Justiça e paz – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Mon, 27 Jun 2022 19:32:32 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.4 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 Justiça e paz – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 Silêncio e Misericórdia https://observatoriodaevangelizacao.com/silencio-e-misericordia/ Mon, 27 Jun 2022 19:32:32 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=45277 [Leia mais...]]]> No Angelus do último domingo (26/06/2022), o Papa Francisco ressalta a importância de não buscarmos, diante das adversidades, um caminho de ressentimento, gerador de mais ódio e com espírito de vingança (muitas vezes travestido de ideal de justiça). Quando nos deparamos com incompreensões e injustiças, precisamos manter o caminho da misericórdia. “Esta forma de ser não denota fraqueza, pelo contrário, mas uma grande força interior. Deixar-se vencer pela raiva na adversidade é fácil, é instintivo” (Papa Francisco, Angelus, 26/06/2022).

É difícil dominar-se a si mesmo, fazendo como Jesus que – diz o Evangelho – se pôs «a caminho rumo a outra aldeia» (v. 56). Isto significa que quando encontramos fechamentos, devemos dedicar-nos a fazer o bem noutro lugar, sem recriminações. Assim Jesus ajuda-nos a ser pessoas serenas, contentes com o bem praticado e que não procuram a aprovação humana (PAPA FRANCISCO, Angelus, 26/06/2022).

Ressalta, assim, que o “fogo” que Jesus veio trazer à humanidade é distinto da vingança, trata-se da ordem do Amor misericordioso do Pai. O que está em jogo aqui é a radicalidade, a doçura e a libertação proveniente do perdão. O perdão se dirige ao imperdoável, o que aumenta a desproporção entre a profundeza da falta e a altura do perdoar e só faz sentido se ocorrer de forma excepcional, à prova do impossível, na condição de um dom. Por outro lado, é um ato que evoca a solicitação de amar os inimigos sem nada esperar em troca: “este pedido impossível parece estar só na altura do espírito de perdão, pois o inimigo não pediu perdão e é necessário amá-lo tal como ele é”.

O Pontífice exemplifica seu ensinamento pelo Evangelho de Lucas, 12: “Enquanto estavam a caminho, uma aldeia de samaritanos, tendo ouvido dizer que Jesus se dirigia para Jerusalém – que era a cidade adversária – não o recebeu. Os apóstolos Tiago e João, indignados, sugerem a Jesus que castigue aquelas pessoas, fazendo descer um fogo do céu. Jesus não só não aceita a proposta, como repreende os dois irmãos. Eles querem envolvê-lo no seu desejo de vingança e Ele não concorda com isso (cf. vv. 52-55)”.

Nessa condição, é notável a despreocupação dos polos do dar e retribuir, uma vez que estes não se tornam obrigatórios, não se limitam ao exterior do outro, pois estão além, alcançando a dimensão da gratuidade, no sentido estrito do termo ágape. A solução ante as situações de mal que encontramos implicam numa alteração da ética (justiça) para a supra-ética (superabundância). Para que seja possível pensar, afirmar e viver em conjunto a lógica do dom, da superabundância e a lógica da exata equivalência é preciso orientar a justiça no caminho da generosidade, libertando-a da tendência utilitarista (‘eu dou desde que me dês’) e reorientando-se a um mútuo-endividamento (gratuitamente). Nossos sistemas de justiça permitem, muitas vezes, uma reprodução do mal, na medida em que aplicar a justiça é fazer pagar o mal com uma pena equivalente.

A partir do paradoxo posto, de uma suposta irracionalidade, alcançamos um novo tipo de inteligência. No entanto, se trata de outro tipo de racionalidade, que desafia os paradigmas então construídos, e até mesmo o pensamento da tradição ocidental. Há aqui outra lei, que não é mais aquela da lógica da equivalência: a proporcionalidade entre pecado, morte e culpa está superada nesse momento. Trata-se da lógica do excesso, da vitória do sentido sobre o não-sentido, do Dom sobre o trágico, da Criação sobre o Niilismo, do Perdão sobre a vingança.

