Juventude – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Mon, 12 Sep 2022 23:01:08 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.4 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 Juventude – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 Papa divulga nova mensagem aos jovens rumo à JMJ 2023 https://observatoriodaevangelizacao.com/papa-divulga-nova-mensagem-aos-jovens-rumo-a-jmj-2023/ Mon, 12 Sep 2022 23:01:08 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=45930 [Leia mais...]]]> A sala de imprensa da Santa Sé divulgou hoje a terceira e última mensagem de motivação do Santo Padre aos jovens que participarão da Jornada Mundial da Juventude que ocorrerá em Lisboa ano que vem. Todas as mensagens tem como centro o verbo “levantar” e, seguindo o espírito do tema da jornada, neste terceiro texto o papa convida os jovens a refletirem sobre a perícope de Lucas 1, 39: “Maria Levantou-se e partiu apressadamente”.

Em sua mensagem o papa ressalta a linha de continuidade que há entre a anunciação (tema da JMJ 2019 ocorrida no Panamá) e o texto de Lucas que motiva este novo encontro. Após a notícia da Anunciação, Maria se pôs a serviço. Ela poderia ter ficado fechada em si mesma durante a gestação, mas cheia de Graça foi ao encontro de quem precisava dela, a sua prima Isabel. Assim, na sua juventude, Maria, a “Mãe do Senhor é modelo dos jovens em movimento, jovens que não ficam imóveis diante do espelho em contemplação da própria imagem, nem «alheados» nas redes” (Papa Francisco).

Por ser jovem, Maria também tinha as suas inquietações, seus sonhos e desejo de que as coisas acontecessem rápido, por isso, cheia do Espírito Santo ela entende que Deus tem um projeto para ela, e se põe a caminho. O primeiro passo é visitar sua prima Isabel, que idosa, também se encontrava grávida. Nisto, a jovem Maria nos mostra que devemos sair ao encontro dos idosos, ouví-los e aprender com eles. A sabedoria dos mais velhos nos mostra que as vezes é necessário manter o silêncio, o qual Maria colocou em prática quando o seu filho ainda criança mostrava a sua sabedoria (Lc 2, 51). Nesse contexto de reflexão, o Papa Francisco mostra às juventudes do mundo inteiro que se reunirão por ocasião da Jornada, a importância de ouvir esse chamado e se colocar a serviço, a exemplo da jovem Maria.

Por fim, Francisco faz uma precisa distinção entre a pressa de Maria, fruto do impulso do Espírito ao serviço dos demais, e as pressas mundanas que nos levam à superficialidade, a uma vida sem empenho nas relações,  e sem depositar naquilo que fazemos e somos o nosso coração. Para a JMJ, e sobretudo para a vida da Igreja, o papa convida os jovens a apressarem-se desta pressa boa, da qual Maria é modelo e guia, e que nos forja em uma comunidade de acolhida e de encontro aos demais.

Só assim colocaremos em lugar adequado nossa devoção mariana que desde a iniciação cristã nos ensina a chamar Maria de “mãe”, mas que nem sempre ressalta com a devida clareza a dimensão histórica da jovem Maria que viveu na Palestina em um tempo marcado pelo imperialismo e pelas desigualdade sociais. Acolher o testemunho da mãe de Jesus no meio de nós é lembrar sempre desse seu dinamismo juvenil, que é justamente o que a torna imagem perfeita da Igreja, para os discípulos de todos os tempos e lugares. 

Para ler a mensagem completa clique aqui: Mensagem do Papa aos Jovens (JMJ Lisboa 2023).

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Paulo Vinícius Faria Pereira
É teólogo católico leigo. Professor de Sociologia na rede pública de ensino. Mestrando em Ciências da Religião pela PUC Minas, possui bacharelado em Teologia e licenciatura e bacharelado em Ciências Sociais pela mesma instituição. É licenciado em Pedagogia (Claretiano) e membro da Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais. Atua como colaborador voluntário no Observatório da Evangelização.

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Juventude e Comportamento https://observatoriodaevangelizacao.com/juventude-e-comportamento/ Mon, 08 Aug 2022 11:32:20 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=45578 [Leia mais...]]]> ENTREVISTA REALIZADA PELO PROFESSOR RENÉ DENTZ AO PROF. PE ELISMAR ALVES DOS SANTOS (IFITEG)

  1.  A adolescência é complexa porque porta também uma ideia de limbo, quase como uma ideia de não-ser, mas tem que assumir sua liberdade. Ser e não-ser estão caminhando juntos, paradoxalmente. Há uma determinação e uma indeterminação do sujeito. O jovem não tem ainda uma identidade, busca incessantemente uma (comumente em grupos, ideias, pessoas). Como o adolescente de hoje vivencia sua liberdade no âmbito da sexualidade?  

R. Costumo pensar que, a construção da identidade de uma pessoa, trata-se de uma das dimensões mais importantes ao longo do desenvolvimento humano. O adulto de hoje é o resultado do que foi a constituição de sua identidade/personalidade. Na formação da identidade de uma pessoa se faz presente também a sexualidade. A palavra liberdade não é de fácil precisão. A compreensão equivocada desta palavra remete a ideia de fazer o que se deseja. Porém, liberdade, consiste, em colocar em prática, a condição de sujeito que há em todo ser humano. Como sugere o psiquiatra austríaco, Viktor Frankl, em seu livro, Em Busca de Sentido: Um Psicólogo no Campo de Concentração: nada e ninguém pode tirar a liberdade interior do ser humano. É preciso, então, lutar para não perder a liberdade interior.

 É um desafio relacionar adolescência, liberdade e sexualidade. Compreendo de dois modos a maneira como os adolescentes de hoje vivenciam a liberdade na dimensão da sexualidade. Primeiramente, há aqueles adolescentes que lidam com a sexualidade a partir da busca do prazer e do gozo. Ser livre, aqui, consiste em colocar em prática os desejos e anseios da sexualidade que carregam em suas mentes, em um contexto, demasiadamente erótico. Por causa da sociedade erótica na qual os adolescentes estão inseridos, a liberdade no universo psíquico e social, corre o risco de se tornar uma liberdade condicionada ao erotismo. Nesse contexto, não há preocupações com a formação da consciência ao que condiz à sexualidade. Ressalto, ainda, que muitos adolescentes vivem o vazio existencial. Esta realidade social e psíquica atrelada à sexualidade provoca terríveis consequências aos adolescentes. O que acabei de dizer pode ser resumido nas palavras de Viktor Frankl, no livro mencionado logo acima: “É por isso que, muitas vezes, a frustração existencial acaba em compensação sexual. Podemos observar nesses casos que a libido sexual assume proporções descabidas no vazio existencial”.  

Em segundo, escuto adolescentes que lutam para não reduzirem a sexualidade somente a linguagem e vivência erótica. Observo que este segundo modelo de adolescentes demonstra esforços para formar uma consciência mais responsável ao que tange a questão da sexualidade. Para estes adolescentes, vale recordar o que diz Viktor Frankl, no livro já citado: “O sexo se justifica, e é até santificado, quando for veículo do amor, porém apenas enquanto o for”. No entanto, não se trata, no contexto desta reflexão, fazer juízo ético-moral entre os dois modelos de adolescência na vivência da sexualidade.  O que disse foi diante da constatação do que escuto e observo.

Portanto, o desafio consiste em ajudar os adolescentes a fazerem a passagem de uma compreensão da liberdade, às vezes, “permissiva” que alcança de forma trivial a sexualidade, a uma liberdade “interior”. A liberdade interior, por sua vez, leva à formação da consciência e a vivência mais responsável da sexualidade. Diz respeito a compreensão da sexualidade não reduzida exclusivamente aos órgãos genitais, ou aos jogos performáticos dos corpos que falam através da linguagem da sedução, mas a uma sexualidade que requer diálogo, em vista da formação da consciência.

  • A igreja tem conseguido apresentar aos jovens uma experiência cristã libertadora? Por que tantos jovens têm sido atraídos pelas propostas de grupos neoconservadores?  

