José Tolentino Mendonça – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Fri, 02 Apr 2021 10:00:00 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.8 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 José Tolentino Mendonça – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 O elogio das crises de fé (5/5) https://observatoriodaevangelizacao.com/o-elogio-das-crises-de-fe-5-5/ Fri, 02 Apr 2021 10:00:00 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=38402 [Leia mais...]]]>
A crise como estado de abertura, renascimento e reconfiguração.

A palavra de José Tolentino Mendonça

«Não há teologia de fé que não seja teologia de crise. A fé é para nos colocar em crise, isto é, em estado de abertura, renascimento e reconfiguração.»

A figura de Pedro é trabalha desde o início a partir do motivo da crise. Pedro olha para a crise como um obstáculo; Jesus olha para a crise como uma oportunidade.

«Aprender a não temer e a sentir a crise como o momento do chamamento, da vocação, do seguimento e da descoberta mais funda.»

«Também para nós a crise, “esse misterioso país das lágrimas”, não é um impedimento. Não só as crises de fé que nos impedem de acreditar. É nosso o conformismo, o acharmos que está tudo feito e resolvido.»

«A crise de fé é o momento privilegiado que o Espírito Santo nos dá para mergulharmos mais profundamente na nossa existência, no nosso coração.»

Fonte:

www.snpcultura.org

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O elogio das crises de fé (3/5) https://observatoriodaevangelizacao.com/o-elogio-das-crises-de-fe-3-5/ Wed, 31 Mar 2021 10:00:00 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=38387 [Leia mais...]]]>
A crise como possibilidade e oportunidade de renascer.

A palavra de José Tolentino Mendonça

Toda a crise é constituída por três andamentos. O primeiro é a separação, por vezes violenta e inesperada. A primeira imagem que temos da crise é a de um rasgão que descostura a vida.

O segundo momento é o do umbral: na crise somos colocados perante o inédito. A experiência do novo acontece de uma forma surpreendente.

A crise possibilita também a reconfiguração, uma nova compreensão, uma renovada presença no mundo e na história. A possibilidade de renascer.

É muito fácil ficarmos no primeiro passo, pensando que a crise é simplesmente a morte. A vida pode ser bela e feliz para além das nossas ilusões. Por isso a crise pode ser uma alavanca para uma maturação mais funda e paciente da existência.

Edição: Rui Jorge Martins
Imagem: digitalista/Bigstock.com

Fonte:

www.snpcultura.org

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O elogio das crises de fé (2/5) https://observatoriodaevangelizacao.com/o-elogio-das-crises-de-fe-2-5/ Tue, 30 Mar 2021 10:00:00 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=38378 [Leia mais...]]]>
A crise como momento pedagógico e oportunidade de aprendizado.

A palavra de José Tolentino Mendonça

«Temos, culturalmente, pouca disponibilidade para escutar a crise» e perceber que ela «pode ser um austero mestre» que «aparece para evitar o pior», ou seja, «o desencontro com a nossa verdade.»

A crise, seja ela de fé, económica ou de qualquer outro tipo, pode ser entendida como «momento privilegiado de auscultação». Para isso é preciso olhar para ela «como um caminho, e não como o fim da estrada».

Por vezes a crise convoca-nos a uma leitura «impiedosa» e «purificatória» da existência e dos tecidos económicos, éticos e eclesiais que tínhamos por adquiridos. «A crise obriga-nos a repensar a nossa posição no mundo».

«Neste longo, paciente – às vezes impaciente – processo de maturação interior e crescimento espiritual temos de aceitar o que Camilo Pessanha dizia num dos seus sonetos: “Foi bom para nós esta demora”.»

Edição: Rui Jorge Martins
Imagem: 1STunningArt/Bigstock.com

Fonte:

www.sncultura.org

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Que parábolas para este tempo? Com a palavra dom José Tolentino de Mendonça https://observatoriodaevangelizacao.com/que-parabolas-para-este-tempo-com-a-palavra-dom-jose-tolentino-de-mendonca/ Thu, 26 Nov 2020 21:25:33 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=36872 [Leia mais...]]]>
Encontro virtual, promovido pela CNBB, com mais de 200 bispos de todo ao Brasil no qual aconteceu esta reflexão com o Cardeal dom José Tolentino de Mendonça.

Que parábolas para este tempo?

Por dom José Tolentino de Mendonça

Um tipo de comunicação de Jesus que faz pensar é aquele patente em frases como esta que servem de fórmulas introdutivas ao seu discurso: «A que é semelhante o Reino de Deus? A que o hei de comparar?» (Lc 13,18). Talvez ainda não valorizamos devidamente essas frases que parecem apenas simples estruturas de passagem e, na verdade, são bem mais. É importante que nos perguntemos o que pretende Jesus com esse recurso de linguagem e o que é que este nos ensina sobre o seu método de interpretação da realidade. Nesse sentido, eu diria que há três
coisas que se tornam manifestas.

  • A primeira delas é que nem sempre é fácil interpretar a realidade. Em tantas situações esta como que resiste ao nosso modo habitual de a descrever e o mete em crise. Na verdade, a pergunta «A que é semelhante o Reino de Deus?» introduz uma espécie de pausa reflexiva, um distanciamento em relação aos saberes feitos; instaura um tempo mais lento dedicado à escuta.
  • A segunda coisa que aprendemos com estas interrogações de Jesus é que para explicar a vida de Deus e dos homens em profundidade precisamos de parábolas e comparações. E precisamos de parábolas ou de comparações que sejam novas, que relancem as tarefas do olhar. As perguntas de Jesus, de facto, abrem espaço a um discurso não teórico, mas narrativo, existencial e simbólico. Porque a narrativa e a atenção ao símbolo fazem-nos sintonizar diretamente com o real da vida e é aí que Jesus coloca a revelação do Reino de Deus. Sabemos, no entanto, como não é fácil entrar em comunicação com esse núcleo vital e, pelo contrário, como é tentador sobrevoarmos teoricamente a realidade ou permanecermos indiferentes a ela, mesmo aquela que nos está mais próxima.
  • A terceira coisa a aprender é o facto do discurso de Jesus ter como finalidade ganhar os corações para o Reino de Deus em vez de se ficar pelos meros exercícios da retórica. A retórica faz uma camuflagem da realidade através das palavras, adiando o desejo de verdade e autenticidade. Tão diferente da persuasão evangélica que procura gerar no sujeito crente a plena autoconsciência do presente modelado por Deus, indicando que o Kairós se desenvolve precisamente dentro do krónos, apresentando como desafio para uma hermenêutica profética aquilo que parece apenas a incerta convulsão da história, desafiando-nos a acolher o aqui e o agora, na sua indefinição e dureza, como um misterioso radar para sondar o futuro.

É bom que nos coloquemos perguntas

«A que é semelhante o Reino de Deus? A que o hei de comparar?» (Lc 13,18). Mergulhados nesta situação histórica distópica aberta pela pandemia, que nos encontrou a todos impreparados e destapou uma vulnerabilidade bem maior do que aquela que supunhamos ser a nossa, também nós nos fazemos perguntas: «A que é que este tempo é semelhante? A que o havemos de comparar?» Apercebemo-nos, e de uma forma dramática, que os nossos discursos, as nossas práticas estabelecidas, os nossos espaços, a nossa organização foram, de um momento para outro, também colocados em crise ou declarados inadequados. E transcorridos estes meses, dentro de nós sabemos como era o passado, mas não sabemos ainda exatamente como será o futuro.
Contudo, Jesus também aqui é o nosso Mestre, pois Ele nos incita a uma auscultação mais profunda da realidade e a nos colocarmos corajosamente perguntas, em vez de nos precipitarmos em procurar no nosso alforge o que julgamos serem já respostas. De facto, um elemento de novidade destes tempos difíceis que vivemos é o património de perguntas que muitos se estão fazendo, e perguntas que não se debruçam apenas sobre o imediato e a sua obsidiante vertigem, mas que se prendem com o sentido da vida, com a avaliação crítica daquilo que a sociedade moderna coloca como prioritário, com a forma como cada um tem habitado o real. É bom que nos coloquemos perguntas. E também a nível eclesial. Não desperdicemos a oportunidade que representa fazermo-nos perguntas. Isso o escritor João Guimarães Rosa sublinhava: «Vivendo, se aprende; mas o que se aprende, mais, é a fazer outras maiores perguntas». A Igreja tem essa responsabilidade: a de promover as «maires perguntas».