Tomando como ponto de partida a existência de uma desproporção entre amor e justiça, o filósofo cristão Paul Ricoeur busca dar ênfase às formas de discurso, ou seja, a poética do amor e a prosa da justiça. No âmbito deste último, afirma que “a justiça argumenta, e de forma muito particular, confrontando razões pró ou contra, supostamente plausíveis, comunicáveis, dignas de serem discutidas pela outra parte” (RICOEUR, 2012, p. 17). No entanto, esse conflito no nível da argumentação inerente ao discurso jurídico encerra-se em uma decisão fundamentada em uma racionalidade específica. Dessa forma, para Ricoeur, “o estágio mais alto que o ideal de justiça pode pretender é o de uma sociedade em que o sentimento de dependência mútua permanece subordinado ao de desinteresse mútuo” (RICOEUR, 2012, p. 21).

            Ao final desse caminho de ênfase na desproporção entre o amor e a justiça, Ricoeur destaca que as duas sugerem pretensões acerca da prática individual e social, que “é a ação que amor e justiça se dirigem, cada um a seu modo, é a ação que ambos reinvindicam” (RICOEUR, 2012, p. 22). Assim, ele pretende superar a dicotomia entre os dois termos, propondo uma interface entre a poética do amor e a prosa da justiça.

Peçamos então a Jesus a força para ser como Ele, para O seguir com firme determinação neste caminho de serviço. Para não sermos vingativos nem intolerantes quando surgem dificuldades, quando nos dedicamos ao bem e os outros não compreendem, aliás, quando nos desqualificam. Não, silêncio e ir em frente (PAPA FRANCISCO, Angelus, 26/06/2022).

Podemos aprender muito, em todos os tempos, com os místicos da Igreja. São João da Cruz expressou o mais alto grau que uma alma pode alcançar na busca pelo sentido da existência. O inefável, aquilo que ultrapassa a nossa realidade, transborda de modo apaixonado, ou, nas palavras do místico: “Em tal aspiração, cheia de bens e glória, e de delicado amor de Deus para a alma, não quisera eu falar, nem mesmo o desejo porque vejo claro que não tenho termos com que o saiba exprimir, e pareceria que os tenho se dissesse”. O amor seria um outro nome para a identificação com Deus, em última instância, o esvaziamento de si mesmo em direção ao inefável, para além de nós mesmos. Um esforço de liberdade, por fim, capaz de engendrar um sentido novo para seu destino. Sobre o amor, sempre resta algo a dizer, deixando uma vereda infinitamente aberta para a possibilidade do derradeiro encontro. Somente é possível vivenciar o amor a partir do vazio, de um insistente “vazio em plenitude”. O silêncio pode ser expressão de sabedoria, resultando em paz e evolução humana.

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Prof. René Dentz
É
católico leigo, professor do departamento de Filosofia, curso de Psicologia-Praça da Liberdade na PUC-Minas, onde também atua como membro da equipe executiva do Observatório da Evangelização. Psicanalista, Doutor em Teologia pela FAJE, com pós-doutorado pelas Université de Fribourg/Suíça, Universidade Católica Portuguesa e PUC-Rio. É comentarista da TV Horizonte e da Rádio Itatiaia. Autor de 8 livros, dentre os quais “Horizontes de Perdão” (Ideias e Letras, 2020) e “Vulnerabilidade” (Ideias e Letras, 2022). Pesquisador dos Grupos de Pesquisa CAPES “Mundo do trabalho, ética e teologia” e “Diversidade afetivo-sexual e teologia”, ambos na FAJE e “Teologia e Contemporaneidade”, na PUC-Minas.

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A Arquidiocese de Belo Horizonte e a luta contra o Rodoanel https://observatoriodaevangelizacao.com/a-arquidiocese-de-belo-horizonte-e-a-luta-contra-o-rodoanel/ Thu, 12 May 2022 21:30:00 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=44956 [Leia mais...]]]> A luta contra o Rodoanel de Belo Horizonte é, sobretudo, em defesa da nossa Casa Comum e está em plena sintonia com os princípios ecoteológicos e humanísticos das cartas Encíclica Laudato Si’ e Fratelli Tutti, da Economia de Francisco e Clara, do Pacto Educativo Global, bem como do documento final do Sínodo para a Amazônia.