R.  Quanto a primeira pergunta é preciso, primeiro, pensar o que se entende por experiência cristã libertadora. O modelo de juventude de hoje não corresponde mais ao modelo de juventude dos anos 80 e 90. Nestas décadas se falava muito da “experiência cristã libertadora”, através dos grupos de jovens. Jovens engajados nas comunidades Eclesiais de Base, etc. O contexto social e político basicamente desenhava este modelo de juventude na Igreja. A experiência cristã libertadora, como sugere a própria expressão, consiste em libertar. A Igreja como seguidora de Cristo tem sempre como meta promover a libertação do ser humano, como fez Jesus de Nazaré na cura de um paralítico: “Filho, teus pecados estão perdoados” (Mc 2, 5). Como também as curas (libertação) em dia de sábado: “‘É lícito ou não curar no sábado?”’ (Lc 14, 3).  Acredito, assim, que a proposta da Igreja visa sempre promover a experiência libertadora ora da juventude, ora de seus fiéis, independentemente do contexto histórico.

Em relação a segunda pergunta, é verdade que existe influência e adesão de muitos jovens, às propostas de grupos neoconservadores. Percebo este fenômeno da seguinte forma: é muito fácil doutrinar as pessoas. Basta apresentar a elas um programa de vida bem exigente do ponto de vista espiritual e moral.  Mostrar a elas que não é preciso pensar, pois, alguém já pensa por elas. Nesse contexto, é mais preferível dizer aos jovens como “devem” pensar do que como “poderiam” pensar. Na primeira observação, prevalece a ordem do dever: “Tu Deves”. Já na segunda, prevalece: “Tu Poderias”. Em alguns cenários de Igreja, há uma disposição para a adesão do “Tu Deves” e não ao “Tu Poderia”. Por fim, os grupos neoconservadores, apresentam uma visão de Teologia Moral baseada no rigorismo e não na importância da formação da consciência. O jovem, nesse modelo de vida, já pega uma “consciência formada” e a coloca “dentro de sua própria consciência”. Em resumo seria assim: uma consciência dentro de outra consciência. Aliás, o Papa Francisco, tem condenado fortemente a substituição da consciência.

Gostaria de concluir com uma outra pergunta: será que, realmente, nossos jovens desejam pensar por conta própria, ou preferem que outros pensem por eles?

  • Hoje muito se fala sobre a inserção de mulheres em espaços de decisão da Igreja, o que tem sido um desafio enfrentado, não sem grandes resistências, por parte da hierarquia, com vários acenos positivos do Papa Francisco. No entanto, não se fala dessa mesma inserção do ponto de vista da juventude. Na verdade, os jovens que aparentemente estão mais próximos da hierarquia são aqueles em formação para o sacerdócio e, justamente estes, encontram-se na muitas vezes em condições ainda mais rígidas de vigilância, dependência e submissão. A ausência efetiva de jovens dentro de espaços privilegiados de decisão da Igreja não seria um impedimento para que suas questões fossem de fato contempladas nas reflexões eclesiais?

R. Realmente, a participação da juventude nas decisões da Igreja, é uma questão a se pensar. Me recordo das Jornadas Mundiais da Juventude iniciadas pelo Papa João Paulo II, como uma oportunidade de encontro da Igreja, com jovens do mundo inteiro. É verdade que se trata de um evento celebrativo e de convivência, mas importante para e renovação da fé dos jovens e de sua pertença a Igreja. Penso que é um desafio para a Igreja enquanto instituição escutar os jovens. No entanto, congregações religiosas e dioceses, desenvolvem projetos em vista da escuta da juventude. Entendo que a pergunta caminha mais na direção da Igreja enquanto instituição que decide por meio de seus documentos. Nessa ótica, a Igreja, ao escutar os jovens, em espírito de abertura e de acolhimento, certamente, leva em consideração as seguintes demandas: seus anseios. Seus medos. Seus desejos. Suas intenções. O que pensam da Igreja. Como gostariam que fosse a Igreja, etc.

O pontificado do Papa Francisco, caminha na direção da Escuta do Outro. Me faz recordar o que enfatiza o filósofo judeu Martin Buber, ao refletir sobre o significado do Entre diante do Outro. É esse Entre que me lembra o esforço do Papa Francisco para compreender melhor quem é esse Outro. Em 2018 ocorreu em Roma, o Sínodo dos Bispos para a Juventude, o qual foi importante para aproximar mais ainda a Igreja da juventude, tendo à frente o Papa Francisco. No evento, como sempre faz o Papa Francisco, certamente, escutou alguns dos anseios da juventude que ressaltei logo acima. 

  • Frequentemente as instituições de ensino católicas se veem desafiadas por uma aparente contradição entre o pluralismo cultural e religioso da sociedade contemporânea e a consolidação de sua identidade confessional. Além disso, vemos também a tenção existente entre se manter viva e relevante no mercado educacional sem perder-se em estruturas elitistas que favorecem a desigualdade ao invés de minimizá-la. Nesse aspecto, as escolas e universidades católicas tem ainda um papel a cumprir junto à juventude no que diz respeito à transmissão de valores realmente evangélicos? E como favorecer aos jovens estudantes desses espaços uma experiência cristã madura que garanta não somente a excelência acadêmica, mas também uma formação humanista característica do cristianismo? 

R. Sim. As escolas e Universidades católicas têm um papel importante a cumprir perante à juventude junto aos valores evangélicos. Como ensina o Papa Francisco (2018) na Constituição Apostólica Veritatis Gaudium: Sobre as Universidades e as Faculdades Eclesiásticas (Art.2): “Por Universidades e Faculdades eclesiásticas, na presente Constituição, são designadas aquelas instituições de educação superior que, canonicamente erigidas ou aprovadas pela Sé Apostólica, cultivam e ensinam a doutrina sagrada e as ciências que com ela estão correlacionadas, com o direito de conferir graus acadêmicos por autoridade da Santa Sé”. Percebo no ensinamento da Constituição que, é papel das instituições de ensinos católicas, transmitir ao menos dois valores aos estudantes: a doutrina sagrada e as ciências. A formação humanística requer da parte das instituições de ensino uma pastoral ora escolar, ora universitária. Eis aí um grande desafio: como pensar, sobretudo, em uma pastoral universitária, capaz de atrair os jovens?

Bem, não tenho uma resposta pontual. Mas, penso que a pastoral universitária precisa cativar, primeiramente, o coração dos jovens. Mostrar a eles que, não há oposição entre, e Razão. Me parece que muitos jovens fazem o divórcio no que se refere a estes dois conceitos mencionados. A sem razão pode levar ao fanatismo. Daí, a importância da fé ser purificada pela razão. O conhecimento também apenas fundamentado na razão pode levar ao fanatismo racionalista. Portanto, vejo que o maior desafio pastoral nas Universidades, consiste, pois, na conjugação entre e Razão.

  • Muito tem se debatido acerca dos desafios da formação nos Seminários. Como a Igreja tem trabalhado a sexualidade em relação ao seu processo de formação? Quais são as principais dificuldades?

R. Nos Últimos Anos (2005 a 2022), a Igreja Católica tem pedido com mais urgência, que a temática da sexualidade, faça parte do processo de formação nos seminários. Em decorrência dos casos de abusos sexuais ocorridos, principalmente, nos Estados Unidos (2002) a Santa Sé, publicou alguns documentos que falam da sexualidade, voltados diretamente à formação religiosa e sacerdotal. Não irei, aqui, fazer referência a estes documentos, mas considero como meio para mostrar o modo como a Igreja tem insistido na importância da temática sexualidade nos seminários. Recentemente, publiquei um livro, que trata da temática em discussão: Dizeres e Vivências: Representações Sociais da Sexualidade em Seminaristas e Padres. Goiânia: Scala Editora, 2022. 