A praça vazia e a barca onde estamos todos

Que parábolas e comparações podem hoje aproximar o Reino de Deus da nossa linguagem e da nossa experiência vital? Que parábolas e comparações nos estão a abrir à compreensão desde momento do mundo que, como insiste o papa Francisco, não se carateriza apenas por uma enxurrada de mudanças, mas protagoniza efetivamente uma mudança de época? Recordo as suas palavras em Florença, em Novembro de 2015, dirigidas aos participantes do V Congresso da
Igreja Italiana: «Pode-se dizer que hoje não vivemos uma época de mudança mas uma mudança de época. Portanto, as situações que vivemos hoje apresentam desafios novos que para nós às vezes são até difíceis de compreender. Este nosso tempo exige que vivamos os problemas como desafios e não como obstáculos».

Foi o próprio Papa Francisco que nos ofereceu, num dos momentos mais terríveis do curso desta pandemia, duas imagens simbólicas que nos ajudam a concretizar aquilo que o Concílio Vaticano II, na «Gaudium et Spes» chamava o «dever da Igreja investigar a todo o momento os sinais dos tempos, e interpretá-los à luz do Evangelho» (G.S. 4). Naquela oração extraordinária no Sagrado diante da Basílica de São Pedro (27 de Março de 2020), o Santo Padre ofereceu-nos duas imagens que à primeira vista parecem contrapostas, pois de um lado temos o vazio e do outro lado o cheio; de um lado temos a Praça sem ninguém e do outro temos a Barca onde estão todos. A imagem da Praça de São Pedro representava simbolicamente a inaudita situação dramática das nossas ruas repentinamente silenciosas, dos espaços públicos despovoados, das nossas Igrejas vazias devido à emergência sanitária e à necessidade de confinamento. O vazio é a parábola que os nossos olhos vêem. Mas Francisco escolheu para interpretar essa imagem uma imagem evangélica de sentido inverso. De facto, no texto de Marcos 4, 35-41 o Papa sublinhou que, «surpreendidos por uma tempestade inesperada e furibunda», «demo-nos conta de estar no mesmo barco, todos frágeis e desorientados mas ao mesmo tempo importantes e necessários: todos chamados a remar juntos, todos carecidos de mútuo encorajamento». O vazio, revisto pela comparação que nos é dada pela Palavra de Deus, não é só vazio, mas possibilidade de ganhar uma nova consciência de tudo o que nos liga como comunidade humana. Um dos frutos desta pandemia , podemos dizê-lo, é já a Encíclica «Fratelli Tutti» sobre a fraternidade a a amizade social, que vem explicar que «uma tragédia global como a pandemia do Covid-19» nos recorda «que ninguém se salva sozinho, que só é possível salvarnos juntos» (F.T.32) e que há uma coisa ainda pior que a pandemia: é o vírus do «salve-se quem puder» rapidamente traduzido no lema «todos contra todos» (F.T.36). Na verdade, como escreveu Albert Camus no seu romance «A Peste», o bacilo da peste pode chegar e ir embora sem que o coração do Homem se modifique. A tarefa urgente que hoje se coloca à Igreja é trabalhar o coração humano, persuadi-lo da verdade do Evangelho, acreditando que dentro deste Krónos, com a força generativa do Espírito Santo, pode emergir o Kairós.

A sala dos abraços e o portal

«A que é semelhante o Reino de Deus? A que o hei de comparar?» (Lc 13,18). Se olharmos em nosso redor, mesmo num tempo que parece blindado na sua incerteza, há tantas parábolas que nos estão a ser contadas. Vou referir brevemente três: duas retiradas do jornal e uma da Palavra de Deus. Mas cada um de vós poderá contar tantas. A primeira aconteceu numa Casa de Repouso para idosos, em Itália. Sabemos como a pandemia tem forçado a tantos «lutos relacionais»: desde os distanciamentos interpessoais à suspensão das saudações que trocavámos uns com os outros (o aperto de mão, o abraço entre amigos, o beijo entre os parentes), impedindo o exercício comum da nossa humanidade e fazendo crescer o isolamento e a solidão. Entre a população mais idosa um risco real é o sentimento de abandono e a depressão, pois faltam as visitas, a proximidade e os carinhos. Ora, esta instituição criou a sala dos abraços. Em conformidade com todos os regulamentos de saúde, os utentes da casa de repouso poderão abraçar seus filhos, netos e parentes protegidos por uma cortina especial de plástico que lhes permite dialogar sem dificuldade e ter também um contato visual e físico que faz com que se sintam amparados e fortalecidos emocionalmente. Esta parábola da sala dos abraços faz-nos interrogar que necessidade é esta? Que parábola nos está a contada por todos os abraços não dados e pelo desejo de voltar às expressões habituais dos nossos afectos? Um abraço é uma escola de humanidade. O abraço é uma longa conversa que acontece sem palavras. Tem uma incrível força expressiva. Comunica a disponibilidade para entrar em relação com os outros, superando o dualismo, fazendo cair armaduras e desculpas. Os abraços são a arquitetura íntima da vida, o seu desenho invisível; são plenitude consentida ao afeto que reconcilia e revitaliza. Num abraço, tudo o que tem de ser dito soletra-se no silêncio, e ocorre isto que é tão precioso e afinal tão raro: sem defesas, um coração coloca-se à escuta de outro coração. É bom ver como a pandemia nos acorda para reconhecermos o valor de dimensões da vida e da humanidade e, nesse sentido, nos reconduz ao essencial. Ainda uma parábola retirada do jornal é aquela que surge num texto da escritora de origem indiana Arundhati Roy: a imagem do portal. Escreve ela: «Historicamente as pandemias obrigaram os seres humanos a romper com o passado e a imaginar de novo o seu mundo. Esta não é diferente. É um portal, uma porta entre um mundo e o seguinte. Podemos optar por cruzá-lo arrastando atrás de nós as carcaças do nosso prejuízo e ódio, da nossa avareza, dos nossos bancos de dados e ideias mortas, dos nossos rios mortos e dos céus cheios de fumos. Ou podemos atravessá-lo caminhando ligeiros, com pouca bagagem, prontos para imaginar outro mundo».

O mensageiro e o campo novo

Quando penso naquilo que hoje a Palavra de Deus nos está dizendo, frequentemente me vem ao pensamento o capítulo 32 do Livro do Profeta Jeremias. A sua situação não podia ser mais complexa, se não mesmo desesperada. Jeremias está preso no palácio real de Judá, acusado de haver profetizado contra o rei Zedequias, anunciando-lhe a derrota contra Nabucodonosor, a destruição de Jerusalém e o exílio do povo em Babilónia. Ora, precisamente neste contexto histórico extremo chega a Jeremias um mensageiro com uma surpreendente proposta em contraciclo. Visita-o o seu primo Hanameel que lhe diz: «Compra a propriedade que tenho em Anatote, no território de Benjamim, porque é teu o direito de posse e de resgate» (v.8). E por ser uma iniciativa tão nova e desbloqueadora, Jeremias compreendeu que essa palavra provinha do Senhor. Na sua oração, o profeta não deixa, porém, de manifestar o seu espanto: «As rampas de cerco são erguidas pelos inimigos para tomarem a cidade, e pela guerra, pela fome e pela peste, ela será entregue nas mãos dos babilônios que a atacam… Ainda assim, ó Soberano Senhor, tu me mandaste comprar a propriedade e convocar testemunhas do negócio, embora a cidade esteja entregue nas mãos dos babilônios!» (vv.24-25). E o Senhor lhe responde com uma promessa: «Eu os reunirei de todas as terras para onde os dispersei… Eu os trarei de volta a este lugar e permitirei que vivam em segurança… Farei com eles uma aliança permanente» (v.37.40).

Que tempo é este que estamos a viver? A que o havemos de comparar? Podemos, efetivamente, olhar apenas para o assédio devastador desta crise que começa por ser sanitária, mas que depressa contaminou tantos outros âmbitos, tornando-se uma crise poliédrica: económica, social, política, eclesial, civilizacional. Ou podemos perceber, numa leitura crente e esperançada da história como o faz Deus incansavelmente, que esta hora, com todos os seus constrangimentos é afinal um kairós, uma oportunidade para relançar a nossa aliança com a vida. Este não é o momento para fazer cair os braços em desânimo, mas é um tempo para apostas de confiança. Não é só um compasso de espera que nos deixa como que suspensos numa dolorosa indefinição: é também um desafio à interlocução com o futuro e a dar passos concretos na sua direção. Não é só um tempo para fechar a semente no celeiro enquanto se aguardam as condições que consideramos propícias: este é um tempo bom para os semeadores saírem para o campo, para os pescadores se aventurarem no lago. Não é só uma estação para gerir aflições crescentes: é também a ocasião em que Deus nos ordena que arrisquemos como Igreja e que compremos um campo novo.