A Arquidiocese de Belo Horizonte, cujo território episcopal poderá ser intensamente impactado pela referida obra viária, tem contribuído na defesa do meio ambiente e das comunidades tradicionais, contra o Rodoanel, por meio do Vicariato Episcopal para Ação Social, Política e Ambiental, da Academia dos Juristas Católicos Humanistas de Belo Horizonte e da Comissão Arquidiocesana Justiça e Paz.

No dia 4 de maio de 2022, os movimento socioambientais Salve Santa Luzia e SOS Vargem das Flores, protocolaram na Procuradoria-Geral do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, uma Manifestação de Apoio da Academia dos Juristas Católicos Humanistas de Belo Horizonte e da Comissão Arquidiocesana Justiça e Paz da Arquidiocese de Belo Horizonte, à Representação dos deputados Rogério Correia (PT) e Beatriz Cerqueira (PT) sobre os impactos socioambientais e étnico-culturais do Rodoanel sobre as cidades metropolitanas[1].

O Rodoanel Metropolitano de Belo Horizonte

O Rodoanel se apresenta como uma rodovia de trânsito rápido destinada, especialmente, ao escoamento interestadual de carga pesada e de baixo valor agregado como o minério de ferro. Possuirá de 200m à 500m de largura por 100,6Km de extensão, os quais perpassarão mais de 10 municípios da RMBH entre a BR381 em Sabará e a BR040, na saída para o Rio de Janeiro. A obra custará R$4,5 bilhões, dos quais R$3,5 bilhões advém do acordo de compensação entre a mineradora Vale e o Estado de Minas Gerais, pelo crime do rompimento da barragem B1, Mina Córrego do Feijão em Brumadinho, em 2019, que vitimou mais de 200 pessoas. Não obstante, a Parceria Público Privada do Rodoanel prevê um contrato de concessão de 30 anos, bem como a cobrança de pedágios entre R$0,28 à R$0,32 por Km rodado e uma estimativa de arrecadação de R$6,4 bilhões pela concessionária. O projeto estabelece que os estudos de impacto da obra só serão realizados pela empresa contratada após o leilão. A mesma empresa terá a autonomia para modificar o traçado do Rodoanel segundo o seu interesse econômico.

A luta popular contra o Rodoanel

 Desde 2021, vários movimentos sociais, ambientais e pastorais da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), como a Comissão Pastoral da Terra de Minas Gerais, o Serra Sempre Viva de Ibirité, o SOS Vargem das Flores de Contagem e o Salve Santa Luzia de Santa Luzia, tem defendido a ideia de que o Rodoanel Metropolitano é uma obra que gera destruição socioambiental local e contribui para a crise climática regional e planetária.

Os referidos movimentos participaram de todas as Audiências Públicas e do Seminário realizados pela Secretaria de Estado de Infraestrutura e Mobilidade (Seinfra) do Governo de Minas, para discutir o projeto do Rodoanel. Destarte, constatou-se que os protocolos de divulgação do projeto, bem como os das consultas públicas e da promoção da participação popular, adotados pela Seinfra, resultaram em notória desinformação por parte dos munícipes das cidades da RMBH.

As Audiências Públicas foram recorrentemente, marcadas às pressas, em horário comercial, em localidades de difícil acesso para a população das cidades da RMBH e sem um protocolo de divulgação social eficiente. Tratou-se de reuniões esvaziadas em que os gestores do referido projeto fizeram proselitismo impositivo do Rodoanel, não apresentaram pesquisas que esclarecessem a população sobre os impactos do empreendimento nas cidades, nem estudos que comprovassem a efetividade dos objetivos da obra e ignoraram completamente as preocupações e anseios apresentados pelos movimentos sociais, ambientais e pastorais.