            Observo ao menos dois desafios pontuais na área da formação para a vida religiosa consagrada e sacerdotal. Primeiro, colocar em prática o que consta nos documentos oficiais da Igreja, em relação a sexualidade. Os documentos são realistas, quanto aos principais questionamentos da sexualidade na área da formação. Então como fazer a passagem do teórico para o prático? Eis aí o desafio!  Em segundo, é preciso que tenham reitores e formadores que, realmente, conheçam um pouco da dinâmica antropológica do ser humano. É urgente tocar ao longo do processo de formação nos temas da sexualidade mais candentes à formação religiosa e sacerdotal. Por exemplo, hoje, é necessário discutir o fenômeno da homossexualidade nos seminários. A pesquisa que realizei no livro indicado mostra que, atualmente, a homossexualidade, é um dos temas que mais desafia a formação. Seminaristas e padres que participaram da pesquisa disseram que a homossexualidade requer ser confrontada na formação. Um segundo tema que desafia a formação, é a pedofilia. Na pesquisa supracitada, seminaristas e padres falaram que, a pedofilia se trata de uma realidade patologia. Por esta razão, qualquer membro da Igreja, envolvido com tal prática, deve ser julgado pela justiça civil e canônica.

Por fim, abordar o tema da sexualidade, no decorrer do processo formativo nos seminários, requer um trabalho em conjunto, entre psicologia e formação. 

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Ter fé e não ter religião: espiritualidade dos jovens sem religião. https://observatoriodaevangelizacao.com/ter-fe-e-nao-ter-religiao-espiritualidade-dos-jovens-sem-religiao/ Wed, 13 Jul 2022 14:51:41 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=45428 [Leia mais...]]]> Os jovens estão perdidos, alienados ou em busca de sentido?

1 Quem são os jovens sem religião?

Segundo a socióloga da religião, pesquisadora da UFRRJ, Sílvia Fernandes, os motivos para que os jovens abandonem suas filiações religiosas institucionais são variados. “Podemos perceber o descontentamento em relação a normas e condutas institucionais, o desencanto com o universo significativo religioso expresso nas imagens de sagrado que possuíam” (FERNANDES, IHU, 2022). Essas imagens são, normalmente, fornecidas pela família ou pela escola confessional. No entanto, ao mesmo tempo, percebe-se uma insatisfação por não terem sido atendidos em seus pedidos em momentos dramáticos da vida. A religião parece não ter oferecido (ou insuficiente) amparo psíquico e existencial nessas ocasiões. Em alguns casos houve perdas familiares e, consequentemente, eles deixaram de acreditar na eficácia da religião ou perderam a fé. Muitas vezes, estavam inseridos em uma perspectiva de fé ainda pouco madura ou com poucas características reflexivas e críticas.

A linguagem dos jovens, cada vez mais, demonstra uma independência entre experiência religiosa e espiritualidade. A dimensão espiritual funciona como experiência de transcendência e sentido que não necessariamente depende da mediação institucional. No que se refere ao discurso religioso, o contexto de globalização acaba produzindo dois movimentos: extremo fechamento das religiões como estratégia para proteção de seus dogmas ou, por outro lado, a abertura de espaços ao sincretismo advindo deste encontro. Nesse cenário, podemos perceber que os jovens possuem uma responsabilidade relevante na discussão acerca da religiosidade humana pois, são os que recebem a cultura religiosa acumulada historicamente, mas que também detém o poder de criar um modo específico de diálogo com esse discurso, ampliando-o. Por isso, a compreensão do fenômeno “jovens com espiritualidade sem religião” é tão importante.

Parece haver uma constante dialética entre modos de ser entre a juventude. Segundo Regina Novaes, existe um campo de batalha entre conservadores e progressistas nas redes sociais, na sociedade e que refletem na juventude sua concepção religiosa ou não-pertencimento institucional. Analisando o campo católico, percebe, ainda sob inspiração nos documentos do Concilio Vaticano II (e, atualmente, disputando as bênçãos e a aprovação do Papa Francisco) junto às clássicas questões de terra, moradia e condições de trabalho, acrescentam-se tanto a questão da igualdade racial quanto demandas de mulheres e de grupos de gays e trans. Assim, no combate a preconceitos e discriminações, abrem-se novas possibilidades de comunicação entre jovens evangélicos, católicos e ligados às religiões afro-brasileiros. Vídeos e blogs de youtubers e coletivos disponíveis na internet, utilizando imagens e argumentos muito similares, promovem um dinâmico “ciber-ecumenismo”, informal e prático, sem reuniões para “definir” concepções e estratégias (NOVAES, 2021).

O mundo virtual pode, por outro lado, significar ampliação de conexões, troca de ideias e de afetos, conhecimento de novas formas de vida. Dessa maneira, apesar da afirmação de padrões violentos, temos a chance de vivenciar, cada vez mais concretamente, uma sociedade plural e diversa. A evangelização precisa também dar conta desse contexto, dialogando com diversos grupos identitários, buscando escutá-los e permitindo uma interface teológica com sua singularidade.

Em entrevista, ouvi relatos de jovens católicos carismáticos gays que, buscando apoio para assumir sua própria orientação sexual, acessam e interagem em sites ligados ao movimento Diversidade Católica. Porém, esses mesmos jovens continuam participando presencialmente de grupos e rituais carismáticos em que não falam sobre sua orientação sexual. Temos aí um espaço católico virtual para acolhimento moral e outro presencial para manifestar a fé e participar de rituais. Sinais dos tempos (NOVAES, 2018).

            Ou seja, podemos atestar que o jovem busca, em primeiro lugar, vivenciar sua identidade. No entanto, devido a poucas possibilidades reais e atraentes para a experiência religiosa, acaba buscando pertencer a grupos mais próximos à sua linguagem.

2 Transformações pós-modernas que impactam a juventude

            Como podemos entender as transformações atuais? Vivemos hoje em uma sociedade que nos leva à exaustão, cobramos em excesso de nós mesmos, a ponto de termos a sensação de inutilidade quando não estamos produzindo. “Hoje a pessoa explora a si mesma achando que está se realizando; é a lógica traiçoeira do neoliberalismo. E a consequência: Não há mais contra quem direcionar a revolução, a repressão não vem mais dos outros. É ‘a alienação de si mesmo’, que no físico se traduz em anorexias ou em compulsão alimentar ou no consumo exagerado de produtos ou entretenimento. A internalização psíquica é um dos deslocamentos topológicos centrais da violência da modernidade, ela provê mecanismos para que o sujeito de obediência internalize as instâncias de domínio exteriores transformando-as em parte componente de si”.[1]

            O indivíduo busca a realização a partir de máxima produtividade, se alienando, nunca tendo possibilidade de refletir sobre seu próprio desejo. Aliás, algumas vezes ele procura um autoconhecimento para isso, mas já inserido em uma visão viciada de conceitos prontos da gestão (como inovação, proatividade, liderança, inteligência emocional).  É uma busca em círculos, sem liberdade. Sem dúvida, o jovem está muito mais inserido nesse contexto, ao mesmo tempo, mais vulnerável.

            É possível, nessa lógica, adotar uma postura “espiritualista” no mundo pós-moderno. Trata-se de um caminho para o interior, para o silêncio. No entanto, quando essa prática não está inserida na concretude histórico em seu horizonte, assim, podemos chegar à fórmula homeopática: “capitalistas sim, mas zen!”, como nos alerta o filósofo contemporâneo Slavoj Zizek[2]. Não há dúvida de que as dimensões psíquicas serão cada vez mais abordadas pela nova evangelização. As pessoas precisam elaborar suas demandas existenciais e a espiritualidade pode ser um lugar de vivência desse aspecto de forma libertadora. É preciso atestar vulnerabilidades sociais, emocionais, afetivas, subjetivas, que são resultado de um mundo permeado por violências simbólicas e exclusões humanas. Faz-se necessário, no entanto, a vivência de outra lógica, para além de tendências que reproduzem o sistema imperante e a lógica do narcisismo contemporâneo. Nesse contexto, o espírito sinodal reflete uma postura de abertura e interface com outras áreas do saber, a partir de uma teologia não mais moderna, mas pós-moderna, descentrada e dialogal, que ateste as vulnerabilidades corpóreas e encarnadas contemporâneas.

