Juventudes – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Thu, 25 Apr 2024 14:04:05 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.3 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 Juventudes – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 Diálogo intergeracional 3: Pois é, Frei Betto. Por Ruan de Oliveira Gomes https://observatoriodaevangelizacao.com/dialogo-intergeracional-3-pois-e-frei-betto-por-ruan-de-oliveira-gomes/ Wed, 24 Apr 2024 15:27:35 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.com/?p=49752 [Leia mais...]]]> Queria alargar nossas reflexões e sim, acredito que sim, muitas das ideias da sua geração, ideias que construímos para fazer pastoral e movimentos com propostas políticas já não tocam mais nossos corações e não dizem mais nada a nossos jovens. (…) ainda que jovens podemos ensinar, ocupar e ser. Precisamos construir juntos, rever nossas práticas, ter a coragem de abrir espaços às novas lutas e participarmos da construção do futuro. Nossos cabelos, brancos ou não, denunciam o inverno que nos acomete. Ainda estamos no inverno, mas pode ser primavera se construirmos juntos e eu com meus cabelos pretos ainda acredito nisso. Se a juventude não sonha, a culpa [se há culpa] não é da juventude.

Confira o artigo de Ruan de Oliveira Gomes (os grifos são nossos):

Pois é, Frei Betto.

Meus cabelos são pretos. Acho que isso já seja suficiente para uma apresentação e início de conversa.

Eu também estava no Fé e Política, ou ao menos em quase todo ele, e também me entristeci ao olhar para o lado e não me sentir representado em nenhuma mesa. Mas, não ser representado é o menor dos problemas e talvez seja somente o sintoma de um problema muito maior.

Eu sou apenas um jovem e ainda me atrevo a te responder do lado de cá das lutas populares em prol da libertação. Eu estou do mesmo lado da trincheira, mas sinto que estou mais sozinho que a sua geração.

Talvez o senhor saiba que quase não há nas nossas muitas juventudes projetos a serem abraçados, talvez alguém nos lembre o que Lyotard chamou de fim das metanarrativas e talvez alguém apressado venha dizer que esse é o motivo pelo qual você viu poucos jovens e muito cabelo branco naquele encontro e pode ser que alguém nos recorde que nossos jovens estão enveredados até o pescoço em um tradicionalismo ou reacionarismo ora comendo e bebendo a cotidianidade da vida comum, sem fazer história como nos recorda Samir Amin.

Isso tudo é verdade, mas queria alargar nossas reflexões e sim, acredito que sim, muitas das ideias da sua geração, ideias que construímos para fazer pastoral e movimentos com propostas políticas já não tocam mais nossos corações e não dizem mais nada a nossos jovens. Se não breguice e cacofonia.

Encontros dessa natureza são feitos com quem e para quem? Vejo o 12º Encontro nacional de Fé e Política como um encontro para demarcar um território, construir um caminho de organização e trazer a tona uma memória construída. Porque se ele quisesse fazer uma imersão na vida das juventudes não seria feito nesses moldes.

Se a esquerda está acuada, isto deve-se porque ela se acuou e achou suficiente estar em clubinhos dos iluminados tecnocratas que não conseguem sair de suas discussões entre pares. O movimento Fé e Política sediar seu 12º encontro num dos shoppings de Belo Horizonte é extremamente imagético e pouco acidental.

Do alto da Torre de Marfim, no símbolo do neoliberalismo, estávamos criticando o mesmo sistema enquanto muitos daqueles do encontro estavam indo embora em seus confortáveis assentos de uber e os outros que conseguiram estacionar seus automóveis pagaram em um dia o que muitos dos nossos jovens ganham em um mês.

Sim, Frei Betto, eu concordo. Se a esquerda acuou isso deve-se a ausência da coerência entre práxis e teoria.

Sim, Frei Betto. Eu também senti falta dos jovens e também me senti sozinho naquele e em muitos outros encontros (nada) populares que eu tenho participado. O fato de a esquerda “ainda ser a mesma” não me parece acidental, quando eu não vejo nenhum jovem dividindo a mesa e com a palavra falando das nossas lutas, esperanças e sonhos.

Não estamos porque não nos sentimos parte-com e esse sentimento se dá pela falta de protagonismo dado a jovens e a seus coletivos. Embora houvesse jovens em grupos temáticos, isso é marginal. Queremos mais que estar, queremos ser respeitados e ser aquilo que somos.

Parece-me que, muitos dos cabelos brancos até que querem falar com a gente, mas falar enquanto dinâmica própria dos cabelos brancos. Quer que os jovens entrem na dança e não querem entrar na dança deles

Tratar sobre juventudes não é um adereço e o senhor sabe. Seria como chamar mulher para falar sobre ser mulher e jovem para falar como é ser jovem. Não é isso, e isso é muito pouco; é ver a partir destes corpos como corre a utopia e o entusiasmo de construção de alternativas globais.

Embora tenha tido uma fala circunstancial para demarcar a presença rarefeita de jovens, eu vejo poucos deles sentados ao lado dos gigantes que nos precederam na luta. Naquele e em outros momentos, enquanto a extrema direita não somente dá esse espaço, como também o usa para chamar mais jovens para suas fileiras.

Sim, Frei Betto, respeitar a memória de vocês cabelos brancos é importante e esse respeito deveria comportar que fizéssemos e estivéssemos em muitos dos lugares que embora cerceados, são nossos. Não pedimos apenas falas circunstanciais, porque vocês também não estavam satisfeitos somente com falas circunstanciais quando os cabelos ainda não eram brancos.

Queremos falar das nossas utopias, que ainda trazem muitas das suas e dos outros cabelos brancos, mas que são as nossas e não uma extensão das gerações anteriores.

“Ainda há teólogos da libertação?” foi uma das perguntas que me fiz naquele e em muitos outros encontros que tenho participado.

Sim, Frei Betto. Nós somos poucos, mas ainda estamos aqui: as juventude libertadoras que ousam sonhar apesar e contrária a muitos, inclusive gente do nosso lado e se estamos aqui, isso se dá porque vocês nos inspiram.

Fiquei feliz de naquele encontro do Fé e Política encontrar muitos daqueles que são referências pastorais e de militância popular e queria mesmo ter contado para os meus amigos como foi interessante tudo aquilo, mas eles também não os conhecem. Já não há mais heróis a serem propagados e aqueles que se colocam para nós são tão estranhos que não os reconhecemos como referências, há um problema geracional, mas há também um problema de linguagem.

Sim, Frei Betto, ainda estamos aqui, naqueles lugares populares que muitos das gerações passadas abandonaram. Não vejo as mãos de muitos cabelos brancos sujas, embora vejo e acompanho todas as críticas de como a sujeira é de rapina. Os cabelos brancos tiveram medo de sujar e calejar suas mãos de intelectuais, mas ainda estamos aqui. Seja em cursinhos populares, em assentamentos de terra, em pastorais sociais, em movimentos e coletivos.

Queremos aprender, não de forma financeira, se é que ainda nos lembramos de Paulo Freire. Mas também, ainda que jovens podemos ensinar, ocupar e ser.

Precisamos construir juntos, rever nossas práticas, ter a coragem de abrir espaços às novas lutas e participarmos da construção do futuro. Nossos cabelos, brancos ou não, denunciam o inverno que nos acomete. Ainda estamos no inverno, mas pode ser primavera se construírmos juntos e eu com meus cabelos pretos ainda acredito nisso.

Se a juventude não sonha, a culpa [se há culpa] não é da juventude.

Ruan de Oliveira Gomes

Membro da Articulação Brasileira pela Economia de Francisco e Clara e seminarista da Diocese de Luz – MG

]]>
49752
Diálogo intergeracional 2: Cabelos grisalhos, por Jorge Alexandre Alves https://observatoriodaevangelizacao.com/dialogo-intergeracional-2-cabelos-grisalhos-por-jorge-alexandre-alves/ Wed, 24 Apr 2024 14:34:54 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.com/?p=49742 [Leia mais...]]]> Diante dessa realidade, como sonhar com um amanhã melhor? Para muitos jovens de camada popular, o futuro inexiste. Sem futuro não há utopia. Resta matar um leão por dia para ter o que comer e o que vestir. Vemos poucos jovens nestes eventos em que estamos presentes porque a moçada tá “no corre da vida defendendo um qualquer”, como eles dizem. Não há mais uma comunidade de fé ou um movimento social que financie essas experiências. Quem o fará em um mundo social reduzido a duas instituições – família e Estado –pelo neoliberalismo? E um detalhe: a maioria destes jovens não são católicos. Não deveríamos pensar que estamos em uma bolha geracional formada por nós mesmos ao longo do tempo? Não estaríamos nós hermeticamente fechados em nossas verdades e metodologias a ponto de não conseguirmos mais escutar os mais novos? Queremos ceder o protagonismo às novas gerações?