Os vários problemas e inconsistências da condução do projeto do Rodoanel, constatados durante 20° Reunião Especial da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, à 26 de novembro de 2021, resultaram no pedido, do presidente da casa legislativa Agostinho Patrus (PSD), de suspenção dos trâmites do projeto para a realização de auditoria pelos deputados. Não obstante, à 21 de janeiro de 2022, o governo do Estado de Minas Gerais, por meio da Seinfra, publicou o Edital n°001/2022 de licitação e concorrência internacional do Rodoanel, sem diálogo com a população, com as prefeituras municipais e com a Assembleia Legislativa. E recentemente foi marcado o leilão do Rodoanel na Bolsa de Valores de São Paulo para o dia 28 de julho.

Frente as várias irregularidades identificadas no projeto do Rodoanel, bem como o seu grande potencial poluidor e degradador, afetando o meio ambiente, comunidades quilombolas, sítios arqueológicos e bairros urbanos periféricos, o deputado federal Rogério Correia (PT) e a deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT) protocolaram uma Representação na Procuradoria-Geral do Ministério Público de Minas Gerais

Leia abaixo o documento escrito pela Academia dos Juristas Católicos Humanistas de Belo Horizonte e a Comissão Arquidiocesana de Justiça e Paz:

 

EXMO. SENHOR PROCURADOR GERAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS

A Academia dos Juristas Católicos Humanistas de Belo Horizonte (AJUCH/ABH) e a Comissão Arquidiocesana Justiça e Paz da Arquidiocese de Belo Horizonte (CAJP), ambos órgãos ligados à Mitra Arquidiocesana de Belo Horizonte, vêm, em nome de seus representantes e membros, apresentar MANIFESTAÇÃO DE APOIO aos pedidos apresentados na Representação protocolada sob o número 20220019191 perante ao Ministério Público do Estado de Minas Gerais, quais sejam:

a)Instauração de inquérito civil público para apurar as potenciais irregularidades e ameaças às comunidades quilombolas referidas, bem como e à integridade do patrimônio histórico inerentes às referidas comunidades;

b)Requerer os estudos preliminares de impacto junto ao Poder Público Estadual proponente;

c)Acompanhar as alterações eventuais no traçado projetado para o Rodoanel e seu impacto nas comunidades objetos desta representação;

d)Oitiva de especialistas, entidades e organizações da sociedade civil de defesa das comunidades quilombolas e do patrimônio histórico;

e)Adoção de medidas judiciais obstando assegurar a preservação das comunidades, do patrimônio histórico e do patrimônio público.

Os manifestantes reafirmam a importância constitucional de ouvir formalmente os setores da sociedade civil com o fito de evitar a violação de direitos coletivos de suma importância para toda à sociedade. A Representação protocolada chama a atenção deste importante Órgão Público para as diversas irregularidades que podem ser constatadas com a construção do Rodoanel. Impactos na flora, fauna, rios e nos povos quilombolas merecem a investigação e apuração pelo parquet.

Os representantes denunciam irregularidades que violam diretamente importantes dispositivos constitucionais. Ora, não se pode deixar de averiguar as informações trazidas pelos Movimentos Sociais, uma vez que são estes sofrem diretamente os impactos da obra em comento. Destaca-se o trecho em que se coloca em evidência irregularidades que merecem ser verificadas pelo MP, vejamos:

Os documentos integrantes do projeto do Rodoanel evidenciam uma série de irregularidades e ilegalidades que atingem áreas de preservação ambiental, ameaça a bacias hidrográficas imprescindíveis ao abastecimento humano e demais usos razão do traçado apresentado, bem como ordenamento urbano dos municípios.

De igual forma, o referido o traçado proposto originariamente afeta direta ou indiretamente as comunidades quilombolas indicadas anteriormente, bem como o patrimônio histórico, sendo que a maioria destas comunidades também estão associadas ao culto religioso de matriz africana, devendo, pois ser preservadas e protegidas.

Ocorre que, não se identifica dentre os projetos os estudos prévios de impacto da obra de grande magnitude, notadamente em relação ao meio ambiente, organização urbana, nem tampouco os efeitos do empreendimento em relação às comunidades quilombolas e religiosas indicadas, constituindo ameaça real desconsiderada pelo Poder Público Estadual, devendo, pois, ser objeto da atuação dos órgãos de controle e de proteção da sociedade e patrimônio público, em particular o Ministério Público Federal.