3 As religiões podem voltar à vida dos jovens sem religião?

Qual o papel da religião na vida do jovem? Certamente pode estar em uma direção diferente da alienação e do aprisionamento e mesmo aquele de “preencher” vazios, o que é feito, comumente, com aspectos de violência simbólica. A beleza do “religare” se transforma em violência do sagrado. As religiões constituem uma das construções de maior excelência do ser humano. Todas elas trabalham com o divino, com o sagrado, com o espiritual, mas não detêm o monopólio do espiritual. Ele é um dado antropológico, da dimensão do profundo. Ocorre que as religiões podem se auto finalizar e se autonomizar, articulando os poderes religiosos com outros poderes ideológicos e políticos.[3]

Segundo o filósofo italiano, Giorgio Agamben,[4] tornar algo sagrado era, no Direito Romano, um conceito que designava a fuga das coisas da esfera do direito humano. Ao buscar a origem do termo “religio”, o filósofo descobre que não deriva de “religare”, mas de “relegere”, que indica justamente o caminho oposto: o que de seve observar para respeitar a separação entre o sagrado e o profano. Dessa maneira, a religião não se opõe à incredulidade e à indiferença em relação ao divino, mas à “negligência” com relação a ele, uma atitude livre e espontânea.

O Papa Francisco também ressalta a função e a primazia do “religare” em nossos tempos: “As religiões estão a serviço da paz e da fraternidade. Por isso, este encontro impele os líderes religiosos e todos os fiéis a rezarem insistentemente pela paz, não se resignarem jamais com a guerra e agirem mediante a força suave da fé para pôr fim aos conflitos”. Adentrar o real, estar próximo às alteridades, propor caminhos de um novo humanismo… Eis as missões urgentes da espiritualidade contemporânea. A religião deve sim, para a juventude, possibilitar a vivência de dimensões reais e humanas, de forma que possa experimentar uma autêntica realidade de “Deus, entre nós” ou, como afirma o teólogo jesuíta boliviano, Manuel Hurtado, “Deus, não sem nós”.


[1] HAN, Byung Chul. A Sociedade do Cansaço. Petrópolis: Vozes, 2017.

[2] Zizek, Slavoj. Entrevista ao Le Monde, 2017.

[3] BOFF, Reflexões de um velho teólogo e pensador, p. 171.

[4] AGAMBEN, G., Estado de exceção, p. 65.

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Prof. René Dentz
É
 católico leigo, professor do departamento de Filosofia, curso de Psicologia-Praça da Liberdade na PUC-Minas, onde também atua como membro da equipe executiva do Observatório da Evangelização. Psicanalista, Doutor em Teologia pela FAJE, com pós-doutorado pelas Université de Fribourg/Suíça, Universidade Católica Portuguesa e PUC-Rio. É comentarista da TV Horizonte e da Rádio Itatiaia. Autor de 8 livros, dentre os quais “Horizontes de Perdão” (Ideias e Letras, 2020) e “Vulnerabilidade” (Ideias e Letras, 2022). Pesquisador dos Grupos de Pesquisa CAPES “Mundo do trabalho, ética e teologia” e “Diversidade afetivo-sexual e teologia”, ambos na FAJE e “Teologia e Contemporaneidade”, na PUC-Minas.

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Entrevista: Juventude, educação e espiritualidade na pós-modernidade https://observatoriodaevangelizacao.com/entrevista-juventude-educacao-e-espiritualidade-na-pos-modernidade/ Mon, 11 Jul 2022 12:18:33 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=45398 [Leia mais...]]]>

Entrevista realizada por René Dentz, professor da PUC-Minas e membro do Observatório da Evangelização (OE), ao professor Antonio Manzatto (PUC-SP).

Professor Antonio Manzatto é Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Louvain (Bélgica) e Professor na Faculdade de Teologia da PUC-SP. Foi pioneiro nas pesquisas   da interface entre teologia e literatura no Brasil. É líder do Grupo de Pesquisa CAPES “Lerte”, na PUC-SP.

Nessa entrevista, prof. Manzatto analisa o comportamento da juventude na pós-modernidade a partir de suas características “líquidas” e faz uma reflexão importante sobre os caminhos da educação e da igreja em relação aos jovens.  

OE: Regina Novaes (2018), ao compreender as mudanças que impactam a relação entre jovens e religiosidade, nos mostra que a juventude contemporânea vive um tempo em que as religiões não são mais as principais fontes distribuidoras de sentido e imagens estáveis da vida entregues de geração a geração pelas autoridades religiosas, reconhecidas como tal. Ao mesmo tempo, hoje não há como falar de juventude sem falar de incertezas. Esse é o sentimento comum que atravessa toda uma geração. Da subjetividade dos jovens de hoje – com diferentes matizes e intensidades de acordo com suas condições de vida – fazem parte vários medos. A partir desses novos cenários, quais são as principais buscas, desejos, consumo, sonhos, que caracterizam os diversos rostos da juventude hoje? 

AM: Creio que a juventude de todos os tempos é, sempre, idealista. Sua característica principal é o sonho – transformado ou não em projeto concreto – que impulsiona sua vida e seu eu rumo ao futuro. Em tempos que são os nossos – de crítica à modernidade e à pós-modernidade – duas características principais se destacam, e talvez não apenas na juventude: a expectativa de que “alguém” realize o que se quer e a busca por entretenimento. A mudança de paradigma social – com a implementação do “curtir a vida”, faz com que a juventude se ligue mais com o momentâneo, mesmo que efêmero, em vez daquilo que é mais permanente ou definitivo, e daí a perspectiva do “aproveitar a vida” que se realiza, de maneira mais radical, nas drogas, por exemplo, ou de maneira mais suave nas redes sociais; também explica a violência, explícita ou não, contra aqueles que não pensam da mesma forma, e a formação de tribos as mais diversas, que caracterizam seus participantes. Por outro lado, a realização imediata de sonhos e desejos depende de “alguém que faça”, visto que são, em muitos casos, de impossível realização, ao menos a curto prazo. Daí a expectativa de “milagres e messias”, que infantilizam e vão na contramão do que é característico da juventude: o engajamento pela construção do futuro. Daí os cenários religiosos que temos atualmente, conjugados a uma desmobilização social bastante grande da juventude.

OE: A adolescência é complexa porque porta também uma ideia de limbo, quase como uma ideia de não-ser, mas tem que assumir sua liberdade. Ser e não-ser estão caminhando juntos, paradoxalmente. Há uma determinação e uma indeterminação do sujeito. O jovem não tem ainda uma identidade, busca incessantemente uma (comumente em grupos, ideias, pessoas). Como o adolescente de hoje vivencia sua liberdade no âmbito da cultura? Como podemos pensar a relação entre cultura (em especial a música), espiritualidade e juventude?

AM: Conhecemos um processo de infantilização em nossa sociedade. Sempre se espera que “alguém” faça as coisas, solucione os problemas e realize a vida desejada. Uma das características da adolescência é o não-conformismo, espécie de rebeldia, que aponta para uma insatisfação constante. A mesma sociedade é, por outro lado, narcisista ao extremo, o que repercute na necessidade de o adolescente ser como o centro das atenções. Nesse sentido, as redes sociais são importantes meios de afirmação porque, ali, há a possibilidade de realização da aparência e uma espécie de supervalorização do subjetivismo, em constantes fotos, vídeos ou ditos que querem chamar a atenção. Nesse fervilhar da sociedade é que flutuam as manifestações culturais. As referências mais tradicionais desaparecem, como as do mundo sertanejo, por exemplo, em vista de novas estéticas ou afirmação de valores. Na música, por exemplo, o “sertanejo raiz” dá lugar ao “universitário” ou à “sofrência”, o que caracteriza, exatamente, a mudança de padrões tradicionais. Se isso enfatiza a liberdade da juventude diante de comportamentos antigos, por outro lado, como expressão da sociedade que são, expressam aquilo que é visto como valor e objetivo a ser perseguido.