«A que é semelhante o Reino de Deus? A que o hei de comparar?» (Lc 13,18), perguntava-se Jesus. Hoje cabe-nos a nós fazer esta pergunta. Mas para isso precisamos realizar uma auscultação espiritual e autêntica da vida; precisamos de não nos fecharmos num discurso abstrato ou num sistema fechado, mas de nos abrirmos à leituras das histórias e dos exemplos que estão hoje diante dos nossos olhos; e precisamos, por fim, de uma hermenêutica profética da história que revele que Jesus Cristo é o seu centro.

Cardeal José Tolentino de Mendonça

Cardeal José Tolentino de Mendonça
Meditação apresentada à CNBB – 25.11.2020

Fonte:

www.cnbb.org.br

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A mística dos cinco sentidos e o desafio de enfrentar o nosso analfabetismo emocional https://observatoriodaevangelizacao.com/a-mistica-dos-cinco-sentidos-e-o-desafio-de-nosso-analfabetismo-emocional/ Sat, 02 Mar 2019 15:21:37 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=29971 [Leia mais...]]]>

Segundo Dom José Tolentino, poeta português e bibliotecário da Santa Sé, na conferência de encerramento do primeiro dia da celebração do 75º aniversário da revista “Vida Religiosa”, a constatação de nosso analfabetismo emocional exige, mais do que nunca, o cultivo de uma mística dos cinco sentidos, ou seja, cheirar, tocar, olhar, escutar e saborear a Deus… E, para ele, o místico é aquele ou aquela que não pode deixar de caminhar.

(Publicada por Religion Digital, em 01/03/2019, matéria assinada por Jesus Bastante e traduzida por Edward Guimarães para o Observatório da Evangelização)

Cheirar a Deus, tocar Deus, olhar para Deus, ouvir Deus, saborear a Deus. “É possível que o cheiro de Deus nos leve a Deus?”, perguntou-se o poeta português José Tolentino nesta tarde. O bibliotecário da Santa Sé encerrou o primeiro dia do 75º aniversário da revista ‘Vida Religiosa’, desenhando um mapa das emoções e sentimentos do crente, do homem e da mulher espiritual, “que não se esquece dos cinco sentidos”.

Em um belo discurso sobre os sentidos e a sensibilidade, em que ele misturou parágrafos bíblicos com tratados de biologia, engenharia, versos de Sofía de Mello e pensamentos de Fernando Pessoa e Susan Sontag. Música, aromas, proximidade… Porque para “sentir a Deus” é necessário “sentir com Deus” e com o que nos rodeia. “Nós nos tornamos analfabetos emocionais”, disse o autor de “O Hipopótamo de Deus” (Narcea) e “Para uma espiritualidade dos sentidos” (Fragmenta).


Teologia do Corpo

Tolentino falou sobre uma teologia do corpo que se afasta de “visões demasiadamente espiritualistas” que vêem superficialmente o corpo “como uma mera cobertura externa do princípio espiritual, ou como uma prisão da alma”. “São nossos corpos que rezam, não apenas nossos pensamentos”, recordou o poeta arcebispo, que enfatizou que, como os antigos já assinalaram, “abrir as mãos já é orar, abrir os olhos já é orar”.

“A excessiva interiorização da experiência espiritual e o distanciamento do corpo e do mundo permanecem, em grande medida, características marcantes da espiritualidade praticada hoje.”

Assim, ele conclamou ao cultivo de “uma mística com os olhos abertos”, que “não se dirige a um Deus distante”, mas que se torna “uma declaração de amor à vida”. “O místico é aquele, ou aquela, que não pode deixar de andar”. Além disso, é aquele que ao contemplar, “transforma o mundo em uma janela”.

Quando a espiritualidade não esquece os cinco sentidos, por José Tolentino

Portanto, o místico autêntico é aquele que vive “a experiência integral da vida”. “O místico deve estar atento e comprometido com a dor do mundo”, com “uma espiritualidade encarnada, mas todavia desapegada, gratuita e livre”, insistiu Tolentino.

“Esta liberdade exige uma compreensão da interdependência, que é tão difícil de perceber, entre micro e macro, próximo e distante, dentro e fora, nosso e dos outros, atividade e descanso, silêncio e palavras, quietude e gesto, imobilidade e viagem, primavera e inverno, fome e pão, agora e depois”.

“O místico é aquele que descobre que não pode deixar de andar”, ele clamou, interpelando a vida religiosa a responder ao desafio de “uma nova composição, na qual o corpo e a alma, a razão e o sentimento, são reconhecidos, valorizados e integrados em sua verdadeira unidade. Não se trata de negá-los, nem de redirecioná-los a uma unidade confusa. Trata-se, ao contrário, de buscar a harmonia”.

Entre nós e Deus há um espaço vazio, nú

“A experiência mística é experiência de nudez, supõe uma confiança, não é uma garantia”, como a fé. “Os místicos sabem que Deus está ausente. Entre Deus e nós há um espaço vazio, nú. Nós nos movemos nesse espaço, o essencial está além”, disse ele. Portanto, como Sofía de Mello sublinhou: “Eu acredito na nudez da minha vida”.

A partir daí, Tolentino encorajou “arriscar uma nova síntese, propor, a partir do ato de acreditar, mas também do ato de viver, uma nova gramática espiritual. Já temos o modelo: levar nossa humanidade mais a sério, como uma narrativa de Deus que vive neste momento “.

“Somos analfabetos, precisamos de uma nova gramática”, acrescentou, enfatizando que “Deus é cúmplice de nossa intimidade”. “Nos tornamos emocionalmente analfabetos. Não sei sentir, não sei ser humano, como escreveu Fernando Pessoa “, lamentou. “Não chegou a hora de compreender melhor o que une sentidos e sentido?”

“As pessoas consagradas precisam olhar novamente para o corpo que somos, a profecia do amor incondicional, porque somos, em nosso corpo, a gramática de Deus… O Evangelho nós aprendemos através do corpo e dos sentidos, não apenas mentalmente. Nós somos. Precisamos redescobrir que somos, em nosso corpo, gramática de Deus”.

Fonte:

www.religiondigital.org

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As lágrimas das mulheres dos Evangelhos nos falam da sede de Jesus… José Tolentino https://observatoriodaevangelizacao.com/as-lagrimas-das-mulheres-dos-evangelhos-nos-falam-da-sede-de-jesus-jose-tolentino/ Sat, 24 Mar 2018 18:22:41 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=27670 [Leia mais...]]]>

Jesus recolhe todas as lágrimas do mundo

(Síntese da 6.ª meditação de José Tolentino)

 

Na manhã de quarta-feira, 21/02/2018, quarto dia dos exercícios espirituais da Quaresma do papa Francisco e da Cúria Romana, a sexta meditação do P. Tolentino Mendonça centrou-se nas lágrimas das mulheres dos Evangelhos, que evocam a sede de Jesus.

Recorrendo a citações extraídas da Bíblia e de vários autores, sublinhou que as lágrimas manifestam sede de vida e de relação.

Muitas são as mulheres presentes nos Evangelhos, diferentes nas suas condições existenciais, etárias, econômicas. Aquilo que as une é seu estilo, em benefício da evangelização, caracterizado pelo serviço, mas sobretudo são as lágrimas, expressão de emoções, conflitos, alegrias e feridas.

«As lágrimas dizem que Deus encarna-se nas nossas vidas, nos nossos fracassos, nos nossos encontros. Nos Evangelhos inclusive Cristo chora. Jesus encarrega-se da nossa condição, faz-se um de nós, e por isso as nossas lágrimas são englobadas nas suas. Ele leva-as verdadeiramente consigo. Quando chora, recolhe e assume solidariamente todas as lágrimas do mundo».

O desejo de vida

São precisamente as mulheres dos Evangelhos que concedem cidadania às lágrimas, mostrando a importância deste sinal, afirmou José Tolentino, fazendo referência à psicanalista Julis Kristeva.

Esta não crente dizia que quando um paciente deprimido chegava ao ponto de chorar no divã, acontecia uma coisa muito importante: estava a começar a afastar-se da tentação do suicídio, porque as lágrimas não narram o desejo de morrer mas «a nossa sede de vida».

Deus conhece a dor do pranto

Desde criança o pranto indica sede de relação. Muitos santos, como Inácio de Loyola, choravam copiosamente. E o filósofo Emil Cioran (1911-1995) afirmava que no juízo final serão pesadas apenas as lágrimas, que dão um sentido de eternidade ao nosso devir, e que o dom da religião é precisamente o de nos ensinar a chorar: as lágrimas são o que nos pode tornar santos depois de se ser humanos.