Nesse diapasão, em atenção aos direitos constitucionais e coletivos apresentados na representação, a AJUCH/ABH e a CAJP vêm, em nome de todos os seus membros e dirigentes, manifestar apoio à causa apresentada ao Ministério Público de Minas Gerais, bem como requerer que sejam apuradas as denúncias apresentadas.

Belo Horizonte, 05 de abril de 2022.

Professor Marciano Seabra de Godoi – Presidente da AJUCH/ABH
Academia dos Juristas Católicos Humanistas da Arquidiocese de Belo Horizonte

Professor José Luiz Quadros de Magalhães – Presidente da CAJP
Comissão Arquidiocesana Justiça e Paz da Arquidiocese de Belo Horizonte


[1] Vídeo do Ato em frente ao Ministério Público de Minas Gerias na entrega da Manifestação de Apoio: https://www.facebook.com/100003188967630/videos/385201936834528/

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Glaucon Durães da Silva Santos
Católico leigo da paróquia Bom Jesus e Nossa Senhora Aparecida, Santa Luzia/MG, doutorando em Ciências Sociais pela PUC Minas, professor de Sociologia, membro da Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais e colaborador jovem do Observatório da Evangelização da PUC Minas. Desenvolve pesquisa nas áreas da Sociologia da Religião e da Sociologia Política
Atualmente é representante da Mitra Arquidiocesana de Belo Horizonte (Santuário Arquidiocesano de Santa Luzia) no Conselho Municipal de Patrimônio Cultural de Santa Luzia.

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Rede “Um Grito pela Vida”: 15 anos https://observatoriodaevangelizacao.com/rede-um-grito-pela-vida-15-anos/ Tue, 05 Apr 2022 13:00:00 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=44718 [Leia mais...]]]> Por ocasião da celebração dos 15 anos da Rede Um Grito pela Vida, Luis Miguel Modino entrevista a Ir. Valmi Bonh coordenadora nacional da Rede. De forma direta e simples, ela nos faz perceber a importância da articulação na luta  contra o tráfico humano, algo que invisibilizado em nossa sociedade e que ganha forças com a enorme penetração das redes sociais. Confira:

A Rede um Grito pela Vida está completando 15 anos, como a gente poderia definir esse caminho assumido principalmente pela Vida Religiosa do Brasil?

A gente pode resumir como uma forma de louvor e agradecimento, por toda a caminhada feita. A gente sempre parte de uma mística, nosso trabalho sempre é feito a partir de uma mística que é inspirada no projeto de Jesus, que convida para abrir as portas, para sair, para atravessar as portas, atravessar o rio, atravessar as nossas fronteiras pessoais e ir ao encontro dos outros.

Essa saída, esse colocar-se a caminho nos leva a querer sempre de novo ajudar a resgatar as vidas que estão sendo ameaçadas. Também temos muito presente os carismas congregacionais, os carismas que cada pessoa também traz dentro de si, nessa defesa, com uma atitude de indignação, de compaixão, de profecia, de defesa dos direitos humanos, assim a gente vai tentando resgatar a vida que está aí.

Nesses 15 anos, a gente fez esse papel de nos colocar nesse caminho junto com as mulheres, crianças, adolescentes e pessoas que são traficadas e exploradas. É um tempo de muita graça, de muito louvor por toda a caminhada que foi feita durante esses 15 anos nos diferentes estados do nosso país. No momento, nós estamos em 22 estados, com 28 núcleos. É um espaço pequeno em alguns lugares, mas que nos faz voltar à proteção, ao resgate das vidas ameaçadas.

Poderíamos dizer que a Rede um Grito pela Vida é uma expressão de uma Igreja samaritana, assumida pela Vida Religiosa. O que isso tem representado na caminhada da Vida Religiosa no Brasil?