Confira o artigo do Jorge Alexandre Alves (os grifos são nossos):

CABELOS GRISALHOS
(em resposta a “CABELOS BRANCOS”, de Frei Betto)

Caríssimo Frei Betto,

Acabei de ler seu mais recente texto, “CABELOS BRANCOS”, que traz uma série de reflexões importantes. Seu olhar aguçado e perspicaz nos interpela sobre um fenômeno que não é exatamente novo, mas que agora salta aos nossos olhos.

Provocado pelo artigo de sua autoria, tomo a ousadia de fazer essa resposta. Quem sabe não posso também dar alguma contribuição para a questão que você nos trouxe?

Estivemos juntos algumas vezes ao longo dos últimos anos, em encontros e palestras. Tive a honra de conversar longamente contigo em um carro, a caminho do bairro de Santa Cruz, no Rio de Janeiro, quando sua biografia foi lançada em uma comunidade no extremo da periferia da outrora Cidade Maravilhosa.

Frei Betto, entendo que sua indagação a respeito do envelhecimento das ideias é provocativa. Ora, somos discípulos de um prisioneiro político executado sumariamente pelas forças de um império há 2 mil anos. Se as ideias que levaram Jesus à cruz tivessem morrido no Calvário, não estaríamos aqui, não é mesmo?

Da mesma forma, as ideias de Marx não morreram com a derrubada do Muro de Berlim. Basta vermos nas redes digitais (que não são nada sociais, diga-se) o trabalho feito por jovens como Sabrina Fernandes ou o Chavoso da USP. Olhemos para a experiência de videocasts como o Podpah… A gente sequer consegue fazer algo semelhante ou mesmo ser convidado por esse pessoal que tem canal aberto com as juventudes.

Sou exatamente três gerações mais novo que o senhor. No meio do ano completo 50 anos e meus cabelos já estão grisalhos. Arrisco-me a dizer que minha geração pegou o finalzinho daquela época áurea das Comunidades Eclesiais de Base, da Teologia da Libertação, daquela grande geração de bispos comprometidos com as causas da vida, como dizia Pedro Casaldáliga.

Na Igreja, fui testemunha ocular do ponto de virada destes tempos de esperança primaveril para o deserto frio de uma Igreja autorreferencial. Pouco a pouco foi censurando, punindo que apoiava as lutas populares e se retirando ela mesma dessas lutas. As milícias da Zona Oeste agradeceram.

O catolicismo perdeu capilaridade social no Rio de Janeiro. Eu vivo aqui desde que nasci. A cidade, tão pujante em sua cultura, sempre foi um terreno muito degradado em termos eclesiais.

A arquidiocese carioca sediou a experiência-piloto da restauração romana, do clericalismo, do reacionarismo que caracterizou o projeto da “volta à grande disciplina”, como bem advertiu o saudoso João Batista Libânio. Quarenta anos mais tarde, o que era um experimento diocesano tornou-se a regra na maior parte do Brasil.

Tendo passado pela Pastoral da Juventude nos anos 1990, minha fé libertadora e meu corpo sentiram o peso da instituição eclesial quando o nosso modo de ser Igreja Jovem naquele tempo foi perseguido e proibido. Vivi algo semelhante na minha vida profissional, ao passar mais de duas décadas na educação católica. Neste caso até mais grave porque era perpetrado por gente de discurso progressista e libertador. Ou seja, o cancelamento e o assassinato de reputação não é monopólio do neofascismo nem coisa recente criada pelo fundamentalismo cristão no Brasil. Entre nós, ele sempre esteve presente de alguma forma, talvez não fosse tão agressivo e acintoso como é hoje.

Evidentemente que essa coisa fascistóide precisa ser denunciada e combatida, mas anda difícil dizer algumas verdades incômodas em certo círculos do campo progressista. Tem sido essa a experiência que nós, professores da rede federal, temos vivido porque resolvemos entrar em greve, quando somos acusados de querer prejudicar o governo.

Nossas disputas internas, nossos expurgos e fratricídios por vezes são tão ou mais dolorosos que os ataques da extrema-direita. Será que os mais jovens já não perceberam isso e o quanto é difícil ser escutado pelos “cabeças-brancas” a ponto de preferirem simplesmente não estar?

Em um tempo marcado pelas doenças da alma, para quê adoecer onde você deveria alimentar a esperança? Tem sido melhor ficar e lutar nos territórios. Ação local para pensar global. Talvez um primeiro exercício nosso de revisão de práxis fosse escutar mais do que ter algo a dizer.

Aqui no Rio tenho sido chamado para falar em alguns lugares também. Seja na Baixada Fluminense, ou em assessorias para o CEBI ou para o Movimento Fé e Política. Não falo para milhares de pessoas como o senhor, mas em grupos menores onde tenho falado a presença raramente é jovem.

Desde antes da pandemia observo o mesmo fenômeno indicado em seu texto. Onde estão nossos jovens? Eu me refiro à turma da PJ, das Comunidades de Base, catequistas, agentes de pastoral… Mas esse não é um problema isolado do catolicismo progressista.

Semana passada, fui ver o José Dirceu que fez uma fala no auditório do Sindicato dos Bancários, no Centro do Rio. Estava bem cheio, deveria ter umas 250 pessoas. Pois bem, eu com quase 50 anos deveria ser um dos vinte mais jovens no evento. Nos sindicatos, não é diferente. Talvez a exceção seja apenas o MST.

Essa parafernália digital que nos cerca também roubou a ideia de futuro, de amanhã. Tudo é aqui e agora. O que aconteceu há meia hora pode ter ficado envelhecido e ultrapassado. Soma-se a isso mudanças no mundo do trabalho que precarizam os raros empregos formais e a condição de abandono da escola básica.

Diante dessa realidade, como sonhar com um amanhã melhor? Para muitos jovens de camada popular, o futuro inexiste. Sem futuro não há utopia. Resta matar um leão por dia para ter o que comer e o que vestir.

Vemos poucos jovens nestes eventos em que estamos presentes porque a moçada tá “no corre da vida defendendo um qualquer”, como eles dizem. Não há mais uma comunidade de fé ou um movimento social que financie essas experiências. Quem o fará em um mundo social reduzido a duas instituições – família e Estado –pelo neoliberalismo? E um detalhe: a maioria destes jovens não são católicos.

Não deveríamos pensar que estamos em uma bolha geracional formada por nós mesmos ao longo do tempo? Não estaríamos nós hermeticamente fechados em nossas verdades e metodologias a ponto de não conseguirmos mais escutar os mais novos? Queremos ceder o protagonismo às novas gerações?

Para não dizer que tudo são espinhos, vejo alguns sinais de esperanças. Aqui no Rio de Janeiro, todas as vezes que evangélicos progressistas promovem debates e encontros, há uma grande quantidade de jovens muito envolvidos com a luta por uma sociedade justa.

Os dois últimos em que estive, organizados pelo ISER, tinham esse perfil. Não valeria a pena prestar atenção no que eles – os evangélicos progressistas – estão fazendo para entender onde estamos errando?

Vale também ressaltar o bonito diálogo feito Marcelo Barros e Rose Costa com jovens muito comprometidos na organização do Encontro de Juventudes e Espiritualidades Libertadoras (ENJEL). Na preparação de seu próximo evento, uma coisa me chamou a atenção: a programação é toda feita a partir de rodas de vivência e de conversa.

Diferentes de outros formatos a que estamos acostumados, onde apenas vamos ouvir muita coisa boa, mas de forma passiva. Ao contrário, este encontro propõe uma metodologia baseada no diálogo e na escuta e, sobretudo, oferece protagonismo aos jovens, algo que ainda se resiste muito em acontecer em certos ambientes.

