em paz por aqueles que praticam a paz».[19]

Vaticano, 13 de novembro – Memória de Santa Francisca Xavier Cabrini, Padroeira dos migrantes – de 2017.

Franciscus

FONTE: RÁDIO VATICANO 

(adaptado ao Português do Brasil)

Observação: Não foram encontradas as notas mencionadas no texto nem na própria fonte consultada nem em outros sites.

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Um exemplo de concretização eclesial da opção pelos pobres que nos vem da região amazônica https://observatoriodaevangelizacao.com/um-exemplo-de-concretizacao-eclesial-da-opcao-pelos-pobres-que-nos-vem-da-regiao-amazonica/ Wed, 17 May 2017 17:38:06 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=17780 [Leia mais...]]]> Concretizar a opção pelos pobres não é tarefa simples e conjuntural passageira. Trata-se de uma orientação contínua, a partir do núcleo do Evangelho, capaz de afetar e mudar concretamente a dimensão estrutural da Igreja, como também fermentar profeticamente a transformação da sociedade. Tudo parte do cultivo daquela sensibilidade humana que nos torna atentos e antenados na escuta dos clamores dos pobres que emergem das realidades sociais (grito dos excluídos) e ambiental (grito da Casa comum).

Fazer a opção pelos pobres exige colocar no centro determinadas situações concretas como urgência e para elas destinar investimentos substanciais para que a opção tenha condições materiais para se concretizar de fato.

Veja que exemplo bonito da Igreja da Amazônia:

“Repam fez uma opção pelos pobres”, afirma dom Claudio Hummes

A Comissão Episcopal para a Amazônia da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e a Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam) – provocadas e iluminadas pela Encíclica Laudato Sí do papa Francisco –, vêm promovendo Seminários sobre a Encíclica nos regionais da CNBB, na Amazônia Legal.

Em 2016 ocorreram seis Seminários. Para 2017 estão previstos dez. Os próximos ocorrerão em Castanhal (PA), de 19 a 21 de maio; Santarém (PA), de 22 a 24 de maio e Altamira (PA), de 26 a 28 de maio.

A proposta é identificar e fortalecer inciativas socioambientais da Igreja e da sociedade na Amazônia, possibilitando o intercâmbio de saberes e ações caracterizando o trabalho em rede, e assim responder ao desafio de proteger a Casa Comum na busca de um desenvolvimento sustentável e integral.

Confira, abaixo, o vídeo que conta com a participação de lideranças comunitárias e pesquisadores, a respeito do projeto.

[youtube https://www.youtube.com/watch?v=GQ06Xpc_sJQ]

Fonte:

CNBB

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