Podemos dizer que é um espaço que a Vida Religiosa assumiu como Conferência dos Religiosos do Brasil, e a partir daí, esse processo de realmente abraçar a causa dessa defesa da vida das mulheres e crianças. Claro que nem toda a Vida Religiosa abraça isso, porque tem também outras causas desafiantes para abraçar e assumir.

Porém, é sempre um desafio para a Vida Religiosa, cristã, assumir esse processo de se lançar e colocar-se a caminho, de promover gestos concretos de defesa da vida dentro da Vida Religiosa, em todos os sentidos e em todas as circunstâncias. Pois, o tráfico de pessoas tira toda a dignidade do ser humano, e um dos grandes papeis da Vida Religiosa é ajudar a resgatar essa dignidade para que a pessoa possa se reestruturar e reiniciar uma vida mais digna dentro de uma sociedade cruel, que explora muito hoje o ser humano em todas as dimensões.

Em que mudou a sociedade brasileira e a realidade do tráfico humano nesses 15 anos?

Com a visibilidade que a Rede vai conquistando em cada espaço, em cada instância social nos diferentes estados, a conquista desse espaço vai se tornando cada vez mais presente a necessidade do ser humano assumir o seu papel de cuidar da vida de outro ser humano, de não ficar somente ao redor de si, mas também de ter um olhar além.

As redes sociais hoje dificultam isso também, porque nessas redes, se a pessoa não se cuida, ela se volta sobre si mesma e esquece quem está ao seu redor. A visibilidade que a gente consegue, de alguma forma, a nível de Brasil, da América Latina e internacionalmente, por meio da Rede, vai ajudando as pessoas a tomarem consciência da necessidade dessa abertura, de poder olhar para o outro como um ser humano, como alguém que precisa de ajuda, como alguém que precisa de uma relação próxima para poder também ser um portador de vida para com as pessoas com que ela convive.

O trafico humano sempre foi uma realidade escondida. Até que ponto a Rede um Grito pela e outras iniciativas similares no Brasil e no mundo estão ajudando a tomar consciência sobre isso e se realmente na Igreja e na Vida Religiosa do Brasil são realizados esforços para que esse crime seja mais visível e combatido com mais força?

No começo era muito invisível o crime do tráfico humano. Hoje já, com 15 anos de atividades da rede, nos diferentes estados, com as muitas e variadas atividades e ações concretas, tanto a nível de Vida Religiosa, como também na sociedade civil, que é um espaço que foi se conquistando aos poucos, a gente consegue marcar uma presença e tornar muito mais visível esse crime. Algo que precisa ser olhado com muito carinho, que precisa ser olhado com muita misericórdia, com muita compaixão, para poder ajudar essas pessoas que são necessitadas e que sofrem violência das mais diferentes formas. Não só da violência do tráfico humano, mas também os outros tipos de violência que hoje rondam o tempo todo à pessoa humana.

A nível de Brasil, mesmo sendo grupos pequenos, a gente tenta, da melhor forma, dar uma visibilidade maior, também pela participação e mobilização em encontros da sociedade, e também diante de incidências políticas. Hoje o espaço da incidência política se torna mais enfraquecido devido às circunstâncias e situações do nosso país atual, em todos os sentidos, econômica e politicamente. Com toda a crise econômica que está aí, a Covid também enfraqueceu essa questão do espaço das políticas públicas.

Há necessidade de a gente reaver essa efetivação das políticas para podermos ter novamente um espaço maior e quebrar um pouco esse crime do tráfico humano, da exploração, do abuso, das diferentes formas.

O Papa Francisco assumiu o combate ao tráfico humano, os refugiados e outros temas que preocupam à Rede um Grito pela Vida. Como isso tem ajudado no trabalho da Rede nos últimos anos?

O Papa Francisco conseguiu trazer para a sociedade mundial esse desafio, esse problema da exploração, do abuso, do tráfico humano, de pessoa vendendo pessoa, que é um dos crimes mais hediondos conforme a fala dele. Para nós, como Rede um Grito pela Vida, e mesmo todas as redes que a partir da Rede Talitha Kum, a nível mundial, a nível da América Latina, a nível do Brasil, que trabalham na prevenção do tráfico humano, o Papa Francisco é um exemplo de pessoa inspirada por Deus em defesa da vida nessas circunstâncias e em muitas outras.