Precisamos sair do planalto e descer para a planície das juventudes. Ou se preferir, sair dos centros e partir para as periferias, sair do asfalto e subir os morros, entrar nas favelas onde estão os jovens com quem queremos dialogar, se de fato desejamos esse diálogo e suas consequências.

Afinal, como bem o senhor lembra, a cabeça pensa onde os pés pisam. Será que estamos pisando os mesmos terrenos das juventudes?

Frei Betto, finalmente peço que me perdoe se lhe pareço impertinente ao responder seu artigo. Não foi minha intenção. Receba como um diálogo que alguém de cabelos grisalhos dirige a alguém de cabelos brancos.

Um grande abraço,

Jorge Alexandre Alves é professor do IFRJ e do Movimento Fé e Política.

Foto: Registro do 12º Encontro Nacional de Fé e Política

]]>
49742
Diálogo intergeracional 1: Cabelos Brancos, por Frei Betto https://observatoriodaevangelizacao.com/dialogo-intergeracional-1-cabelos-brancos-por-frei-betto/ Wed, 24 Apr 2024 13:09:10 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.com/?p=49739 [Leia mais...]]]> Participei em Belo Horizonte, no início de abril, do 12º encontro nacional do Movimento Fé e Política. Quase duas mil pessoas. Ao contrário dos encontros anteriores à pandemia, poucos jovens. A maioria de cabelos brancos ou tingidos. Minha geração envelhece. Chego este ano aos 80. Nossas ideias, propostas e utopias, também envelhecem? (…) Precisamos fazer autocrítica, rever nossas ideias, ter a coragem de abrir espaços às novas gerações e reinventar o futuro. Nossos cabelos brancos denunciam o inverno que nos acomete. É hora de uma nova e florida primavera!

Confira o artigo de Frei Betto na íntegra:

CABELOS BRANCOS

Participei em Belo Horizonte, no início de abril, do 12º encontro nacional do Movimento Fé e Política. Quase duas mil pessoas. Ao contrário dos encontros anteriores à pandemia, poucos jovens. A maioria de cabelos brancos ou tingidos.

Minha geração envelhece. Chego este ano aos 80. Nossas ideias, propostas e utopias, também envelhecem?

É muito preocupante constatar que as forças progressistas não logram renovar seus quadros. Para vice de Boulos, na disputa pela prefeitura de São Paulo, em outubro próximo, o PT precisou importar uma mulher filiada a outro partido: Marta Suplicy, que fará 80 anos em março de 2025. No Rio, o PT parece não ter quem indicar para possível vice na chapa do prefeito Eduardo Paes, candidato à reeleição. Tende a importar Anielle Franco, do PSOL.

Tenho proferido conferências pelo Brasil afora e assessorado movimentos populares. Os cabelos brancos predominam na plateia. As poucas manifestações públicas convocadas pela esquerda reúnem um número inexpressivo de pessoas e, em geral, a turma dos cabelos brancos.

Nós, da esquerda, estamos acuados. Como diz a canção de Belchior, “minha dor é perceber / que apesar de termos feito / tudo, tudo, tudo, tudo que fizemos / ainda somos os mesmos e vivemos (…) como os nossos pais”. “Nossos ídolos ainda são os mesmos”. E não vemos que “o novo sempre vem”.

A queda do Muro de Berlim abalou as nossas esperanças em um mundo onde todos teriam a sua existência dignamente assegurada. E o capitalismo, gato de sete fôlegos, inovou-se pelos avanços da ciência e da tecnologia e, sobretudo, do neoliberalismo.

Primeiro, a privatização do patrimônio público; em seguida, das instituições sociais, reduzidas a duas por Margaret Tchatcher: o Estado e a família. E, por fim, o cidadão foi despido de seu manto aristotélico e condenado a ser mero consumista, inclusive de si mesmo ao passar horas a se mirar no espelho narcísico das redes digitais.

Há uma progressiva despolitização da sociedade.

A direita é como uma maré que sobe e ameaça afogar o que nos resta de democracia liberal. Basta dizer que um dos três programas de maior audiência da TV Globo e, portanto, de faturamento, é o BBB, que bem espelha os tempos em que vivemos: ali são explícitas as regras do sistema capitalista. O único objetivo é competir. Todos sabem que, ao final, apenas uma pessoa haverá de amealhar o pote de ouro. E a missão dos concorrentes é cada um fazer tudo para que seus pares sejam eliminados. É o que milhões de adolescentes aprendem ao perder horas assistindo àquele simulacro de “O anjo exterminador”, de Buñuel.

Na esquerda “ainda somos os mesmos”. Não semeamos a safra de novos militantes com medo de que eles se destacassem e ocupassem as nossas instâncias de poder. Abandonamos as favelas, as zonas rurais de pobreza, os movimentos de bairros. E não aprendemos a atuar nas trincheiras digitais, monopolizadas pela direita como armas virtuais da ascensão neofascista.

Não sabemos como reagir diante do fundamentalismo religioso que mobiliza multidões, abastece urnas, elege inclusive bandidos notórios. Fundamentalismo que apaga as desigualdades sociais e as contradições de classe e ressalta que tudo se reduz à disputa entre Deus e o diabo. Todo sofrimento decorre do pecado. Eliminado o pecado, irrompe a prosperidade, que empodera e favorece o domínio: a confessionalização das instituições públicas; a deslaicização do Estado; a neocristandade que condena à fogueira da difamação e do cancelamento todos que não abraçam “a moral e os bons costumes” dos que clamam contra o aborto e homenageiam torturadores e milicianos assassinos.

Precisamos fazer autocrítica, rever nossas ideias, ter a coragem de abrir espaços às novas gerações e reinventar o futuro. Nossos cabelos brancos denunciam o inverno que nos acomete. É hora de uma nova e florida primavera!

Frei Betto é escritor, autor de “Diário de Fernando – nos cárceres da ditadura militar brasileira” (Rocco), entre outros livros. Livraria virtual: freibetto.org
Assine e receba todos os artigos do autor: mhgpal@gmail.com

]]>
49739
Encontro de Jovens Universitários Cristãos Humanistas na PUC Minas https://observatoriodaevangelizacao.com/encontro-de-jovens-universitarios-cristaos-humanistas-na-puc-minas/ Wed, 24 Apr 2024 03:28:59 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.com/?p=49714 [Leia mais...]]]>
O EJUCH teve como eixo central o encontro com Jesus, proporcionando momentos de profunda conexão espiritual, criando oportunidades para novas amizades, por meio de reflexões sobre as relações da vida humana. O evento possibilitou ainda o fortalecimento da fé e a adesão aos valores do Evangelho.O 1º Encontro de Jovens Universitários Cristãos Humanistas (EJUCH) promovido pela Pastoral Universitária da PUC Minas promoveu , no Campus Coração Eucarístico, em Belo Horizonte. O encontro contou com a presença alegre de dezenas de jovens universitários dos diversos campi e unidades da Universidade e teve como fundamento o Ano das Juventudes, projeto pastoral da Arquidiocese de Belo Horizonte, em 2024.
Durante o evento, foram realizadas atividades com músicas, danças e dinâmicas coletivas, que promoveram a interação entre os participantes e auxiliaram na formação da fraternidade.
O EJUCH teve como eixo central o encontro com Jesus, proporcionando momentos de profunda conexão espiritual, criando oportunidades para novas amizades, por meio de reflexões sobre as relações da vida humana. O evento possibilitou ainda o fortalecimento da fé e a adesão aos valores do Evangelho.
]]>
49714
Iza e João Gomes: o que cantam as juventudes sobre a própria fé https://observatoriodaevangelizacao.com/iza-e-joao-gomes-o-que-cantam-as-juventudes-sobre-a-propria-fe/ https://observatoriodaevangelizacao.com/iza-e-joao-gomes-o-que-cantam-as-juventudes-sobre-a-propria-fe/#comments Thu, 30 Jun 2022 12:00:00 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=45288 [Leia mais...]]]> Se você não sabe quem são as duas celebridades citadas no título deste texto, certamente está classificado entre os membros que antecedem a chamada geração Z. Isso porque, entre os mais jovens, os dois artistas mencionados circulam nas esferas dos grandes destaques. 