«A nossa biografia pode ser contada também através das lágrimas: de alegria, de festa, de comoção luminosa; e de noite escura, de laceração, de abandono, de arrependimento e de contrição… Pensemos nas nossas lágrimas derramadas e naquelas que permaneceram um nó na garganta e cuja falta nos é pesada ou ainda nos pesa. A dor daquelas lágrimas que não foram choradas. Deus conhece-as todas e acolhe-as como uma oração. Portanto tenhamos confiança. Não as ocultemos dele».

Procura de relação

Para Gregório de Nazianzo as lágrimas são, em certo sentido, um quinto batismo. E Nelson Mandela, na prisão, teve os olhos tão atacados que perdeu a capacidade de derramar lágrimas, mas ainda assim não se extinguiu a sua sede de justiça.

Quando se chora, ainda que haja um esforço para não mostrar ao outro que se chora, a verdade é que choramos sempre para que o outro veja. «É a sede do outro que nos faz chorar».

A concluir, o José Tolentino mencionou a mulher que chora e lava os pés de Jesus com as suas lágrimas. Muitas vezes toma-se uma distância crítica face à religiosidade popular, que se exprime com abundância de lágrimas. E por vezes é difícil, para os pastores, perceber a religião dos simples baseada não em ideias mas em gestos.

É precisamente a impressionante qualidade do que a mulher dá a Jesus que permite constatar que Simão, o chefe da casa, não disse nada. «É esta inédita hospitalidade que Jesus pretende exaltar», «esta sede, de que as lágrimas são sinal e que nos toca aprender».

Debora Donnini
In Vatican News
Imagem: sanchairat/Bigstock.com
Publicado em 23.02.2018

Fonte:

“As lágrimas que revelam uma sede que devemos aprender”

José Tolentino Mendonça continuou a série de pregações ao Papa e seus colaboradores. “As lágrimas podem nos tornar santos, depois de humanos“, afirmou.

Cidade do Vaticano

Na manhã desta quarta-feira (21/02/2018), o pregador, Pe. Tolentino Mendonça, propôs uma meditação intitulada “As lágrimas que falam de uma sede”, inspirada na presença feminina no Evangelho.

 

As mulheres nos abrem o Evangelho

José Tolentino ressaltou que as mulheres, na narração evangélica, se expressam quase sempre com gestos. Dedicam-se ao serviço, não competem pela liderança; estão ‘com’ Jesus e fazem de seu destino o próprio. ‘Servem’, que na gramática de Jesus, é o verbo mais nobre.

“Com esta linguagem, evangelizam com o modo dos periféricos, dos simples, dos últimos ”

 

Uma espécie de sede

Curiosamente, no Evangelho de Lucas, um dos elementos que une as personagens femininas são as lágrimas: todas choram, expressando emoções, conflitos, alegrias, solidão ou feridas. Nos Evangelhos, Cristo também chora, assumindo a nossa condição e todas as lágrimas do mundo. Elas explicam a nossa sede de vida, desejo de relação. São a linha divisória que distingue os seres que sabem tudo dos seres que não sabem nada. São aquilo que pode nos tornar santos depois de humanos.

As lágrimas da mulher sem nome

O Evangelho de Lucas apresenta uma mulher que chora e ensina a chorar: uma intrusa, discípula anônima que segue o Mestre confiante que Ele a protegerá. Aparece sem ser convidada, unge e chora aos pés de Jesus. Não teve medo, mas suas lágrimas ‘contavam sua história’, como afirma o escritor Roland Barthes.

Nosso choro não revela apenas a intensidade da nossa dor, mas a natureza de nossa sensibilidade pois chorando, nos dirigimos sempre a alguém. É a sede do próximo que nos leva a chorar. 

“As lágrimas suplicam a presença de um amigo capaz de acolher nossa intimidade sem palavras e abraçar a nossa vida, sem julgar ”

 

Vê esta mulher?

Prosseguindo a meditação, Pe. Tolentino afirmou que o pranto da mulher intrusa era um ‘dilúvio’: ela banhou os pés de Jesus, os enxugou com os cabelos, os beijou e perfumou”. Em uma palavra, ‘tocou’ Jesus.

“Como sacerdotes, muitas vezes tomamos distância da religiosidade popular que se expressa com lágrimas e afetividade, considerando-a uma forma de devoção ‘primitiva’; ou às vezes nem a notamos.”

É difícil perceber a religião dos simples, baseada em gestos e não em ideias. A religião dos pastores pode ser perfeita em termos formais, teologicamente impecável, mas é ascética, impessoal, atuada com eficiência… mas não comove, não chega às lágrimas… vai com o ‘piloto automático”.

“Repete-se conosco – concluiu o pregador – o que aconteceu com o fariseu: convidamos Jesus a entrar em nossa casa, mas não somos disponíveis a celebrar com Ele aquela forma radical de hospitalidade que é o amor”.

 

Fonte:

Vantican News

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A sede de Jesus… José Tolentino https://observatoriodaevangelizacao.com/a-sede-de-jesus-jose-tolentino/ Mon, 19 Mar 2018 10:12:26 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=27614 [Leia mais...]]]>

A sede de Jesus é romper as cadeias do nosso egoísmo

(Síntese da 5.ª meditação de José Tolentino Mendonça no retiro do Papa)

 

«A sede de Jesus”, sinal da sede existencial do ser humano, esteve no centro da quinta meditação dos exercícios espirituais do papa Francisco e da Cúria Romana pelo P. José Tolentino Mendonça. O poeta e teólogo português referiu-se à sede de Jesus na hora em que foi crucificado, «prova da sua incarnação» e «sinal do realismo da sua morte», e à sede simbólica e espiritual, constituem a «chave vital de acesso» para colher o sentido profundo da sua vida e morte.

Tolentino recorda que o evangelista João menciona três vezes a expressão «ter sede», além daquela assinalada no Calvário:

  1. Quando Jesus encontra a samaritana, diz-lhe: «Quem bebe desta água terá de novo sede; mas quem beber da água que Eu lhe der, nunca mais terá sede»;
  2. Depois, no discurso do pão da vida, Jesus declara: «Quem vem a mim não terá fome e quem crê em mim não terá sede, nunca!»;
  3. Por fim, durante a festa das Tendas, Jesus anuncia: «Se alguém tem sede, venha a mim, e beba quem crê em mim».

 

A sede da samaritana

«No encontro com a samaritana há uma troca de papéis que não pode passar desapercebido», apontou o pregador: Jesus pede de beber, mas é Ele quem dará a beber. A samaritana não entende logo as palavras de Jesus, interpretando-as como referidas a uma sede física. Mas, desde o início, Jesus jogava com um sentido espiritual.

O desejo de Jesus aponta sempre para uma outra sede, como explicou à mulher: «Se tu conhecesses o dom de Deus e quem é aquele que te diz “dá-me de beber”, tu ter-lhe-ias pedido a Ele e Ele te teria dado água viva”».

 

A sede no Calvário

No Calvário Jesus manifesta o seu desejo de beber, mas não é compreendido e em vez de água recebe vinagre; depois de o ter recebido, diz «está cumprido» e, inclinada a cabeça, restitui o espírito.

«A sede é assim o selo do cumprimento da sua obra e, ao mesmo tempo, do desejo ardente de fazer dom do Espírito, verdadeira água viva capaz de dessedentar radicalmente a sede do coração humano», observou o vice-reitor da Universidade Católica».

 

Ter sede é crer em Cristo

Ainda na festa das Tendas, explicita-se que ter sede «é crer em Jesus» e que beber é ir a Cristo.

Assim, para José Tolentino:

«Na verdade, a sede de que Jesus fala é uma sede existencial, que se aplaca fazendo convergir a nossa vida com a sua. Ter sede é ter sede dele. Somos assim chamados a viver de uma centralidade em Cristo: sair de nós próprios e procurar nele essa água que extingue a nossa sede, vencendo a tentação de auto-referencialidade que tanto nos adoece e tiraniza».

 

A carência de sentido e o desejo de salvação

A sede de Jesus permite, portanto, «compreender a sede que habita o coração humano e dispor-nos a servi-la», respondendo «à sede de Deus, à carência de sentido e de verdade, ao desejo que subiste em cada ser humano de ser salvo, ainda que seja um desejo oculto ou esteja sepultado sob os detritos existenciais».

 

Romper as cadeias e libertar as energias para dar esperança

Como ensina Madre Teresa de Calcutá, as palavras de Jesus «tenho sede», presentes em todas as capelas das Missionárias da Caridade, por ela fundada, «não dizem respeito apenas ao passado, mas estão vivas hoje».

A sede de Jesus «é romper as cadeias que se fecham na culpabilidade e no egoísmo, impedindo-nos de avançar e de crescer na liberdade interior», acentuou Tolentino.