O Papa Francisco é um ponto de referência das orientações pastorais sobre tráfico humano, que foi divulgado em 2019, são pontos centrais que nos orientam e que nos ajudam. O Papa Francisco é uma pessoa que se torna um elo entre todos os grupos que trabalham na prevenção do tráfico humano.

Diante da atual conjuntura no Brasil e no mundo, com a experiência vivida nesses 15 anos, quais os desafios que se apresentam no caminho da Rede um Grito pela Vida?

Os desafios são muitos e sempre estão aí. Nós como Rede temos esse objetivo de enfrentamento ao tráfico humano, defendendo a vida, especialmente de crianças e jovens, mulheres que são vítimas do tráfico. Essa nossa missão de sensibilizar, de capacitar, de informar, de denunciar, de ir tecendo redes e parcerias nessa luta por justiça e por políticas em prevenção do tráfico humano, os desafios são muitos.

No Brasil é um desafio a grande extensão geográfica, toda a situação governamental do país hoje, a tirada das conquistas das políticas públicas que defendam a mulher e a criança nessas situações. Um outro desafio muito grande é o aumento da vulnerabilidade a partir da pobreza, do desemprego, a infraestrutura muito precária, principalmente das pessoas que moram nas periferias, que são as vítimas mais fáceis para o tráfico humano.

Temos também os desafios dos grandes projetos de desenvolvimento, a possível exploração da Amazônia, onde acaba se tornando um espaço que provoca o tráfico humano, especialmente para a exploração sexual. Essa abertura da possibilidade exploração de garimpo, da questão das grandes fazendas. Toda a questão também dos grandes processos migratórios, trazendo presente a Guerra da Ucrânia, com pessoas de lá que já chegaram no Brasil. São situações e desafios muito grandes que nos envolvem.

Outro grande desafio é que no nosso país, não existe uma casa de acolhida de pessoas que são resgatadas do tráfico humano, que possam ficar um tempo determinado para poder se restabelecer e retomar à vida de outra maneira. A partir desses desafios tem outros em cada Estado, de forma diferente, devido à realidade diferente de cada Estado.

Como Coordenadora Nacional da Rede um Grito pela Vida, qual seria sua mensagem para a Vida Religiosa e para a Igreja do Brasil em vista de tomar uma maior consciência sobre essa problemática e o envolvimento cada vez maior no combate à exploração sexual de crianças e adolescentes e o tráfico de pessoas?

Quando a coordenação pensou um pouco essa data do dia 30 de março, trazendo toda a caminhada que foi feita, nós pensamos um logo e um tema específico para celebrar esses 15 anos, que é “Do Grito da Vida nasce a Esperança”. Exatamente pelo fato de sermos pessoas que precisam ser portadoras de esperança para quem grita pela vida.

Nessa logo, a gente colocou alguns pontos centrais. No desenho aparece o ramo verde, aparece a mão coma palma em forma de coração, aparece os 15 anos e também aparece a logo. Esse coração enraizado, que Deus coloca dentro de nós e nos provoca a uma opção pela promoção da vida, nasce esse ramo do verde como esperança. Das mãos abertas, esse trabalho de profecia na diferente história de cada pessoa, os dedos com cores diferentes, trazendo presente os dons diferentes da história, da vida, das raças, das culturas, e que vão criando raízes de paz, de justiça, de fraternidade.

É uma logo que a gente pensou nesse ramo de esperança do novo que brota para o alto, devido a toda circunstância de desalento que hoje as pessoas sofrem diante de tantas crises que existem, e pela luta, pela sobrevivência que as pessoas estão vivenciando.

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pe. Luis Miguel Modino
Natural da Espanha, é missionário Fidei Donum na Diocese de São Miguel da Cachoeira, Amazonas. É parceiro do Observatório da Evangelização e articulista em diversos periódicos e revistas virtuais católicas.

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