Isabela Cristina Correia de Lima Lima (sim, com dois Limas!), a Iza, é uma jovem negra, publicitária carioca, ex-bolsista da PUC Rio pelo ENEM, que iniciou sua carreia de cantora aos 14 anos cantando em paróquias e pequenos eventos ao longo da adolescência. Filha de uma professora de música e artes e de um militar naval, em 2015, aos 25 anos, lançou um canal no YouTube interpretando canções famosas e logo chamou a atenção de uma grande gravadora. A partir daí, bastaram três anos para o lançamento do primeiro álbum, “Dona de Mim”, que despontou nas paradas já com uma indicação de Melhor álbum Pop Contemporâneo em Língua Portuguesa pelo Grammy Latino. No mesmo ano de 2018, Iza foi a cantora mais tocada nas rádios brasileiras dentro do segmento pop, com o hit “Pesadão”. A sonoridade da artista circula entre os elementos do pop, funk, hip hop, dance e soul, no que se convencionou chamar mais especificamente de R&B contemporâneo.

João Gomes é de sucesso ainda mais recente. A voz grave do rapaz de apenas 19 anos tornou-se conhecida do público somente no ano passado (2021), mas já alçou o filho da pequena cidade pernambucana de Serrita ao pódio de cantor mais ouvido daquele ano, especialmente através do hit “Meu Pedaço de Pecado”. Embora os segmentos de Iza e João Gomes sejam diametralmente opostos – o rapaz é representante do chamado piseiro e do forró de vaquejada – suas histórias são semelhantes: João começou seu caminho pela música cantando no coral da igreja, foi estudante do Instituto Federal de Pernambuco e deve parte de sua fama ao impacto da internet. Seu sucesso de lançamento ocorreu especialmente através da plataforma TikTok, fenômeno que tem alterado os cenários da produção fonográfica no Brasil e no mundo.

Representantes de dois grupos distintos, o da periferia urbana do Sudeste e o dos interiores rurais do Nordeste, Iza e João Gomes simbolizam os polos que costumamos identificar (sem fugir de generalizações) entre perfis da população brasileira: por um lado uma juventude marcada pelas questões raciais e identitárias, por outro uma estrutura ainda bastante tradicional de significação da família, dos costumes e valores. Mas eis que o soul e o piseiro se entrecruzam e nossas categorias de análise parecem convidadas a aprofundar discussões: neste ano, ambos os artistas lançaram músicas que abordam a temática religiosa e as distinções aqui deixam de ter contornos tão definidos.

Fé x terra prometida: duas faces de um mesmo disco

No último dia 9 de maio, a BBC Brasil lançou uma matéria em que analisa os dados das primeiras pesquisas do ciclo eleitoral de 2022 do Instituto Datafolha. As pesquisas não revelam necessariamente um dado novo, mas o aprofundamento de uma realidade: cresce cada vez mais entre os jovens aqueles que se identificam como “sem religião”. Na verdade, os dados dão conta que dentro do eixo Rio-São Paulo os jovens que declaram não ter nenhuma pertença religiosa já são maioria ante evangélicos e católicos (estes, entre os jovens, já em menor número que os primeiros).

A não religiosidade destes jovens, porém, não necessariamente resulta em uma ausência de cultivo da espiritualidade. Antes, apesar de não se identificarem com nenhum espaço religioso institucional, cultivam ainda aspetos da fé cristã como a crença em Deus, Jesus, Maria ou os santos, mantêm práticas rituais específicas ou selecionam e sincretizam doutrinas, constituindo um modo muito pessoal de experiência do transcendente. Nas redes sociais, por exemplo, popularizou-se a expressão “jovem místico”, como designação de uma parcela da juventude que, embora não religiosa, pode ser considerada espiritualizada.

Os recentes lançamentos dos jovens cantores citados anteriormente, por exemplo, ilustram o espaço que a fé ainda ocupa na vida da juventude brasileira. O último álbum de João Gomes, lançado há pouco mais de um mês, tem como terceira faixa a canção “Terra Prometida”, que traz versículos de salmos, declarações explícitas da fé cristã do cantor e se aproxima do tradicional gospel, embora em ritmo de forró. Já Iza, em cerca de uma semana, ultrapassava 3 milhões de visualizações em seu último clipe lançado no YouTube intitulado “”. Distintos no gênero e na linguagem, ambas as canções apresentam, no entanto, concepções de fundo que podem orientar algumas percepções pastorais sobre as realidades que os jovens têm vivido à luz da fé e também sobre as lacunas de sua formação religiosa.  

A figura da mãe e a força da esperança

O primeiro elemento claro de similaridade entre as letras é a presença da figura materna. A mãe, em ambas as realidades, é a verdadeira provedora, não somente do sustento físico, como destaca Iza (“a minha coroa me criou sozinha/levantando sempre no raiar do dia”, diz a letra), mas especialmente no apoio emocional/espiritual. A mãe é a educadora da fé, o símbolo da religiosidade comprometida que opera como um farol moral para os filhos. 

Tem-se aí um ponto fulcral do trabalho com as juventudes contemporâneas: o reconhecimento das diferentes configurações familiares nas quais estes sujeitos se desenvolvem, acolhendo toda sua complexidade, potências e fragilidades reais. Ora, não é um dado novo em nenhuma pesquisa demográfica que grande parte dos jovens brasileiros, especialmente os da periferia, não crescem em famílias que certos grupos cristãos reconheceriam como modelo. Alguns programas sociais do governo, inclusive, têm como primeira beneficiária a matriarca, pois geralmente é esta que assume a criação dos filhos, netos e demais crianças do círculo familiar ou comunitário. No entanto, nossas referências iconográficas, e de modo especial nossas pregações, continuam tratando de um modelo de família excessivamente idealizado, que muitas vezes demoniza os modelos familiares reais atribuindo-lhes, de antemão, a noção de fracasso.

As idealizações, aliás, frequentemente são uma tranca às portas de acesso dos jovens à uma experiência de fé madura e sadia. Elas impedem um dos processos básicos de assimilação da Boa Nova que é o de identificação e rompem com um movimento típico da adolescência que é a individuação e o reconhecimento de si diante do todo. As pautas identitárias parecem ser o grande tema das juventudes urbanas e, um espaço religioso que não permita ou reconheça plurais identidades e pertenças, será incapaz de corresponder às angústias existenciais mais primárias das juventudes. Diferentemente de outras épocas, em que os projetos de vida correspondiam a um horizonte razoavelmente comum à maioria da sociedade (ter um trabalho sólido, casar, constituir família, etc.), os jovens contemporâneos encontram diante de si uma série de novos questionamentos e possibilidades que não se encaixam mais nos caminhos tradicionais que povoam os discursos vocacionais cristãos. As canções de Iza e João dialogam com uma juventude prenhe de sonhos e esperanças em um mundo de inúmeras fragmentações e desafios, onde pairam muito mais dúvidas do que certezas e que, por isso mesmo, não reconhece mais a legitimidade de instituições que apresentem respostas prontas e ideais que não encontram na realidade sua correspondência.

 Na introdução da música de João Gomes ouve-se a voz da mãe que abençoa e motiva. A mãe é imagem de uma autoridade amorosa, próxima, horizontal. É a mulher que concilia perfeitamente a bravura da luta com a doçura do cuidado. Na verdade, é essa a alegoria que o Papa Francisco usa em um dos pontos mais emblemáticos da sua Evangelii Gaudium, onde defende uma Igreja “acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas” (EG 49). A conclusão do primeiro capítulo de sua exortação apostólica sobre o anúncio do evangelho tem por título justamente a expressão “uma mãe de coração aberto” (EG 46). Não seria essa, precisamente, a imagem da Igreja que os jovens (e todos nós) gostaríamos de contemplar?    

Individualismo e meritocracia: a teologia da retribuição como base do discurso religioso contemporâneo

A imagem de comunhão e acolhida expressa pela figura materna, no entanto, em ambas as canções encontra seu oposto radical. O individualismo meritocrático que encharca as relações sociais contemporâneas e baliza os ideais de autorrealização parece coexistir pacificamente com a dimensão da fé. Na verdade, é justamente no discurso religioso que essa contradição tem se acomodado de modo mais furtivo, sob uma lógica que comumente passa despercebida e soa, inclusive, como testemunho de fidelidade.  