«A sua sede é libertar as energias mais profundas ocultas em nós, para que possamos tornar-nos homens e mulheres de compaixão, artesãos da paz como Ele, sem fugir ao sofrimento e aos conflitos do nosso mundo fragmentado, mas tomando o nosso lugar e criando comunidades e espaços de amor, de modo a levar uma esperança a esta terra», declarou.

Roberta Gisotti
In Vatican News  Trad. / edição: SNPC
Imagem: “Jesus e a mulher samaritana” | Paolo Veronese | C. 1585 | Kunsthistorisches Museum, Viena, Áustria
Publicado em 23.02.2018

Fonte:

Quinta meditação: “A sede de Jesus”

A sede de Jesus é a sede de dar água viva, a sede de conceder à Igreja o dom da água viva.

Cidade do Vaticano

“A sede de Jesus” foi o tema proposto na quinta meditação pelo pregador do retiro, Pe. José Tolentino de Mendonça, na tarde desta terça-feira (20/02/2018). Ele iniciou a meditação com um trecho do Evangelho de João em que Jesus, após ter sido pregado na cruz, diz: “Tenho sede.”

Os Padres da Igreja interpretaram essa sede de Jesus sobretudo como “sede corporal”, não dando muito valor ao sentido  metafórico contido nessa declaração.

“A sede física documentava de forma convincente que Jesus era de carne e osso como toda pessoa”, mas tinha sede “da salvação dos homens”.

 

A sede da samaritana e a sede de Jesus

No encontro com a samaritana, Jesus pede água, mas é ele quem dá de beber e promete-lhe a “água viva”. A samaritana não entende imediatamente as palavras de Jesus, “as interpreta como sede física, mas desde o início Jesus dava um sentido espiritual”.  

“O seu desejo sempre visava outra sede”, conforme explicou à samaritana: «Se você conhecesse o dom de Deus, e quem lhe está pedindo de beber, você é que lhe pediria. E ele daria a você água viva.»

Segundo Pe. Tolentino, “a sede Jesus parece se extinguir somente quando ele se proclama fonte de água viva e abre à promessa do dom do Espírito”.

“A sede é o selo do cumprimento de sua obra e, ao mesmo tempo, do forte desejo de doar o Espírito, verdadeira água viva capaz de saciar radicalmente a sede do coração humano.”

O pregador do retiro explicou que a sede da qual Jesus fala é uma sede existencial que se extingue, quando a nossa vida se converge em direção ao Senhor.

“Ter sede, é ter sede Dele. Somos chamados a viver de uma centralidade cristológica: sair de nós mesmos para buscar em Cristo aquela água que sacia a nossa sede, vencendo a tentação da autorreferencialidade que nos deixa doentes e tiraniza”.

“A sede de Jesus é a sede de dar água viva, a sede de conceder à Igreja o dom da água viva. Para os fiéis, a sede de água viva é a sede de aprofundamento da fé, sede de penetrar no mistério de Jesus, sede do Espírito. Para Jesus, a sede é o desejo de comunicar todos esses dons.”

 

A sede de Jesus revela a sede humana

Segundo Pe. Tolentino, “a sede de Jesus ilumina e responde à sede de Deus à falta de sentido e verdade, ao desejo de todo ser humano de ser salvo, mesmo que seja um desejo oculto ou enterrado debaixo dos detritos existenciais”.

O “Tenho sede”, proclamado por Jesus, envolve a Igreja de todos os tempos, em particular a nossa.

A esse propósito, o sacerdote português citou como exemplo Madre Teresa de Calcutá, que em 10 de setembro de 1946, a bordo de um trem que ligava Siliguri a Darjeeling, na Índia, viveu uma forte experiência espiritual: “de forma quase física sentiu a sede de Jesus que a chamava a dar a vida a serviço da sede dos pobres e rejeitados, dos últimos dos últimos. O coração e a alma das Missionárias da Caridade é somente este: a sede do coração de Jesus escondido no pobre.”

 

Acolher o Espírito, dom da sede

O Espírito continua nos fazendo ouvir a voz de Jesus que nos diz: “Tenho sede!”

“Ele é o dinamismo do Ressuscitado em nós. O Espírito é a continuação dessa história, uma continuação que não é repetida, não é sempre a mesma. É a fantasia do Espírito, a sua criatividade que difunde em nós dons diferentes, carismas diferentes, competências complementares a fim de construirmos o Reino de Deus onde quer que estejamos.”

O Espírito “é a força motriz da vida da Igreja e da vida de todo cristão. Por isso, precisamos do Espírito Santo e devemos redescobrir a fé em seu poder. Muitas vezes o Espírito Santo permanece completamente esquecido. Devemos redescobrir o Espírito Santo, porque sem Ele a Igreja é somente memória, o que fazemos é somente uma recordação do que foi. É o Espírito que diz: o cristianismo é também presente e futuro”, disse Pe. Tolentino.

“Somos chamados a viver na esperança toda situação da vida. Às vezes, somos uma Igreja em que falta a vivacidade do Espírito, a juventude do Espírito. É o Espírito que nos dá o sentido de plenitude, o sentido da missão e que nos torna uma Igreja em saída.”

Fonte:

Vatican News

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Quando renunciamos à sede, começamos a morrer… José Tolentino https://observatoriodaevangelizacao.com/quando-renunciamos-a-sede-comecamos-a-morrer-jose-tolentino/ Wed, 14 Mar 2018 19:48:23 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=27592 [Leia mais...]]]>

Contra a depressão é preciso mais que comprimidos

(Síntese da 4ª meditação do P. José Tolentino Mendonça no retiro do papa)

A acédia, estado de apatia, desânimo, fraqueza, tristeza e melancolia, é o contrário da sede e do desejo de vida: foi este o tema que esteve no centro da meditação proposta na manhã desta quarta-feira, 22/02/2018, pelo P. José Tolentino Mendonça durante os exercícios espirituais da Quaresma que o papa Francisco e membros da Cúria Romana estão a realizar em Ariccia, a 30 km do Vaticano.

«Quando renunciamos à sede, então começamos a morrer. Quando desistimos de desejar, de encontrar gosto nos encontros, nas conversa, nos intercâmbios, na saída de nós mesmos, nos projetos, nos trabalhos, na própria oração».

Este desânimo que atinge a relação com Deus tem outros sintomas: «Quando diminui a nossa curiosidade pelo outro, a nossa abertura ao inédito, e tudo nos soa como um requentado “déjà vu” que consideramos como um peso inútil, incongruente e absurdo, que nos esmaga».

Parece que a vida que «eu vivo» é a de outra pessoa, recordava Kierkegaard (séc. XIX), enquanto que Evágrio Pôntico (séc. IV) falava do «demónio da acédia» e S. João Cassiano (sécs. IV-V) recordava as consequências na vida dos monges: uma insatisfação profunda que leva à perda do entusiasmo.

A própria exortação apostólica “Evangelii Gaudium”, sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual, do papa Francisco, adverte para os efeitos nefastos da «psicologia do túmulo», «que pouco a pouco transforma os cristãos em múmias de museu» e pode conduzir «a uma tristeza melosa, sem esperança, que se apodera do coração como o mais precioso elixir do demônio».

Os estados depressivos não se curam só com comprimidos

A contemporaneidade «medicalizou a acédia, enfrentando-a como uma patologia que deve ser tratada do ponto de vista psiquiátrico». «Mesmo dentro de um quadro clínico, é evidente que a acédia ou os estados depressivos» não se podem curar só com «pastilhas», mas «devem envolver na cura a pessoa inteira».

«Há muitos sofrimentos ocultos cuja origem devemos descobrir que se radica no mistério da solidão humana», e nesse contexto pertencem também ao domínio do itinerário espiritual, defendeu o vice-reitor da Universidade Católica.

O “burnout”: um esgotamento emocional

Há também outro problema que «se amplia cada vez mais», o “burnout”, que literalmente significa “queimar-se”, um esgotamento emocional que pode atingir inclusivamente os sacerdotes.

Em geral, quando uma pessoa se sente abandonada, permanece apenas um vazio, que se enche com angústia ou com falsos paliativos, como a mundanidade, o álcool, as redes sociais, o consumismo ou a hiperatividade. Há quem traga as feridas de lutas ou fracassos, do abandono ou abusos quando eram crianças, da pobreza econômica, da guerra.

Jonas, Jacó e o jovem rico

São três as figuras que podem fazer compreender esta dinâmica. Na história de Jonas vê-se como o diálogo entre surdos é muitas vezes o que caracteriza a nossa relação com Deus, na qual não se ouve porque se está «relutante ao conteúdo da vontade de Deus», à lógica da sua misericórdia.