OE: A igreja tem conseguido apresentar aos jovens uma experiência cristã libertadora? Por que tantos jovens têm sido atraídos pelas propostas de grupos neoconservadores? 

AM: As pregações e comportamentos religiosos mais recentes apontam para a valorização dos milagres e do extraordinário como afirmação de poder. O que se cultua, ao menos em certos ambientes religiosos, é a ideia de que “alguém” vai resolver os problemas, seja Deus, o santo ou o ministro religioso; curiosamente em tempos de subjetividade, se demite aqui o papel do sujeito para que a responsabilidade da construção da vida dependa de outra pessoa, força ou realidade. Com isso se tem certa infantilização da sociedade como um todo, e a juventude dela faz parte. Entende-se, portanto, porque a mesma juventude é atraída pelos movimentos neoconservadores que, pela própria natureza, são incapazes de proporcionar uma experiência libertadora. Na busca, então, de liberdade, procuram-se líderes “carismáticos” e diferentes do tradicional que conduzirão a nova forma de dependência, estabelecendo verdadeiro círculo que denuncia como o atual sistema social é capaz de colocar a religião a seu serviço.

OE: Como a Igreja se posiciona hoje em relação aos impactos da desigualdade social na vida dos jovens? Quais são as respostas pastorais em curso? 

AM: As questões relacionadas à sociedade quase que desapareceram do cenário eclesial, reduzidas às atividades das chamadas “pastorais sociais”. Apenas mais recentemente, por conta do magistério do Papa Francisco, é que algumas questões retornaram às preocupações pastorais, como o compromisso em favor da vida e do meio ambiente. A questão da desigualdade social tem permanecido no âmbito das atividades de assistência ou situações de emergência, não alcançando realidades mais estruturais. A juventude, nesse sentido, tem permanecido, enquanto atividades pastorais, mais ligadas a questões de espiritualidade e organização eclesiástica que propriamente atividades de transformação social. Enquanto ligadas aos movimentos eclesiais, as iniciativas pastorais que contemplam a juventude não alcançam a dimensão sociopolítica por exemplo, permitindo que esse espaço seja ocupado pelos setores mais conservadores da Igreja e da sociedade.

OE: Hoje muito se fala sobre a inserção de mulheres em espaços de decisão da Igreja, o que tem sido um desafio enfrentado, não sem grandes resistências, por parte da hierarquia, com vários acenos positivos do Papa Francisco. No entanto, não se fala dessa mesma inserção do ponto de vista da juventude. Na verdade, os jovens que aparentemente estão mais próximos da hierarquia são aqueles em formação para o sacerdócio e, justamente estes, encontram-se na muitas vezes em condições ainda mais rígidas de vigilância, dependência e submissão. A ausência efetiva de jovens dentro de espaços privilegiados de decisão da Igreja não seria um impedimento para que suas questões fossem de fato contempladas nas reflexões eclesiais? Que espaços têm sido criados e que movimentos têm sido feitos para a manifestação e escuta ativa da juventude junto à uma hierarquia cuja alta cúpula é formada, majoritariamente, por idosos?

AM: Essa talvez seja uma realidade, e a Igreja encontra dificuldades para, no espírito da Christus Vivit, entender que o jovem é sujeito evangelizador da juventude. Mas creio que a questão não é exatamente de idade, em uma espécie de conflito de gerações, mas sim de perspectiva eclesiológica. Uma Igreja que é de todos, tendo todos como sujeito, comporta um lugar para a juventude; a Igreja que é apenas hierárquica, não tem lugar para quem não se submeta, simplesmente, ao poder estabelecido. A distância entre a Igreja e a juventude não é apenas de escuta ou de linguagem, é de modelo, no sentido de se ter como referência fundamental o Evangelho de Jesus e não situações específicas de comportamento religioso. 

OE: Frequentemente as instituições de ensino católicas se veem desafiadas por uma aparente contradição entre o pluralismo cultural e religioso da sociedade contemporânea e a consolidação de sua identidade confessional. Além disso, vemos também a tenção existente entre se manter viva e relevante no mercado educacional sem perder-se em estruturas elitistas que favorecem a desigualdade ao invés de minimizá-la. Nesse aspecto, as escolas e universidades católicas tem ainda um papel a cumprir junto à juventude no que diz respeito à transmissão de valores realmente evangélicos? E como favorecer aos jovens estudantes desses espaços uma experiência cristã madura que garanta não somente a excelência acadêmica, mas também uma formação humanista característica do cristianismo? 

AM: Creio que uma escola católica, sobretudo a universidade, é em primeiro lugar escola, e por isso precisa ter a qualidade acadêmica como distintivo fundamental. No caso específico da universidade, o que a caracteriza, em primeiro lugar, é sua necessidade de excelência acadêmica. Essa não é exclusivamente técnica, mas também humana, confessional e, por isso, aberta à realidade dos que mais sofrem. Quando se perdem de vista tais realidades, pensa-se que a universidade é apenas para formar para uma profissão rentável e que o fato de ser católica significa que é uma subsidiária da sacristia. Na verdade, os valores evangélicos são o fundamento para aquilo que chamamos de valores humanos, e é exatamente essa perspectiva de um humanismo renovado, para o qual o Papa Francisco convoca a todos, que deve presidir as preocupações de uma universidade católica.

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Juventude, busca por sentido e espiritualidade https://observatoriodaevangelizacao.com/juventude-busca-por-sentido-e-espiritualidade/ Mon, 04 Jul 2022 19:39:05 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=45338 [Leia mais...]]]> A busca por sentido

A juventude contemporânea vive uma insistente angústia, originada pelo fantasma da ausência de sentido; uma angústia fundante, de ser ou não ser, existir significativamente no mundo ou não. Nesse cenário, o jovem busca encontrar sentidos e, para isso, vive em “estado de experimentação”, tentando encontrá-los na incessante experiência, que em última instância, se mostra como uma “experimentação de si mesmo”. Esse panorama atual significa para a juventude ainda mais fluidez, o que pode ser bom, por um lado, pois está livre de fundamentos arcaicos, ilusórios e, muitas vezes, violentos. No entanto, porta um profundo vazio. Está o jovem fadado a viver um constante “abismo”? De fato, há um índice crescente de depressão entre jovens, bem como automutilação e suicídio. A religião poderá “salvá-los”?

Parece que as religiões não são mais fontes de construção de sentido real (mesmo que, em muitas situações, porta ideais longínquos), sobretudo pensada como autoridade e obediência. Não vivemos mais uma sociedade vertical, mas horizontal, as relações são construídas e não impostas. Por outro lado, há um medo de se sentir desconectado neste mundo altamente conectado; “o medo de morrer cedo e de maneira violenta. É nesse tempo de incerteza que boa parcela da juventude amplia seu repertório das trajetórias religiosas possíveis” (FERNANDES, 2018).

Fica uma questão: a religião então serviria como fuga de vazios provenientes do medo? Dessa maneira, estaria verdadeiramente preenchendo sua função de “religare” e libertação?

Jovens que viveram um “narcisismo negativo”

O investimento narcísico do jovem de hoje foi pequeno. Os pais foram ausentes (pelo menos uma grande parcela), delegaram, em grande medida, à escola a educação e o afeto. O ambiente escolar passou a ser o lugar de formação da personalidade e da relação edípica (pai-mãe-bebê). O sentimento de ausência, no entanto, é existente. Um vazio impera. Um aspecto importante na relação entre pais e filhos é o de responsabilidade. O filho necessita perceber, com clareza, que alguém se responsabiliza por ele. Quem é essa figura hoje? A escola? Os pais? Os amigos virtuais? As Igrejas?