“Foram tantas ciladas que eu sobrevivi/Tantas batalhas que eu prevaleci/Mano, eu venci, hoje estou aqui”. Os versos cantados por João Gomes exaltam a vitória do crente, fruto de sua fidelidade à promessa de Deus. A semelhança com a letra de Iza é notável. Já na primeira estrofe ela afirma: “Hoje eu só vim agradecer por tudo que Deus me fez/Quem me conhece sabe o que vivi e o que passei/O tanto que ralei pra chegar até aqui/E cheguei.”

 A noção de retribuição não é estranha à Bíblia, especialmente no Antigo Testamento. Trata-se de uma linguagem comum, típica do livro do Deuteronômio, que pretende garantir que Israel seja fiel à aliança firmada entre Adonai e seu povo. Mas o texto bíblico não se limita a esse tipo de interpretação. Aliás, mesmo dentro do Antigo Testamento, a ideia de retribuição não ocorre num contexto de individualismo, pois a fidelidade recompensada é sempre da comunidade, do povo, que elege o caminho do Senhor, nunca do “eu” isolado de sua condição social e fraterna.

 De fato, toda a teologia cristã parece superar a lógica de retribuição ao partir de uma concepção muito mais ampla da gratuidade de Deus para com todos e da consequente liberalidade com que seus filhos e filhas devem agora tratar uns aos outros. Jesus, a propósito, inverte a lógica do mérito em diversas de suas pregações, razão pela qual muitas vezes conquistou a antipatia do público que o ouvia. Basta aqui, como exemplos, citar as parábolas dos trabalhadores da última hora e a emblemática passagem do filho pródigo, duas narrativas em que o descontentamento do senso comum diante de uma aparente injustiça do pai/patrão é explicitado através de personagens descritos pelo próprio Cristo.

     Mas o discurso neoliberal da meritocracia, ainda assim, parece colar muito facilmente com a visão de um Deus que trabalha na lógica da retribuição. Nesse sentido, nossos processos de evangelização não somente têm sido incapazes de favorecer uma saudável contracultura comunitária e de hermenêutica fraterna da fé, como frequentemente reforçam a noção de uma fé personalista e absolutamente individual, do relacionamento intimista com Deus, desvinculado dos demais. O crescimento dos discursos armamentistas e do moralismo cristão na política, por exemplo, demonstram como grupos pretensamente religiosos facilmente dissociam a narrativa evangélica de princípios de vivência comum, fechando-se em núcleos isolados, de “perfeitos”, onde o outro oferece antes um risco de “contaminação moral”, do que uma possibilidade de encontro com Deus. O individualismo religioso, no entanto, não atinge apenas aqueles grupos que claramente partem de uma perspectiva liberal. A experiência nos mostra o fechamento autorreferencial, por ser expressão basilar de nosso tempo e cultura, atinge também aqueles movimentos que historicamente se construíram a partir de lutas e pautas coletivas, mas que hoje encerram-se em discursos, visões e projetos de uma Igreja e de um mundo que não existem mais. Por isso, envelhecem distantes da juventude que não compreendem e para a qual não se fazem compreender, ciosos de estruturas e teologias que pouco ou nada dizem aos novíssimos filhos e filhas de Deus.

Compreende-se, por isso, que a fé seja lida como instrumento, mesmo que indireto, da possibilidade de ascensão social em um país com desigualdades tão profundas e estruturais como o Brasil. De fato, sair da periferia e atingir sucesso profissional e financeiro soa a muitos como um verdadeiro milagre. Assim, não seria justamente papel das igrejas fomentar uma leitura do Evangelho que questionasse a injustiça e favorecesse aos jovens uma visão crítica da realidade socioeconômica em que estão inseridos? Nossas comunidades de fé deveriam ser espaços de discernimento e empoderamento dos projetos de vida de nossos jovens, oferecendo-lhes horizontes concretos de dignidade, auxiliando-os a pensar, a partir da fé em Cristo, novos modos de ser e agir no mundo, distantes do egoísmo acumulativo e predatório em que vivemos. Também estes sonhos, é verdade, muitas vezes são de cunho bastante individualista e necessitariam de comunidades eclesiais sólidas e formativas para que desabrochassem não apenas como realização do eu, mas do nós, em vista de uma sociedade mais justa. No entanto, grande parte das lideranças cristãs não faz senão reproduzir, em suas práticas e falas, as idealizações vazias de um capitalismo que gesta em cada um de nós, desde muito cedo, ilusões de sucesso individual e solitário.

A pretensa relação de causalidade entre a fé em Deus e as vitórias pessoais de Iza e João Gomes não alimenta a autêntica esperança cristã. Ao contrário, explicita como alguns discursos religiosos hegemônicos são verdadeiros castelos de areia, facilmente derrubados pelas ondas da realidade atroz que nos alcança. Afinal, não é preciso muito para perceber que para cada Isabela e João que despontam, outros milhares se manterão na pobreza, no subemprego, na baixa escolarização e no insucesso. Não porque lhes falte fé ou a benevolência de Deus, mas porque a força transformadora do Evangelho de fato não encontra espaço para sua ação salvífica em um mundo de lógica narcísica e autorreferencial.

Ouvir a canção dos jovens

O fato de que identifiquemos limites teológicos nas letras dos já citados artistas não invalida suas manifestações de fé e piedade. Aliás, é justamente a autorreferencialidade que tantas vezes nos impede, enquanto Igreja, de ouvir na voz dos jovens seus próprios anseios, suas questões existenciais. O Papa Francisco, em sua Amoris Laetitia, adverte-nos sobre a necessária tríade pastoral: acompanhar, discernir e integrar a fragilidade (AL 291). Este caminho, porém, não se dá sem uma escuta atenta, que acolha os sinais da manifestação de Deus na realidade do outro, para fazer com ele um caminho de descobertas, maturação e aprofundamento da experiência cristã. Afinal, quem de nós possui uma imagem de Deus isenta de limitações, projeções e enganos? O exercício do discipulado não é outro senão este: renovar nossa mentalidade, para distinguirmos a vontade de Deus (Rm 12, 2) ou seja, acolhermos o Senhor tal qual ele se revela e não como o formulamos.

É preciso, sobretudo, fazer-se próximo ao jovem que, longe do que se imagina, não é fechado às críticas e à instrução, mas tem uma especial sensibilidade à incoerência e hipocrisia, o que lhe garante um filtro muito acurado quanto ao reconhecimento da legitimidade daqueles que se apresentam como autoridade. Por isso, se se diz que para educar uma criança não basta uma pessoa, mas é preciso uma aldeia, com razão poderia se dizer que para a evangelização da juventude não basta uma ou duas vozes, mas é preciso um verdadeiro coral. Uma Igreja que seja capaz de constituir um grande coro harmonizado onde haja espaço também aí para a voz de cada jovem convidado a cantar um cântico novo em louvor ao Senhor. Neles e em suas vozes, ecoará o rosto de uma nova Igreja, que não despreza os tons graves da sabedoria do passado, mas se manifesta viva no frescor daqueles que melhor expressam o dinamismo de Deus. Afinal, como já disse o Papa Francisco: Deus é jovem!

/*! elementor – v3.6.6 – 15-06-2022 */
.elementor-widget-image{text-align:center}.elementor-widget-image a{display:inline-block}.elementor-widget-image a img[src$=”.svg”]{width:48px}.elementor-widget-image img{vertical-align:middle;display:inline-block}

Matheus Cedric Godinho
É  integrante da equipe executiva do Observatório da Evangelização da PUC Minas. Além disso, é professor de Filosofia e Ensino Religioso e autor de material didático para Educação Básica nas mesmas áreas. Leigo católico, é cofundador da Oficina de Nazaré e membro do Conselho Editorial da Revista de Pastoral da ANEC. 

]]>
https://observatoriodaevangelizacao.com/iza-e-joao-gomes-o-que-cantam-as-juventudes-sobre-a-propria-fe/feed/ 1 45288
Observatório em ação – dossiê “Evangelização e Juventudes” https://observatoriodaevangelizacao.com/observatorio-em-acao-dossie-evangelizacao-e-juventudes/ Thu, 02 Jun 2022 19:57:48 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=45144 [Leia mais...]]]> Observatório da Evangelização PUC Minas lança novo projeto de pesquisa para os próximos meses, com publicação de um Dossiê previsto para início de setembro.