Jacó, ao contrário, lutou com Deus até ao amanhecer: há nele um desejo de vida, enquanto que Jonas é «caprichoso», colide com o desejo de vida de Deus, que quer introduzir todos os seres humanos numa relação existencial nova.

A tristeza ligada à acédia recorda também a do jovem rico, que obedecia a todos os mandamentos mas na hora decisiva prefere os seus bens, em vez da aventura aberta de viver na confiança. «Não é raro que a nossa tristeza provenha desta incapacidade», afirmou o P. Tolentino Mendonça.

Urge fazer um exame sobre a desvitalização do desejo: nem sempre o problema é o excesso de atividade, mas o não ter as motivações adequadas.

Amar como Jesus

A resposta à acédia está em Jesus. O laço com Ele passa necessariamente pela configuração na paixão. Na palavra da esposa do Apocalipse, «vem», revela-se a necessidade profunda que a Igreja experimenta em relação à vinda do Espírito, como destacava também Simone Weil.

«Nesta palavra está a marca de tudo aquilo de que temos necessidade, a razão do nosso grito, a razão da nossa esperança e, muitas vezes, a razão da nossa desesperança, do nosso fracasso, do nosso cansaço, e a necessidade de superar tudo isto em Deus.»

Aquele a quem dizemos “vem!” é o mesmo que nos diz: «Vinde a mim, vós todos que estais cansados e oprimidos, e eu vos darei alívio. Tomai o meu jugo sobre vós e aprendei de mim”», assinalou o P. Tolentino Mendonça.

Debora Donnini
In Vatican News  Trad. / edição: SNPC
Imagem: sanchairat/Bigstock.com
Publicado em 23.02.2018

Fonte:

Esta sede de nada que nos faz adoecer

(4ª meditação)

Na terça-feira (20/02/2018), o pregador dos exercícios espirituais, Pe. José Tolentino Mendonça, refletiu sobre o contrário da sede: a preguiça – a ‘atonia’ da alma – e seus efeitos.

Cidade do Vaticano

O contrário da sede é a preguiça. Quando perdemos a curiosidade e nos fechamos ao inédito ficamos apáticos e começamos a ver a vida com indiferença. Por sua vez, a sede nos ensina a arte de procurar, de aprender, colaborar, a paixão de servir.

“Quando renunciamos à sede, começamos a morrer ”

Existem muitos sofrimentos escondidos cujas origens devemos descobrir e que se escondem no mistério da solidão humana.

 

Quando nos sentimos em ‘burnout’

Um dos problemas mais comuns hoje é o chamado ‘burnout’: sentir-se em curto-circuito, esvaziado de energias físicas e mentais. Este esgotamento emocional é definido por alguns como ‘síndrome do bom samaritano desiludido’ e atinge muitas pessoas que fazem da ajuda e da cura do próximo sua ocupação principal.

Pe. Tolentino mencionou uma pesquisa realizada entre o clero da Diocese de Pádua (Itália), que apontou que os presbiteros com maior risco de burnout são os jovens (25-29 anos) e os mais idosos, com mais de 70 anos. Dentre as causas deste mal-estar, estão o peso excessivo das expectativas (pessoais e dos outros), a ausência de uma vida espiritual, o temor do juízo, a exposição demasiada a situações humanas difíceis, pouca solidariedade entre os presbíteros, incapacidade de se comunicar…

Quando nos sentimos amados como pessoas, amparados com afeto e acompanhamento, sabendo que nosso trabalho interessa, envolve e apaixona, temos a certeza de existir. Mas quando nos sentimos abandonados, incompreendidos e com o coração ferido por dores que não sabemos curar, temos a impressão de não contar nada para ninguém. 

“Fica só um vazio, uma ‘cratera’ existencial a ser preenchida com angústias e mundanidades: álcool, redes sociais, consumismo ou hiperatividade ”

A este respeito, lembrou que somos todos diferentes, cada um com sua beleza e fragilidades. A beleza humana é aceitar-se como somos; não viver nos sonhos ou ilusões, na raiva e na tristeza. Ter o direito de ser o que somos… e seremos amados por Deus e preciosos a seus olhos.

 

Jonas ou a necessária terapia do desejo

Recorrer à terapia do humor para satisfazer o desejo: o livro bíblico de Jonas nos faz sorrir salutarmente de nós mesmos, ao invés de dramatizar. Ele nos diz que a sabedoria está nos anunciadores de esperança e não nos apocalíticos pregadores de tragédias.

 

A anatomia da tristeza

Um dos sinônimos da preguiça, a ‘atonia’ da alma, é a tristeza’.

“Nem sempre o problema é o excesso de atividade, mas atividades mal vividas, sem motivação adequada, sem a espiritualidade que a torna desejável”

Em relação à pastoral, a preguiça pode ter diferentes origens: insistir em projetos irrealizáveis; não aceitar a evolução dos processos; perder o contato real com as pessoas, não saber esperar, querer dominar o ritmo da vida… A ansiedade de obter resultados imediatos… a sensação de fracasso, de ser criticado, de cruz.

 

Aprendam de mim: ‘vem’

Pe. Tolentino concluiu sua meditação relacionando a nossa sede ‘de água’ com a palavra que revela a necessidade profunda, íntima e dolorosa ‘vem’, que a Igreja experimenta com a chegada no Espírito. Nesta palavra está o sinal de tudo o que precisamos, a razão de nossa esperança e ao mesmo tempo, a razão de nosso fracasso, cansaço… e a necessidade de superar tudo isso em Deus.

Fonte:

Vatican News

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Dei-me conta de estar com sede… José Tolentino https://observatoriodaevangelizacao.com/dei-me-conta-de-estar-com-sede-jose-tolentino/ Fri, 09 Mar 2018 18:41:34 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=27554 [Leia mais...]]]>

Desprezamos a riqueza das emoções

(Síntese da 3ª meditação do P. José Tolentino Mendonça no retiro do papa)

 

A sede de Deus e a capacidade de a reconhecer estiveram no centro da segunda meditação de hoje do P. José Tolentino Mendonça, pregador dos Exercícios Espirituais para o papa e a Cúria Romana que decorre até sexta-feira em Ariccia, próximo do Vaticano.

O poeta e teólogo português apontou, sob o título «dei-me conta de estar com sede», a predisposição de alma e os instrumentos necessários para interpretar o desejo de Deus que está em nós, a contemplá-lo e a educá-lo para valorizar a espiritualidade da sede. Neste contexto, o biblista sublinhou que «entrar em contacto com a própria sede não é uma operação fácil, mas se não o fazemos a vida espiritual perde adesão à nossa realidade».

Tomar consciência da nossa sede

Temos por isso de perder o medo de reconhecer a nossa sede e a nossa secura. Como primeira ação, o P. Tolentino exortou a não se intelectualizar demasiadamente a fé:

«Construímos um fenomenal castelo de abstrações. Não é por acaso que a teologia dos últimos séculos se deteve tanto tempo a debater as questões levantadas pelo Iluminismo e se tenha afastado das colocadas, por exemplo, pelo Romantismo, como as da identidade, coletiva e pessoal, do emergir do sujeito ou do mal de viver.

Estamos mais preocupados com a credibilidade racional da experiência da fé do que com a sua credibilidade existencial, antropológica e afetiva. Ocupamo-nos mais da razão do que do sentimento. Deixamos para trás das costas a riqueza do nosso mundo emocional».

O ser humano é uma «mistura de muitas componentes emocionais, psicológicas e espirituais, e de todas devemos ganhar consciência». Assim como a vida espiritual não é prefabricada mas está «envolvida na radical singularidade de cada sujeito».

Falar da sede é falar da existência real, e não da ficção de nós mesmos à que tantas vezes nos adaptamos, é iluminar uma experiência, mais do que um conceito. Por isso é preciso sacudir o torpor quotidiano porque «pode acontecer que tenhamos a maior dificuldade até mesmo de admitir que estamos com sede». Um dos requisitos para receber a água da vida é reconhecermo-nos com sede.

Interpretar a sede

Depois de tomar consciência da própria sede, é preciso interpretar esta necessidade que existe em nós. O P. Tolentino evidenciou que nesta fase deve distinguir-se o desejo de uma mera necessidade, que se aplaca e se satisfaz com a posse de um objeto:

«Não confundamos o desejo com as necessidades. O desejo é uma falta nunca completamente satisfeita, é uma tensão, uma ferida sempre aberta, uma interminável exposição à alteridade. O desejo é uma aspiração que nos transcende e que não determina, como a necessidade, um termo e um fim. A necessidade é uma carência contingente do sujeito. O infinito do desejo é desejo de infinito».