A família não é mais o lugar do afeto inicial. Vivemos, na sociedade atual, uma desconstrução da família nuclear, de um modelo de patriarcado (esse último aspecto é libertador!). Criamos instituições para fazer o trabalho do afeto infantil, aquilo que o sociólogo Pierre Bourdieu chama de “socialização primária”. A socialização secundária, que seria justamente função das instituições, passou a vir antes. A escola substituiu a família. Há um grande dilema aqui, pois a produção subjetividade veio como “desinvestimento da criança”. Presenciamos uma espécie de “narcisismo negativo” (BIRMAN, 2021). Se a modernidade foi caracterizada por excesso de narcisismo, hoje vivemos em uma sociedade narcísica justamente porque fomos pouco investidos. Por isso, se analisarmos as formas psicopatológicas do nosso tempo, encontramos características de sofrimento a partir de ausências, advindo de seres pouco investidos, próximos à melancolia e à fuga do mundo: drogas, anorexia, depressão, compulsões, borderline (personalidades que flertam com os limites) (BIRMAN, 2021).

O que acontece com a juventude de hoje na medida em que não há um reconhecimento simbólico, é uma perda de identidade, de fronteira. A violência é uma forma de manter sua posição, seu território. Em algum sentido, é uma forma de fuga da melancolia. Violência pode aparecer como automutilação, palavras fortes contra aqueles que cruzam seu caminho e mesmo fechamento em seu mundo absoluto. Lacan mostra que o estádio do espelho é o primeiro momento de formação da personalidade que nos diferencia do outro. Na medida em que me reconheço enquanto corpo que vejo, percebo as diferenças, as alteridades, o que sou e o que não sou. Nesse momento, é necessário a vivência de permanências iniciais. Quando não há essa vivência, apenas nos resta viver de forma experimental (BIRMAN, 2021).

Ao mesmo tempo, vivemos na era do individualismo, estamos “conectados na desconexão”. Nos últimos anos aumentou significativamente a oferta de produtos customizados. Na pandemia essa tendência não se apagou ou diminuiu, pois o virtual a preencheu. Interessante inclusive verificar a maior exposição de cenas e imagens mais banais no período da quarentena. O singular tem que ser imposto a todos. Estar sozinho, não aceitar vincular sua vida aos outros, é uma tendência. Há uma necessidade de que a vida gire em torno do meu gozo, por isso mesmo muitas vezes os sujeitos contemporâneos não mantêm relações. Deveríamos talvez reconstruir a ideia de união e desunião. A união poderia ser mais qualificada, refletida. A relação é uma aliança inconsciente com o outro. Há conflitos, mas não pode ter um horizonte narcísico.

Como se configura a espiritualidade dos jovens contemporâneos?

Segundo a socióloga Sílvia Fernandes (2018), em primeiro lugar, o jovem sem religião se apresenta multifacetado, podendo agregar em uma única identidade um posicionamento crítico e, ao mesmo tempo, flexível em relação às denominações religiosas. Daí a explicação para o número crescente de jovens que se declaram “sem religião” e sustentam espiritualidades plurais e sincréticas.

A antropóloga Regina Novaes (2018), afirma que juventude contemporânea vive um tempo em que as religiões não são mais as principais fontes distribuidoras de sentido e imagens estáveis da vida entregues de geração a geração pelas autoridades religiosas, reconhecidas como tal, o que corrobora a característica de fluidez que apontamos anteriormente.

Dessa maneira, as posições mais fundamentalistas ganham espaço, pois transmitem ideias objetivas e que dão a ilusão de preenchimento de vazio. Há uma preocupação em reproduzir suas crenças de forma incisiva, afastando qualquer possibilidade de autocrítica.  Nesse momento, ficam de lado a subjetividade e a singularidade do sujeito, para dar espaço ao moralismo, à objetividade e à rigidez. A diversidade e o diferente assustam, ameaçam. “Os sincretismos religiosos, cada vez mais frequentes num contexto de mundo globalizado, em que todos são convidados a se abrir para o diferente, pagam o preço, muitas vezes caro, do risco de expor as suas premissas, incorrendo na possibilidade de que sejam esvaziadas” (JOBIM, 2018).

É importante afirmar que existe uma geração de jovens que não conheceu outro caminho de espiritualidade daquele apresentado por grupos atuantes, através de mídias eficientes. O medo de perda de sentido trouxe adesão, mas pode portar também exclusão e ilusões a respeito de si e do outro, sustentando um mudo distante de dimensões do real.

            O grande paradoxo da juventude contemporânea é: ela vivenciou pouco investimento narcísico, mas vive em uma cultura narcisista, repleta pela moral do individualismo. Nessa cultura, cada um existe por si e por suas ideias, vendo o outro, o diverso, como inimigo.

Qual mundo queremos? Um mundo-da-vida, da esperança, do real? Ou um mundo da morte, da violência e das ilusões? Como nos ensina o bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte e Reitor da PUC-MINAS na apresentação do livro O Novo Humanismo: Paradigmas civilizatórios para o século XXI a partir do Papa Francisco: “Ousamos supor que um novo humanismo é necessário e possível: que as bases importantes desse humanismo estão sendo iluminadas pelo Papa Francisco; que vivemos, portanto, uma histórica oportunidade de fazer uma revisão da rota percorrida, nos últimos séculos, no Ocidente. Ousamos com Francisco ter a esperança de que a morte ainda não tenha tido a palavra final: é possível restaurar nossa casa comum; estabelecer relações mais igualitárias e equitativas; estender a todos, mulheres e homens em sua diversidade, o respeito ao Estado de direitos” (DOM MOL, 2022,

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Prof. René Dentz
É
 católico leigo, professor do departamento de Filosofia, curso de Psicologia-Praça da Liberdade na PUC-Minas, onde também atua como membro da equipe executiva do Observatório da Evangelização. Psicanalista, Doutor em Teologia pela FAJE, com pós-doutorado pelas Université de Fribourg/Suíça, Universidade Católica Portuguesa e PUC-Rio. É comentarista da TV Horizonte e da Rádio Itatiaia. Autor de 8 livros, dentre os quais “Horizontes de Perdão” (Ideias e Letras, 2020) e “Vulnerabilidade” (Ideias e Letras, 2022). Pesquisador dos Grupos de Pesquisa CAPES “Mundo do trabalho, ética e teologia” e “Diversidade afetivo-sexual e teologia”, ambos na FAJE e “Teologia e Contemporaneidade”, na PUC-Minas.

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Nova evangelização em um novo mundo https://observatoriodaevangelizacao.com/nova-evangelizacao-em-um-novo-mundo/ Wed, 04 May 2022 20:36:48 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=44894 [Leia mais...]]]> Talvez a palavra mais significativa dos nosso tempo seja “ruptura”. O mundo apresenta transformações lentas que, em algum momento, se tornam realidades comuns. A internet das coisas está aí, pouco a pouco vamos incorporando-a ao nosso cotidiano. Muitos analistas de tecnologia acreditam que o ano de 2025 será de mudanças impactantes à humanidade, pois a Inteligência Artificial deixará seu lugar de pesquisa, estudos e experimentos e se apresentará na prática. Reflexo desse fato será a realidade dos carros autônomos. As pessoas terão que aprender a lidar mais ainda com a sua subjetividade. Profissões repetitivas tendem a desaparecer, mas outras que dependem do emocional e do criativo crescerão (ou mesmo surgirão). Onde fica a evangelização nesse mundo? Para dentro ou para fora das paróquias e ambientes eclesiais, ou em ambos?