Dossiê temático: Evangelização e juventudes

Entre os grandes desafios e urgências que emergem de nosso tempo postos à missão da Igreja se encontra o da Evangelização das juventudes. Há tempos a Igreja vem perdendo contato com o mundo das juventudes.

Uma recente pesquisa do Datafolha apresentada pela BBC Brasil demonstra que o número de jovens que se declaram “sem religião” nos estados do Rio e São Paulo, já supera os de católicos ou evangélicos. 

No âmbito próprio do catolicismo, há uma percepção comum de que os jovens revelam crescente desinteresse pelo envolvimento nas dinâmicas propostas pela Igreja, pela participação nas ações evangelizadoras, nos ritos e liturgias, pelo envolvimento e pelos vínculos eclesiais.

Uma das frequentes causas apontadas para o distanciamento das instituições religiosas da juventude é a dificuldade que as lideranças e comunidades têm em estabelecer pontes de diálogo com os jovens. Muitos não se sentem compreendidos pela Igreja ou não a compreendem em seus ritos e doutrinas. Além disso, demandas imperativas à juventude e de caráter emergente na sociedade nem sempre são debatidas ou absorvidas pelas instâncias eclesiais com a celeridade que a sociedade demanda. Assim, acentua-se a perda do sentido e pertença religiosas entre os mais novos.

Em 1979, a III Conferência Geral dos bispos da América Latina, reunida em Puebla, fez a opção pelos jovens. Recentemente, em 2018, tivemos na Igreja católica um Sínodo sobre os jovens convocado pelo papa Francisco. Mas o desafio de superar a dificuldade de evangelizar os jovens continua.

O que está acontecendo? O que vem causando este divórcio? Quais os entraves entre Igreja e juventudes? O que tem provocado esse distanciamento? O que dizem os jovens? Que respostas a Igreja tem oferecido para essa situação? Onde a Igreja está errando ou acertando? O que os jovens desejam da Igreja? Que dinâmica eclesial comunicaria com o mundo dos jovens? Como evangelizar os jovens hoje?

Para o nosso Dossiê Evangelização e juventudes, o tema geral foi dividido em sete subtemas ou focos temáticos. São eles:

1. Evangelização, juventudes, gênero, corpo e moral sexual – Responsável: pe. Áureo Nogueira

2. Evangelização, juventudes, espiritualidade e religião – Responsável: René Dentz;

3. Evangelização, juventudes e neoconservadorismo cristão – Responsáveis: Glaucon e Paulo Vinícius;

4. Evangelização, juventudes, educação e trabalho – Responsável: Matheus Cedric;

5. Evangelização, juventudes, Igreja e desigualdade social – Responsável: Denilson Mariano;

6. Evangelização e juventudes na Arquidiocese de Belo Horizonte – Responsável: dom Joel dos Santos;

7. Evangelização, preocupações e sonhos das juventudes – Responsável: Edward Guimarães

Coordenação: Edward Guimarães

Articulação: René Dentz

Revisão e editoria: Matheus Cedric

Um dossiê temático tem como objetivo primeiro reunir pesquisadores/as para uma pesquisa ampla e qualificada sobre determinado tema complexo e oferecer para públicos diversos seja o resultado das pesquisas, seja análises a partir dos resultados alcançados. O nosso objetivo com a metodologia de “Dossiês temáticos do Observatório da Evangelização PUC Minas” é contribuir na reflexão teológico-pastoral e na qualidade do agir pastoral no contexto atual. 

Ao longo da pesquisa disponibilizaremos publicações sobre o tema geral e sobre os subtemas. Envie-nos sugestões e críticas. Acompanhe-nos!

/*! elementor – v3.6.5 – 29-05-2022 */
.elementor-widget-image{text-align:center}.elementor-widget-image a{display:inline-block}.elementor-widget-image a img[src$=”.svg”]{width:48px}.elementor-widget-image img{vertical-align:middle;display:inline-block}

Edward Guimarães
É teólogo católico leigo. Doutor em ciências da religião pela PUC Minas (2020) e mestre em teologia pela FAJE (2006). Professor do mestrado em teologia prática e do departamento de ciências da religião da PUC Minas, universidade onde coordena a equipe executiva do Observatório da Evangelização. É membro da Sociedade de teologia e ciências da religião (SOTER), da comissão para o ecumenismo e o diálogo inter-religioso do Regional Leste 2 da CNBB, do grupo de pesquisa Teologia e Pastoral, do grupo Emaus e da Comunidade Bremen.

]]>
45144
Nova cartilha traz dicas para retorno das práticas juvenis no pós-pandemia https://observatoriodaevangelizacao.com/nova-cartilha-traz-dicas-para-retorno-das-praticas-juvenis-no-pos-pandemia/ Sun, 27 Feb 2022 21:00:00 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=44057 [Leia mais...]]]> O mundo literalmente parou por conta da pandemia. Não foi diferente para muitas ações de evangelização da Igreja, que precisaram se reinventar para passar pela crise. Setores Juvenis, grupos de jovens e tantas outras iniciativas sofreram com a impossibilidade dos encontros presenciais e tantas outras descobriram novas formas de atuação pela internet. Agora, com um novo e esperançoso horizonte, a Comissão Episcopal para a Juventude da CNBB quer contribuir para novos desafios lançando uma cartilha pós-pandemia“Novos Horizontes – Manual de Retorno das Práticas Juvenis”Clique aqui para fazer o download.

A comissão preparou o material a partir do relato de muitos setores diocesanos do país que diziam das dificuldades de articulação e de retomar com novo fôlego suas atividades, visto que muitos jovens se afastaram durante a pandemia.

“Ouvindo os regionais e os grupos, percebemos a dificuldade deles e aprendendo com eles sobre tudo o que estão vivenciando e as experiências. O objetivo desse material é oferecer uma ajuda, algumas provações para reflexões dos grupos e assessores para que possam recomeçar com todo ânimo nesse pós-pandemia”, conta a assessora da comissão, Ir. Valéria Andrade Leal.

A partir de documentos como a exortação pós-sinodal Christus Vivit e a Doutrina Social da Igreja – o DoCat -, além de mensagens diversas do Papa Francisco, o manual é um convite aos jovens para continuaram a ser protagonistas da Pastoral Juvenil. São textos de reflexão e sugestões de ações concretas para que os jovens reavivem a participação na vida comunitária, orante e familiar.

Com criatividade, amor e a alegria do anúncio da Boa Nova, os jovens são chamados a ajudar a escrever nossa história não para o “retorno ao normal”, mas na construção de uma sociedade que – após o sofrimento de uma pandemia tão devastadora – seja mais humana e fraterna a partir do testemunho cristão.

/*! elementor – v3.5.5 – 03-02-2022 */
.elementor-widget-image{text-align:center}.elementor-widget-image a{display:inline-block}.elementor-widget-image a img[src$=”.svg”]{width:48px}.elementor-widget-image img{vertical-align:middle;display:inline-block}

Adilson Zorzi
Bacharel em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas, é analista de comunicação, copywriter e jornalista voluntário na equipe Jovens Conectados da Pastoral Juvenil  da CNBB. 

Fonte: https://jovensconectados.org.br/nova-cartilha-traz-dicas-para-retorno-das-praticas-juvenis-no-pos-pandemia.html

]]>
44057
Jovens dizem o que querem para os próximos 100 anos https://observatoriodaevangelizacao.com/jovens-dizem-o-que-querem-para-os-proximos-100-anos/ Wed, 17 Nov 2021 21:31:41 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=42785 [Leia mais...]]]> É HOJE! Lançamento do vídeo “O que se esperar para o futuro?”

A Arquidiocese de BH completa, em 2021, 100 anos. Comemorar o centenário é também jogar luzes no futuro que queremos para a igreja, a sociedade, a economia e o mundo. Ninguém melhor que os jovens para fazer essa projeção. Convidamos jovens mulheres, negros, trabalhadores, quilombolas, agentes de pastorais, moradores da periferia e estudantes para dizerem o que pensam.

Realização: Grupo de Reflexão e Trabalho para Economia de Francisco e Clara / ANIMA PUC Minas.