«O desejo humano diferencia-se do desejo dos animais», e ser humano significa «sentir que a existência depende deste reconhecimento mais do que qualquer outra coisa». Este anseio é mortificado nas sociedades capitalistas, que exploram avidamente as compulsões de satisfação de necessidade induzida, removendo a sede e o desejo tipicamente humanos.

Na prática, o discurso capitalista promete libertar o desejo das inibições da lei e da moral em nome de uma satisfação ilimitada. E quando isto se verifica, «o prazer, a paixão, a alegria a esgotarem-se num consumismo desenfreado, tanto de objetos como de pessoas», chega-se à extinção da sede, à agonia do desejo. A vida perde o seu horizonte.

A sede de Deus

«Como o veado anseia pela água.» O P. Tolentino referiu-se ao Salmo 42 para realçar a busca para saciar a sede de Deus. Se se contempla o mundo com amor, descobre-se que «é todo o Criado a ser atravessado por este desejo visceral».

O primeiro diretor do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura apelou à valorização da espiritualidade da sede, mais que as estruturas:

«Talvez precisemos de redescobrir o desejo, a sua itinerância e abertura, em vez das codificações em que tudo está previsto, estabelecido, garantido. A experiência do desejo não é um título de propriedade ou forma de possessão; é antes uma condição de mendicidade. O crente é um mendigo de misericórdia».

Para concluir, o P. Tolentino dirigiu-se em particular aos pastores, chamando-os à reconciliação com a sua vulnerabilidade, e recordou a advertência do papa Francisco: «Uma das piores tentações é a auto-suficiência e a auto-referencialidade». Ao contrário, abraçar a própria vulnerabilidade e aceder ao desejo de ser reconhecido e tocado como o leproso que foi ter com Jesus (cf. Mateus 8, 3), como a sogra de Pedro na cama com a febre (cf. Mateus 8, 15), como a mulher que há 12 anos sofria de hemorragias (cf. Mateus 9, 20), como aqueles que gritavam «Filho de David, tem piedade de nós!» (Mateus 8, 27).

Marco Guerra
In Vatican News Trad. / edição: SNPC
Imagem: Karel Gallas/Bigstock.com
Publicado em 23.02.2018

(Os grifos são nossos)
Fonte:

Escutar a própria sede é interpretar o desejo que temos em nós

(3ª meditação)

Nós batizados formamos uma comunidade de desejosos? Os cristãos têm sonhos? A Igreja é um laboratório do Espírito onde nossos filhos e filhas profetizam, nossos anciãos têm sonhos e nossos jovens constróem novas visões, não somente religiosas? – pergunta o pregador, Pe. José Tolentino.

Cidade do Vaticano

Há em nossas culturas e, ao mesmo tempo, em nossas Igrejas, um déficit de desejo. Quando se percebe, no momento atual, o emergir, e em escala cada vez maior, de sujeitos sem desejo, isso deve levar-nos a uma autocrítica eclesial.” É uma constatação e uma das afirmações candentes contidas na meditação vespertina do pregador dos Exercícios Espirituais, Pe. José Tolentino de Mendonça, propostos ao Papa e à Cúria Romana. Intitulada “Dei-me conta de ser sedento”, a meditação articulou-se em quatro pontos, concluindo-se com a “oração da sede”:

 

I – Perder o medo de reconhecer nossa sede

O pregador partiu de quatro verbos – irrigar, fecundar, germinar – para falar inicialmente de um processo de revitalização do terreno qual metáfora da nossa vida. Tendo advertido que a transformação não se dá se impermeabilizamos a vida em sua crosta, afirmou que devemos perder o medo de reconhecer a nossa sede e o nosso ser sedento.

Na meteorologia se usa uma tabela, o Índice de Palmer, para medir a intensidade da seca em seus vários estágios, afirmou. E a intensidade da seca espiritual, como se mede? – perguntou-se o pregador dos Exercícios.

Intelectualizamos demasiadamente a fé. Construímos um fenomenal castelo de abstrações”, observou. “Preocupamo-nos mais com a credibilidade racional da experiência de fé do que com a sua credibilidade existencial, antropológica e afetiva”, constatou.

“ Ocupamo-nos mais da razão do que do sentimento. Deixamos para trás a riqueza do nosso mundo emocional. ”

Feitas tais constatações, citou o teólogo canadense Bernard Lonergan, que evocava a necessidade de olhar mais, na construção doutrinal, para o significado das nossas emoções. Em suas considerações sobre o estado da nossa sede recorreu à literatura, que nos é de auxílio, ressaltou.

 

II – Escritores e poetas são importantes mestres espirituais

Em nossos dias assistimos cada vez mais a utilização da literatura ao fazer teologia, afirmou, acrescentando que hoje estamos compreendendo melhor que os escritores e os poetas são mestres espirituais importantes. Após destacar que as obras literárias podem ser de grande utilidade em nosso caminho de maturação interior, frisou que uma das razões fundamentais é que “a vida espiritual progride somente quando é uma revisitação da existência em sua totalidade, em sua diversidade”.

Para tal citou, entre outros, a escritora brasileira Clarice Lispector, a qual, com a força de uma declaração autobiográfica, narra a tomada de consciência da intensidade de sua sede.

Falar de sede é falar da existência real e não da ficção de nós mesmos à qual muitas vezes nos adequamos. E iluminar uma experiência, mais que um conceito, acrescentou Pe. José Tolentino, advertindo em seguida para a dificuldade que podemos ter até mesmo de reconhecer o nosso ser sedento.

 

III – Desejo da verdade, beleza e bondade

Escutar a própria sede é interpretar o desejo existente em nós. Desejo incessante da verdade, da beleza e da bondade que faltam. O pregador dos Exercícios Espirituais propostos ao Papa e à Cúria Romana advertiu ainda que devemos distinguir o desejo de uma mera necessidade, que se aplaca e se satisfaz com a posse de um objeto. Não confundamos desejo com as necessidades. A necessidade é uma carência contingente do sujeito. O infinito do desejo é desejo de infinito.

Citou a revisitação ao “discurso platônico do desejo em chave mística” feita por Simone Weil, para quem, não é o nosso desejo que alcança Deus: “se permanecemos sedentos e desejosos, é Deus mesmo que desce em nossa humanidade para preencher o nosso desejo de plenitude”.

Enquanto desejamos objetos, quaisquer que sejam; enquanto deixamos que a nos mover seja a busca das coisas, carreiras, títulos, honorificências, nosso desejar não é ainda um verdadeiro desejar.

“O desejo genuíno tem início quando ele se formula, nem mais nem menos, como pura abertura ao outro.”

Hoje se torna cada vez mais claro que as sociedades capitalistas, organizadas em torno do consumo, que exploram avidamente as compulsões de satisfação de necessidades induzidas pela publicidade, estão na prática removendo a sede e o desejo tipicamente humanos, fazendo com que a vida perca seu horizonte, afirmou taxativamente Pe. José Tolentino.

Voltando seu olhar para a vida da Igreja, tais constatações serviram para o pregador dos Exercícios Espirituais propor as seguintes interpelações:

Nós batizados formamos uma comunidade de desejosos? Os cristãos têm sonhos? A Igreja é um laboratório do Espírito onde, como no oráculo de Joel (3,1), nossos filhos e filhas profetizam, nossos anciãos têm sonhos e nossos jovens constroem novas visões, não somente religiosas, mas também novas compreensões culturais, econômicas, científicas e sociais?

 

IV – Questões mais contundentes

Tais interrogações foram propedêuticas a algumas questões mais contundentes: A Igreja tem fome e sede de justiça (Mt 5,6)? Os cristãos esperam realmente, segundo a promessa, “novos céus e uma nova terra, nos quais habita a justiça” (2Pd 3,13)?

Sede de Deus

No último ponto da meditação, no qual tratou da sede de Deus, o sacerdote português frisou que “talvez nós cristãos, e em particular nós pastores, devemos valorizar mais a espiritualidade da sede, mais que as estruturas”. “Nós cristãos e em particular nós pastores devemos melhor reconciliar-nos com nossa vulnerabilidade”.

Por fim, destacou que o “Papa Francisco nos recorda que uma das piores tentações é a autossuficiência e a autorreferência”. Abraçar a própria vulnerabilidade é aceder ao desejo de ser reconhecidos e tocados por Jesus.

Oração da sede

“Ensina-me, Senhor, a beber da mesma sede de Ti, como quem se alimenta mesmo na penumbra do frescor da fonte”…

“Que esta sede se faça mapa e viagem palavra acesa e gesto que prepara a mesa sobre a qual se partilha o dom.”

“E quando darei de beber a Teus filhos seja não porque possuo a água mas porque como eles sei o que é a sede”.