            A sensação de muitos é que o trabalho agora não tem mais limite, as resoluções de problemas são entendidas a partir de flexibilidade máxima de horário. Antes da pandemia, já vivíamos em uma sociedade do cansaço, como dizia o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han. Para ele, vivemos hoje em uma sociedade que nos leva à exaustão, cobramos em excesso de nós mesmos, a ponto de termos a sensação de inutilidade quando não estamos produzindo. “Hoje a pessoa explora a si mesma achando que está se realizando; é a lógica traiçoeira do neoliberalismo. E a consequência: Não há mais contra quem direcionar a revolução, a repressão não vem mais dos outros. É ‘a alienação de si mesmo’, que no físico se traduz em anorexias ou em compulsão alimentar ou no consumo exagerado de produtos ou entretenimento. A internalização psíquica é um dos deslocamentos topológicos centrais da violência da modernidade, ela provê mecanismos para que o sujeito de obediência internalize as instâncias de domínio exteriores transformando-as em parte componente de si” (HAN, 2017, pp 22-23).

            O indivíduo busca a realização a partir de máxima produtividade, se alienando, nunca tendo possibilidade de refletir sobre seu próprio desejo. Aliás, algumas vezes ele procura um autoconhecimento para isso, mas já inserido em uma visão viciada de conceitos prontos da gestão (como inovação, pró-atividade, liderança, inteligência emocional).  É uma busca em círculos, sem liberdade.

            Dessa forma, o mundo caminha para uma mais ainda profunda padronização, uma vez que a eliminação das diferenças e do outro interessam ao mercado. Por mais que tenhamos sociedades plurais, os modos de vida e de pensamento parecem se uniformizar, até mesmo os sentimentos e as patologias. “Quanto mais iguais são as pessoas, mais aumenta a produção; essa é a lógica atual; o capital precisa que todos sejamos iguais, até mesmo os turistas; o neoliberalismo não funcionaria se as pessoas fossem diferentes”. O que temos hoje é um pluralismo permitido a alguns grupos, vivendo em seu padrão de consumo, em sua identidade e em suas respectivas bolhas.

            O mundo virtualizado pode ser um grande problema e pode trazer sérias consequências para a saúde mental. O ser humano é feito de carne e osso, de corporeidade, de elementos reais e não imaginários. Assim, o excesso pode esconder grandes problemas e até mesmo traumas do passado. Por isso tem crescido o número de adolescentes que se automutilam, pois o “corpo pede a conta”. Por mais que tentemos viver exclusivamente (ou o maior número de horas possíveis) no mundo virtual, temos necessidades humanas básicas e fundantes da nossa existência. Necessitamos, antes de tudo, de afetos! É urgente que a nova evangelização reconheça e elabore caminhos para a juventude! Temos aqui, portanto, o essencial: no mundo da técnica, ou seja, a partir de agora, no mundo todo, já que a técnica é um fenômeno sem limites, planetário, não se trata mais de dominar a natureza ou a sociedade para ser livre e mais feliz. Por quê? Por nada, justamente, ou antes, porque é simplesmente impossível agir de modo diferente devido à natureza de sociedades animadas integralmente pela competição, pela obrigação absoluta de “progredir ou perecer” (FERRY, 2012, p. 143).

            Por mais que tenhamos conquistado liberdade, autonomia e que o mundo virtual tenha aproximado as pessoas em certo sentido, é preciso vivenciar as relações humanas de afetos e afetações. O que acontece, em muitos casos, são pessoas que postam constantemente em redes sociais, mas esses atos não passam de um mecanismo de espelho, de um narcisismo desenfreado. Não há conexão humana nesses casos, mas apenas uma relação monológica. O mundo virtual pode, por outro lado, significar ampliação de conexões, troca de ideias e de afetos, conhecimento de novas formas de vida. Dessa maneira, apesar da afirmação de padrões violentos, temos a chance de vivenciar, cada vez mais concretamente, uma sociedade plural e diversa. A evangelização precisa também dar conta desse contexto, dialogando com diversos grupos identitários, buscando escutá-los e permitindo uma interface teológica com sua singularidade.

            A subjetividade colonizada se impõe contra a diversidade cultural. Sendo assim, não será apenas com outra racionalidade que será superada a epistemologia moderna, essa que tem servido para justificar tanta violência e agressões aos Direitos Humanos. Para mexer em crença, é preciso mexer em subjetividades e fomentar novas práticas culturais, bem como novas relações e estruturas sociais, econômicas e políticas que viabilizem a vivência de outras crenças (LAUREANO, 2015, p. 117).

            É possível, nessa lógica, adotar uma postura “espiritualista” no mundo pós-moderno. Trata-se de um caminho para o interior, para o silêncio. No entanto, quando essa prática não está inserida na concretude histórico em seu horizonte, assim, podemos chegar à fórmula homeopática: “capitalistas sim, mas zen!”, como nos alerta o filósofo contemporâneo Slavoj Zizek. Não há dúvida de que as dimensões psíquicas serão cada vez mais abordadas pela nova evangelização. As pessoas precisam elaborar suas demandas existenciais e a espiritualidade pode ser um lugar de vivência desse aspecto de forma libertadora. É preciso atestar vulnerabilidades sociais, emocionais, afetivas, subjetivas, que são resultado de um mundo permeado por violências simbólicas e exclusões humanas. Faz-se necessário, no entanto, a vivência de outra lógica, para além de tendências que reproduzem o sistema imperante e a lógica do narcisismo contemporâneo. Assim, o espírito sinodal reflete uma postura de abertura e interface com outras áreas do saber, a partir de uma teologia não mais moderna, mas pós-moderna, descentrada e dialogal, que ateste as vulnerabilidades corpóreas e encarnadas contemporâneas.

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Prof. René Dentz
É
 católico leigo, professor do departamento de Filosofia, curso de Psicologia-Praça da Liberdade na PUC-Minas, onde também atua como membro da equipe executiva do Observatório da Evangelização. Psicanalista, doutor em Teologia pela FAJE, com pós-doutorado pelas Université de Fribourg/Suíça, Universidade Católica Portuguesa e PUC-Rio. É comentarista da TV Horizonte e da Rádio Itatiaia. Autor de 8 livros, dentre os quais “Horizontes de Perdão” (Ideias e Letras, 2020) e “Vulnerabilidade” (Ideias e Letras, 2022). Pesquisador do Grupo de Pesquisa CAPES “Mundo do trabalho, ética e teologia”, na FAJE-BH.

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Encontro de universitários da América com Papa Francisco: uma oportunidade “de ser a voz de muitos” https://observatoriodaevangelizacao.com/encontro-de-universitarios-da-america-com-papa-francisco-uma-oportunidade-de-ser-a-voz-de-muitos/ Wed, 23 Feb 2022 20:02:43 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=43880 [Leia mais...]]]>

O papa Francisco participará amanhã (24/02/2022) de um encontro virtual com jovens universitários das Américas do Norte, Central e Sul. O encontro com o pontífice é o cume de um projeto mais amplo chamado “Escutar para agir”, onde os universitários convidados para o “bate papo” com Francisco percorreram um longo processo de diálogo e escuta com grupos de estudantes de diferentes países americanos com foco especial no tema da migração. Na conversa com o Papa, cada um deles apresentará o que ouviu, sentiu e pensa a partir dos relatos e partilhas de seus irmãos e irmãs. A reportagem abaixo, de Luis Miguel Modino, narra um pouco das percepções e expectativas dos jovens que participarão do encontro:

Nesta quinta-feira, 24 de fevereiro, será realizado um encontro que muitos já descreveram como histórico. O Papa Francisco se encontrará virtualmente, em um evento promovido pela Loyola University Chicago e pela Pontifícia Comissão para a América Latina (CAL), com estudantes universitários de todas as Américas para falar sobre o fenômeno da migração e como construir pontes Norte-Sul. Todavia, com Francisco acostumado a deixar de lado o roteiro estabelecido, poderá haver muitos outros tópicos a serem abordados.

Na sala de zoom estará a brasileira Marina Pascual Pizoni, estudante da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE) em Belo Horizonte, a guatemalteca Maria Fernanda Puddy, estudante de economia da Universidade Rafael Landívar, o boliviano Nicolás Melendres, estudante de direito da Universidade Mayor de San Andrés em La Paz, e o estadunidense Jesus Francisco Estrada Junior, da Universidade Loyola Marymount.