]]>
42785
“Por que os jovens abandonam a Igreja?”, com a palavra Luiz Angelo Fortuna e Maria Aparecida Rodrigues da Silva https://observatoriodaevangelizacao.com/por-que-os-jovens-abandonam-a-igreja-com-a-palavra-luiz-angelo-fortuna-e-maria-aparecida-rodrigues-da-silva/ https://observatoriodaevangelizacao.com/por-que-os-jovens-abandonam-a-igreja-com-a-palavra-luiz-angelo-fortuna-e-maria-aparecida-rodrigues-da-silva/#comments Thu, 16 Sep 2021 12:07:14 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=40945 [Leia mais...]]]> O texto a seguir foi elaborado pelos alunos Luiz Angelo Fortuna e Maria Aparecida Rodrigues da Silva para o seminário promovido pela disciplina Pedagogia Dialógica Participativa, Corresponsabilidade e Ação Pastoral, ministrada pelo prof. dr. Edward Guimarães no curso de pós-gradução em Teologia Pastoral da PUC Minas.

Confira:

Por que os jovens abandonam a Igreja?

Quero encorajar-te a assumir este compromisso,

porque sei que o teu coração, coração jovem,

quer construir um mundo melhor.

Papa Francisco (Chrystus vivit, 147)

Introdução

Mais do que nunca católicos têm deixado a Igreja – mais do que em qualquer outra religião[1].

Segundo dados do Censo do IBGE, entre os anos 2000 e 2010, o total de católicos diminuiu 1,4%, enquanto a população brasileira aumentou 12,3%. Em 2010, havia 123,2 milhões de católicos no País; em 2000, eram 124,9 milhões. Em dez anos, a comunidade católica perdeu uma população equivalente à de Curitiba.[2]

Em pesquisa realizada em 2013 pelo Data Popular[3], apenas três anos após o Censo do IBGE, menos da metade dos brasileiros entre 16 e 24 anos se declaravam católicos (44,22%). Os números mostram uma grande diferença em relação aos do Censo 2010, que apontava para um percentual de 63% de católicos entre os jovens com idades entre 15 e 24 anos.

Noutro estudo realizado pela PUC-MG entre seus alunos e alunas[4], comparando o alunato dos anos 1990 e 2013, vê-se uma queda acentuada de alunos que se declaravam católicos (79,2% em 1990 contra 55,1% em 2013).

Essa realidade não se restringe à sociedade brasileira. Dados publicados pelo Centro de Pesquisa Pew[5] estimam que aproximadamente 12,8% dos jovens adultos americanos entre 18 e 25 anos são ex-católicos, e que aproximadamente 6,8% dos adolescentes dos EUA entre 15 e 17 anos são ex-católicos.

Neste trabalho buscamos entender as razões por trás deste êxodo e refletir sobre como a Igreja poderia atuar no sentido de reverter o quadro apresentado. Tal reflexão se dá, basicamente, através da síntese da análise realizada por LIBANIO[6], do estudo publicado pela Saint Mary’s Press em colaboração com o Center for Applied Research of Apostolate (CARA)[7],[8] e pesquisa realizada pelo The Barna Group[9]. Muito embora o estudo da Saint Mary Press e do The Barna Group tenham sido desenvolvidos junto à população norte-americana, acreditamos que os resultados possam se replicados para a realidade brasileira.

Desenvolvimento

Dar resposta à pergunta proposta no título deste trabalho não é uma tarefa simples. Trata-se de um problema complexo cuja solução, consequentemente, demanda uma solução complexa, interdisciplinar, dialógica e comunitária. Embora esse fenômeno não se restrinja à Igreja Católica, é nela que concentraremos nossa reflexão.

Em ambos os estudos mencionados na Introdução deste texto podemos encontrar algumas pistas fornecidas pelos próprios protagonistas, os jovens adultos.

Comecemos pelo estudo da Saint Mary Press. Este estudo entrevistou um universo de 1500 jovens adultos tendo sido realizado em duas etapas: uma quantitativa, realizada em 2015 e outra qualitativa, concluída em 2017. A principal finalidade do estudo foi “apresentar um fórum em que os jovens pudessem trazer suas histórias ‘em suas próprias palavras, sem censura ou filtros’”.

Dentre as várias dinâmicas de desfiliação, os pesquisadores identificaram seis causas originárias principais:

  1. um evento ou uma série de eventos que levaram à dúvida;
  2. aumento da secularização cultural;
  3. novo sentido de liberdade após abandonar a crença religiosa;
  4. rejeição de uma religião que eles creem que foi lhes passada forçosamente;
  5. a convicção de que é possível viver uma vida ética sem religião;
  6. a disposição a reavaliar a sua religiosidade caso sejam presenteados com argumentos ou provas racionais.

Amparados por estas causas identificadas, os autores afirmam que “a desfiliação da Igreja é, em grande parte, uma escolha pensada, consciente e intencional feita pelos jovens em uma sociedade secularizada onde a fé e a prática religiosa são vistas como uma opção entre muitas”.

O estudo sugere que as lideranças pastorais reflitam sobre duas questões em relação aos jovens que tem deixado a Igreja:

  • sabemos quem eles são, nós os conhecemos pelo nome?
  • sentimos, hoje, a falta dessas pessoas, agora que elas se foram?

Há um dado estarrecedor nesta pesquisa: perguntados se haveria algo que pudesse ser feito para que eles considerassem o retorno à Igreja no futuro, 87% dos entrevistados responderam NÃO!

Analisemos agora o estudo do The Barna Group. Um dos grupos objeto do projeto de pesquisa foi o de jovens adultos que frequentavam regularmente a igreja em sua adolescência, tendo como o objetivo explorar as razões de sua desconexão da igreja após os 15 anos.

Segundo os autores, nenhum motivo foi determinante para o rompimento do jovem com a Igreja. Coincidência ou não, assim como no estudo do Saint Mary Press, seis razões puderam ser identificadas:

  1. tendência à superproteção;
  2. a experiência com o cristianismo é superficial;
  3. a Igreja parece ser antagônica à ciência;
  4. as questões relacionadas à sexualidade são, geralmente, tratadas de forma simplista e cheia de julgamento;
  5. dificuldade em lidar com a natureza exclusivista do cristianismo;
  6. a hostilidade para com aqueles que manifestam dúvidas.

O estudo alerta para duas posturas perigosas que alguns líderes religiosos e pais tem adotado:

  • a minimização, achando que a desfiliação é temporária e com o avançar da idade e a chegada dos próprios filhos a “desconexão” acabará;
  • a super-correção, em que buscam de todas as formas trazer um apelo congregacional aos adolescentes e jovens adultos, correndo o risco de construir uma Igreja com base nas preferências deste público, deixando de lado a busca de Deus.

Finalmente, vamos nos ater agora às tendências nas questões religiosas apresentadas por LIBANIO (2011), que acreditamos explicarem em grande parte as razões de afastamento dos jovens adultos de nossas igrejas apresentadas pelos dois estudos descritos anteriormente. Há uma síntese da análise desenvolvida e publicada em seu livro que está disponível na internet e foi proposta pelo próprio autor[10].

A experiência religiosa segue a tendência da secularização, de um lado temos jovens se comportando de maneira cada vez mais alheia às questões religiosas ou buscando experiências em outras formas religiosas, venham de onde vier. Com isso, a religião institucional é substituída por práticas religiosas que atendam às necessidades do momento.

O conceito de transcendência tradicional dominado pela imagem do Deus onipotente, Juiz supremo e Ser distante que habita nas alturas do céu, deu lugar ao conceito da transcendência na imanência que o jovem experimenta nas realidades terrestres, humanas e na natureza. Ela não vem mais de fora, mas encontra-se no fundo da consciência humana, gerando uma mística ecológica panteísta. Desta forma, a espiritualidade tradicional, que busca oferecer subsídio para o crescimento da fé, torna-se algo fugaz que prefere satisfazer a afetividade.

Como consequência deste deslocamento da transcendência, a consciência de culpa, leia-se pecado, é alterada. A ideia de transgressão desaparece e corre-se o risco do “vale-tudo”.

Finalmente, a Igreja ativa e comprometida que no passado oferecia aos jovens um lugar próprio, através de movimentos como a Ação Católica, encontra-se no momento sem propostas para os jovens.

Para o Debate

Diante deste imenso desafio que se apresenta à Igreja e do exposto anteriormente, gostaríamos de propor as seguintes questões para discussão:

  • a) Partindo da sua experiência, por que os jovens abandonam a Igreja? As razões são diferentes das apresentadas neste trabalho?
  • b) O que podemos fazer, como Povo de Deus, para reaproximar dos jovens da Igreja ou trazer os jovens para a Igreja?