Fonte:

Vatican News

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Estamos «tão próximos da fonte e andamos tão longe»… José Tolentino https://observatoriodaevangelizacao.com/estamos-tao-proximos-da-fonte-e-andamos-tao-longe/ Thu, 08 Mar 2018 19:23:05 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=27541 [Leia mais...]]]>

A ciência da sede

(Síntese da 2ª meditação do P. José Tolentino Mendonça no retiro do papa)

 

A segunda meditação proposta pelo P. José Tolentino Mendonça para os exercícios espirituais da Quaresma do papa Francisco e da Cúria Romana, apresentada na manhã de hoje em Ariccio, próximo do Vaticano, centrou-se no tema “A ciência da sede”.

A promessa de Deus diante da escassez humana

A última frase pronunciada por Jesus no livro do Apocalipse é um convite: «Quem tem sede, venha». Foi desta passagem que o vice-reitor da Universidade Católica Portuguesa desenvolveu a sua reflexão para guiar os participantes a compreender os contornos da «abundância» e «gratuidade» de vida que o filho de Deus oferece ao ser humano e a valorizar hoje a sua resposta.

Jesus promete-nos saciar a sede quando reconhecemos que somos «incompletos e em construção». Ele sabe quantos são os obstáculos que nos travam e quantas são as «derivas que nos retardam». Estamos «tão próximos da fonte e andamos tão longe». No desejo e na sede estão dois sentimentos em contraste: a atracão e a distância, o ardor e a vigilância. Por isso a pergunta a colocar é: desejamos Deus? Sabemos reconhecer a nossa sede? Damo-nos tempo para a decifrar?

Não é fácil reconhecer a sede de Deus

A partir destes questionamentos o poeta e biblista percorreu um trajeto que foi da Bíblia aos textos do dramaturgo romeno Ionesco, passando pelas páginas do “O principezinho”, de Saint-Exupéry, para evidenciar os contornos efetivos da sede como necessidade física, como reconhecimento dos nossos limites, da nossa vulnerabilidade extrema.

«A sede priva-nos de respirar, esgota-nos, desgasta-nos. Deixa-nos sitiados e sem forças para reagir», afirmou, «leva-nos ao limite extremo.» «Percebe-se como não é fácil expor-se à sede.» Se tivéssemos de contar a parábola da nossa sede, prosseguiu, talvez emergissem os traços de Jean, o protagonista masculino de “A sede e a fome”, de Ionesco. É uma figura devorada por um «infinito vazio», por uma inquietação que nada parece poder aplacar e que o torna num «homem sem raízes, nem casa, incapaz de criar laços, perdido no vazio do labirinto em que escuta apenas o rumor solitário dos próprios passos».

 

A sede insatisfeita do homem de hoje

Eis a sede do homem de hoje. Uma sede que, explicou o P. Tolentino, «se transmuta numa enorme insatisfação, na desafeição em relação àquilo que é essencial, numa incapacidade de discernimento». O consumismo, hoje, não é apenas material, é também espiritual, e o que se diz de um ajuda a compreender o outro. O fato é que as nossas sociedades, que «impõem o consumo como critério de felicidade, transformam o desejo numa armadilha»: de cada vez que pensamos apagar a nossa sede numa «montra», numa «aquisição», num «objeto», a posse comporta a sua desvalorização, e isso faz crescer em nós o vazio. O objeto do nosso desejo é um «ente ausente», é um «objeto sempre em falta». Por isso, «o Senhor não cessa de nos dizer: “Quem tem sede, venha; quem deseja, beba gratuitamente a água da vida”».

 

Recoloquemos em Deus a nossa sede

Há muitas «maneiras de enganar as necessidades e adotar uma atitude de evasão espiritual sem nunca tomar consciência de que estamos em fuga», apontou o P. Tolentino, que aludiu às «sofisticadas razões de rentabilidade e de eficácia» que substituem a «auscultação profunda do nosso espaço interior e o discernimento da nossa sede». E continuam a não existir «comprimidos capazes de resolver mecanicamente os nossos problemas».

Daqui partiu o convite conclusivo da primeira meditação, do segundo dia do retiro quaresmal do papa Francisco e dos seus colaboradores:

abrandemos o «nosso passo», «tomemos consciência das nossas necessidades», sentemo-nos à mesa da fé, não por motivos materiais ou econômicos, mas «por razões de vida». A sede «de relações, de aceitação e de amor» está presente em cada ser humano, é um patrimônio «biográfico» que somos chamados a reconhecer e do qual dar graças. Não é uma coisa banal, e por isso «recoloquemos em Deus a nossa sede».

Gabriella Ceraso
In Vatican News Trad . / edição: SNPC
Imagem: P. José Tolentino Mendonça prega retiro ao papa Francisco e à Cúria Romana | Ariccio, Itália | 17.2.2018 | D.R.
Publicado em 23.02.2018
(os grifos são nossos)
Fonte:

Segunda meditação da Quaresma:

“A ciência da sede”

Na Casa “Divino Mestre” de Ariccia, Papa Francisco e seus colaboradores participam dos Exercícios Espirituais de autoria do sacerdote português José Tolentino de Mendonça e intitulados “Aprendizes do estupor”.

Cidade do Vaticano 

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Papa Francisco entrando na sala de meditação para os Exercícios Espirituais da Quaresma.

Durante toda esta semana, o Papa Francisco se encontra em Ariccia, nas proximidades de Roma, para os Exercícios Espirituais de Quaresma. Até o próximo domingo (25/02), estão suspensas todas as audiências públicas do Santo Padre, inclusive a Audiência Geral de quarta-feira, e as homilias na Casa Santa Marta.

Na manhã de segunda-feira, após as orações, o Pontífice e os colaboradores prosseguiram o retiro iniciado no domingo. Este ano, pela primeira vez, o pregador vem de Portugal.

A segunda meditação proposta pelo Pe. José Tolentino de Mendonça ao Papa e aos seus colaboradores foi dedicada ao tema “A ciência da sede”.

O tema foi inspirado na última frase pronunciada por Jesus no livro do Apocalipse (Ap 22, 17), “Quem tem sede, venha”.

O sacerdote português alternou citações bíblicas a obras de teólogos, escritores, poetas e dramaturgos como Milan Kundera, Henri de Lubac, Emily Dickinson, Eugène Ionesco, Saint-Exupéry.

No trecho do Apocalipse, as palavras usadas são “quem tem sede”, “quem quiser” – expressões que se referem a nós, afirmou Pe. Tolentino.

Estamos tão próximos da fonte e vamos para tão longe, perdidos em desertos, em busca da torrente que nos mate a sede e ignorando assim ‘o dom que Deus tem para nos dar’.”

 

A dor da nossa sede

Não é fácil reconhecer que sentimos sede, prosseguiu o sacerdote, “porque a sede é uma dor que se descobre pouco a pouco dentro de nós”, por trás das nossas habituais narrações defensivas ou idealizadas.

Há uma violência no mundo e em nós mesmos que vem da sede, do medo da sede, do pânico de não ter as condições de sobrevivência garantidas.

Nós nos revoltamos uns contra os outros. A dor da nossa sede é a dor da vulnerabilidade extrema, quando os nossos limites nos comprimem.

O sacerdote português citou o consumismo dos centros comerciais, mas ressaltou que não devemos nos esquecer que existe também um consumismo na vida espiritual. As sociedades que impõem o consumo como critério de felicidade transformam o desejo numa armadilha.

O objeto do nosso desejo é uma entidade ausente, um objeto inesgotável. O Senhor, porém, não cessa de nos dizer: «Quem tem sede, venha; quem quiser, tome de graça da água da vida».

 

O caminho da nossa sede

Para o Pe. Tolentino, existem muitos modos de enganar as necessidades que nos dão vida e adotar uma atitude de evasão espiritual sem jamais, porém, se conscientizar de que estamos em fuga.

Também aqui, como em outros âmbitos da vida, afimou, a verdadeira conversão não consistirá em belas teorias, mas em decisões que resultem de uma efetiva conscientização das nossas necessidades.

 

Nem que fosse um único copo de água

O trecho do Apocalipse volta ao final da meditação. «Quem tiver sede, venha…» Certamente não bebemos para matar a sede. Jesus sabe que um simples copo de água que damos ou recebemos não é algo banal. É um gesto que dialoga com dimensões profundas da existência, porque vai ao encontro daquela sede que está presente em todo ser humano, e é sede de relação, de aceitação e de amor.

“Carregamos conosco tantas sedes. A sede é um patrimônio biográfico que somos chamados a reconhecer e do qual somos gratos. Depositemos em Deus a nossa sede.”

(os grifos são nossos)

Fonte:

Vatican News

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