O encontro trará à tona as experiências das reuniões preparatórias, onde ” cada um poderia falar de sua realidade”, diz Marina Pascual Pizoni. Em seu caso, ela começou encontrando estudantes universitários de todos os cantos do Brasil, onde as experiências daqueles que tinham que “sair do seu lugar para buscar melhores oportunidades” vieram à tona. A partir disso, “nós fomos construindo um pensamento que estivesse em comunhão com todas essas realidades do Brasil”, e depois se encontraram com estudantes da América do Sul, América Central e América do Norte.

Nestes encontros, “nós pudemos conhecer um pouco mais de como essas mais variadas culturas se expressam nesse movimento de migração, como o país sofre na questão da sua população tenha que se deslocar para encontrar uma oportunidade melhor de vida, uma oportunidade que possa se sustentar, mesmo que não deseje perder as suas raízes”, enfatiza a estudante da FAJE de Belo Horizonte. Foi uma oportunidade para ver as causas do sofrimento, mas também “ver quem pode ajudar mais a quem, quem pode fornecer mais estruturas, um financiamento mais adequado para determinados países, e assim poder caminhar juntos nessa visão totalizante da América, só que ainda vendo as particularidades de cada cultura”.

Neste sentido, o representante dos EUA afirma que “a coisa mais importante deste projeto não tem sido encontrar o Papa, mas conhecer uns aos outros, estudantes daqui, dos Estados Unidos, com estudantes da América Central, da América Latina, estudantes de mais de 21 países, e eu acho que é realmente algo importante”.

“a coisa mais importante deste projeto não tem sido encontrar o Papa, mas conhecer uns aos outros”
(Jesus Francisco Junior, jovem estadunidense)

Todos eles se sentem privilegiados de poder encontrar alguém por quem sentem “profundo respeito e devoção”, como afirma Melendres, que destaca o papel de Emilce Cuda, a teóloga argentina recentemente nomeada secretária da CAL (Pontifícia Comissão para a América Latina), “nesta abertura que a Igreja estaria fazendo”. Este momento, que ele vê como “algo muito relevante e muito importante”, é uma oportunidade para aprender com o Papa “o que ele tem para nos dizer e o apoio que ele pode nos dar”, de acordo com María Fernanda Puddy.

Jesús Francisco, que diz gostar de ser chamado de Paco, define-o como “a coisa mais importante que aconteceu na minha curta vida, poder dizer que vou encontrar o Papa me enche de emoção, é algo que eu nunca esperei”. Tem sido até emocionante para seus pais, migrantes de origem mexicana que cruzaram a fronteira décadas atrás. Todos eles são católicos e sentem grande alegria, nas palavras do estudante de Teologia de 20 anos.

O encontro é “uma clara expressão da sinodalidade”, segundo a representante brasileira, que destaca “esta oportunidade de ser escutados, de sermos acolhidos, de conhecermos essas distintas perspectivas dos jovens universitários sobre as problemáticas mundiais, principalmente no que toca à problemática da migração”. Isto lhe dá grandes expectativas, incluindo “compreender mais como ser Igreja, como ser uma Igreja sinodal, como ser uma Igreja verdadeiramente solidária”, e ser uma peça que melhor atue para a construção dessa Igreja sinodal que ele tanto nos propõe.

São jovens que destacam a atenção da Igreja aos mais fracos, nas palavras do jovem boliviano, que vê neste cuidado com os mais pobres, uma explicitação do “que Jesus Cristo nos ensinou”. Entre os mais vulneráveis estão aqueles que sofrem com a migração forçada, vítimas de “processos de êxodo que ocorrem como resultado de processos históricos externos ao nosso continente, que têm condicionado a política interna de nossas nações e a soberania nacional, no que diz respeito às determinações sobre a distribuição da riqueza, a redução da desigualdade, a soberania e o uso de nossos recursos naturais”, segundo o estudante da Universidade Mayor de San Andrés.

De fato, falar com o Papa sobre migração “significa poder ter voz para países como o nosso”, insiste a jovem mulher centro-americana, “onde muitas vezes as pessoas que sofrem os problemas da migração não têm voz e não têm ninguém que as escute”. Por esta razão, ela quer aproveitar o encontro com o Papa Francisco para “poder compartilhar a realidade que estamos vivendo no país e ser a voz de muitos”, e também para aprender com sua sabedoria, algo importante para os jovens “que eu acredito que podem ser os que fazem uma mudança na realidade”, segundo Maria Fernanda Puddy.

Tudo relacionado à migração é algo importante para Paco, algo de sua casa, algo que toca o coração de alguém que um dia quer ser um advogado a trabalhar com migrantes. Ele enfatiza que os migrantes muitas vezes não têm suas vozes ouvidas, estão nas periferias da sociedade e têm experiências muito feias. Daí a importância de um evento para “unir tantas vozes de pessoas que são migrantes ou filhos de migrantes para poder realizar ideias diferentes, temas diferentes, para poder dar voz aos migrantes”.

Em países que sofrem de “dívidas impostas, que condicionam a economia interna e geram imensos processos de pobreza e ao mesmo tempo de desemprego, hoje acentuado pelo fenômeno da pandemia”, como diz Melendres, trata-se de “construir uma política pública que possa ajudar a vida dessas pessoas”, diz Marina Pascual Pizoni. Sabendo que ainda é uma coisa pequena, “estão sendo plantadas algumas sementes no meio dos nossos grupos, as nossas reuniões que nos interpelam a nos organizarmos mais e possibilitar que essas pessoas possam ter esse direito de ser ouvidas e se elas desejarem permanecer, de não estarem sempre como alvo dessas políticas e da economia que são tão violentas para conosco”, segundo a representante brasileira.

Por esta razão, ela insiste que “essa construção de pontes Norte-Sul é que nos permite colaborar com esses que sofrem, com o movimento de migração forçada, aqueles que não podem permanecer no local que desejam”. Para Marina, o encontro “faz que nos atentemos mais ainda a essa realidade de migração forçada e nos impele a estarmos mais unidos na promoção de fornecer essa possibilidade de as pessoas escolherem onde elas querem ficar, se elas querem permanecer, se elas querem mudar, mas que não seja feito de uma forma violenta”.

Um encontro que gera expectativas, entre elas que “nosso Papa Francisco possa ouvir este pedido da América Latina e fazer com que chegue aos ouvidos de todos os meios de comunicação do mundo e dos principais líderes mundiais“, segundo o representante boliviano, procurando “exortar nossos povos a reivindicar uma vocação para a igualdade e a cuidar sempre dos mais fracos”. Uma necessidade em uma sociedade imersa em “situações caóticas e difíceis”, de acordo com Maria Fernanda Puddy, que apela para uma busca de esperança, algo que pode ser ajudado por um Papa que ela vê como alguém com a capacidade de ter uma visão de longo prazo, uma visão clara da realidade, que pode fornecer motivação e mostrar o caminho a seguir.

Em um país como os Estados Unidos com um grande número de católicos e migrantes, “o Papa, como um dos líderes mais influentes do mundo, tem a oportunidade de nos ouvir e escutar as vozes dos migrantes e poder expressar a questão da imigração para todo o mundo e para todos os Estados Unidos”, afirma José Francisco. O estudante da Universidade Loyola Marymount lembra que o Papa diz que “nós jovens não somos o futuro, nós somos o presente, o agora”. Daí a importância de considerar suas vozes, pois, como ele aponta, “muitos jovens líderes estão fazendo um bom trabalho para abordar a questão da migração e ajudar os migrantes”.

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pe. Luis Miguel Modino
Natural da Espanha, é missionário Fidei Donum na Diocese de São Miguel da Cachoeira, Amazonas, e articulista em diversos periódicos e revistas virtuais católicas. 

Fonte: https://www.ihu.unisinos.br/616421-encontro-universitarios-da-america-papa-francisco-uma-oportunidade-de-ser-a-voz-de-muitos

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