Conclusões

Primeira Conclusão

Não estamos dando autêntico testemunho cristão da pessoa de Jesus e de sua práxis humanizante e libertadora. Acreditamos que é necessário transformar a nossa catequese, que muitas vezes ela ainda se apresenta demasiadamente doutrinal e descontextualizada. Urge uma catequese que inicie, de fato, a pessoa na vida cristã, que procure gerar cristãos de verdade. Cristãos que, ao se iniciarem no Caminho, encontrem a pessoa Jesus Cristo, ressuscitado e estradeiro conosco, e que se desafiem diariamente a ser pessoas melhores, justamente porque O encontraram.

A fé é relação e deve nos impulsionar a ir ao encontro do outro. Dizia João Batista Libanio em um encontro de catequistas no IRPAC – Instituto Regional de Pastoral Catequética, em 2013: “Temos respostas velhas para perguntas novas”.

Antes de mais nada, precisamos conhecer o jovem para juntos com eles encontrarmos respostas aos seus dilemas. É preciso deixar que ele fale, para que possamos ajudá-lo, e não apenas oferecer fórmulas prontas e decoradas que não atendem às suas necessidades. É imprescindível às lideranças comunitárias entenderem que temos muito que aprender com as juventudes. Portanto, se faz necessário uma conversão pastoral, que vá além de uma pastoral de conservação para uma prática mais humana, cristã e verdadeiramente missionária.

É preciso investir na formação bíblica e catequética dos agentes de pastoral e do clero. Não podemos continuar com a Bíblia na mão, entrando na fila da comunhão e acomodados diante do fato de que há tantos dos nossos irmãos excluídos dentro da própria Igreja. Este é um compromisso que toda a Igreja deve assumir, caso contrário seremos uma Igreja sem futuro.

Maria Aparecida Rodrigues da Silva

Segunda Conclusão

Como procuramos demonstrar neste trabalho, o desafio apresentado pelos jovens adultos que deixam a Igreja além de complexo é urgente e demandante. Se nada fizermos o futuro da Igreja estará seriamente comprometido. Corremos o risco, como Igreja, de perdermos também aqueles jovens que ainda perseveram. Precisamos escancarar as portas de nossas paróquias para acolher este jovens. É necessário sair atrás deles onde estiverem para ouvi-los, dar voz a eles, conhecê-los, deixar claro que sentimos sua falta.

Antes de sairmos atrás dos jovens, porém, é necessário desenvolvermos uma nova cultura pastoral, um novo modelo de catequese, onde os dilemas com os quais os jovens se veem confrontados sejam abordados livremente, humanamente, com sensibilidade e sinceridade.

Para isso, precisamos dar um passo anterior: a formação de nosso clero deve ser revisitada, nossa catequese, além de interdisciplinar, deve ter como foco a figura de Jesus de Nazaré, em última análise o ser humano pleno. Nossas comunidades não podem esquecer que todos nós, em maior ou menor grau, passamos pelos mesmos dilemas, fomos rebeldes na medida em que o contexto em que fomos jovens nos permitia. É preciso entender o contexto mundial atual! Isso não implica em mudar os ensinamentos evangélicos nem descaracterizar a figura de Jesus como apresentada nos evangelhos nem mesmo em alterar a doutrina da Igreja.

Luiz Angelo Fortuna

Notas

[1] VITEK, J. Novo estudo busca saber por que os jovens adultos deixam a Igreja. Revista IHU-Online, 19.01.2018. Disponível em <http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/575351-novo-estudo-busca-saber-por-que-os-jovens-adultos-deixam-a-igreja>. Acessado em: 10.07.2021.

[2] Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Religi%C3%A3o_no_Brasil#Catolicismo>. Acesso em: 10.07.2021.

[3] Disponível em: <http://g1.globo.com/jornada-mundial-da-juventude/2013/noticia/2013/07/442-dos-jovens-entre-16-e-24-anos-sao-catolicos-diz-data-popular.html>. Acesso em 10.07.2021.

[4] BAPTISTA, Paulo Agostinho Nogueira. Geração Universitária da PUC Minas: o que mudou entre 1990 e 2013? HORIZONTE – Revista de Estudos de Teologia e Ciências da Religião, v. 12, n. 36, p. 1190-1227. Disponível em: < http://periodicos.pucminas.br/index.php/horizonte/article/view/P.2175-5841.2014v12n36p1190>. Acesso em: 10.07.2021.

[5] VITEK, J. Novo estudo busca saber por que os jovens adultos deixam a Igreja. Revista IHU-Online, 19.01.2018. Disponível em <http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/575351-novo-estudo-busca-saber-por-que-os-jovens-adultos-deixam-a-igreja>. Acesso em: 10.07.2021.

[6] LIBANIO, João Batista. Para onde vai a juventude? Reflexões pastorais. São Paulo: Paulus, 2011, p. 183-218.

[7] SAINT MARY PRESS. Going, going, gone: the dynamics of disaffiliation in young catholics. Wynona: MN, 2017.

[8] VITEK, J. Novo estudo busca saber por que os jovens adultos deixam a Igreja. Revista IHU-Online, 19.01.2018. Disponível em <http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/575351-novo-estudo-busca-saber-por-que-os-jovens-adultos-deixam-a-igreja>. Acesso em: 10.07.2021.

[9] THE BARNA GROUP. Seis razões por que jovens cristãos abandonam a igreja. Disponível em <https://www.cristaosnaciencia.org.br/seis-razoes-por-que-jovens-cristaos-abandonam-a-igreja/>. Acesso em 10.07.2021

[10] LIBANIO, João Batista. Para onde vai a juventude? Revista Vida Pastoral, ano 54, n. 288, p. 14-22. Disponível em <https://www.vidapastoral.com.br/artigos/temas-pastorais/para-onde-vai-a-juventude/>. Acesso em 10.07.2021.

REFERÊNCIAS

BAPTISTA, Paulo Agostinho Nogueira. Geração Universitária da PUC Minas: o que mudou entre 1990 e 2013? HORIZONTE – Revista de Estudos de Teologia e Ciências da Religião, v. 12, n. 36, p. 1190-1227. Disponível em: < http://periodicos.pucminas.br/index.php/horizonte/article/view/P.2175-5841.2014v12n36p1190>. Acesso em: 10.07.2021.

LIBANIO, João Batista. Para onde vai a juventude? Reflexões pastorais. São Paulo: Paulus, 2011, p 183-218.

____. Para onde vai a juventude? Revista Vida Pastoral, ano 54, n. 288, p. 14-22. Disponível em <https://www.vidapastoral.com.br/artigos/temas-pastorais/para-onde-vai-a-juventude/>. Acesso em 10.07.2021

SAINT MARY PRESS. Going, going, gone: the dynamics of disaffiliation in young catholics. Wynona: MN, 2017.

THE BARNA GROUP. Seis razões por que jovens cristãos abandonam a igreja. Disponível em <https://www.cristaosnaciencia.org.br/seis-razoes-por-que-jovens-cristaos-abandonam-a-igreja/>. Acesso em 10.07.2021

VITEK, J. Novo estudo busca saber por que os jovens adultos deixam a Igreja. Revista IHU-Online, 19.01.2018. Disponível em <http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/575351-novo-estudo-busca-saber-por-que-os-jovens-adultos-deixam-a-igreja>. Acesso em: 10.07.2021.

]]>
https://observatoriodaevangelizacao.com/por-que-os-jovens-abandonam-a-igreja-com-a-palavra-luiz-angelo-fortuna-e-maria-aparecida-rodrigues-da-silva/feed/ 1 40945
Encontros Bíblicos: julho 2019 https://observatoriodaevangelizacao.com/encontros-biblicos-julho-2019/ Mon, 01 Jul 2019 15:19:06 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=30987 PROTAGONISMO DOS LEIGOS, JUVENTUDES, FORMAÇÃO INTEGRAL

ENCONTROS BÍBLICOS – junho -2019

Caso deseje, peça o seu exemplar impresso para o próximo mês:

31 3249-7434 | 3273-8703 | 3422-3441

cristoreivirtual@pucminas.br

http://www.lojacristorei.com.br

WhatsApp: 31 98766-5532

]]>
30987